Eleição presidencial e política distributiva no Brasil: reavaliando teses Sergio Simoni Junior

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Transcrição:

Eleição presidencial e política distributiva no Brasil: reavaliando teses Sergio Simoni Junior DCP - USP Resumo O debate sobre o impacto do programa Bolsa-Família no desempenho eleitoral presidencial do PT ensejou um volume considerável de estudos. Apesar dos avanços empíricos e metodológicos da literatura, neste artigo procuro argumentar que pouco ainda se sabe sobre os contornos da lógica da competição presidencial brasileira, e sobre os impactos efetivos dos programas de transferência de renda nessa dinâmica. De um lado, busco ressaltar que a literatura pode apresentar problemas de agregação ao considerar os municípios como unidade de análise (para além do debate sobre falácia ecológica): meu argumento é que os estudos deveriam ponderá-los por sua importância no eleitorado nacional, dado que esse é o distrito eleitoral que se desenvolve a eleição presidencial, adaptando, assim, o modelo estatístico de modo a captar o verdadeiro fenômeno político que se pretende estudar. Ao não se fazer isso, os resultados podem dizer pouco sobre a lógica da competição eleitoral. De outro lado, ao modelar apenas o voto no PT,- como a literatura procede-, não sabemos como o Bolsa-Família (e outras variáveis de controle) impactam a votação do PSDB, - problema esse que é ainda mais premente em eleições que não são bipartidárias. A partir do desenvolvimento desses argumentos, apresentarei propostas metodológicas alternativas que utilizam a ponderação dos votos dos partidos pelo tamanho do município e que estimem simultaneamente equações de votos para PT e PSDB. O recorte empírico cobre as eleições de 2002, 2006 e 2010, e inclui como variável independente de interesse, além do PBF, o Bolsa-Escola e Bolsa-Alimentação em 2002, e o Benefício de Prestação Continuada. A partir dos desenhos metodológicos propostos, e da inclusão na análise de outros programas de transferências de renda, com desenhos diferentes em relação ao PBF, a proposta do artigo busca avançar na compreensão da lógica da competição presidencial e dos impactos eleitorais dos programas sociais. VI Seminário Discente da Pós-Graduação em Ciência Política da USP São Paulo, de 02 a 06 de maio de 2016 1

INTRODUÇÃO A maior parte dos estudos sobre as eleições presidenciais brasileiras recentes procura verificar a importância do Programa Bolsa Família (PBF) no desempenho eleitoral do PT e as mudanças de bases eleitorais entre este partido e o PSDB a partir do pleito de 2006, fenômeno que ficou conhecido como realinhamento eleitoral. É importante sublinhar duas teses centrais presentes nessa literatura: o PBF teve impacto efetivo na lógica da competição eleitoral e o PT e PSDB apresentaram base eleitoral inversa entre 2006 e 2002. O desenho de pesquisa presente na maior parte dos estudos utiliza municípios como unidade de análise 1, e define sua variável dependente como a proporção de votos do PT em cada cidade. A proporção de famílias beneficiárias do PBF é uma das variáveis independentes de interesse, assim como a porcentagem de votos do PT na eleição presidencial anterior, que funciona como uma medida de base eleitoral 2. Variáveis de controle incorporadas dizem respeito a fatores econômicos, demográficos e políticos. Os analistas têm boas razões em considerar o município como unidade de análise. Enquanto alguns argumentariam que o efeito do PBF no voto apenas deveria ser analisado com dados individuais, de modo a não cair no problema de falácia ecológica (King, 1997; Bohn, 2011), é importante considerar que muitas das variáveis importantes para o comportamento eleitoral também têm potencial efeito contextual e indireto, de modo que não são adequadamente captadas em dados individuais (Gelman et al., 2007; Katz e King, 1999; Wright, 1989; Soares e Terron, 2008). Destacam-se entre essas variáveis os fatores econômicos, como o crescimento do PIB, fatores demográficos, e o próprio Bolsa-Família. Os resultados de praticamente todas as especificações utilizadas pela literatura mostram que o PBF apresenta um efeito positivo e significativo na proporção de votos do PT nos municípios, donde se infere sua importância para as eleições presidenciais brasileiras 3. 1 As análises que utilizam dados de surveys, como Bohn (2011), Zucco e Power (2013), Rennó et al. (2009), Singer (2012) e outras serão debatidas aqui apenas de passagem. Em trabalhos futuros, irei me aprofundar sobre a temática. 2 Como estou debatendo e utilizando apenas dados agregados, toda vez que me referir à base eleitoral dos partidos estou apontando para suas bases municipais de voto, exceto quando explicitamente assinalado diferente. 3 Por certo, alguns autores procuram minimizar ou refinar esse diagnóstico. Carraro et al. (2009), por exemplo, minimizam a importância do PBF e ressaltam que efeitos econômicos foram mais importantes na eleição de 2006. Corrêa (2015) procura ressaltar que o programa social focalizado ensejou, além de efeitos positivos, efeitos negativos na performance eleitoral do PT. Limongi e Guarnieri (2015), por sua 2

O fenômeno do realinhamento eleitoral, por sua vez, é tido como evidente na literatura 4. Sua demonstração poderia ser realizada de forma mais intuitiva: mapas e correlações de distribuição do voto municipal nas diversas eleições presidenciais mostram que o PT, a partir de 2006, passou a receber suas maiores proporções de voto municipais em cidades pequenas e pobres, principalmente do Nordeste. Essa distribuição seria inversa à base eleitoral tradicional do partido, que, de acordo com a literatura, desde 1989 até 2002 se concentravam no Sudeste e Sul, com ênfase nas grandes metrópoles. Como as cidades menores, nordestinas e pobres são as que também recebem, proporcionalmente, os maiores recursos do Bolsa-Família, o mecanismo causal supostamente estaria fechado: o PBF teria importantes efeitos eleitorais e contribuiu para o realinhamento eleitoral. A literatura expandiu esse tipo de análise para outras disputas. Magalhães et al. (2015) e Marzagão (2013) argumentam que o PBF foi importante também no pleito de 2010. Além disso, ambos os autores ressaltam que a distribuição dos votos na disputa presidencial que o PT obteve em 2006 continuou em 2010, sublinhando a ideia de um realinhamento eleitoral que se mantém no tempo. Zucco (2013), além de reforçar a importância do PBF sobre os resultados de 2010, vai além e afirma que os programas de transferência de renda do governo PSDB, Bolsa-Escola e Bolsa-Alimentação, também contribuíram para os votos da candidatura governista em 2002. Isso seriam evidências de que essas políticas impactam positivamente o voto no incumbente, independente do partido. Em suma, a despeito dos refinamentos realizados e das disputas metodológicas, a literatura apresenta um certo consenso na sua interpretação das eleições presidenciais brasileiras. Neste artigo, procuro discutir esses diagnósticos tanto do ponto de vista metodológico-conceitual quanto do ponto de vista empírico. Minha argumentação é que os resultados apresentados pela literatura não são suficientes para embasar as teses apresentadas. Mais do que isso, buscarei defender que a modelagem estatística que embasa os estudos não é adequadamente apropriada ao fenômeno político de interesse, qual seja, entender a lógica da competição eleitoral presidencial brasileira e os impactos de políticas de transferência de renda. Para tanto, inicialmente através de simples exercícios estatísticos utilizarei os mesmos modelos da literatura para mostrar que as inferências sobre a importância central ou primordial do PBF nos resultados presidenciais devem ser matizadas. Ademais, a própria noção de que as bases eleitorais de 2006 são vez, afirmam que os efeitos da política devem ser analisados conjuntamente com as configurações do quadro partidário, e que seus efeitos são heterogêneos entre as regiões. 4 Limongi e Guarnieri (2015) são praticamente os únicos que apresentam um contraponto. 3

totalmente diversas das bases de 2002 também não encontra total apoio nos dados. Mostrarei como os próprios autores algumas vezes notam resultados que relativizam suas conclusões. Na segunda parte deste artigo, procederei a um exercício mais positivo. Procurarei argumentar que a modelagem utilizada pela literatura não é a mais adequada para compreender os determinantes da eleição presidencial, por duas razões. A primeira (i) argumenta que os modelos, tal como normalmente empregados, não incorporam propriamente a competição eleitoral presidencial. As análises da literatura estimam o retorno eleitoral do PBF apenas sobre o voto do PT em 2006, tendo por base os votos do partido em 2002. Isso ignora uma dimensão importante da competição eleitoral: o leque de decisões oferecidas ao eleitor. É razoável pensar que a decisão de voto no PT depende dos adversários que participam da disputa. É importante lembrar que a eleição de 2002 foi consideravelmente fragmentada, o que necessariamente configura uma base eleitoral para o partido diferente da que observaríamos se considerássemos a eleição de 1998, ou o segundo turno de 2002. A importância de se considerar a competição também se mostra quando é objeto de análise as próprias eleições de 2002 e de 2010. Os resultados da literatura não permitem avaliar se os programas de transferência de renda do PSDB e do PT tiveram impacto direto na competição entre esses partidos, ou se, antes, foram mais efetivos na disputa com outros postulantes. Para analisar esse ponto, utilizarei modelos de seemingly unrelated regression (SUR), tal como proposto por Tomz et al. (2002), que estimam equações simultâneas entre os partidos. A segunda argumentação (ii) consiste em afirmar que, ao utilizar município como unidade de análise e ajustar a variável dependente como a porcentagem de votos do PT na cidade, os modelos estatísticos empregados estão estimando o efeito médio da distribuição do PBF na votação municipal média do PT. Logo, do ponto de vista analítico, a literatura assume que o sistema eleitoral da eleição presidencial brasileira ocorre como um colégio eleitoral, com cerca de 5.500 unidades de igual importância. Dentro dessa lógica, 60% de votos em um município de 1.000 eleitores teriam a mesma utilidade para um partido que busca a vitória eleitoral que 60% em um município de 5.000.000 de eleitores. No entanto, as eleições presidenciais brasileiras têm como distrito todo o território nacional. Um voto ganho (ou perdido) em uma pequena localidade como Borá tem o mesmo peso que um voto ganho (ou perdido) em São Paulo. Entretanto, 1% de votos ganhos (ou perdidos) tem peso completamente diferente. Dessa forma, para modelarmos a competição eleitoral presidencial utilizando municípios como unidade de análise devemos adaptar o modelo estatístico de 4

modo a captar o verdadeiro fenômeno político que estamos estudando. Ao ignorar isso, as interpretações da literatura no que diz respeito ao efeito eleitoral do PBF e à magnitude do realinhamento eleitoral podem estar enviesadas. De modo a enfrentar essa questão, minha proposta consiste em ponderar o peso de cada município tendo em vista sua importância numérica no eleitorado como um todo. Além de replicar os modelos da literatura com esses ajustes, de modo a avançar a compreensão que temos dos impactos das políticas públicas nas eleições presidenciais e para melhor qualificar o impacto do PBF, eu incorporo na análise outra política federal de transferência de renda que tem sido até agora ignorada pela literatura de competição eleitoral: e o Benefício de Prestação Continuidade (BPC). Esse programa consiste em uma transferência incondicional de renda destinada à idosos de baixa renda e pessoas com deficiências com impactos sociais elevados, tal como o PBF (Soares et al., 2006). A despeito de ser um passo inicial em uma discussão maior, os resultados encontrados em todas as análises aqui empreendidas apontam para cenários alternativos à interpretação padrão da literatura. Primeiro, mesmo nos modelos tradicionais da literatura o PBF e os programas de transferência de renda do governo do PSDB não se mostram primordiais para conformar o resultado eleitoral. Segundo, as bases eleitorais dos partidos são importantes, e não se observa movimentos de realinhamento eleitoral ao nível dos municípios no período estudado. Terceiro, a estrutura das ofertas partidárias influencia o impacto das políticas e da base eleitoral dos partidos. E, por fim, no modelo proposto que pondera pelo tamanho dos municípios o PBF perde significância, ao passo que se mostra importante o BPC, o que aponta para a necessidade de aprofundarmos no nosso conhecimento das bases eleitorais dos partidos e do impacto de diferentes programas sociais focalizados na conformação dos resultados eleitorais. QUESTÃO DE PESQUISA Estudos recentes sobre as eleições presidenciais no Brasil têm utilizado modelos de política distributiva para compreender de que forma as políticas públicas impactam a competição eleitoral. No entanto, enquanto análises sobre outros países consideram um conjunto de diversos tipos de políticas (Dalbergh e Johanson, 2002; Levitt e Snyder, 1995; Case, 2001; Diaz-Cayeros, 2012), as análises sobre o caso brasileiro são pautadas exclusivamente sobre o Programa Bolsa-Família. A repercussão no cenário internacional, suas características de ser uma transferência direta de renda para os mais pobres e o impacto altamente eficiente sobre a redução da pobreza e da desigualdade (Bichir, 2010) são 5

provavelmente fatores que levaram os analistas a voltarem sua atenção exclusiva para a importância dessa política principalmente na reeleição de Lula em 2006. Nesta seção, apresentarei como cada um dos principais trabalhos 5, a despeito da diversidade metodológica e de algumas discordâncias explicativas, tem em comum dois diagnósticos: o PBF teve efeito eleitoral na eleição presidencial e ocorreu um realinhamento eleitoral entre 2006 e 2002. Recorrerei a citações dos textos para expressar diretamente as interpretações formuladas pelos autores. No entanto, ao final, sublinharei que algumas evidências e mesmo algumas passagens dos textos matizam ou até contradizem esses diagnósticos. O estudo seminal é de Hunter e Power (2007), que, utilizando simples correlações ao nível dos estados e após escrutínio de diversas hipóteses explicativas, afirmam the social policy story is arguably the single most plausible explanation for Lula s reelection (Hunter e Power, 2007: 20, grifo meu). Mais do que isso, ressaltam que Lula s victory in 2006 may well go down in history for its association with the Bolsa-Família (Hunter e Power, 2007: 24). Esse diagnóstico é corroborado também por Nicolau e Peixoto (2007), que, utilizando métodos multivariados, afirmam que o grau de desenvolvimento social, os valores do programa Bolsa-Família e a Região em que o município se situa foram fundamentais para explicar a variação dos votos na disputa presidencial (Nicolau e Peixoto, 2007: 17, grifo meu) Zucco (2008) em metodologia semelhante a Nicolau e Peixoto (2007), afirma que the shift in Lula s voting base is not surprising (Zucco, 2008: 46), pois, segundo sua tese, incumbentes no Brasil tenderiam a ser eleitos por regiões ricas para depois serem mais sufragados em regiões pobres. No entanto, a base eleitoral do PT em 2006 também foi formatada pelo PBF. A distribuição dos votos do partido, nas suas palavras is both the latest development in the tendency of poorer regions to support the incumbent candidate, and the product of a pragmatic response by voters to direct cash handout from the government (Zucco, 2008: 35). Canedo (2009), utilizando técnicas de inferência ecológica, corrobora as teses de Zucco (2008) e sublinha que nas eleições presidências de 2006 ficou clara a mudança no perfil da votação do candidato reeleito (Canedo, 2009: 4). Modelos de regressão espacial foram empregados por Soares e Terron (2008) para corrigir por auto-correlação nos modelos OLS, mas, a despeito de algumas alterações na magnitude dos efeitos, corroboram os diagnósticos da literatura. Segundo os autores, Há um consenso quanto à mudança geográfica em direção ao norte e nordeste (Soares e Terron, 2008: 270), sendo sua hipótese de que as 5 Cabe ressaltar novamente que discuto apenas análises de dados agregados. 6

políticas públicas 6 implementadas por Lula (...) contaram nas eleições de 2006 (Idem). Refinamentos na hipótese explicativa do PBF foram também realizados por Carraro et al. (2009) e Correia (2015). Os primeiros criticam a ênfase da literatura no PBF, e afirmam que a economia é mais importante para os resultados eleitorais. O segundo defende a hipótese de que PBF ensejou tanto efeitos positivos quanto negativos na votação do PT, devido às características redistributivas do programa. Logo, o programa seria ainda mais importante para a conformação da competição eleitoral, ou nas palavras do autor, ele segue a abordagem corrente da literatura de elevar o programa ao patamar de principal variável explicativa para o padrão eleitoral de 2006 (Correia, 2015: 531). O diagnóstico sobre o impacto do Bolsa Família nos resultados eleitorais foi ampliado para as eleições de 2010 por Magalhães et al. (2015), Zucco (2013) e Marzagão (2014). Zucco (2013, 2015) ainda, analisa as eleições de 2002 e 2014 utilizando métodos de propensity score matching e ressalta o efeito de programas de transferência de renda em todos esses pleitos. Dessa forma, com poucas exceções, o diagnóstico apresentado pela literatura parece claro: o PBF teve centralidade explicativa na conformação da lógica da competição eleitoral e ocorreu um realinhamento eleitoral entre 2002 e 2006. No entanto, uma leitura atenta dos resultados apresentados pelos textos para embasar suas conclusões gera dúvidas. Não é difícil encontrar dados e resultados, e mesmo passagens nos textos que ou no mínimo matizam ou até contradizem seus diagnósticos gerais. Por exemplo, Soares e Terron (2008), ainda que afirmem que ocorreu um realinhamento eleitoral, notam que este movimento (o realinhamento geográfico) talvez não tenha sido forte o suficiente para, sozinho, decidir a eleição de 2006 (Soares e Terron, 2008: 281). Mais do que isso, afirmam que Lula aparentemente manteve sua tradição de ser mais votado pelo eleitorado urbano, principalmente o das grandes metrópoles (Soares e Terron, 2008: 295). Em suma, As bases eleitorais de 2002 continuam apoiando Lula (Idem). Carraro (2009) nota o mesmo resultado: This means that, despite the changes in the electorate s profile, with due controls, there was a spatial continuity in the candidate s support between elections. (Carraro, 2009: 5). Canedo (2009: 30) nota os mesmos padrões: embora haja indicação de que o padrão de votos de Lula tenha mudado entre 2002 e 2006, a votação do mesmo ainda se mostrou bastante influenciada pelo seu desempenho eleitoral passado. 6 Apesar do plural em políticas públicas, os autores analisam apenas o PBF. 7

Sobre o PBF, o autor afirma, o programa Bolsa Família (...) não [é] capaz de explicar a mudança do padrão de votos de Lula entre 2002 e 2006 (Idem). Dessa forma, existe ainda um certo descompasso entre as teses principais defendidas pela literatura e alguns dos resultados e interpretações realizadas pelos próprios autores. Na próxima seção, replico os resultados do modelo base utilizado pela literatura, para depois, através de simples exercícios analíticos, mostrar que as inferências analíticas apresentadas podem ser apressadas. MODELO BASE O modelo básico utilizado pela literatura para estimar o efeito do PBF e da base eleitoral prévia do PT sobre o desempenho do partido em 2006 é uma regressão OLS 7 na qual a proporção de votos do PT no primeiro turno neste ano em cada cidade é regredida sobre a proporção de famílias que recebem o PBF em outubro de 2006, sobre a proporção de votos do PT na cidade no primeiro turno em 2002 (como uma medida de base eleitoral) e sobre uma série de controles com informações sociais, demográficas, econômicas e políticas das cidades. Aqui, eu utilizo como variáveis de controle o modelo padrão utilizado por Zucco (2008): o tamanho da população (em ln), o IDH, a porcentagem de minorias raciais, a porcentagem de evangélicos pentecostais, o PIB per capita (em ln), o crescimento do PIB no ano eleitoral, a porcentagem do PIB formada pelo setor público, a porcentagem de arrecadação do município advinda de recursos próprios, e uma dummy indicando se o prefeito é do PT 8. A tabela abaixo mostra os resultados do modelo padrão da literatura para se analisar a performance do PT eleição de 2006. 7 Pode-se argumentar que OLS não é apropriado para análises de dados em proporções. Antes, dever-se-ia utilizar modelos de regressão beta. Em princípio, essa crítica é válida. No entanto, nenhum estudo, exceto Canedo (2009), utiliza esse modelo, de modo que, para dialogar diretamente com a literatura, mantenho o mesmo estimador. Ademais, a distribuição das variáveis dependentes utilizadas ao longo deste artigo se assemelha a uma distribuição normal, o que torna o uso de OLS menos prejudicial. No entanto, ressalto que pretendo aplicar esses modelos em etapas futuras da pesquisa, e discutir suas implicações. 8 Os resultados aqui diferem um pouco do apresentado pelo autor pois não é muito claro como ele operacionalizou algumas variáveis, por exemplo, como corrigiu pela inflação as variáveis monetárias. No entanto, substantivamente os resultados são bastante similares. Todos os dados foram coletados em órgãos públicos, como IBGE, TSE, MDS, IPEAData. A abrangência do PBF foi definida como: a divisão do número de famílias beneficiárias sobre o número de famílias do município. Trata-se de uma estimativa, pois não tenho o número de famílias em 2006, antes utilizo a média dos dados censitários entre 2000 e 2010, assim como na caso das variáveis % pentecostais e minorias raciais. Todas as variáveis percentuais estão expressas em 0-100%. Outras variáveis utilizadas por alguns estudos, como taxa de urbanização, GINI, renda domiciliar per capita, analfabetismo, mortalidade infantil, porcentagem de pobres e extremamente pobres foram testadas e não modificam substancialmente os resultados. 8

Tabela 1 Modelo padrão - 2006 Modelo Padrão Coeficiente Erro-padrão PT_2006 PBF 0.447 *** (0.0175) Base eleitoral 2002 0.378 *** (0.0120) (Ln) população 1.920 *** (0.147) IDH -27.37 *** (4.616) % Minorias raciais 0.195 *** (0.00950) % Pentecostais -0.0415 (0.0260) % PIB setor público 0.0991 *** (0.0206) % Receita local -0.112 *** (0.0365) Crescimento PIB 0.0746 *** (0.00861) (Ln) PIB per capita -0.622 (0.415) Prefeitura PT -2.380 *** (0.507) Constante 14.93 *** (5.365) N 5422 adj. R 2 0.703 * p < 0.1, ** p < 0.05, *** p < 0.01 Os resultados do modelo mostram que o coeficiente do PBF é positivo e estatisticamente significativo. Ele indica que para cada aumento de 1% no número de famílias beneficiárias do PBF na média dos municípios, os votos do PT em 2006 aumentaram em média 0,45%, com mais ou menos 0,03%, ao nível dos municípios. Logo, os resultados parecem indicar, nessa primeira abordagem, que o programa social foi importante para o resultado eleitoral de 2006. No entanto, mesma utilizando o modelo padrão da literatura, é importante notar que o coeficiente do voto do PT em 2002 é também positivo e significativo. Isso significa que os votos que o partido obteve na eleição anterior são importantes para conformar seu desempenho em 2006. Em outras palavras, observou-se uma manutenção da base eleitoral e não um realinhamento. Alguns resultados das variáveis de controle também não se coadunam com a visão tradicional da literatura. A população municipal é positivamente correlacionada com o desempenho do PT, o que contraria a visão de que o partido foi melhor nas menores cidades. Por sua vez, o PIB per capita municipal não apresenta significância estatística, o que mostra que riqueza de munícipio não está relacionada com o resultado eleitoral (todos esses raciocínios têm como pressuposto que as demais variáveis estão constantes). 9

Esse é o modelo básico da literatura e cujas evidências não são totalmente reformuladas, na grande maioria das vezes, quando se processa outras especificações, como uso de regressões espaciais ou modelos inferências ecológicas. No entanto, mesmo simples observações dos coeficientes levantam dúvidas: houve ou não houve realinhamento? Na próxima seção, procuro discutir esses pontos. Ao discutir o que é base eleitoral, mostro que é importante incorporar no modelo a competição partidária. Inicialmente de forma simples, através de gráficos que mostram o efeito marginal de diferentes valores das variáveis explicativas 9, e depois por meio de modelos mais sofisticados, veremos que a modelagem da competição permite um maior refinamento das análises. IMPACTO DO PBF E COMPETIÇÃO ELEITORAL O modelo padrão estabelece que a base eleitoral tradicional do PT, a partir da qual ocorreria um realinhamento eleitoral, são os votos do primeiro turno de 2002. No entanto, como notam Limongi e Guarnieri (2005), é importante ter em mente que o comportamento eleitoral é sempre condicionado pela estrutura da competição eleitoral. A decisão de voto no PT em uma eleição depende de alternativas apresentadas ao eleitor. Não existe um padrão eleitoral per se. Ele sempre é condicionado pelo leque de partidos que lançam candidaturas. Ao tomar o primeiro turno de 2002 como referência empírica de base eleitoral, é importante lembrar que essa eleição foi razoavelmente fragmentada. Além de PT e PSDB, PSB e PPS obtiveram um bom desempenho. Mais do que isso, a distribuição social e geográfica desses votos não é aleatória, o que influencia a conformação da base eleitoral do PT. Para mostrar a importância da escolha da base eleitoral, as colunas (1) (2) (3) (4) e (5) da tabela abaixo apresentam o resultado do mesmo modelo padrão da literatura com alterações no turno utilizado como variável dependente e na eleição utilizada como variável independente de base eleitoral. Na coluna (1), altero apenas a variável independente, utilizando agora os votos do PT de 1998 como base. Na coluna (2), a base eleitoral é 2002 2º turno. Nas colunas (3), (4) e (5), eu alterei a variável dependente: ela agora é a porcentagem de votos do PT no segundo turno de 2006. As independentes são: 2002 1º turno, 1998 e 2002 2º turno, respectivamente. 9 Cabe notar que a literatura, de modo geral, infere a importância do PBF simplesmente olhando para a magnitude do coeficiente e sua significância. Uma exceção é Canedo (2009) 10

Tabela 2 Eleição de 2006 alternando turno e base eleitoral (1) (2) (3) (4) (5) PT_2006 PT_2006 PT_2006 2T PT_2006 2T PT_2006 2T PBF 0.405 *** 0.421 *** 0.383 *** 0.343 *** 0.355 *** (0.0181) (0.0167) (0.0174) (0.0179) (0.0161) Base eleitoral 2002 1T 0.363 *** (0.0119) Base Eleitoral 1998 0.289 *** 0.277 *** (0.0113) (0.0112) Base eleitoral 2002 2T 0.437 *** 0.467 *** (0.0108) (0.0104) (Ln) população 1.299 *** 1.365 *** 1.879 *** 1.285 *** 1.279 *** (0.153) (0.141) (0.146) (0.152) (0.136) IDH -19.80 *** -44.26 *** -13.03 *** -5.690-33.47 *** (4.723) (4.458) (4.586) (4.686) (4.295) % Minorias raciais 0.254 *** 0.157 *** 0.233 *** 0.289 *** 0.189 *** (0.00979) (0.00917) (0.00944) (0.00971) (0.00884) % Pentecostais -0.0993 *** -0.0727 *** -0.0778 *** -0.134 *** -0.0983 *** (0.0266) (0.0246) (0.0258) (0.0263) (0.0237) % PIB setor público 0.0238 0.0587 *** 0.0970 *** 0.0248 0.0592 *** (0.0211) (0.0196) (0.0205) (0.0210) (0.0189) % Receita local -0.0972 ** -0.0621 * -0.0807 ** -0.0662 * -0.0217 (0.0376) (0.0349) (0.0363) (0.0373) (0.0336) Crescimento PIB 0.0533 *** 0.0706 *** 0.0630 *** 0.0425 *** 0.0599 *** (0.00885) (0.00820) (0.00855) (0.00878) (0.00791) (Ln) PIB per capita -1.461 *** -1.220 *** -1.035 ** -1.836 *** -1.670 *** (0.428) (0.396) (0.413) (0.425) (0.382) Prefeitura PT -1.850 *** -1.893 *** -3.471 *** -2.958 *** -3.122 *** (0.520) (0.482) (0.504) (0.516) (0.464) Constante 32.49 *** 32.97 *** 20.46 *** 37.24 *** 39.56 *** (5.551) (5.132) (5.330) (5.507) (4.945) N 5420 5422 5422 5420 5422 adj. R 2 0.687 0.730 0.676 0.659 0.723 Standard errors in parentheses * p < 0.1, ** p < 0.05, *** p < 0.01 Enquanto o coeficiente do PBF pouco se altera entre os modelos, é de se notar que o impacto da base eleitoral se modifica consideravelmente. Mais do que isso, os coeficientes da base eleitoral dos modelos (2), (3) e (5), - que 11

utilizam a eleição de 2002 primeiro e segundo turnos -, são mais elevados que os coeficientes de base eleitoral de 1998. São, inclusive, maiores que os próprios coeficientes do PBF. Em outras palavras, observando apenas a estimativa dos coeficientes, vemos que a distribuição de voto do PT nas eleições anteriores sempre tem impacto positivo e considerável no padrão de votos em 2006. E essa relação é ainda mais forte quando se considera os resultados de 2002, ao contrário da tese do realinhamento eleitoral propagado pela literatura. As mudanças eleitorais mais fortes para o PT parecem ter ocorrido entre 1998 e 2002. Esse resultado deve ser sublinhado. E para mostrar ainda mais sua importância, procedo para verificar como o valor estimado do voto do PT em 2006 varia conforme se muda os valores de PBF e da base eleitoral do partido. Esse raciocínio é mais adequado para compreender impactos de variáveis do que simplesmente observar os coeficientes e sues erros-padrões. No gráfico 1 abaixo, são mostradas estimativas do voto no PT a partir de determinados valores do PBF. Ajustei o valor do PBF no 10% percentil da sua distribuição, no 25%, na média, no 75% e no 90%. No gráfico 2, a única variável que altera seu valor é a base eleitoral, nos mesmos percentis de sua distribuição. As demais variáveis são mantidas na média. Esse raciocínio é utilizado no modelo padrão da literatura, mas os mesmos resultados, com diferenças de nível, ocorrem nos outros modelos estimados na tabela 2. Gráfico 1 Votos PT 2006 condicionado a diferentes valores PBF Linear Prediction 40 45 50 55 60 65 10.60 17.38 32.45 48.32 58.45 PBF Fonte: elaboração própria. 12

O gráfico 1 mostra que o valor esperado do voto no PT nas cidades em 2006 é de cerca de 42% em média quando o PBF assume o valor do décimo percentil da sua distribuição, qual seja, 10,6% das famílias beneficiadas, e as demais variáveis são mantidas na sua média. No outro extremo, quando o PBF assume 58% de famílias beneficiadas, o modelo estima um voto para o PT de 63% em média. O ponto que quero destacar aqui é que o impacto do PBF é menor do que poderia se esperar pelos diagnósticos da literatura: os extremos de sua distribuição não afetam enormemente o desempenho médio do PT, que foi cerca de 52%, marcado no gráfico pela linha vermelha. Para qualificar melhor essa constatação, o gráfico 2 mostra o mesmo exercício para o caso de variações na base eleitoral. Gráfico 2 Votos PT 2006 condicionado a diferentes valores base eleitoral Linear Prediction 45 50 55 60 26.84 34.47 42.49 50.42 58.04 PT_2002 Fonte: elaboração própria. Pode-se observar que mudanças na variável referente aos votos que o PT obteve em 2002 afetam o desempenho estimado do partido em 2006 de modo semelhante ao PBF. Se ajustarmos a regressão para o décimo percentil da distribuição da base eleitoral, e mantivermos as outras variáveis em suas médias, 13

o resultado estimado é de cerca de 45%, na média. No outro extremo, no percentil 90, o desempenho estimado do partido em 2006 é, em média, de 57%. Em síntese, se levarmos em conta as intepretações formuladas pela literatura, qual sejam, de que o PBF teve um efeito primordial para a conformação do voto do PT em 2006, e de que existiu um realinhamento eleitoral entre 2002 e 2006, os resultados esperados desse exercício empírico realizado seriam radicalmente diversos. Utilizando os mesmos modelos da literatura, podese observar que o impacto do programa social, apesar de estatisticamente significativo, está longe de determinar a eleição. Além disso, as bases de votos do PT em 2006 estão fortemente relacionadas à sua distribuição de votos em 2002, quando ainda era um partido de oposição. Uma outra forma de considerar a importância da competição partidária é modelá-la diretamente na variável dependente. Se o pleito de 2006 foi praticamente bipartidário já no primeiro turno, a eleição de 2002 assistiu a uma considerável fragmentação partidária, e a de 2010 teve uma terceira força importante 10. Zucco (2013) argumenta que as políticas de transferência de renda foram importantes também nessas duas eleições. O Programa Bolsa-Escola (PBE) e o Programa Bolsa-Alimentação (PBA) impactaram positivamente o incumbente PSDB em 2002, e o PBF continuou a ter efeitos no PT em 2010. No entanto, as análises do autor não permitem averiguar se os retornos trazidos pela política ocorreram às expensas de seus principais adversários, ou antes, dos outros partidos (PSB e PPS, em 2002, e PV, em 2010) relevantes nessas disputas. Para acessar essa questão, procedo a modelos de equações simultâneas de determinantes de voto em PT e PSDB em 2002 e 2010. O método utilizado é o Seemingly Unrelated Regression (SUR), conforme proposto por Tomz et al. (2002). Com os resultados dos modelos é possível estimar os votos de ambos partidos dado determinados valores das varáveis independentes 11. As variáveis independentes das equações de ambos os partidos são iguais às dos modelos anteriores, ajustados para os respectivos anos, à exceção dos votos na eleição presidencial anterior e das prefeituras conquistadas, nos quais cada equação de PT e PSDB usa apenas as informações do respectivo partido. 10 Assim como a de 2014. No entanto, esse pleito ainda não foi possível analisar devido à ausência de dados disponíveis de algumas variáveis de controle. 11 A proposta dos autores consiste em regressões logísticas dos votos dos partidos transformados em log de razões entre a proporção de cada partido e uma baseline. Em todos os casos aqui, a baseline foi outros partidos somados que não PT e PSDB. As equações de PT e PSDB são estimadas simultaneamente, utilizando a mesma matriz de variância-covariância, o que permite ajustar por uma possível correlação entre os erros das equações. Para reportar os valore ajustados aqui utilizei as simulações realizadas pelo Clarify, que também recalcula os valores estimados em proporções de votos. 14

Primeiro, vamos analisar as eleições de 2002. As tabelas abaixo apresentam os valores estimados a partir de três disposições das variáveis independentes: (i) todas na média; (ii) todas na média exceto o PBE e PBA, que assumem o valor do 10º percentil e do 90º percentil de sua distribuição; e todas na média exceto a base eleitoral do PSDB aqui medida como porcentagem de votos em 1998 que assume o valor do 10º percentil e do 90º percentil de sua distribuição. A tabelas mostram que as variações na distribuição dos programas sociais do governo do PSDB em praticamente nada afetam a distribuição de votos do partido, quando comparadas com os votos estimados na média. Mas, ao mesmo tempo, os votos do PT diminuem. Ou seja, mesmo trazendo pouco retorno direto para o partido incumbente, PBE e PBA foram importantes na competição direta que o PSDB travava com o PT. (i) Todas variáveis na média Coeficiente IC - 95% PSDB 30,37 29,69 31,07 PT 43 42,45 43,6 (ii) PBE e PBA nos 10º e 90º percentis, e demais variáveis na média PBA e PBE - percentil 10º PBA e PBE - percentil 90º Coeficiente IC - 95% Coeficiente IC - 95% PSDB 29,48 28,5 30,41 31,51 30,46 32,67 PT 45,33 44,51 46,12 39,96 39,09 40,85 (iii) Base eleitorais nos 10º e 90º percentis, e demais variáveis na média Base Eleitoral - PSDB - percentil 10 Base Eleitoral PSDB - percentil 90 Coeficiente IC - 95% Coeficiente IC - 95% PSDB 22,7 21,94 23,43 39,54 38,58 40,58 PT 46,45 45,72 47,19 36,13 35,41 36,88 Fonte: elaboração própria No entanto, as variações da base eleitoral do PSDB mostram-se importantes para a performance eleitoral do partido em 2002. Mais do que isso, 15

nos percentis mais elevados, o partido chega a ter uma estimativa de votos maior que o PT, na média, de 39,5% contra 36,1%. Essas evidências são indicações não apenas de uma importante continuidade eleitoral entre 98 e 02 nas bases do partido, como também de que essa variável foi mais importante para explicar os resultados eleitorais que a distribuição das políticas de transferência de renda. O mesmo exercício é feito para a eleição de 2010, conforme o conjunto de tabelas abaixo (a base eleitoral aqui é definida como sendo os votos do PT no primeiro turno de 2006). Pode-se observar que os retornos do PBF não são muito elevados para o PT. Mais do que isso, os dados mostram que o PSDB não tem queda significativa de votos conforme cresce o alcance do PBF. São indicações que a política social favoreceu mais o PT na competição contra o PV. (i) Todas variáveis na média Coeficiente IC - 95% PSDB 32,89 32,35 33,46 PT 56,2 55,62 56,77 (ii) PBF nos 10º e 90º percentis, e demais variáveis na média PBF - percentil 10 PBF - percentil 90 Coeficiente IC - 95% Coeficiente IC - 95% PSDB 35,25 34,42 36,16 30,2 29,36 31,1 PT 52,85 51,89 53,78 59,96 58,98 60,91 (ii) Base eleitorais nos 10º e 90º percentis, e demais variáveis na média Base Eleitoral - PT - percentil 10 Base Eleitoral - PT - percentil 90 Coeficiente IC - 95% Coeficiente IC - 95% PSDB 40,39 39,34 42,39 21,22 20,47 21,95 PT 46,4 45,25 47,53 71,87 70,98 72,77 Fonte: elaboração própria Quando se analisa variações na base eleitoral do PT, ou seja, seus votos conquistados em 2006, o cenário é radicalmente diverso. Os valores escolhidos aqui mostram que seu desempenho em 2010 está fortemente atrelado à sua base 16

eleitoral. Mais do que isso, o desempenho do PSDB em 2010 é também fortemente influenciado pelo desempenho do PT em 2006, de modo negativo, evidentemente. Isso confirma a ideia que se tem uma forte continuidade na polarização desses partidos entre esses pleitos. Ambos os resultados mostram que os efeitos dos programas de transferência de renda e da base eleitoral são heterogêneos entre os partidos e disputas eleitorais. Para o ponto que interessa a argumentação geral deste artigo, ressalto que também no governo do PSDB as políticas não foram decisivas para a conformação do resultado eleitoral. Mais do que isso, é importante destacar que a estrutura de ofertas partidárias configura uma competição eleitoral diversa, e logo, pode alterar os determinantes da votação de cada partido. Em síntese desta seção, pode-se dizer as evidências trazidas não corroboram os padrões propagados pela literatura. Os programas de transferência de renda não tiveram um efeito determinante no resultado eleitoral, e as bases dos partidos apresentaram considerável continuidade. Além disso, procurei mostrar que para acessar essa questão é importante levar em consideração a estrutura da competição partidária. Todos os exercícios que fizemos até agora tem por base a média de votos por município. No entanto, e esse é o argumento que desenvolverei na próxima seção, o distrito da eleição presidencial é o País como um todo, e não uma soma de municípios. Veremos como isso muda as inferências feitas pela literatura. O DISTRITO DA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL E OS MUNICÍPIOS Imagine um país hipotético composto por quatro cidades, como no quadro abaixo. A cidade A, a maior de todos, teve 1000 votos válidos em uma eleição presidencial. A cidade B apresentou 100, e as C e D, tiveram 10 votos válidos cada, totalizando 1120 votos válidos nacionais. Quadro 1 Eleição presidencial país hipotético Cidade Votos válidos Votos partido A Votos partido B % partido A % partido B A 1000 600 400 60 40 B 100 40 60 40 60 C 10 2 8 20 80 D 10 4 6 40 60 Fonte: Elaboração própria. 17

Existem dois competidores. O partido A obteve 600, 40, 2 e 4 votos, em cada cidade respectivamente. Isso significa 60%, 40%, 20% e 40%. O partido B, de forma complementar, teve 40%, 60%, 80% e 60% de votos em cada cidade. Vamos supor que neste país hipotético os juízes eleitorais podem escolher entre dois sistemas eleitorais para transformar os votos na cadeira presidencial. No primeiro, trata-se de fazer uma média da proporção de votos obtidos por cada partido nos municípios. As cidades, nesse caso, atuam como colégios eleitorais de igual tamanho. Nesse caso, como mostra o quadro 2, o partido B sairia vencedor, com 60% da média de votos por município. Quadro 2 Resultado eleitoral sob 2 sistemas eleitorais Partido A Partido B 1- Média de votos por cidade 40 60 2- % Votos válidos 57,68 42,32 Fonte: Elaboração própria. No segundo sistema eleitoral em exame, somam-se os votos absolutos recebidos por cada partido em todas as cidades, e depois se dividem pelo total de votos válidos no país. Assim, o partido A obteve (646/112) = 58% dos votos e o partido B, (474/1120) = 42%, e, dessa feita, o partido A seria eleito. Esse simples exemplo serve para formular críticas à literatura que estamos tratando até agora. Como é sabido, o sistema eleitoral da eleição presidencial brasileira é o segundo tipo aqui explicado. O distrito é o todo o Brasil, e o partido vencedor é aquele que adquire a maioria dos votos válidos em todo o país. No entanto, todos os modelos da literatura, assim como os exercícios que fiz acima, pressupõe que o sistema é como o primeiro, uma média entre cidades. Todos os coeficientes estimados da literatura estão mostrando resultados para a média da votação do PT em cada cidade. Ao fazer isso, os modelos acabam por igualar em importância eleitoral todos os municípios. Como dito na introdução, 60% dos votos em uma grande metrópole têm a mesma importância, no modelo estabelecido pela literatura, a 60% dos votos em uma cidade pequena. Logo, os resultados encontrados pelos modelos podem dizer pouco sobre a lógica efetiva da competição presidencial, principalmente porque a distribuição de votos dos partidos não é homogênea pelas diferentes características municipais. Cabe notar que, novamente, alguns textos da literatura notam esse problema. Soares e Terron (2008), comentando a mudança de votos do PT entre 2002 e 2006 falam que o ganho foi maior em extensão territorial do que em 18

tamanho do eleitorado (Soares e Terron, 2008: 298). Limongi e Guarnieri (2015) e Correa (2015) também dão indicação de que as unidades de análise são muito diferentes no impacto para o resultado presidencial, mas, apenar disso, nenhum estudo levou isso propriamente em consideração. Mesmo sendo um artifício analítico, creio que existem boas razões para trabalhar com municípios: o comportamento eleitoral individual é também influenciado por variáveis indiretas e contextuais, como fatores econômicos, demográficos e políticos, que não são apropriadamente captadas por dados puramente individuais (Gelman et al., 2007; Katz e King, 1999; Wright, 1989; Soares e Terron, 2008). A agregação de dados permite captar esses determinantes. Logo, nesta seção do artigo, proponho uma forma simples de adequar o modelo estatístico ao mecanismo de funcionamento efetivo da competição presidencial brasileira. Ela consiste em ponderar o voto de cada partido em cada cidade pelo peso que esta municipalidade tem em todo o Brasil. Para tanto, apenas dividi o número de votos válidos de cada cidade pelo total de votos válidos do Brasil, e multipliquei esse número pela porcentagem de votos conquistada pelo partido. Assim, agora as variáveis eleitorais dizem ao desempenho do partido em cada cidade ponderado pelo seu peso no eleitorado nacional. No modelo que estou trabalhando, essa modificação é aplicado tanto à variável dependente quanto à variável independente de base eleitoral dos partidos. As demais variáveis continuam com sua mensuração tradicional. A importância desse exercício pode ser mostrada com poucos dados descritivos. Metade dos votos válidos em todas as eleições presidenciais se concentram em cerca de 5% das cidades. Isso significa que existe uma grande concentração geográfica dos votos, que tem impacto necessariamente na estratégia dos partidos e no peso dos fatores econômicos, demográficos e políticos no resultado eleitoral. Esse grupo de 5% das cidades se diferencia ainda em termos sociais: por exemplo, a média do IDH, em 2006, é 0,768 nesse pequeno grupo de cidades, enquanto nas 95% demais cidades, que abrangem metade do eleitorado, a média do IDH é de 0,675 (padrão semelhante ocorre em 2002 e 2010). Essa diferença também é encontrada na distribuição dos programas sociais e na distribuição dos votos. Em 2010, as cerca de 5% das cidades que correspondiam a metade dos votos válidos tinham, em média, cerca de 16,9% das famílias recebendo PBF. Nos demais municípios, a proporção de beneficiários assumia 35,5% (novamente, padrão semelhante ocorreu em 2002 e 2006). Se considerarmos os votos de cada partido da forma como estávamos trabalhando, e como a literatura utiliza, que são os votos municipais sem 19

ponderação, o PT, em 2006, teve em média 46,7% dos votos nas 5% cidades com metade dos votos válidos. Nas demais cidades, teve 51,8%. Em 2010, essa diferença foi ainda mais marcante, 42,08% no primeiro grupo, e 55,86% no segundo. O PSDB em 2002 não foi diferente, 19,67% nas 5% cidades, e 31,39% nas demais. No entanto, se levarmos em consideração o voto ponderado pelo tamanho da cidade, as diferenças ficam muito mais sutis: em 2006 teve 23,7, 25% nas demais, em 2010, PT teve 21,28% e 25,84%, e PSDB 10,28% e 12,99%.Esses dados servem para mostrar o viés que se tem quando se considera todas as cidades em igual importância. Na tabela abaixo, apresento o resultado dos modelos para as eleições de 2002, 2006 e 2010, que agora estimam o efeito de cada variável no desempenho eleitoral municipal do PT em 2006 e 2010, e do PSDB, em 2002, mas este agora é ponderado pela sua importância no distrito nacional, que é o considerado na eleição presidencial. Tabela 3 Eleição de 2006, 2010 e 2002 com votos ponderados (1) (3) (2) PT 2006 ponderado PT 2010 ponderado PSDB 2002 ponderado PBF/ PBA e PBE 0.00000612-0.00000396 0.0000133 (0.0000165) (0.0000109) (0.0000161) Base eleitoral 0.821 *** 0.954 *** 0.472 *** ponderada (0.00238) (0.00216) (0.00151) (Ln) população 0.00230 *** -0.000496 *** -0.000787 *** (0.000142) (0.000109) (0.000107) IDH 0.00279-0.0166 *** -0.00342 (0.00429) (0.00320) (0.00280) % Minorias raciais 0.0000666 *** -0.0000449 *** -0.0000351 *** (0.00000889) (0.00000688) (0.00000618) % Pentecostais 0.0000392-0.00000999-0.0000297 (0.0000242) (0.0000169) (0.0000190) % PIB setor público -0.00000873-0.0000275 * -0.0000202 (0.0000194) (0.0000146) (0.0000147) % Receita local -0.000289 *** 0.0000409 0.00000679 (0.0000347) (0.0000238) (0.0000262) 20

Crescimento PIB 0.0000237 *** -0.000000318-0.000000292 (0.00000808) (0.00000627) (0.00000637) (Ln) PIB per capita -0.000169-0.000193-0.000322 (0.000391) (0.000315) (0.000310) Prefeitura 0.00000220-0.000858 *** 0.000194 (0.000474) (0.000323) (0.000245) Constante -0.0225 *** 0.0206 *** 0.0141 *** (0.00509) (0.00386) (0.00369) N 5422 5108 5336 adj. R 2 0.964 0.979 0.954 Standard errors in parentheses * p < 0.10, ** p < 0.05, *** p < 0.01 Como se poderia esperar, dado os valores da variável dependente, os coeficientes são muito pequenos. O que chama, atenção, no entanto, é que o PBF e as políticas de transferência de renda do governo do PSDB perdem significância para explicar o resultado eleitoral. Vale frisar o ponto: ao se corrigir pela importância dos municípios no eleitorado como um todo, o PBF não apresenta, na média, retornos positivos para o PT, mantidas as demais variáveis constantes. A discrepância entre esse e os diagnósticos formulados pela literatura mostra a importância do exercício que estamos fazendo. Além do resultado nulo das políticas de transferência de renda, chama atenção o altíssimo coeficiente da base eleitoral, principalmente nas eleições do PT como incumbente. Em outras palavras, a se considerar o modelo agora empregado, não se observou movimentos de realinhamentos eleitorais (geográficos, apenas para frisar) no período analisado. A ponderação efetuada corrige o fato de uma perda de 5% em uma cidade grande não equivale a um aumento hipotético de 100% em uma cidade pequena. Os movimentos Para matizar ainda mais a centralidade concedida ao PBF pela literatura, eu incorporo no modelo outra importante política de transferência de renda do governo federal, o Benefício de Prestação Continuada (BPC). O benefício de competência federal é destinado a famílias com renda per capita inferior a um quarto de salário mínimo que apresentem pessoas com deficiências severas, de qualquer idade, e idosos maiores de 65 anos. Em 2006, o programa abrangia cerca de 2,5 milhões de famílias em todo o Brasil. Em 2010, alcançava cerca de 3,5 milhões. 21

Além de sua considerável abrangência, é importante notar que o BPC é o programa de assistência social de maior volume de gastos (Medeiros et al., 2006). Ele se diferencia do PBF ao conceder um salário-mínimo como benefício, por não exigir condicionalidades, além de ser um direito constitucional. Analiticamente, essa incorporação é importante pois aponta para a necessidade de uma maior abrangência nos estudos brasileiros sobre o impacto de políticas nos resultados eleitorais, Na tabela abaixo, apresento o resultado de três variáveis adiciono a distribuição dessa política, mensurada da mesma forma que o PBF, ou seja, como a proporção de famílias que recebem o programa, nas eleições de 2006, eleição central na literatura. Tabela 4 Modelo de 2006 com votos ponderados e inclusão do BPC (Apenas alguns resultados mostrados a título de parcimônia) (1) PT 2006 PBF 0.00000360 (0.0000165) BPC 0.0000729 * (0.0000379) Base Eleitoral 0.821 *** (0.00239) N 5422 adj. R 2 0.964 Standard errors in parentheses * p < 0.1, ** p < 0.05, *** p < 0.01 Diferentemente do PBF, o Benefício de Prestação Continuada teve um impacto positivo nos votos do PT de 2006 (estatisticamente significativo a 0,1). Para mostrar a magnitude desse efeito, abaixo apresenta como os valores de 10%, 25% percentil, média, 75% e 90% impactam a estimativa de votos do PT ( a linha vermelha no gráfico marca a média de votos do partido): 22