E ainda o medo e a raiva

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Transcrição:

Raul Cordeiro - Instituto Politécnico de Portalegre, Portugal Felicidade, solidão, tristeza, dor, sofrimento e vontade na doença mental: desconstruir a psicopatologia E ainda o medo e a raiva

felicidade A felicidade é um daquelas emoções básicas que integram a nossa bagagem pessoal de suporte essencial de vida tal como o medo, a tristeza e a ira. Talvez um dos grandes desafios seja compreender a base biológica das emoções. Assim, se a felicidade é uma emoção básica e tem uma base biológica haverá uma biologia da felicidade e uma biologia da infelicidade? Entre a alegria e a tristeza ou entre o medo e a ira será a felicidade o racional da bipolaridade? Seria então o choro o racional da tristeza e o riso o racional da alegria? E será sinal de evolução biológica chorar de alegria ou rir da tristeza? Ou são apenas traições biológicas?

A felicidade parece sim tornar-se na nossa vida uma camisa de forças "florida" cujos limites são os estereótipos sociais. Felicidade parece referir-se ao ponto em que a a nossa gestão quotidiana parece cruzarse com a busca do impossível. E se nesse caminho encontramos alguém (impossível não encontrar) as nossas felicidades encontram-se e aí somos felizes às vezes apenas com uma palavra, um olhar, um toque.

Será que aceitamos que a felicidade aumenta com a idade? Que vivemos de forma mais racional as emoções positivas quando somos mais velhos e de que alguma forma isso funciona como um fator protetor para a doença mental. Porém com o aumento da idade também nos podemos tornar mais complexos avaliando acerca da mesma vivência emoções positivas e negativas. A felicidade e a idade parecem ligadas por um eixo que as leva em simultâneo ao longo da vida. Com o aumento da idade tendemos a alterar os nossos objetivos instrumentais de longo prazo para objetivos emocionais de curto prazo. Ao longo da vida vamos desvalorizando os nossos objetivos de exploração do mundo em favor de relações emocionais estáveis e de valores como a cidadania e a esperança o que nos torna mais seguros e por isso mais felizes e mais capazes de fazer os outros felizes.

solidão Há portas na vida que se fecham e se abrem e outras que estão sempre entreabertas como se do outro lado soprasse uma brisa leve que nem fecha a porta nem a abre, mas nos traz beijos de vez em quando. Alguém disse há uns tempos que a vida é um encontro de solidões. Eu diria que sim. É um encontro de solidões que por vezes se encontram e por vezes se separam. Pode ser perigoso abrir ou fechar demasiado a porta. Agrava a solidão.

tristeza A tristeza é a imperfeição da alegria. Para vivermos bem com as nossas alegrias há que entristecer. Conhecer o outro lado. A incapacidade de viajar à tristeza com bilhete de ida e volta mata a capacidade de reagir. Mata a capacidade de amar e afasta o mundo. Uns amam-se a si mesmos, outros amam os outros, alguns amam o trabalho, e alguns amam Deus. Qualquer destas formas fornece o sentimento vital de objetivo, contrário à tristeza e ao sentimento depressivo.

dor A maior da doença mental é a dor do diagnóstico. A doença mental significa não só sofrimento mas um sofrimento desproporcional às circunstâncias: uma dor emocional. A dor é depressão proporcional às circunstâncias; a depressão é a dor desproporcionada em relação às circunstâncias (Solomon, (2016), O Demónio da Depressão). Na depressão, a dor é demasiado profunda para uma causa ligeira, um sofrimento que se sobrepõe a todas as emoções e as elimina.

sofrimento É a nossa primeira experiência de um mundo que nos vai desamparar. Ficamos zangados, sofridos, logo que nos retiram à força do útero. E depois da zanga vem a angústia que nos há-se acompanhar. O sofrimento é por natureza pessoal e intransmissível. É talvez a sintomatologia mais universal e individual. Cada um sofre da sua própria forma.

medo/raiva/vontade O medo é um dos quatro gigantes da alma: medo, raiva, amor e dever. O medo é um gigante enraizado profundamente, que se alimenta da necessidade de preservar a vida ante o perigo, mas que se alia com a imaginação e cria neuroses que são capazes de paralisar completamente a vida de uma pessoa. Medo, vontade e raiva são as emoções mais básicas que constituem o temperamento, que são moduladas por uma função de controlo. A combinação dos traços de ativação (vontade/raiva), inibição (medo) e controle (dever-atenção) geraria os principais tipos de temperamentos afetivos, percursores da psicopatologia.

um modelo para desconstruir a psicopatologia A combinação dos traços de ativação (vontade/raiva), inibição (medo) e controle (deveratenção) geraria os principais tipos de temperamentos afetivos, percursores da psicopatologia. Esses temperamentos afetivos formariam a predisposição a perturbações do humor como a perturbação bipolar do tipo I em hipertímicos e irritáveis, do tipo II em irritáveis e ciclotímicos, perturbações da ansiedade em ansiosos, perturbação depressiva major em depressivos, e perturbação de hiperatividade com défice da atenção e seus subtipos em lábeis, apáticos e desinibidos.

MEDO Agressividade RAIVA Vontade Lara D.R. (2006). O modelo de medo e raiva para transtornos do humor, do comportamento e da personalidade. Porto Alegre: Revolução de Idéias e Editorial.

Lara D.R. (2006). O modelo de medo e raiva para transtornos do humor, do comportamento e da personalidade. Porto Alegre: Revolução de Idéias e Editorial.

Lara D.R. (2006). O modelo de medo e raiva para transtornos do humor, do comportamento e da personalidade. Porto Alegre: Revolução de Idéias e Editorial.

outros Ansiar, angustiar ou neurotizar? Ansiedade é talvez uma das palavras mais usadas no mundo moderno. À medida que no mundo moderno se multiplicam as exigências também se multiplicam as necessidades, agora mais depuradas pela cultura ou pelos desencantos de infinitas gerações. Se pensarmos então nos perigos materiais o medo entra na equação. A ansiedade difere do medo precisamente pela imaterialidade do perigo, pela sua virtualidade e desconhecimento.

outros A segurança e o instinto Se há necessidades vitais, a segurança afetiva e emocional é uma delas. No mesmo mar navegam a incerteza, a insatisfação, o cansaço, o ciúme ou a solidão. Umas vezes encontram-se, outras não. A ideia de haver coincidência de coordenadas entre dois objetos é, no mínimo, uma ficção, uma inversão da realidade. Não há paraísos. Há instintos que se constroem sobre realidades. Às vezes, em duras realidades.

outros Estética do pensamento Ouvi há uns tempos atrás que um homem que caminha curvado se curva para guardar os seus pensamentos. Não porque esses sejam bons ou maus mas porque são seus. Foram construídos por si na sua lógica humana. Têm uma razão e uma construção estética. Não há exatidão no pensamento e por isso o pensamento é por natureza esteticamente imperfeito. O pensamento perfeito não existe. A imperfeição estética é também o que permite que o pensamento seja livre e único. Não há dois olhos iguais, duas razões iguais, dois pensamentos iguais. Por isso não duas estéticas iguais. É essa a liberdade da beleza e da fealdade.

outros Os tempos do tempo A mitologia grega tinha três conceitos para o tempo. O tempo sequencial, cronológico ditador das coisas da terra e do seu crescimento e morte, personificado em Chronos, o momento oportuno, a oportunidade, personificada em Kairos e o tempo da criatividade onde a medida não é ditatorialmente cronológica. É este último tempo, personificado em Aeon, um verdadeiro tempo sem tempo. É este o verdadeiro tempo dimensional da vida e do pensamento. O tempo ausente na doença mental.

Raul Cordeiro - Instituto Politécnico de Portalegre, Portugal Felicidade, solidão, tristeza, dor, sofrimento e vontade na doença mental: desconstruir a psicopatologia E ainda o medo e a raiva raulcordeiro@essp.pt