Análise morfoestrutural na porção leste da Ilha do Marajó/PA

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Transcrição:

Análise morfoestrutural na porção leste da Ilha do Marajó/PA 1 Lena Simone Barata Souza 2 Dilce de Fátima Rossetti 1 Universidade de São Paulo/Instituto de Geociências (Curso de Pós-Graduação em Geoquímica e Geotectônica) USP/IGc-CPGG Rua do Lago, 562 Cidade Universitária - 05508-900 São Paulo - SP, Brasil lenabarata@yahoo.com.br 2 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE Caixa Postal 515-12245-970 - São José dos Campos - SP, Brasil rossetti@dsr.inpe.br Abstract. Analysis of drainage basins combining remote sensing and cartographic data might provide significant information for the recognition of morphostructural lineaments and, thus, understanding structural frameworks. This type of approach applied to an area of eastern Marajó Island revealed that the modern drainage basins are tectonic controlled. The three drainage basins characterized herein, which include the rio Arari, Camará and the Paracauari basins, display several anomalies that are consistent with this interpretation. These mostly include rapid changes in patterns that range from trellis, rectangular, multibasin to sub-parallel; channels that are connected in straight angles; rapid changes from meandering to straight channels; localized meandering and highly asymmetric basins. Additionally, comparisons between modern drainages and paleochannels indicate a drastic change from main east/north to southeast flowing basins. These characteristics are consistent with previously proposal of a slight subsidence of the eastern Marajó, as a result of the establishment of Marajó bay. Palavras-chave: anomalias de drenagem, tectônica, paleocanais, Ilha do Marajó, evolução quaternária. 1. Introdução A análise de redes de drenagem atual se constitui em ferramenta de grande interesse para o mapeamento de lineamentos morfoestruturais, dado seu interesse no reconhecimento de feições tectônicas que possam auxiliar o entendimento do arcabouço estrutural. Estudos anteriores mostram que muitos canais fluviais da Amazônia, tanto atuais, quanto passados, têm controle estrutural (RADAM 1974, Bemerguy 1981, 1997, Rossetti et al. 2007). Particularmente, em áreas de altitudes baixas, como é o caso da Ilha do Marajó onde a caracterização do relevo é pouco significativa, a análise de drenagem torna-se de especial interesse na caracterização geológica do terreno. A Ilha do Marajó mostra evolução sedimentar caracterizada por grande dinamismo durante o Quaternário. Isto é revelado, principalmente, por uma abundância de paleocanais, excepcionalmente bem preservados em sua paisagem, e passíveis de serem detectados até mesmo sob densa cobertura vegetal (Rossetti e Valeriano 2007, Mantelli 2008). Trabalhos recentes integrando dados de sensoriamento remoto e sedimentológico-estratigráficos levaram ao estabelecimento de um modelo geológico evolutivo para essa área ligado a reativações de falhas tectônicas (Rossetti et al. 2008b). Estas movimentações teriam afetado, em especial, a margem leste da Ilha do Marajó, resultando em consequente criação de espaço de acomodação de sedimentos durante o Pleistoceno tardio e Holoceno. Apesar de trabalhos anteriores (p.e., Bemerguy 1981, Rossetti e Valeriano 2007, Rossetti et al. 2008b) já terem destacado a relevância de reativações tectônicas na Ilha do Marajó, estudos complementares são necessários a fim de fornecer elementos adicionais que possam ser utilizados para sustentar este modelo. A carência de afloramentos naturais na Ilha do Marajó requer o emprego de técnicas de investigação indireta, que possam auxiliar na caracterização de seu arcabouço tectônico. Neste contexto, o mapeamento de lineamento morfoestruturais se constitui em uma ferramenta de

interesse, por ter potencial de revelar a presença de estruturas tectônicas. Para o leste da Ilha, trabalhos enfatizando a caracterização de sistemas de drenagens atuais visando sua aplicação para o entendimento do arcabouço estrutural foram feitos somente em caráter regional (Bemerguy 1981, Rossetti et al. 2008a). O objetivo deste trabalho é fornecer uma análise detalhada de bacias de drenagem no leste da Ilha do Marajó (Figura 1), visando-se contribuir com elementos complementares que reforcem a importância de movimentações tectônicas em sua evolução quaternária. 2. Material e Métodos A caracterização morfoestrutural apresentada neste trabalho baseou-se na análise de imagens Landsat 5-TM (Refs 224-060 e 225-061, INPE) e Landsat 7-ETM (Refs 223-060 e 223-061, GLCF), adquiridas em Agosto de 2001. Essas cenas foram escolhidas por excepcionalmente mostrarem a área de estudo livre de nuvens. As imagens foram processadas no aplicativo SPRING, estabelecendo-se esquemas de composição de bandas. A composição 4 (R), 5 (G) e 7 (B) foi a que melhor possibilitou a visualização da rede de drenagem na área de estudo, tendo sido, portanto escolhida para este mapeamento. Esta composição possibilitou, também, o reconhecimento de feições morfológicas relacionadas a drenagens pretéritas que foram abandonadas antes do estabelecimento da drenagem atual, cujo mapeamento é também importante para se entender à dinâmica de mudanças do ambiente físico nos últimos estágios de evolução da ilha. Apesar das limitações de resolução, dados de elevação digital obtidos pelo Shuttle Radar Topography Mission-SRTM, foram complementarmente utilizados neste estudo. Estes dados foram processados no aplicativo Global Mapper, aplicando-se procedimentos simples de criação de paletas de cores e de tons de cinza. Figura 1. Localização da área de estudo na porção leste da Ilha do Marajó.

Em combinação aos produtos de sensoriamento remoto, utilizaram-se, ainda, mapas digitais de drenagem elaborados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM). 3. Resultados 3.1. Caracterização da rede de drenagem atual O mapa da drenagem atual (Figura 2) mostrou que a área de estudo apresenta densidade e padrões que são compatíveis com forte controle, tanto de feições morfológicas pré-existentes, quando de feições tectônicas. A densidade de drenagem varia, em geral, de forte a média. É interessante observar que várias áreas com densidade de drenagem baixa a muito baixa têm configurações alongadas. A comparação do mapa de drenagem com o mapa de paleocanais (Figura 3) revelou que essas áreas alongadas com baixa densidade de drenagem correspondem aos locais de maior concentração de paleocanais. Portanto, estes funcionam como os principais divisores das sub-bacias de drenagem na área em questão. A drenagem da área de estudo é representada por três bacias principais, correspondentes ao rio Arari, Camará e Paracauari. 3.1.1. Bacia do rio Arari A bacia do rio Arari posiciona-se, em grande parte, na porção ocidental da área pesquisada, totalizando 864 km 2, sendo caracterizada por inúmeros paleocanais, principalmente em sua porção noroeste. Limita-se, a sudeste com o rio Murutucu, a nordeste com o Igarapé Santo Antonio, no extremo norte com os rios Anajás e Almas e no extremo sul com o rio Laranjeiras. O fluxo do curso d água do rio Arari mostra-se com ângulo de inflexão de 90º, tanto de montante a jusante ao longo da bacia, indo de N-S para E-W, formando retângulos abertos geralmente para nordeste.

Figura 2. Mapa das bacias de drenagem da área de estudo no leste da Ilha do Marajó, obtido a partir de complementações feitas sobre o mapa de drenagem digital do IBGE/SIVAM, utilizando-se imagens Landsat e dados SRTM. Figura 3. Paleocanais mapeados na área de estudo. (A) Imagem Landsat composição 4 (R), 5 (G) e 7 (B). (B) Mapa digitalizado manualmente sobre a imagem mostrada em (A). Esta bacia é do tipo exorréica, de densidade e assimetria fortes. Há incidência de paleocanais pontuais, de extensões inferiores a 15 km (Figura 3). A característica marcante é a presença dos lagos, principalmente na sua porção mediana e à jusante, onde eles apresentam maiores dimensões. Em geral, os lagos têm larguras e comprimentos variando de 0,4 a 5 km e 0,6 a 10 km, respectivamente. Possuem geometria alongada, e ocorrem na junção de canais/paleocanais, que se interceptam em ângulo ora agudo, ora reto. O padrão dominante sua porção central dessa bacia é o treliça recurvada a multibacinal. No extremo norte ocorrem padrões treliça recurvada e subparalelo e, para sudeste, multibacinal a sub-treliça (Figura 4). O rio Arari tem como grande anomalia de drenagem, meandramentos comprimidos, principalmente no extremo norte e noroeste da bacia, mas que passa rapidamente, à jusante, para canais retilíneos. É interessante observar que estas anomalias de drenagem ocorrem em associação a padrões de drenagem treliça recurvada a multibacinal e subparalelo a retangular. 3.1.2 Bacia do rio Camará Esta é a bacia hidrográfica mais extensa da área de estudo, estando localizada em sua parte central, onde perfaz um total de 1.067 km2. Limita-se a sudeste com o rio São Miguel. A presença dos paleocanais é similar à bacia anterior, no entanto, possui o maior paleocanal das bacias hidrográficas discutidas, alcançando quase 50 km, que serviu como divisor de drenagem entre esta bacia e a do rio Arari (Figura 3). O rio Camará apresenta morfologia quase que totalmente retilínea ao longo de seu curso que tende a ser anastomosado. Na sua jusante, extremo sul, este rio passa a ser meandrante. Ao contrário do rio Arari, que possui ângulos de inflexões de 90º desde sua montante até jusante, este rio possui apenas uma grande inflexão, também de 90º, em sua porção mediana, passando a fluir de E-W para N-S. Em direção à sua jusante, há leve mudança de direção do fluxo indo de N-S para SE, sendo que, no geral, corre na direção NW-SE.

A bacia do rio Câmara é do tipo exorréica, com densidade média e de forte assimetria, com incidência moderada de lagos, os quais se acham, preferencialmente, em sua margem direita. A largura e comprimento dos lagos oscilam entre 0,3 a 3,5 km e 0,7 a 4 km, respectivamente, e a geometria varia de subalongada a subarredondada. Não há um padrão de drenagem regular nessa bacia, que é dominada por vários padrões incluindo desde treliça recurvada, multibacinal a treliça recurvada e subparalelo (Figura 4). Como grande anomalia de drenagem observada tem-se meandramentos localizados no extremo sul, associados aos padrões de drenagem multibacinal a treliça recurvada e subparalelo. 3.1.3 Bacia do rio Paracauari É a menor bacia hidrográfica da área de estudo, estando posicionada em sua parte oriental, onde totaliza 608 km 2. A sudoeste, o rio Paracauari liga-se com ao rio Cambu. O rio Paracauari, por ser altamente meandrante, possui desvios moderados de seu curso d água, sendo que, para sua montante, flui E-W, enquanto que para sua jusante, sofre alta inflexão (i. e., ângulo de 90º), fluindo para N-S e SE. Esta bacia é do tipo exorréica, de densidade média e forte assimetria. O padrão de drenagem, em geral, é o treliça recurvada a multibacinal, sendo que para oeste ocorre treliça direcional a multibacinal, e para o extremo sul multibasinal a retangular (Figura 4). Não ocorrem paleocanais em associação com esta bacia (Figura 3), enquanto que lagos são comuns, e possuem dimensões e incidências similares ao da bacia do rio Arari. As anomalias de drenagem observadas são os meandramentos localizados e os comprimidos. Este último tende a canais relativamente mais retilíneos à montante da bacia. Uma característica marcante desta bacia é a natureza fortemente meandrante do canal principal, em seu baixo curso, enquanto que, para montante, segmentos de canal meandrante mudam rapidamente para retilíneos, com junções em ângulos retos. Também nesta bacia ocorrem lagos alongados, formando cinturões que são naturalmente prolongáveis, em continuidade, com outros lagos alongados. Tal situação ocorre, mais especificamente, no extremo sul da bacia, onde os tributários acham-se arranjados configurando padrão anastomosado.

Figura 4. Bacias de drenagem caracterizadas na área de estudo. 3.2 Fator de Assimetria Com o intuito de complementar os dados de drenagem, e levantar dados que possibilitem interpretar os lineamentos morfoestruturais, fez-se o cálculo do Fator de Assimetria (FA) considerando-se os principais rios das bacias de drenagem definidas acima. Tal fator possui um elevado grau de aplicação no reconhecimento de terrenos que tenham sofrido algum tipo de basculamento, sugerindo o sentido das movimentações dos blocos falhados (Keller e Pinter 1996). O fator de assimetria é calculado pela seguinte fórmula: FA= 100 (Ad/At) (1) Onde: FA=fator de assimetria; Ad=área da margem direita da bacia de drenagem; e At= área total da bacia de drenagem. Os valores de FA obtidos para as bacias estudadas constam da tabela 1. Os dados revelam que as bacias dos rios Camará e Paracauari apresentam os maiores valores de assimetria, correspondente a FA = 70 em ambas as bacias, uma vez que a área à esquerda desses rios é predominantemente inferior à direita. Já a bacia do rio Arari, é a menos assimétrica relativamente às demais, como indicado por valor de FA = 39. Tabela 1 Fator de Assimetria das sub-bacias de drenagem. Bacia Área da margem direita da bacia (Ad) (km 2 ) Área total da bacia (At) (km 2 ) Fator de Assimetria (FA) Arari 277 710 39 Camará 704 1.004 70 Paracauari 428 611 70 4. Discussão e Conclusão A análise das bacias de drenagem na área de estudo revelou que os elementos de drenagem têm forte controle relacionado a estruturas tectônicas. Tal fato é refletido pelas seguintes características: (1) amplo domínio do padrão treliça e suas variações, bem como do multibasinal e, secundariamente, retangular e subparalelo; (2) rápida mudança de padrão de drenagem dentro de uma mesma bacia; (3) presença de padrão retangular; (4) alternância abrupta de fluxo dos cursos d água em ângulos de 90º, observada principalmente nos rios Arari e Camará, onde configuram-se feições em retângulo aberto; e (5) identificação de meandramentos localizados e, às vezes, comprimidos em canais quase que retilíneos. Segundo vários autores, estes fatos são relacionados a feições de drenagem com estruturas tectônicas (Bezerra 1983, Silva 2005, Mantelli 2008). É interessante notar que na bacia do rio Camará, identificou-se o maior paleocanal da área, o qual pode ter servido como divisor entre esta bacia e a do rio Arari. O forte controle tectônico na área de estudo é, ainda, sugerido pelo FA calculado para as bacias de drenagem. Isto porque bacias muito assimétricas, com FA muito inferior ou muito superior a 50, têm grande probabilidade de serem tectonicamente controladas. De acordo com Keller e Pinter (1996), Marques Neto e Viadana (2006), FA > 50 sugere basculamento para a esquerda de uma bacia, e FA < 50, sugere basculamento para a sua direita. Somados à presença de feições de drenagem indicativas de controle tectônico, os valores de FA=70 para as bacias dos rios Camará e Paracauari sugerem áreas maiores à direita desses rios, indicando basculamentos para a esquerda. Valor inferior a 50 foi encontrado na bacia do rio Arari, sendo a maior área desta à esquerda, refletindo basculamento para a direita, embora de forma mais suave que nas outras duas, como indicado por FA=39.

A comparação entre as bacias de drenagens atuais e passadas, sustenta mudança no sistema de drenagem através do tempo por movimentações no terreno. Assim, a paleodrenagem indica fluxo principal de leste para oeste e de sul para norte, dominantemente representada pelo paleoestuário Arari (Figura 3). A drenagem moderna flui, de modo geral, para sudeste, desaguando na baía do Marajó. Esta mudança de fluxos é consistente com modelo evolutivo quaternário proposto para a Ilha do Marajó (Rossetti et al. 2008a, b). Isto porque, de acordo com estes autores, o paleoestuário Arari teria sido abandonado no leste da ilha quando esta se destacou do continente, processo este que resultou na abertura da Baía do Marajó devido a causas tectônicas. A abertura dessa baía interrompeu o fluxo fluvial derivado de áreas continentais para o interior da ilha, causando o abandono do paleoestuário Arari. À medida que este processo ocorreu, as bacias de drenagem passaram a ser capturadas e desviadas para sudeste, fluindo em direção à baía do Marajó. A análise detalhada de sistemas de drenagem com apoio de ferramentas de sensoriamento remoto pode disponibilizar informações significativas para o entendimento da dinâmica evolutiva da drenagem amazônica. 5. Agradecimentos Este trabalho foi financiado pela FAPESP (Projeto#004/15518-6). 6. Referências Bibliográfica Bemerguy, R. L. Morfotectônica e evolução paleogeográfica da região da calha do Rio Amazonas. 1997. 200 p. Tese de Doutorado NCGC-UFPA, Belém (PA). 1997. Bemerguy, R. L. Estudo Sedimentológico dos Paleocanais da Região do Rio Paracauari, Ilha do Marajó Estado do Pará. 1981. 95 p. Dissertação de Mestrado NCGG-UFPA. Belém (PA), 1981. Bezerra, P. E. L. Compartimentação morfotectônica do interflúvio Solimões-Negro. 1983. 100 p. Tese de Doutorado CPGG-UFPA, Belém (PA). 1983. Keller, E. A.; Pinter, N. Active Tectonics: earthquakes, uplift, and landscape. New Jersey: Prentice-Hall, 1996. 338 p. Mantelli, L. R. Caracterização geomorfológica no sudoeste da Ilha do Marajó análise de modelos de elevação digital. 2008. 70 p. Dissertação (Mestrado em Sensoriamento Remoto) Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos. 2008. Marques Neto, R.; Viadana, A. G. Morfotectônica na Bacia do Ribeirão Vermelho (São Thomé das Letras- MG): avanços nos estudos neotectônicos no setor meridional do Estado de Minas Gerais. Estudos Geográficos, v. 4, n. 1, p. 67-77, 2006. RADAMBRASIL. Geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Folha SA.22 Belém Rio de Janeiro: DNPM, 1974. 1 mapa col. (Levantamento de Recursos Naturais, 5). Rossetti, D. F.; Valeriano, M. M. Evolution of the lowest amazon basin modeled from the integration of geological and SRTM topographic data. Catena, v. 70, n. 2, p. 253-265. 2007. Rossetti, D. F.; Valeriano, M. M.; Thallês, M. An abandoned estuary within Marajó Island: implications for late quaternary paleogeography of northern Brazil. Estuaries and Coasts, v. 30, n.5, p. 813-826. 2007. Rossetti, D. F.; Góes, A. M.; Valeriano, M. M.; Miranda, M. C. C. Quaternary tectonics in a passive margin: Marajó Island, northern Brazil. Journal of Quaternary Science, v. 23, p. 121-135. 2008b. Rossetti, D. F.; Góes, A. M.; Valeriano, M. M.; Thallês, M. Paleodrainage in Marajó Island (northern Brazil) and its relation to Holocene relative sea-level dynamics. Holocene, v. 18, p. 923-934. 2008a.

Silva, C. L. Análise da tectônica cenozóica da região de Manaus e adjacências. 2005. 306 p. Tese de Doutorado, Rio Claro (SP). 2005.