na Cobertura das Lesões Graves do Antebraço, Punho e Mão

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ARTIGO Original Retalho da Artéria Interóssea Posterior na Cobertura das Lesões Graves do Antebraço, Punho e Mão POSTERIOR INTERBONE ARTERY FLAP FOR COVERING SERIOUS FOREARM, WRIST AND HAND INJURIES Sérgio José de Lima 1 Ricardo Pereira Domingos da Costa 2 Emanoel de Oliveira 2 Fabrício Guimarães Prudente 3 Marcelo Paris Mendonça 3 Christiano Soares de Camargo 3 RESUMO Objetivo: Avaliar os resultados obtidos com a cobertura cutânea pelo retalho da artéria interóssea posterior nas lesões graves do terço distal do antebraço, punho e mão analisando o grau de eficácia de tal procedimento. Métodos: Avaliação de 35 pacientes com lesões graves do terço distal do membro superior. Foram avaliados: tipo de trauma, sítio da lesão, tamanho do retalho, necessidade de cobertura cutânea, resultado clínico e complicações. Resultados: A principal causa do trauma foi o acidente motociclístico. As áreas mais lesionadas foram: a região dorsal da mão, volar do punho e primeira comissura. Em todos os pacientes o tamanho do retalho foi suficiente para cobrir a exposição de tecidos nobres da lesão. A área doadora não apresentou complicações, sendo fechada primariamente em 23 casos. Resultados foram bons em 31 casos. Em 22 pacientes não houve nenhuma complicação e em quatro tivemos perda total do retalho. Conclusão: O retalho da artéria interóssea posterior apresenta bons resultados na cobertura das lesões graves do terço distal do membro superior, promovendo cobertura estável, confiável, não sacrificando as artérias principais para irrigação da mão, permitindo que procedimentos de reconstrução possam ser realizados. Portanto, é opção válida em tais circunstâncias. Descritores Traumatismos da mão; Traumatismos do punho; Retalhos cirúrgicos ABSTRACT Objective: To assess the results achieved with posterior interbone artery flap covering serious injuries of the distal third of the forearm, wrist and hand, evaluating the degree of effectiveness of this procedure. Methods: 35 patients with serious injuries of the distal third of upper limbs were studied. We assessed the kind of trauma, injury site, flap size, skin coverage need, clinical outcome and complications. Results: The most frequent mechanism of trauma was motorcycle accident. The most commonly affected regions were: dorsal hand, wrist volar regions and the first commissure. In all patients, the flap size was enough to cover key tissues exposed by the injury. The donor area did not show complications, being primarily closed in 23 cases. The outcomes were good for 31 cases. In 22 patients, no complication was found, and the flap was completely lost in four. Conclusion: Posterior interbone artery flap provides good outcomes in covering serious injuries of the distal third of upper limbs, leading to a stable and reliable coverage, not compromising key irrigating arteries of the hand, enabling the performance of reconstruction procedures. Therefore, this is a useful alternative in such cases. Keywords Hand traumas; Wrist traumas; Surgical flaps 1 Médico-Chefe do Serviço de Mão e Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital de Urgências de Goiânia (HUGO)/GO, Brasil 2 Médico do Serviço de Mão e Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital de Urgências de Goiânia(HUGO)/GO, Brasil 3 Médico Residente do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital de Urgências de Goiânia(HUGO)/GO, Brasil Trabalho realizado no Hospital de Urgências de Goiânia (HUGO) /GO, Brasil Correspondência: Hospital de Urgências de Goiânia COREME Av. 31 de março esq. 5ª radial, s/n, 3 andar, St. Pedro Ludovico Goiânia Goiás. E-mail: guimaraesmed@hotmail.com Declaração: Não houve auxílio, de qualquer espécie, a esta pesquisa e não há conflitos de interesse dos autores em relação ao presente manuscrito, conforme Resolução n 1.595/2000 do Conselho Federal de Medicina.

Retalho da Artéria Interóssea Posterior na Cobertura das Lesões Graves do Antebraço, Punho e Mão 41 INTRODUÇÃO A reconstrução das perdas de substância dos tecidos moles do segmento distal do antebraço, punho e da mão é um desafio (1). Lesões teciduais nestas regiões são causadas principalmente por traumas podendo levar a exposição óssea, tendínea, nervosa e/ou vascular (1,2). Tais lesões podem necessitar de retalhos locais, regionais ou microcirúrgicos para cobertura dos defeitos presentes, minimizando infecção, promovendo proteção e facilitando futuras reconstruções (1-3). A reconstrução dos tecidos moles destas regiões deve ser rápida, preferencialmente em único procedimento, permitindo mobilidade precoce e curta internação, com o objetivo de alcançar resultados funcionais e estéticos satisfatórios (1-3). Vários tipos de retalhos podem ser utilizados na cobertura do terço distal do antebraço, punho e da mão (4). Retalhos locais (Atasoy, Kuttler, Litter, Morberg) são utilizados para pequenas perdas de tecidos e com indicações específicas (1,2,5). Retalhos livres obtidos em outras regiões apresentam inconvenientes, tais como: longo tempo cirúrgico, dificuldades técnicas e necessidade de conhecimento e material microcirúrgicos (1,2,6). Os retalhos pediculados regionais apresentam problemas como edema pós-operatório, grande espessura do retalho e maior tempo cirúrgico quando comparados aos retalhos locais (1). Porém são realizados no membro traumatizado, garantem cobertura segura e estável, além de permitirem procedimentos de reconstrução posteriores e mobilidade precoce (1,3,7). O retalho antebraquial de fluxo retrógrado baseado na artéria radial (retalho chinês ), assim como o retalho baseado na artéria ulnar garantem tais vantagens. Contudo, são retalhos que sacrificam as principais artérias de irrigação da mão, além de apresentarem grandes danos às áreas doadoras (1,3,7). O retalho dorso-ulnar apresenta pedículo curto e limitado para rotação, sendo indicado em defeitos dorso-ulnar e palmar proximal (2,3,7). O retalho da artéria interóssea anterior possui pedículo frágil e anatomia variável (3,7). O retalho baseado na artéria interóssea posterior é retalho fasciocutâneo em ilha fino (2-4,7-10). Ele está indicado nas lesões do terço distal do antebraço (11), dorsais do punho e da mão (2,3,7), da primeira comissura (1-3) e da região tênar (1). Este retalho é confiável e boa cobertura, além de não sacrificar as artérias vitais para a perfusão da mão, com mínima morbidade na área doadora (2,3). O propósito de nossa pesquisa é avaliar os resultados obtidos com a cobertura cutânea pelo retalho da artéria interóssea posterior nas lesões graves do terço distal do antebraço, punho e mão analisando o grau de eficácia de tal procedimento. MÉTODOS O presente estudo foi realizado no período de janeiro/2004 a agosto/2007, no Hospital de Urgências de Goiânia/GO, tendo como objetivo a avaliação clínica do retalho da artéria interóssea posterior para cobertura das lesões traumáticas da extremidade distal do membro superior. Neste período foram atendidos 58 pacientes com perda cutânea grave do terço distal do membro superior, levando a exposição de tendões, estruturas neurovasculares e/ou ósseas. Entre estes pacientes, 35 foram selecionados e submetidos à cobertura cutânea pelo retalho baseado na artéria interóssea posterior. Os pacientes que foram submetidos a outros procedimentos de cobertura, seja por apresentaram lesão dorsal do punho na área correspondente a anastomose distal das artérias interósseas anterior e posterior, seja por preferência do cirurgião, não foram incluídos no trabalho. A técnica operatória foi padronizada em respeito às seguintes considerações anatômicas: A artéria ulnar lança um ramo curto na região distal da fossa ulnar: a artéria interóssea comum. Este ramo dividi-se em artérias interósseas anterior e posterior (12 14). A artéria interóssea anterior segue distalmente sobre a membrana interóssea até a região proximal do músculo pronador quadrado, local onde anastomosa-se com a artéria interóssea posterior e a rede cárpica dorsal (12). O outro ramo da artéria interóssea comum segue posteriormente entre o rádio e a ulna, emerge através da membrana interóssea e penetra entre os músculos supinador e abdutor longo do polegar (12,13). A artéria percorre a face dorsal do antebraço sobre uma linha desenhada entre o epicôndilo lateral do úmero (ELU) e o processo estilóide da ulna (PEU), correspondente ao septo entre os músculos extensor ulnar do carpo e extensor próprio do dedo mínimo (Figura 1). Neste trajeto, ela emite ramos arteriais cutâneos e musculares, relacionando-se com o nervo interósseo posterior e com músculos do compartimento posterior do antebraço (9,12 15) (Figura 2). Próximo à articulação do punho ocorre à anastomose com a artéria interóssea anterior e a rede cárpica dorsal (9,12,13,15).

42 Figura 1 Marcação das referências anatômicas do retalho. A dissecção do retalho inicia-se pela demarcação de uma linha dorsal entre o epicôndilo lateral do úmero (ELU) e o processo estilóide ulnar (PEU) e sua divisão em terços proximal, médio e distal (2,9,13-15) (Figura 1). A seguir a pele é incisada e realiza-se dissecção do subcutâneo e da fáscia antebraquial tanto no sentido proximal como no distal, expondo o músculo supinador e o septo intermuscular entre os músculos extensor ulnar do carpo e extensor próprio do dedo mínimo (9,13-15). A dissecção mais profunda é realizada de maneira cuidadosa, preservando os ramos cutâneos que perfuram a fáscia profunda ao longo do septo intermuscular em direção a pele e dirige distalmente até expor a anastomose distal (9,13-15) (Figura 3). Figura 2 Trajeto da a. interóssea posterior (seta pontilhada) e relação com n. interósseo posterior (seta continua). Penteado et al e Zancolli et al descreveram separadamente o retalho fasciocutâneo baseado na artéria interóssea posterior e seus ramos cutâneos (9,15). Consiste em um retalho em ilha pediculado do antebraço de fluxo retrógrado devido à anastomose distal entre as artérias interósseas anterior e posterior, com retorno venoso pelas veias satélites (9,13,15). Tem como indicação a cobertura cutânea de terço distal do antebraço (11), região dorsal do punho e da mão (2,3), primeira comissura (1,3) e região tenar (1,2). Figura 3 Ramos cutâneos perfurantes (setas). O local mais distal que permite a rotação do retalho é sobre a região da sua anastomose distal com a artéria interóssea anterior (Figura 4). É, então, realizado túnel em direção à área receptora (2,7). A área doadora é fechada por sutura primária (retalhos < 5cm) ou enxertia cutânea (2,3).

Retalho da Artéria Interóssea Posterior na Cobertura das Lesões Graves do Antebraço, Punho e Mão 43 Entre os limites e mensurações do retalho, são relatados na literatura: - distância do ELU ao PEU: 21,5 a 29cm (9,13) ; - distância do ELU ao tronco da artéria interóssea posterior: 6,5 a 11cm. Essa distância corresponde à junção dos terços proximal e médio do ELU e PEU (13) ; - distância do ELU ao primeiro ramo cutâneo da artéria interóssea posterior: 7 a 14cm (13) ; - números de ramos cutâneos no seu trajeto: 4 a 14 ramos (9,13,15). - o ramo cutâneo mais calibroso localiza-se próximo à emergência da artéria, entre 5,1 a 11,4cm do ELU; - anastomose distal presente em todos os casos. Essa anastomose localiza-se entre 1,5 a 3,2cm do PEU (3,13). Penteado et al descrevem ausência dessa anastomose em 1,4% de seus casos (9) ; - arco de rotação de até 19cm centrado na articulação radio-ulnar distal (ARUD) (8,9,13). Dos pacientes, 28 eram do sexo masculino e sete do sexo feminino. A média de idade foi de 37 anos, variando entre sete a 70 anos. O tempo médio de seguimento foi de 22 meses, variando entre um e 43 meses. Foi avaliado nestes pacientes o tipo de trauma determinante, a localização da lesão no membro superior, a área exposta pela lesão, o tamanho do retalho obtido, necessidade de cobertura cutânea nas áreas doadora e receptora e as complicações encontradas. Foi definido como bons resultados a análise do retalho como cobertura cutânea da área cruenta e não a função final do membro (1). A principal causa do trauma foi o acidente de motocicleta, com 21 casos, seguindo-se seis casos devidos a acidente de carro, quatro ocorridos em conseqüência de mau manejo de máquinas industriais, três queimaduras por fogos de artifício e um causado por máquina agrícola. Quanto ao local do trauma, 15 eram no dorso da mão (Figura 5), seis em região volar do punho, seis na primeira comissura, quatro na região do coto de amputação do polegar, três em região hipotenar e um em coto de amputação do punho. Figura 4 Delimitação do pedículo e arco de rotação do retalho. Figura 5 A Lesão dorsal da mão com exposição tendinosa. B Resultado final intra-operatório com área doadora fechada primária. C Cinco meses de pós-operatório. D e E Mobilidade final dos dedos. A área de exposição da lesão era muito variável. Em média, tais áreas apresentavam 7,5 X 4,9cm, sendo encontradas áreas entre 4,5 a 17cm de comprimento e 2 a 8cm de largura. O tamanho do retalho obtido foi, em média, de 6,5 X 4,25cm, variando entre 4 a 8cm de comprimento e 3 a 6cm de largura. A área doadora foi fechada primária em 23 casos e coberta com enxerto cutâneo em 12 casos. O retalho não foi suficiente para cobrir toda a lesão em nove casos, sendo complementado com enxerto cutâneo na área de granulação (Figura 6). Figura 6 A Lesão extensa de face volar do antebraço com exposição músculo-tendínea. B Dissecção da a. interóssea posterior e perfurantes. C Aspecto final do retalho. D Área doadora com enxertia cutânea.

44 RESULTADOS Em 22 pacientes não foi observada nenhuma complicação. Em cinco casos ocorreu necrose parcial de bordas do retalho e destes, três casos evoluíram com retração cicatricial. Um caso teve deiscência parcial de sutura, três apresentaram epidermólise parcial e quatro retalhos evoluíram para perda total (Gráfico 1). 63% 14% 11% 14% 11% 9% 3% Sem complicações Necrose parcial de bordas Necrose total 63% Epidermólise Deiscência parcial de bordas Gráfico 1 Complicações encontradas na realização do retalho Em relação à cobertura cutânea proposta pelo retalho da artéria interóssea posterior, obtivemos bons resultados em 89% dos pacientes operados (Figura 7). Apenas os retalhos com perda total não cumpriram a finalidade de cobertura cutânea da área exposta. Considerando a função final do punho e da mão, os resultados foram muito variáveis, provavelmente devido à gravidade do trauma e não ao retalho em si. E, tal avaliação não foi objetivo do presente trabalho. Figura 7 A Lesão da primeira comissura. B Aspecto intraoperatório final. C Duas semanas de pós-operatório. D Seis meses de pós-operatório com área do retalho equalizada com o restante da mão. 9% 3% DISCUSSÃO O número de traumatismos no membro superior vem crescendo de maneira exponencial com o avanço tecnológico da civilização, trazendo consigo o aumento na energia cinética destes traumas e conseqüentemente lesões mais complexas que necessitam de cobertura cutânea estável (5,16). As lesões traumáticas da mão com perda de tecido cutâneo e exposição de estruturas nobres necessitam de cobertura adequada para proteção destas estruturas ou para facilitar futuras reconstruções (1,3). Desde a sua descrição por Penteado et al e por Zancolli et, o retalho da artéria interóssea posterior vem sendo cada vez mais utilizado (4,8,9,15). Para as lesões das regiões dorsal da mão, tênar e hipotênar, primeira comissura e punho volar, este tipo de retalho encontra efetiva indicação (1,2,4,11). Ele permite boa cobertura com arco de rotação longo, além de não lesionar as principais artérias de irrigação da mão (1-4,8,14). A média de idade dos pacientes e o sexo mais acometido neste tipo de lesão (traumatismo do terço distal do membro superior) encontrados no presente trabalho são concordantes com a literatura (2-4,7,17). As dimensões do retalho descritas encontram-se, em média, entre 1,5 X 4cm até 9 X 11cm (2,3,8,11,14,17). Contudo, há descrições de retalhos com dimensões de até 21 X 10cm (18). As lesões por nós encontradas situam-se nesta média do retalho, com exceção de cinco lesões que eram maiores, porém a área de exposição de tecidos nobres encontrava-se nesta faixa. A literatura demonstra que a área doadora apresenta morbidade mínima (2,4,10). Nós não encontramos nenhuma complicação referente à área doadora. Ela pode ser fechada primariamente ou coberta por enxerto cutâneo a depender do tamanho do sítio doador (2,3). Sua cicatrização não apresenta retrações e tem bom aspecto estético (1,2). Nós utilizamos enxerto de pele proveniente do braço ipsilateral durante a realização do retalho. Todos os retalhos apresentaram boa cobertura da área lesada proposta no pós-operatório imediato. Contudo, tivemos perdas de quatro destes retalhos (11%) durante o seguimento, caracterizando mau resultado (1). As prováveis causas destas perdas foram: congestão venosa, lesão da anastomose distal no trauma e falha técnica na realização do retalho, todas descritas na literatura (1,2,7,11,17). Outras causas de perda do retalho como

Retalho da Artéria Interóssea Posterior na Cobertura das Lesões Graves do Antebraço, Punho e Mão 45 insuficiência arterial (10), infecção (1,17) e angiopatia diabética (7) não foram encontradas no presente trabalho. As perdas totais foram cobertas com retalho chinês ou com enxertia cutânea após granulação. Necrose parcial das bordas do retalho, deiscência de sutura e epidermólise foram as outras complicações por nós observadas, que também estão relatadas na literatura (1,3,8,17), e não prejudicaram a cobertura proposta. A epidermólise foi apenas observada e as outras foram tratadas com fechamento por segunda intenção Neurapraxia do radial, infecção e hematoma são outras complicações descritas, mas não foram encontradas por nós (2,4,10). Em três dos cinco casos que apresentaram necrose parcial, houve evolução com retração cicatricial, a qual não está descrita na literatura. Durante o acompanhamento dos retalhos, ou eles já eram inicialmente finos (2,4) ou evoluíram com regressão do abaulamento inicial pelo excesso de subcutâneo após oito semanas em média, proporcionando equalização com a área de pele adjacente. CONCLUSÃO O retalho da artéria interóssea posterior apresenta bons resultados na cobertura das lesões graves do terço distal do membro superior, promovendo cobertura estável, confiável, não sacrificando as artérias principais para irrigação da mão, permitindo que procedimentos de reconstrução possam ser realizados. Portanto, é opção válida em tais circunstâncias. REFERÊNCIAS 1. Freitas AD, Pardini Junior AG, Tavares KE, Lima LAA. Retalhos antebraquiais pediculados para cobertura dos defeitos cutâneos da mão. Rev Bras Ortop. 1993;28(4):204-8. 2. Agir H, Sen C, Alagöz S, Onyedi M, Isil E. Distally based posterior interosseous flap: primary role in soft-tissue reconstruction of the hand. Ann Plast Surg. 2007;59(3):291-6. 3. Dogra BB, Singh M, Chakravarty B, Basu S. Posterior interosseous artery flap for hand defects. MJAFI 2006;62(1):33-5. 4. Brunelli F, Valenti P, Dumontier C, Panciera P, Gilbert A. The posterior interosseous reverse flap: experience with 113 flaps. Ann Plast Surg. 2001;47(1):25-30. 5. Fallopa F, Fernandes CH, Caporrino FA, Nakachima LR, Soares FHC, Souza RB, Albertoni WM. Reconstrução da polpa digital do polegar através de retalho de rotação volar. Rev Bras Ortop. 1999;34(2):155 8. 6. Foucher G, van Genechten F, Merle N, Michon, J. A compound radial artery forearm flap in hand surgery: an original modification of the chinese forearm flap. Br J Plast Surg. 1984;37(2):139-48. 7. Mago V. Retrograde posterior interosseous flap. Iowa Orthop J. 2007; 27:58-60. 8. Bücler U, Frey HP. Retrograde posterior interosseous flap. J Hand Surg Am. 1991;16(2):283-92. 9. Penteado CV, Masquelet AC, Chevrel, JP. The anatomic basis of the fascio-cutaneous flap of the posterior interosseous artery. Surg Radiol Anat. 1986;8(4):209-15. 10. Chen H, Cheng MH, Schneeberger AG, Cheng T, Wei FC, Tang Y. Posterior interosseous flap and its variations for coverage of hand wounds. J Trauma. 1998;45(3):570-4. 11. Lu LJ, Gong X, Lu XM, Wang K. The Reverse Posterior Interosseous Flap and its Composite Flap: Experience with 201 Flaps. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2007;60(8):876-82. 12. Moore KL, Dalley AF. Anatomia orientada para a clínica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1994. 13. Nunes JS, Caetano EB. Contribuição ao estudo anatômico do retalho da artéria interóssea posterior. Rev Bras Ortop. 1997;32(3):171-6. 14. Canale ST. Cirurgia ortopédica de Campbell. 10 a ed. Barueri: Manole; 2007. 15. Zancolli EA, Angrigiani C. Colgajo dorsal de antebrazo (en isla). Rev Asoc Argent Ortop Traumatol. 1986;51(2):161-8. 16. Chow SP, Ho E. Open treatment of fingertip injuries in adults. J Hand Surg Am. 1982;7(5):470-6. 17. Ege A, Tuncay I, Erçetin Ö. Posterior interosseous artery flap in traumatic hand injuries. Arch Orthop Trauma Surg. 2003;123(7):323 6. 18. Balakrishnan G, Kumar BS, Hussain SA. Reverse flow posterior interosseous artery flap. Plast Reconstr Surg. 2003;111(7):2364-9.