ARTIGO ORIGINAL. Guilherme Lellis Badke 1, José Carlos Esteves Veiga 2, Guilherme Brasileiro de Aguiar 3

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A N Á L I S E C R Í T I C A D E 456 CASOS O P E R A D O S

Transcrição:

ARTIGO ORIGINAL Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo 2014;59(2):62-6. Avaliação de pacientes com lesões traumáticas intraparenquimatosas cerebrais submetidos a tratamento neurocirúrgico Estudo retrospectivo de 48 casos consecutivos Evaluation of patients with traumatic intraparenchymal brain injuries undergoing neurosurgical treatment - a retrospective study of 48 consecutive cases Guilherme Lellis Badke 1, José Carlos Esteves Veiga 2, Guilherme Brasileiro de Aguiar 3 Resumo Objetivo: A hemorragia intraparenquimatosa cerebral está presente em mais de um terço dos traumatismos cranioencefálicos graves, estando relacionada à pior desfecho. O objetivo do estudo é caracterizar a amostra de pacientes submetidos a tratamento cirúrgico da hemorragia cerebral intraparenquimatosa traumática atendida em nosso serviço. Método: Foi realizado estudo descritivo e retrospectivo de 48 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de hemorragia intraparenquimatosa cerebral traumática num período de 18 meses, observando-se variáveis demográficas como idade do paciente, localização da hemorragia, tipo de tratamento cirúrgico empregado e presença de outras lesões cerebrais associadas. Resultados: Em nossa amostra houve predomínio do gênero masculino (87%). Quanto à idade, 14,5% tinham entre 21 e 30 anos, 15,5% entre 31 e 40 anos, 16,6% entre 41 e 50 anos e 25% entre 51 e 60 anos. As principais localizações anatômicas das lesões intraparenquimatosas cerebrais foram os lobos frontais (43%) e temporais (42%) e individualmente o lobo temporal direito foi o mais acometido (25%) seguido pelo frontal direito (23%). O hematoma subdural agudo (41,4%), a hemorragia subaracnóidea (22%) e o brain swelling (17,07%) foram as 1. Médico Residente da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo Departamento de Cirurgia 2. Professor Livre-Docente da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo Departamento de Cirurgia 3. Médico Assistente da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo Departamento de Cirurgia Trabalho realizado: Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Santa Casa de São Paulo. Departamento de Cirurgia. Pronto Socorro de Neurocirurgia Hospital Central Endereço para correspondência: Guilherme Brasileiro de Aguiar. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Departamento de Cirurgia. Disciplina de Neurocirurgia. Rua Cesário Motta Jr., 112 Vila Buarque 01221-900. São Paulo SP - Brasil. Tel: 55 11 21767000. Email: guilhermebraguiar@yahoo.com.br lesões mais frequentemente associadas. Os tipos de cirurgias mais comumente realizadas foram: drenagem da hemorragia intraparenquimatosa (54,16%) e drenagem da hemorragia intraparenquimatosa associada à drenagem de hematoma epidural (25%). Quanto aos desfechos, 58,33% dos pacientes receberam alta hospitalar e foram registrados 41,67% óbitos. Conclusões: Algumas características se destacaram em nossa amostra, dentre elas: a faixa-etária mais avançada em relação a outras séries e a mortalidade elevada. Descritores: Traumatismos encefálicos, Hemorragia cerebral, Neurocirurgia Abstract Objective: Cerebral intraparenchymal hemorrhage is present in more than one third of patients with severe head trauma, being related to a worse outcome. The objective of this article is to characterize the sample of patients undergoing surgical treatment for traumatic intracerebral hemorrhage seen at our Neurosurgical Division. Method: We performed a descriptive and retrospective study of 48 patients undergoing surgical treatment for traumatic intracerebral hemorrhage in an 18 month time span, observing demographic variables such as patient age, location of the hemorrhage, type of surgical treatment and other associated cerebral lesions. Results: Male gender prevailed (87 %). As for the age groups, 14.5 % were between 21 to 30, 15.5 % between 31 to 40, 16.6% between 41 to 50 years and 25 % between 51 to 60 years of age. The affected predominate brain regions were the frontal (43 %) and temporal lobes (42 %) and individually, the right temporal lobe was mostly affected (25 %) followed by the right side frontal lobe (23 %). Acute subdural hematoma (41.4 %), subarachnoid hemorrhage (22 %) and brain swelling (17.07 %) were the most commonly associated injuries. The most commonly performed surgeries in traumatic brain lesions types were for: intracerebral hemorrhage drainage (54.16 %) and intraparenchymal hemorrhage associated with epidural hematoma drainages (25%). As for the outcomes, 58.33 % 62

of patients were discharged and 41.67 % died. Conclusions: Some features are highlighted in our study, including: an older age group when compared to other series and high mortality for our patients. Keywords: Brain injuries, Cerebral hemorrhage, Neurosurgery Introdução As sequelas do traumatismo cranioencefálico (TCE) constituem um dos maiores problemas de saúde pública do mundo moderno, visto o expressivo impacto socioeconômico e a perda potencial de anos de vida produtiva afetando, sobretudo, adolescentes e adultos jovens (1). Dados estatísticos do Sistema Único de Saúde (SUS) apontam gasto médio por internação de cerca de R$ 503,00 no Brasil e R$ 562,24 no Estado de São Paulo. Para os TCEs o custo diário computado é de R$122,83 por paciente internado (2). Os hematomas intracranianos prevalecem em até 60% dos TCEs graves, incluindo-se hematomas epidurais, subdurais e intraparenquimatosos (3). A hemorragia intraparenquimatosa cerebral traumática tem prevalência superior aos outros tipos de hematomas e é relacionada a pior desfecho (3). De modo geral, está presente em cerca de 8,2% de todos os TCEs e em até 35% dos TCEs graves (4). Diversos fatores estão associados ao prognóstico, sejam eles diretamente ligados às características da lesão intracerebral (4) ou comum aos outros tipos de TCEs, (5) tais como: idade, pontuação na Escala de Coma de Glasgow (ECG) à admissão, presença de resposta pupilar e reflexos de tronco encefálico, insuficiência respiratória aguda, presença de hipertensão intracraniana aguda e diminuição do volume liquórico das cisternas da base, assim como do terceiro ventrículo (4). O objetivo do presente estudo é a caracterização epidemiológica de pacientes submetidos a tratamento neurocirúrgico para a contusão cerebral hemorrágica com o intuito de definir os principais fatores prognósticos associados. de crânio com aspecto arredondado, hiperdenso e com efeito de massa, podendo ainda, em alguns casos exibir halo hipodenso atribuído ao edema cerebral e a necrose (6). Foram consultados dados incluídos nos avisos cirúrgicos, observados os arquivos das imagens digitais das TCs, além de informações dos pacientes no sistema interno hospitalar digital e prontuário médico. Foram incluídas pacientes vítimas de TCE com TC de crânio evidenciando hemorragia intracerebral que foram submetidos a tratamento cirúrgico para a drenagem do hematoma intraparenquimatoso. Foram excluídos do estudo os pacientes com lesão cerebral traumática intraparenquimatosa que não foram submetidos ao tratamento cirúrgico bem como aqueles nos quais foi realizada somente monitorização de pressão intracraniana. Foram ainda excluídos os pacientes vítimas de lesões decorrentes de projétil por arma de fogo. No período avaliado, foram selecionados os pacientes que atendiam aos critérios de seleção, e realizado estudo epidemiológico, de coorte, longitudinal e retrospectivo, avaliando-se as seguintes informações demográficas: gênero, idade, local anatômico das lesões hemorrágicas, presença de outras lesões intracranianas associadas (outros tipos de hematomas ou fraturas), tipo de tratamento cirúrgico realizado (drenagem de hematoma por craniotomia, craniectomia descompressiva ou drenagem de hematoma epidural associado) e tipo de desfecho: alta hospitalar ou óbito. O grupo de pacientes que teve alta como desfecho, permanece em acompanhamento ambulatorial. Resultados Em nossa série de 48 pacientes, o gênero masculino prevaleceu (Figura 1). A média de idade foi de 49,3 anos e a mediana de 50,5. Os pacientes foram distribuídos conforme as seguintes faixas etárias: idade inferior a 10 anos, idade entre 11 e 20 anos, 21 e 30 anos, 31 e 40 anos, 41 e 50 anos, 51 e 60 anos, 61 e 70 Casuística e métodos No presente estudo foram incluídos 48 pacientes consecutivos submetidos a tratamento neurocirúrgico de lesão intraparenquimatosa cerebral traumática (incluindo-se contusão cerebral e hematomas intraparenquimatosos) operados na Disciplina de Neurocirurgia do Hospital Central da Santa Casa de Misericórdia São Paulo no período compreendido entre Janeiro de 2012 a Julho de 2013. Foram consideradas lesões intraparenquimatosas cerebrais traumáticas as lesões visibilizadas na tomografia computadorizada (TC) Figura 1 - Gráfico em setores. Distribuição dos 48 (100%) pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de lesão intraparenquimatosa traumática cerebral de acordo com o gênero. 63

anos, 71 e 80 anos e idade superior a 80 anos. Do total de pacientes, a maioria tinha idades entre as quinta e sexta décadas de vida, com oito (16,6%) pacientes com idades entre 41 e 50 anos, e 12 (25%) pacientes entre 51 e 60 anos. Na nossa série, não houve paciente com idade inferior a 10 anos. O paciente mais jovem possuía 16 anos (Figura 2). houve predomínio do hematoma subdural agudo (41,4% das lesões associadas), seguido pela hemorragia subaracnóidea - HSA (aproximadamente 22%), brain swelling (17,07%), hematoma epidural (12,19%) e as fraturas representaram a minoria das lesões associadas (7,30%) (Figura 4). Em 28 pacientes (58,3%) havia lesões associadas. Figura 2 - Gráfico em colunas. Distribuição das idades dos 48 (100%) pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de lesão intraparenquimatosa traumática cerebral. Quanto às localizações anatômicas das lesões intraparenquimatosas cerebrais, e levando-se em consideração o número total de lesões, as regiões encefálicas mais comumente acometidas foram os lobos frontal e temporal. Nessa série, o cerebelo foi acometido em apenas um caso. Individualmente, o lobo temporal direito foi o mais acometido (19 pacientes), seguido pelo frontal direito (18 pacientes), frontal esquerdo (15 pacientes) e temporal esquerdo (13 pacientes) (Figura 3). Figura 4 - Gráfico em colunas. Distribuição das frequências das diversas lesões intracranianas associadas à lesão intraparenquimatosa traumática cerebral no grupo de 48 (100%) pacientes estudados. HSA: hemorragia subaracnóidea. As cirurgias realizadas foram distribuídas em 4 grupos: drenagem somente da lesão intraparenquimatosa, que representou a maioria dos casos (26 pacientes - 54,16%); drenagem da lesão intraparenquimatosa combinada com a drenagem de hematoma epidural (12 pacientes - 25%); drenagem da lesão intraparenquimatosa associada à craniotomia descompressiva (7 pacientes - 14,58%); e a combinação de drenagem de lesão intraparenquimatosa associada à drenagem de hematoma seguida de craniotomia descompressiva representou a minoria dos casos (3 pacientes 6,25%) (Figura 5). Figura 3 - Gráfico em setores. Distribuição das localizações das lesões intraparenquimatosas traumáticas cerebrais no grupo de 48 (100%) pacientes estudados. No que diz respeito às lesões intracranianas encontradas associadas às lesões intraparenquimatosas, Figura 5 - Gráfico em barras. Distribuição dos tipos de cirurgias efetuadas para o tratamento dos 48 (100%) pacientes do estudo. O desfecho de cada caso, de acordo com a proposta inicial desse estudo, foi descrito como alta hospitalar 64

ou óbito, sendo 28 (58,33%) casos no primeiro grupo e 20 (41,67%) casos no segundo (Figura 6). Figura 6 - Gráfico em barras. Distribuição dos desfechos do grupo de 48 (100%) pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de lesão intraparenquimatosa traumática cerebral de acordo com o desfecho. Discussão Embora existam muitos termos usados para descrever as lesões intraparenquimatosas cerebrais relacionadas ao trauma, tais como hemorragia intraparenquimatosa traumática, hemorragia intracerebral traumática e contusão cerebral (3) ; e até mesmo critérios tenham sido propostos para diferenciá-las (7), sabe-se que há uma semelhança fisiopatológica nesses processos hemorrágicos, admitindo-se haver a transformação gradual de uma contusão em um hematoma intracerebral (7,8). Os mecanismos dessa transformação envolvem reações inflamatórias com presença de radicais livres, hipóxia, acidose tecidual, mediadores inflamatórios e ativação de canais de cálcio (8). Geralmente, as lesões traumáticas intracerebrais parenquimatosas ocorrem nos lobos frontal e temporal, como consequência do impacto do cérebro contra as proeminências ósseas do crânio (9). Tais lesões são visibilizadas na TC de crânio como áreas hiperdensas envoltas por halo de baixa densidade que representa edema e potencial necrose (6,9). O prognóstico das lesões cerebrais parenquimatosas decorrentes de trauma varia conforme alguns fatores relacionados à gravidade dos TCEs em geral, tais como: idade avançada, pontuação igual ou inferior a oito na Escala de Coma de Glasgow (ECG) à admissão, presença de fratura craniana, insuficiência respiratória aguda, aumento da pressão intracraniana (PIC), presença ou não de reatividade pupilar e reflexos de tronco encefálico lentos, além da diminuição do volume liquórico das cisternas de base e terceiro ventrículo observada à TC de crânio (5). No entanto, existem variáveis diretamente relacionadas ao prognóstico das lesões intraparenquimatosas que incluem: localização da lesão, volume do hematoma intraparenquimatoso, ECG na admissão e na ocasião da realização das TCs de controle, gravidade do edema perilesional, período de tempo decorrido até a realização da intervenção neurocirúrgica, presença de deterioração neurológica no pré-operatório, presença de edema cerebral hemisférico e existência de hematoma subdural concomitante à hemorragia intraparenquimatosa (4). Do ponto de vista epidemiológico, Jamieson, Yelland, 1972 (10) encontraram predominância do gênero masculino na proporção de 5:1, acometendo até 82,53% dos casos (10). Mathiesen et al, 1995 (8) em série de 218 pacientes cirúrgicos e não-cirúrgicos, encontraram média de idade de 45 anos entre os pacientes submetidos a cirurgia (8). Em nossa série de 48 pacientes, 42 (87%) eram masculinos. Ainda, nossa série tinha média de idade de 49,3 anos. Essa média de idade é superior à encontrada na literatura (10). Enquanto a série com 63 pacientes cirúrgicos apresentada por Jamieson, Yelland, 1972 (10) encontrou clara predominância de indivíduos entre 21 e 40 anos, na nossa amostra, os indivíduos nas terceira e quarta décadas de vida representam aproximadamente 30% dos casos. Dessa forma, merece destaque a faixa-etária entre 41 e 70 anos que representa a maioria dos casos (27 pacientes; 56,25%), aproximando-se do encontrado por Mathiesen et al, 1995 (8). Não observamos nesta série nenhum paciente com idade inferior a 10 anos. Aqueles com idade superior a 71 anos corresponderam a aproximadamente 10% dos casos. Tal particularidade na faixa etária mais avançada não representa qualquer viés de escolha, tendo em vista que no presente estudo foram incluídos pacientes tratados de forma consecutiva em um período determinado. No entanto, a idade mais avançada pode estar associada à alta taxa de óbito hospitalar encontrada. Não se pode, de acordo com os dados apresentados, ter comprovação estatística disso. Para tal, seria necessária a inclusão de outras variáveis que fogem ao objetivo do presente estudo. A taxa de mortalidade encontrada na literatura apresenta os limites de variação de 25,4% (8) a 31,5% entre os casos cirúrgicos (8). Encontramos mortalidade próxima a 40%, número superior ao encontrado em séries anteriores. Como mencionado anteriormente, a idade mais avançada dos pacientes neste estudo podem ter contribuído para essa alta taxa de mortalidade, pois, por si só, a idade avançada constitui fator relacionado à pior prognóstico (5). Dentre os locais acometidos pelos hematomas intracerebrais encontrados por outros autores (10), destacam-se os lobos temporais e frontais, com clara predominância para lesões no hemisfério cerebral direito. Tal predominância no hemisfério direito foi explicada pelo fato de ter sido evitada intervenção 65

cirúrgica no hemisfério dominante (10). Nesta série encontramos predominância de acometimento dos lobos temporais (temporal direito: 25% e temporal esquerdo: 17%) e frontais (frontal direito: 23% e frontal esquerdo: 20%), mas sem predominância significativa de lesões em hemisférico cerebral direito. A respeito das lesões associadas, sabe-se que a hemorragia subaracnóidea traumática (HSAt) ocorre em até 53% dos TCEs graves, aumentando em até duas vezes a mortalidades desses pacientes (5). Em série de 218 pacientes publicada por Mathiesen et al, 1995 (8), incluindo somente casos cirúrgicos, cinco de 38 (13,15%) pacientes apresentaram HSAt (8). Em nossa série, a HSAt foi encontrada em nove (22%) casos, média superior à encontrada em trabalhos de natureza semelhante, o que pode ter contribuído para o pior desfecho observado em nossa casuística. O tipo de cirurgia mais comumente realizada em nossa série foi a drenagem somente da lesão intraparequimatosa (54,16% das cirurgias), o que está de acordo com outros estudos (10) onde esse tipo de cirurgia correspondeu aproximadamente a 60% das intervenções realizadas (10). Na série de Jamieson, com 63 pacientes (10) a craniectomia descompressiva foi realizada em 72% dos casos enquanto em nossos registros, esse procedimento foi feito em 20,8% das cirurgias indicadas. Conclusão A lesão cerebral intraparenquimatosa decorrente de trauma representa evento grave, associada a alta mortalidade. Nosso estudo mostrou duas características que devem ser destacadas: a faixa-etária com idade mais avançada em relação a outras séries, assim como mortalidade mais elevada. Os dados do presente trabalho não permitem, no entanto, que os autores associem de forma definitiva a alta mortalidade à idade mais avançada, mas indicam uma tendência. Referências Bibliográficas 1. Coronado VG, Xu L, Basavaraju SV, McGuire LC, Wald MM, Faul MD, et al. Surveillance for traumatic brain injury-related deaths--united States, 1997-2007. MMWR Surveill Summ. 2011; 60:1-32. 2. Fukujima MM. O traumatismo cranioencefálico na vida do brasileiro. Rev Neurocienc. 2013;21:173-4. 3. Gregson BA, Rowan EN, Mitchell PM, Unterberg A, McColl EM, Chambers IR et al. Surgical trial in traumatic intracerebral hemorrhage (STITCH(Trauma)): study protocol for a randomized controlled trial. Trials. 2012; 13:193. 4 Bullock MR, Chesnut R, Ghajar J, Gordon D, Hartl R, Newell DW, et al. Surgical management of traumatic parenchymal lesions. Neurosurgery. 2006; 58(suppl. 3):S25-46. 5. Chesnut R, Ghajar J, Maas A, Marion D, Servadei F, Teasdale G, et al. Early indicators of prognosis in severe traumatic brain injury. J Neurotrauma. 2000; 17:535-627. 6. Weil RJ, Oldfield EH. Cerebral edema. In: Winn HR, editor. Youmans neurological surgery. 6 th ed. Philadelphia: Elsevier/ Saunders; 2011. v.1, p.162-8. 7. Kurland D1, Hong C, Aarabi B, Gerzanich V, Simard JM. Hemorrhagic progression of a contusion after traumatic brain injury: a review. J Neurotrauma. 2012; 29:19-31. 8. Mathiesen T, Kakarieka A, Edner G. Traumatic intracerebral lesions without extracerebral haematoma in 218 patients. Acta Neurochir (Wien). 1995; 137:155-63. 9. Shahlaie K, Zwienenberg-Lee M, Muizelaar JP. Clinical pathophysiology of traumatic brain injury. In: Bullock MR, Hovda DA, editors. Youmans neurological surgery. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2011. v. 4, p. 3362-79. 10. Jamieson KG, Yelland JD. Traumatic intracerebral hematoma - Report of 63 surgically treated cases. J Neurosurg. 1972; 37:528-32. Trabalho recebido: 21/03/2014 Trabalho aprovado: 27/06/2014 66