ESTIMATIVA PRELIMINAR DA EXPOSIÇÃO DA POPULAÇÃO INFANTIL AOS ÉSTERES DE 3-MCPD E DE GLICIDOL DECORRENTE DO CONSUMO DE FÓRMULAS INFANTIS A.P. Arisseto 1, G.R. Scaranelo 1, E. Vicente 2 1-Departamento de Ciência de Alimentos Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Faculdade de Engenharia de Alimentos CEP: 13083-862 Campinas SP Brasil, Telefone: 55 (19) 3521-2154 Fax: 55 (19) 3521-2153 e-mail: (adriana.arisseto@gmail.com). 2-Centro de Ciência e Qualidade de Alimentos Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL) CEP: 13070-178 Campinas SP Brasil, Telefone: 55 (19) 3743-1700 Fax: 55 (19) 3743-1799. RESUMO - Altas concentrações de ésteres de 3-monocloropropano-1,2-diol (3-MCPDE) e glicidol (GE) vêm sendo reportadas em óleos e gorduras vegetais refinados, especialmente em produtos derivados da palma (Elaeis guineenses Jacq.). Como consequência, diversos alimentos que contêm estes ingredientes, como fórmulas infantis, têm apresentado altos níveis destes compostos. A presença de 3-MCPDE e GE na dieta e sua hidrólise pelas enzimas do sistema digestivo libera as formas livres destes ésteres (3-MCPD e glicidol), que são potencialmente tóxicas e consistem em uma preocupação recente de saúde pública. Com base em dados de ocorrência em fórmulas infantis obtidos previamente em amostras nacionais, o objetivo deste trabalho foi estimar a ingestão da população infantil e verificar se a exposição a estes compostos pode representar riscos potenciais à saúde. Os cálculos foram realizados para médios e altos consumidores, considerando diferentes cenários de consumo e contaminação de fórmulas infantis. Situações de risco foram identificadas em alguns destes cenários. ABSTRACT - High concentrations of esters of 3-monochloropropane-1,2-diol (3-MCPDE) and glycidol (GE) have been reported in refined vegetable oils and fats, especially in palm products (Elaeis guineenses Jacq.). As a consequence, foods that may contain these ingredients, such as infant formula, have shown high levels of these esters. The presence of 3-MCPDE and GE in the diet and their hydrolysis by enzymes of the human gut releases free 3-MCPD and glycidol, which are potentially toxic and represent a recent public health concern. Based on occurrence data in infant formula previously obtained in national samples, the objective of this work was to estimate the intake of the infant population and verify if the exposure to these compounds may pose potential risks to health. Calculations were performed for average and high consumers, considering different scenarios for infant formula consumption and contamination. Risks were identified in some situations. PALAVRAS-CHAVE: cloropropanóis; fórmula infantil; óleos vegetais; risco; segurança alimentar. KEYWORDS: chloropropanols; infant formula; vegetable oils; risks; food safety. 1. INTRODUÇÃO Os cloropropanóis, incluindo o 3-monocloropropano-1,2-diol (3-MCPD), constituem um conhecido grupo de contaminantes químicos formados a partir de lipídeos e cloretos durante o tratamento térmico de diversos alimentos e ingredientes alimentícios. O glicidol (G) é um composto
orgânico caracterizado estruturalmente por uma molécula de glicerol contendo os grupos funcionais epóxido e álcool. As formas ligadas dessas substâncias correspondem aos seus ésteres com ácidos graxos (3-MCPDE e GE, respectivamente). Altas concentrações destes ésteres vêm sendo frequentemente reportadas em óleos e gorduras vegetais, especialmente em produtos derivados do fruto da palmeira oleaginosa Elaeis guineenses Jacq. (palma), como resultado da etapa de desodorização do processo de refino (Arisseto et al., 2013). 3-MCPDE e GE são hidrolisados pelas enzimas do sistema digestivo humano, liberando suas formas livres, 3-MCPD e glicidol, que são potencialmente tóxicas e representam uma preocupação recente de saúde pública. O potencial tóxico do 3-MCPD inclui propriedades nefrotóxicas, efeitos adversos na reprodução e capacidade de induzir câncer em animais experimentais, sendo classificado como um possível carcinógeno humano (grupo 2B) (IARC, 2012). O glicidol é um carcinógeno genotóxico classificado como provável carcinógeno humano (grupo 2A) (IARC, 2000). Com base nos conhecimentos a respeito do uso de óleos vegetais refinados em fórmulas infantis e em dados de ocorrência de 3-MCPDE e GE em amostras nacionais, o objetivo deste trabalho foi estimar a ingestão da população infantil a estes contaminantes e verificar se a exposição a estes compostos pode representar riscos potenciais à saúde. 2. MATERIAL E MÉTODOS 2.1. Material Padrões: 1,2-dipalmitato-3-MCPD (PP-3-MCPD) e padrão interno 1,2-dipalmitato-3-MCPDd5 (PP-3-MCPD-d5) com 98% de pureza; 1-palmitato de glicidol (P-Gly) e padrão interno 1-palmitato de glicidol-d5 (P-Gly-d5) com 98% de pureza (Toronto Research Chemicals). Solventes e reagentes: metanol (Tedia); bicarbonato de sódio, acetona, sulfato de amônio e ácido sulfúrico (Synth); tetrahidrofurano (THF), tolueno, éter metil terc-butílico (MTBE) e brometo de sódio (Sigma-Aldrich); ácido fenilborônico (PBA) (Fluka Analitica). Amostras: 40 amostras de fórmulas infantis de 5 diferentes fabricantes coletadas no comércio da cidade de Campinas-SP, incluindo amostras à base de leite de vaca e de soja bem como produtos destinados a lactentes e crianças de primeira infância, contendo diferentes ingredientes como prebióticos, nucleotídeos, ácidos graxos essenciais, entre outros, que a criança pode não ser capaz de sintetizar. As amostras foram analisadas como adquiridas (não reconstituídas), em duplicata. 2.2 Métodos Determinação de 3-MCPDE e GE nas amostras de fórmulas infantis: O preparo da amostra para a extração do óleo foi realizada de acordo com Ermacora e Hrncirik (2014). A conversão dos ésteres de glicidol a ésteres de 3-bromopropano-1,2-diol (3-MBPD) foi feita conforme descrito no método AOCS Official Methods Cd 29b-13 (AOCS, 2013). A transesterificação, a derivatização e a análise cromatográfica foram realizadas de acordo com Arisseto et al. (2014). Resumidamente, o óleo foi extraído da amostra com uma solução de hexano:mtbe. GE foram convertidos a ésteres 3-bromopropano-1,2-diol (3-MBPDE) na presença de uma solução ácida de brometo de sódio. Em seguida, foram realizadas a transesterificação catalisada por ácido, neutralização com bicarbonato de sódio, salting-out dos ésteres metílicos de ácidos graxos na presença de uma solução de sulfato de amônio 20%, derivatização do 3-MCPD e 3-MBPD liberado com PBA e análise por cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas (GC-MS). O procedimento foi validado intralaboratorialmente em relação à linearidade, seletividade, limites de detecção (LOD) e quantificação (LOQ), exatidão e precisão (repetibilidade e
reprodutibilidade intermediária) de acordo com o documento de orientação do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO, 2011). Estimativa de ingestão de 3-MCPDE e GE: A ingestão foi estimada considerando tanto as concentrações médias quanto as concentrações correspondentes ao percentil 95 (P95) dos compostos nas amostras, de forma a representar médios e altos consumidores, respectivamente. O fator de diluição médio aplicado, considerando a reconstituição da fórmula em água, foi de 4,5 g do produto em pó para 30 ml de água, de acordo com informações descritas no rótulo das amostras. O volume correspondente a uma (01) mamadeira foi de 150 ml. O peso corpóreo médio considerado foi de 5,6 kg para crianças de zero a 6 meses e de 9,6 kg para crianças de 6 a 24 meses. A ingestão dos contaminantes, em µg/kg peso corpóreo (pc)/dia, decorrente do consumo de 01 mamadeira foi estimada de acordo com a Equação 1: Concentração (mg/kg) x 22,5 Ingestão = (1) Peso corpóreo (kg) Caracterização do risco: Para ambos os compostos, considerou-se que 100% dos ésteres são convertidos às suas formas livres, conforme sugerido em outros trabalhos (EFSA, 2016). Em relação ao 3-MCPD, os níveis de ingestão estimados foram comparados à ingestão diária máxima tolerável provisória (PMTDI) de 2 µg/kg pc estabelecida pelo Comitê Conjunto FAO/WHO de Especialistas em Aditivos Alimentares - JECFA (FAO/WHO, 2002) e à ingestão diária tolerável (TDI) de 0,8 µg/kg pc recentemente sugerida pela Autoridade Europeia em Segurança Alimentar (EFSA, 2016). Para o glicidol, foram calculadas as margens de exposição (MOE) de acordo com a Equação 2, considerando como dose de referência toxicológica a T25 de 10,2 mg/kg pc/dia estabelecida para efeitos neoplásicos em ratos. MOEs acima de 25.000 foram consideradas de baixa preocupação à saúde (EFSA, 2016). Dose de referência toxicológica (T25) Margem de Exposição (MOE) = (2) Ingestão estimada 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO As concentrações de 3-MCPDE e GE nas amostras de fórmulas infantis analisadas estão ilustradas na Figura 1. Para 3-MCPDE, os níveis variaram de não detectável (ND) a 0,60 mg/kg. Um total de 25 amostras (63%) estiveram abaixo do LOQ e as concentrações médias e P95 foram 0,15 e 0,35 mg/kg, respectivamente. Para GE, os níveis variaram de ND a 0,75 mg/kg. Um total de 23 (58%) amostras apresentaram resultados não quantificáveis (<LOQ) e as concentrações médias e P95 foram 0,21 e 0,63 mg/kg, respectivamente. Os resultados obtidos são comparáveis àqueles já reportados na literatura por Zelinková et al. (2009) (entre 0,06 e 0,59 mg/kg).
Figura 1 - Níveis de ésteres de 3-MCPD e de glicidol em fórmulas infantis (N: número de amostras; LOQ: limite de quantificação; LOD: limite de detecção). A Figura 2 mostra a ingestão estimada de 3-MCPDE e de GE para médios e altos consumidores de zero a 6 meses e de 6 a 24 meses de idade, considerando o consumo de 1, 2 e 3 mamadeiras por dia. Para 3-MCPDE, as ingestões estimadas variaram de 0,35 a 4,22 µg/kg pc/dia enquanto que para o GE, o valores estiveram entre 0,49 e 7,59 µg/kg pc/dia. A população de zero a 6 meses apresentou nível de exposição mais elevado, em função de seu menor peso corpóreo. Conforme observado, a ingestão estimada de 3-MCPDE pode ultrapassar o valor da PMTDI de 2 µg/kg pc estabelecida para o 3-MCPD no caso de crianças de zero a 6 meses que consomem de 2 a 3 mamadeiras e de crianças de 6 a 24 meses que consomem 3 mamadeiras por dia preparadas com fórmulas infantis contendo altos níveis de 3-MCPDE (P95), o que pode sugerir riscos potenciais à saúde. Nos demais cenários considerados, a ingestão estimada esteve abaixo da PMTDI. Por outro lado, quando os valores foram comparados à TDI de 0,8 µg/kg pc estabelecida recentemente pela EFSA (2016), 9 dos 12 cenários avaliados apresentaram valores superiores ao considerado seguro, inclusive para indivíduos que consomem fórmulas contendo concentrações médias dos contaminantes.
Para GE, as margens de exposição calculadas variaram de 1.344 a 20.816, sugerindo preocupação em todos os cenários avaliados. Figura 2 - Estimativa de ingestão de ésteres de 3-MCPD e de glicidol para médios e altos consumidores de zero a 6 meses e de 6 a 24 meses de idade, considerando o consumo de 1, 2 e 3 mamadeiras por dia (pc: peso corpóreo; P95: percentil 95 altos consumidores; PMTDI: Provisional Maximum Tolerable Daily Intake; TDI: Tolerable Daily Intake). 4. CONCLUSÃO Os dados reportados no presente estudo sugerem que os níveis de 3-MCPDE e GE encontrados em fórmulas infantis podem representar preocupação à saúde para a população infantil de zero a 24 meses consumidora desses produtos. Portanto, considera-se altamente desejável que sejam estabelecidos meios de minimizar a formação desses contaminantes durante o processo de desodorização de óleos que serão usados como ingredientes dessas formulações. 5. AGRADECIMENTOS Ao CNPq/PIBIC, pela bolsa concedida.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AOCS (American Oil Chemists' Society). (2013). 2- and 3-MCPD fatty acid esters and glycidol fatty acid esters in edible oils and fats by acid transesterification. AOCS Official Method Cd 29a-13. Arisseto, A. P., Marcolino, P. F. C., Vicente, E., & Sampaio, K. A. (2013). Ésteres de cloropropanóis e de glicidol em alimentos. Química Nova, 36, 1406-1415. Arisseto, A. P., Marcolino, P. F. C, & Vicente, E. (2014). Determination of 3-monochloropropane-1,2- diol fatty acid esters in Brazilian vegetable oils and fats by an in-house validated method. Food Additives and Contaminants: Part A, 31, 1385-1392. EFSA (European Food Safety Authority). (2016). Risks for human health related to the presence of 3- and 2-monochloropropanediol (MCPD), and their fatty acid esters, and glycidyl fatty acid esters in food. EFSA Journal, 14, 4426-4585. Ermacora, A., & Hrnčiřík, K. (2014). Development of an analytical method for the simultaneous analysis of MCPD esters and glycidyl esters in oil-based foodstuffs. Food Additives & Contaminants: Part A, 31, 985-994. JECFA (Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives). (2002). Safety evaluation of certain food additives and contaminants: 3-chloro-1,2-propanediol, International Programme on Chemical Safety. Who Food Additives Series, 48. IARC (International Agency for Research on Cancer). (2000). IARC Monographs on the Evaluation of Carcinogenic Risks to Humans. Lyon: IARC, 77, p. 469. IARC (International Agency for Research on Cancer). (2012). IARC Monographs on the Evaluation of Carcinogenic Risks to Humans. Lyon: IARC, 101, p. 586. INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial). (2011). Orientação sobre validação de métodos de ensaios químicos DOQ-CGCRE-08. Rio de Janeiro: INMETRO; Rev. 04. Zelinková, Z., Dolezal, M., & Velísek, J. (2009). Occurrence of 3-chloropropane-1,2-diol fatty acid esters in infant and baby foods. European Food Research and Technology. 228, 571-578.