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LUSITANOS, LÍGURES E CELTAS Aos meus amigos Domingos Leite de Castro e Alberto da Cunha Sampaio. Por causa dos Ligures, com que os meus amigos já iam simpatizando, acaba de me dar uma formidável descompostura o sr. Francisco Adolfo Coelho, professor de Glótica no Curso Superior de Letras. Náo sendo meu propósito entrar na gloriosa campanha das retaliações difamatórias, e estando a parte científica da farragem abaixo de toda a critica, salvo num ou noutro ponto, hesitei por algum tempo se deveria ou não responder. Mas estas noites longas e fastientas têm tentações mefistofélicas, e demais disso se perdesse esta ocasiáo de falar dos meus Ligures, dificilmente apanharia outra. Decidi-me, pois, a analisar a trapalhada. Vi-me porém em embaraços sérios e aqui estd porquê: Manuel de Melo, o autor da Glottica em Portugal -um livro, que por uma coincidência apreciável começou a correr mundo quási ao mesmo tempo que a Revista Archeologica, de Lisboa, borbotava contra mim a intermindvel verrina do sr. Coelho-Manuel de Meio, digo, desagravando a memória de Joáo Pedro Ribeiro, Ribeiro dos Santos, Constâncio, o Cardial Saraiva, Fr. Inocência, Alexandre Herculano, etc., etc., aos quais o meu demolidor passara diploma de ignorantes, de pedantes, de imbecis-porque é de saber que para o sr. Coelho todo o mundo é ignorante, pelo menos (I)- aplicava-lhes estes versos de Regnard: C'est un homme etonnant et rare en son espèce Qui rêve fort à rieu et s'égare sans cesse; I1 cherche, il tournr, i1 brouille, i1 regarde sans voir ; Quand on le parle blanc, soudain i1 rbpond noir. (i) A lista dos escritores contemporâneos, que o sr. Coelho tem descomposto, sempre em nome da ciência ultrajada pela ignorância indigena, não e menor que a dos benemeritos da geração passada. Mas o caso mais sintoniatico é éste: Por ocasiáo do Congresso Antropológico de Lisboa, onde não faltavam anrropologisras e historiadores notaveis, o sr. Coelho apresentou a ilustre arsembleia uma memória, a propósito dum caso de microcefalia, o que já tem chisre, e dando como assente que os historiadores e antropologistas eram tão ignorantes, que ainda confundiam os Câmbrios com os Cimbros, desatava a fazer uma estirada prelecçáo sobre a matéria. i 6 desra fôrça o sr. Coelho! Um dos congressistas ainda lhe disse o mais de- +adamente que pôde num periódico francês que a materia da prelecção era um pouco velha.

DISPERSOS com a diferença que vai da disiracgáo para a infencáo, acentuava o autor da Glottica. Só quem lida com a hipercritica lareira do Sr. Coelho pode avaliar o que ha de perfeito neste retrato e que soma de paciência é necessdria, para esgrimir com dialécticos desta espécie. Não sei se consegui vencer êste trabalho de Hhules burlesco. Os meus amigos o dirão, lendo êste escrito, em desconto daqueles seus pecados, que também Ihes valeram uma fustigadela do sempre am8vel professor. Começa o sr. Coelho a sua catiliniria, afirmando que «cheguei muito tarde aos estudos históricos e a propósito das explorações da Citânia que se tornaram (para mim) o que os psicólogos chamam-um órgáo de apercepçáo de tudo o mais B. A vontade. Uns apontamentos biográficos, publicados no primeiro número da Revista de Gukaráes- único documento que o sr. Coelho podia consultar sôbre o caso-dizem exactamente o contrário; mas não serei eu que o ponha em talas pedindo-lhe provas da sua afirmativa: o meu intuito não é martirizá-lo, muito pelo contrário. * Segue a furiosa saraivada: -que não faço idea clara dos métodos de critica aplicáveis aos textos clássicos-nem dos princípios mais elementares da ciência da linguagem - nem das bases das ciências étnicas. Paremos aqui e examinemos as coisas de trás para diante, como o pede a melhor ordem. Que náofaco idea clara das bases das ciências étnicas. O sr. Coelho não dá as razões do seu dito, mas temos muito tempo para as esquadrinhar. {Náo faço idea clara das bases das ciências étnicas, porque não li os livros que cito nos meus escritos? [Serd porque êsses livros não explicam claramente os mistérios eleusinos das tais bases das ciências étnicas? 2 Será enfim porque as bases das ciências étnicas são um monopólio do Sr. Coelho? Por mais extraordinario que isso parega, é nesta terceira hipótese que est8 o gato. Para desengano basta ler uma dissertação, que o sr. Coelho publicou no segundo número da Revista das Sciencias Naturaes e Sociaes, órgáo dos trabalhos da Sociedade Carlos Ribeiro. Ai nos mostra o conspícuo professor como em coisas etnológicas pouco mais se tem feito do que tontear até hoje. Abel Hovelacque, Fr. Müller, Litrré, por exemplo, tinham sôbre a matéria ideas muito confusas. Topinard, êsse ainda passe; tem-te aqui, escorrega acolá, vai fazendo seus progressos ; e, se tivesse ouvido uma prelecção que o sr. Coelho deu, há anos, numa associação lisbonense, não estaria longe de conhecer êste segrêdo da abelha. O êrro que até hoje tem entenebrecido todos os espíritos consiste em ba-

340 MARTINS SARMENTO ralhar a étnica com a antropologia. Com tais confusóes na cabeça, um investigador, que comece a fazer etnogenices com o deus Taranis, é um exemplo, será capaz de desatar a fazer antropologices inconscientemente, discutindo se o deus teve um crânio bráqui- ou dòlicocéfalo, ou se foi alguma vez trepanado. Em suma, o sr. Coelho mergulhou até o fundo do poço, onde dormitava a verdade etnológica e antropológica, e trouxe de lá uma descoberta, que pelos modos até o habilita a devassar os arcanos da antiguidade, sem precisão de abrir livros velhos. É certamente por isso que êle escreve que em coisas de etnologia antiga sas noticias etnográficas e etnológicas dos antigos não têni para nós (para êle) senão um valor secundário D. O Sr. Coelho pode atirar 2s urtigas com estas insignificâncias; fica-lhe sempre um quid primário, o amuleto que trouxe do fundo do poço acima mencionado. Talvez se pregunte como é que êste dilettante em ciências antropológicas e étnicas logrou desencantar nas suas horas de ócio esta maravilha que escapou aos Brocas e aos Mullers. O sr. Coelho previne qualquer objecção numa nota do seu escrito: o caso 6 saber ler nas entrelinhas. *A logik de Wundt, escreve êle, como outros trabalhos dêste eminente filósofo, mostram até que ponto uma inteligência superior pode dominar os processos do método de cada uma das diversas ciências e criticar-lhe os resultados o. Homens dêstes são rarissimos, tinha êle escrito no texto. Ora aqui está como o Sr. Coelho, sem queimar muito as pestanas com os estudos antropológicos e etnológicos, pode fazer descobertas, por cima das quais os antropologistas e etnólogos de profissão passaram e repassaram sem as vislumbrar. Em cada uma das diversas ciências o mesmo. Para concluir. O sr. Coelho não quis dizer, acho eu, que só vi pela lombada os livros que citei, nem que desconhecesse as bases das ciências étnicas, ensinadas naquelas cartilhas; quere dizer que as ideas que dali podia colhêr são fósseis e têm de ser refundidas nos moldes que êle inventou. Que não fap idea clara dos princípios mais elementares da ciência da linguagem. Não sendo a ciência da linguagem coisa indispensivel aos estudos, a que me tenho entregado, e principalmente tendo eu declarado por mais duma vez que sou pouco ou nada competente nesta matéria, deixaria passar sem reparo esta segunda denúncia, se o sr. Coelho a não apimentasse com a seguinte pilhéria: que declarando-me ((pouco competente em matéria glotológica, fazia etimologias célticas a. Vamos ver como êle prova êste artigo do libelo. Dois são os casos em que revelo o meu ridículo pedantismo. O primeiro versa sôhre a palavra cot, com que pretendi etimologizar o nome de Citânia. Esta etimologia era minha, diz o Sr. Coelho, ((conquanto corresse mundo com outras marcas de fábrica >i. Quere dizer, eu fiz uma etimologia, mas o Sr. Coelho não a encontra em parte alguma com a marca da minha fdbrica e até leu nela uma marca muito diferente. Mais divertido que esta acusação só o que vai ler-se: «Mostrou-se, con-

DISPERSOS tinua o ilustre professor de glótica, que a palavra era de origem fínica (sic) e tinha chegado ao kymrico pelo anglo-saxáo» (i). Quem mostrou que a palavra era de origem finica (sic) e tinha chegado ao kymrico pelo anglo-saxáo, foi, escusa dizer-se, o sr. Coelho, e mostrou-o na sua Revida d'l7rhnologia e de Glottologia, a pág. 40; mas aqui está a passagem: «Parece ràzoável a opinião de Caldwel, segundo a qual êste têrmo importante para a história da civilização seria de origem primitiva @c) dravidica (sic), tendo passado das línguas dravidicas para o sânscrito e línguas uralo-altaicas, destas para as germânicas e destas últimas para as célticas s. Temos pois que a palavra cot é de origem fínica e de origem dravidica (2); e, como se vê, a fabrica etimológica do sr. Coelho faz lembrar a dos sapateiros: fornece obra aos pares. Segundo caso: nos cacos da Cirânia aparecia muitas vezes a palavra Arg, ora isolada, ora associada ao nome de Carnal, podendo ler-se distintamente em algumas marcas Airg Camali, no geiiitivo. Parecendo-me importantes os seguintes factos, chamei para êles a atenção dos competentes, confessando-me inhabilitado para os explicar: 1.' se Arg não seria o arg= príncipe irlandês, um título honorifico, e não um nome pessoal, vistas as razões que apresentava e que é inútil reproduzir agora; 2.O se em Airg não haveria Lim caso de flexáo interna. Os competentes para que eu apelava, eram os da nossa terra, na persuasão de que os estrangeiros se não ocupavam com as nossas coisas. Contra a minha espectativa, enquanto que os nossos competentes dormiam a sesta, a Revur CeItique acudia ao convite, declarando que o caso de fleráo interna não tinha jeito. Roma locuta, causa Fnita, e não pensei mais em tal. Eis que ao fim de dez anos, aparece o sr. Coelho a repetir com a Revue Celfique que o caso de flexáo interna não tem jeito, fazendo daquele periódico instrumento das suas intrigasitas. 0s que não crêem em bruxas expliquem, como puderem, a coincidência seguinte : Quási ao mesmo tempo que o sr. Coelho se servia da Revue Celtique como instrumento das suas intrigasitas, um dos redactores da notável revista escrevia que não tinha grande jeito a celticidade, que o sr. Coelho farejava em alguns nomes de deuses lusitanos, e muito menos a cambada de sufixos, que êle arranjou paro o deus Cusuneneoeco (3). É pois a Revire Celtique que me vinga, autorizando-me a afirmar, se eu estivesse para isso, que o sr. Coelho nem conhece os nomes célticos pela pinta. Em conclusão: eu sou tão pedante que, declarando-me incompetente em matéria glotológica, me meto a fazer etimologias célticas. Estas etimologias reduzem-se a duas: uma, pelo visto, foi feita por procuraçáo, e por procuraçáo (i) Adolphe Pictet, na primeira e na segunda edig5o dai suas Origines indo-europe'enries. supõe precisamente o contriirio: al'ang-sax. cota, scand. kof, est peut-être celtiquea; mas talvez Pictet não tivesse idea clara dos principios mais elementares da ciência da linguagem. (2) Quando o SI. Coelho me explicar a causa desta extravagância, explicar-lhe-ei eu a que me nota com relação A passagem de Strabáo (111, iii, 6 e 7). (3) Reme Celripue, vol. x, phgs. 504-5.

MARTINS SARMENTO sem assinatura; outra consistiu em chamar a atenção dos competentes para uns problemas, que me pareceram curiosos (I). Havemos de confessar que já é vontade de cuspir para o ar. * Que eu irão faco idea clara dos métodos da crítica aplicáveis aos textos clássicos. Esta é mais séria; porque daqui se conclui que o meu senso critico regula pelo de Fr. Bernardo de Brito. Felizmente neste particular o sr. Coelho, ao passo que faz a autopsia do meu bernardismo, mostra-nos com o próprio exemplo o que vale a sagacidade critica, afiada no ideal dos seus métodos. Vamos lá a ver isso. São cinco os casos graúdos, sobre os quais recaem os comentários fulmíneos do conspícuo professor. Trata-se dum ligeiro esbôço, tendente a mostrar a diferença de costumes, usos, qualidades morais, que distinguem os Celtas dos Lusitanos. I." Escrevi eu e copia o sr. Coelho: a 0 Celta, diz o sr. Sarmento, tem a paixáo infrene do militarismo egoísta que lhe não aproveita para fundar uma nacionalidade, um império seu pr6prio...a (2). Desde certa epoca, desde Deniz o Antigo, pelo menos, é rara a guerra de importância no mundo conhecido dos antigos, em que não entrem celtas mercenários. a Em lugar de vender os seus serviqos aos estrangeiros e de correr aventuras por terras estranhas, como os Celtas e os Celtiberos, os Lusitanos faziam as suas incursões sôbre povos mais ou menos vizinhos e voltavam aos seus lares para planear outras novas. a Comenta agora o sr. Coelho: uêsre argumento serve tanto contra o celtismo como contra o ligurismo dos Lusitanos, pois os ligures também figuravam como n~ercenários em exércitos estranhos, por exemplo no de Amilcar, etc. D Ora o leitor bem vê das citações transcritas que eu náo falo no ligurismo dos Lusitanos, e o melhor é que em todo o estudo, de que fazem parte aqueles textos, Os Celtus na Liisitâ~zia, mal aludo a semelhante coisa, porque o meu fim exclusivo era demonstrar que os Lusitanos náo sáo da f.imilia céltica. Neste intuito, notei por um lado o géaio militaresco e aventureiro dos Celtas, e pela sua costela céltica o dos celtiberos, e a esta causa atribui a facilidade com que vendiam a sua espada (3); notei por outro lado que tanto o primeiro facto, que (I) O problema principal, se Arg era um titulo honorifico, e não um nome pessoal, ficou sem solução e continua a figurar-se-me muito importante. Advertirei que a palavra Arg não é uma invenção de O'Reilly, como poder& pensar quem levianamente ler a passagem da Revue Celtique, denunciada pelo sr. Coelho. Eu já conheci a má reputação daquele mártir e verifi- quei em Zeuss, que citava no meu opúsculo, a genuynidade do arg =princeps. Por isso digo que o problema subsiste. (a) Reparem nas reticências do sr. Coelho e vejam a nota seguinte. (3) Isto estava expresso com sofrivel clareza nestas palavras, que o sr. Coelho substituiu pelas reticências, a que se refere a nota antecedente: - a facto nunca bastantemente repetido, mas que o obrigava (a paixão infrene do militarismo) a oferecer a espada a todo aquele que lha paga.u i Porque suprimiu o sr. Coelho estas duas linhas? Para economizar tinta? Não

DISPERSOS era o essencial, como o segundo, que era o acessório, ninguém os descortinava entre os Lusitanos. O ilustre professor, dando por demonstradas as minhas afirmativas, pois que as não destrói, vem-nos dizer que elas não provam o ligurismo dos Lusitanos, de que se não tratava nem devia tratar. É um dos casos: Quand on le parle blanc, soudain i1 rhpond noir. Com a diferença que vai da distracção para a intencão, comentava Manuel de Melo. 2.O Tinha eu dito que entre a armadura dos Celtas e dos Lusitanos havia completa disparidade. Os Celtas usavam de armas de ferro, os Lusitanos de armas de bronze; o escudo dos Lusitanos era redondo e pequeno, o dos Celtas alto e quadrilongo. Refutação: a... basta, para provar que êsse argumento nada vale na etnogenia dos Lusitanos, fazer dum lado a observação de que os Celtas na Celti- béria (como o próprio Sr. Sarmento repete) abandonaram também a sua espada primitiva e que portanto poderiam ter feito o mesmo na ~ushânia. r Importa saber que a espada ibérica, pela qual os Celtas em questão abandonaram a sua, era de ferro, e duma afamada têmpera. Portanto de duas uma: ou o s8bio professor sabe esta corriqueirice e para êle tanto monta trocar por uma espada de ferro de boa têmpera uma espada de ferro destemperada, que tal era a primitiva dos Celtas, como passar das armas de ferro para as de bronze - o que est8 a pedir palmatória; ou o ignora, e neste caso a palmatória merecia-a eu, se gastasse mais tempo com um censor tão esquisito. Quanto ao escudo, o Sr. Coelho faz dizer a Diodoro Siculo que o escudo céltico era a ovala (I); mas, se o escudo dos Lusitanos tinha a forma circular, como tinha, a menos que entre êles só fôsse conhecido o circulo bicudo, que tantas noites faz perder aos Euclides ociosos, os dois escudos não se asseme- Ihavam nada. 2 Estar8 o Sr. Coelho a caçoar com os seus leitores? 3.O Tinha eu dito ser quási certo.que os Celtas não coostruiam oppida~. Era tambem a opinião de Contze, A. Bertrand e outros, em oposição i de Belloguet, que eu discutia numa extensa nota. Refutação: n A opiniáo de que os Celtas não construíram oppida é errónea D ; e manda ver Belloguet na passagem que eu discutia. A refutação é tão concludente, que nem me atrevo a replicar, e só farei duas observações: Contze, Bertrand e os outros desgraçados, cuja opinião segui, pode ser. Nesse caso não copiaria as quatro linhas seguintes, que diziam menos que a frase a a todo aquele que lha paga u. Esta frase deixava perceber que a questão do soldo não era secundaria. Entenderam? (I) Naturalmente o Sr. Coelho leu num tradutor latino - scuto enim oblongo,- e de oblongo Wz oval. Paginas antes, Diodoro tem escrito que o tal escudo céltico era de altura dum homem. Pelo seu diâmetro maior calculem que abantesma seris um escudo oval da altura dum homem, e ainda para mais dum Celta.

M A R T I N S S A R M E N T O ficam incursos no anátema, com que o sr. Coelho me fulminou-não fazem idea clara dos métodos aplicáveis aos textos históricos; Belloguet, o grande Belloguet, êsse sim, é um evangelho para o Sr. Coelho. Feliz sábio! 4." Copiemos: 4 Os Celtas, diz o Sr. Sarmento, aproximam-se dos Persas expondo os seus mortos hs bêstas-feras e hs aves de rapina n, e reporta-se a Belloguet. atemos aqui mais um exemplo do modo como o autor vimaranense generaliza a favor das suas teses o que nos escritores antigos se refere por vezes só a um dado ramo de Celtas. r Lá vai o grande e o feliz Belloguet pela água abaixo; porque é de saber que tôdas as bernardices, com que o Sr. Coelho está a fazer carga ao a autor vimaranense r, são sustentadas pelo autor da Ethnogétiie gatrloise, que desce agora h plana dos beócios que não fazem idea clara dos métodos aplicáveis, etc. E o mais curioso é que o o autor vimaranense D não pode ser acusado por tais bernardices, como afirma êste fazedor e desfazedor de reputações; porque, se escreveu as palavras que o sr. Coelho lhe atribui, acrescentou: r São indubithvelmente os usos dos Celtas e não dos Iberos que autorizam S. Itálico a afirmar que entre os Celtiberos era um sacrilégio a cremação dos cadáveres, e corrente a crença de que voavam para o céu as almas daqueles cujos corpos houvessem sido devorados pelos abutres. Por prudêlicia aceitaremos sòmenie a primeira izotícia, que concorda com as observações feitas pelo Sr. A. Bertrand na zona galática (Iêde céltica), onde do mesmo modo a cremação dos cadáveres não estava em uso, mas sim o enterramento. D (I). Claro G pois que anão generalizei a favor da minha tese o que nos escri. tores antigos se refere por vezes só a um dado ramo de Celtasi, mas sustentei apenas que um dado ramo de Celtas, os Celtiberos, enterravam os seus mortos, e os Lusitanos os queimavam. E a graça tôda está em que tal é também a opinião do sr. Coelho. Claro é também que há aqui uma empalmaçáo de textos, feiia com muito pouca limpeza, empalmacão que terei de moralizar, quando reunir um molho de belezas da mesma espécie. Por agora temos um assunto, que escurece todos os outros, visto ser chegada a ocasião de apreciar as maravilhas dos métodos de crítica aplicáveis aos textos clássicos, de que o Sr. Coelho faz uso. Que os Celtiberos não queimavam os seus mortos e os Lusitanos sim, nisso não põe êle duvida; mas fundado principalmente nestes dois factos -que a a cremação era comum a todos os antigos povos indo-europeus (menos aos Persas)n -que o rito de cremação corresponde a um estado já bastante adiantado de concepçóes religiosas», o sr. Coelho resolve que, se alguma coisa há a concluir, é que na Lusitânia a cremação dos cadáveres era de origem céltica a. Ora os textos clássicos não deixam dúvida nenhuma de que na Celtibéria havia Celtas para dar e vender; acêrca de Celtas na Lusitânia nem uma palavra. Teríamos pois que na Celtibéria, onde os textos cldssicos nos juram que havia Celtas, estes originais atiraram fora o seu rito nacional de cremação, para adoptar, segundo crê o sagaz professor, o rito ibérico dos povos preexistentes; na Lusitânia, onde êles não conhecem Celtas, fariam estes uma tal propaganda ( I) Revista Scientifcq págs. 188-9. (Pag. 113 do presente volume. N. da revisão).

D I S P E R S O S das suas costumeiras funeririas, que até os próprios indígenas não quiseram outra moda. Mas é precisamente o mitodo do herói de Regnard: Quand on le parle blanc, soudain il rkpond noir. Onde os textos cldssicos escrevem - branco, o sr. Coelho lê - prêto. Temos, porém, mais e melhor. Quando foi do Congresso Antropológico de Lisboa, travou-se acalorada discussão entre os sabios nacionais e estrangeiros acêrca dos ossos humanos, encontrados na Gruta da Furninha. Cada qual puxou para seu lado, sem dúvida por lhe faltar o acume intelectual, que só «os métodos da critica aplicáveis, elc. )) podem dar. Inútil dizer que o sr. Coelho, logo que entrou a estudar a questão, pôs tudo em pratos limpos. Aqui está, modéstia a parte, 3 solução de todos aqueles enigmas : a Os antiquissimos habitantes da Gruta da Furninha - diz êle -e do Cabo do Mondego faziam, ao que parece, como os Persas; espunham os cadaveres aos animais' antes de os inumarem e combinavam talvez aiiida êste rito funerário com o duma incineração incompleta. Esta hipótese combinada, que sou eu, creio, o primeiro a enunciar, explica todos os factos que se observam com respeito aos vestígios humanos nas referidas estações prk-históricas. r Viram! Os vestígios humanos desta hipbtese combinada inferem-se principalmente da chamuscadela dos ossos, a qual prova, visto os princípios atrh estabelecidos, que os habitantes da Furninha tinham aprendido dos Celtas o rito da cremação, deixando a operação incompleta pelas exigências da hipótese combinada, que s6 admitia meia dose de fogueira; os vestígios não humanos inferem-se das incisões e fracturas dos mesmos ossos; são obra dos abutres e da rataria, durante a exposição dos cadhveres ao ar livre; indicam a outra meia dose do rito não-céltico. Se eu fôsse parente do homem de Góis, que não imaginava poder falar-se doutra coisa senão da sua demanda, diria que o bom Deus criou a Gruta da Furninha expressamente para castigo dos professores, que, tendo um senso critico um pouco parecido ao de Pedro Malas-Artes, estranham que os outros não leiam pela sua cartilha. O cómico, passada certa linha, até faz tristeza. 5.' Copiemos: ([Antes de passar adiante, não deixarei de mencionar o que o ilustre arqueólogo diz da religião dos que êle entende por Celtas. )I Organização religiosa não se Ihes conhece. O sr. Bertrand, depois de afirmar que êles não fundaram nada de duravel, acrescenta: c( O seu nome não ficou ligado a nenhum grupo de monumentos, a nenhuma costumeira, a nenhuma divindade tópica, ou de tríbu, de que possamos com certeza adjudicar-lhes a honra. I> Comenta o Sr. Coelho: a Admitindo em oposição com os factos e contrariamente a opinião da maioria dos escritores sôbre o assunto, que os celtas da Gália e ainda os celtas orientais, invasores da Gricia e da Ásia Menor, não tinham religião, ou não distavam muito disso, (como é que o sr. Sarmento não vê voltar-se também o seu argumento contra a sua tese do germanismo dos celtas? O Olimpo dos germanos não era por certo menos povoado que o dos 44

MARTINS SARMENTO Lusitanos; como estes, aqueles sacrificavam animais (até vitimas humanas) as suas divindades; como os galegos e lusitanos, eram peritos nos auspicios e agouros.» E manda ver a Deutsche Mythologie de Grimm. Ora é tão exacto que eu sustentasse o ateísmo dos Celtas, que numa nota ao artigo, que o sr. professor está esmiuçando, escrevi: a Se a noticia se limitasse a alguns galegos (a noticia de Strabáo sobre o ateismo dos galegos), lembraria se os Celtas do Nério, que no sentido geográfico eram galegos, ganhariam esta reputação entre os seus vizinhos, atenta a estranheza das suas práticas religiosas. u (I). É tão exacto que me ponha contra a minha tese do germanismo dos Celtas o que acêrca da sua religião tenho dito, que nos Argotrautas, pag. 286, escrevi: «Da sua religião (da religião dos Celtas) nada ficou também; se ficasse, é muito de presumir que essas relíquias fornecessem algum capitulo mais a Mythologia germatzica, coleccionada por J. Grimm. I>. Aqui temos pois uma nova empalmação de dois textos, graças a qual o sr. Coelho me faz dizer exactamente o contrário do que eu afirmei. Prometi atrás moralizar estes bonitos processos de critica. Reconsidero. O leitor, em vista de tantos casos de flagrante delito, talvez os moralize com mais severidade, do que eu estava disposto a fazer. Por mim contentar-me-ei com trautear os versos de Regnard: C'est un homme étonnant et rare en son espèce Qui rêve fort à rien et s'égare sans cesse: I1 cherche, il tourne, i1 brouille, i1 regarde sans voir; Quand on le parle blanc, soudain il répond noir. Com a diferença que vai da distraccáo para a intencáo, é claro. Certo é que os cinco casos, que o sr. Coelho vinha tão afoitamente pulverizar, ficaram completamente intactos: Os Celtiberos pelo seu génio turbulento e aventureiro, herança de sangue céltico que Ihes corria nas veias, distinguiam-se dos outros povos ibéricos, nomeadamente dos Lusitanos, sendo esta paixão mfiitaresca que os levava a vender a sua espada, outro facto estranho aos Lusitanos; A armadura dos Lusitanos diferençava-se inteiramente da dos Celtas; E «quási certo D que os Celtas não construiram oppida pela mesma razão, que os não construiam os germanos, enquanto que na Lusitânia os oppida deviam ser às centenas; Os Lusitanos queimavam os seus mortos, os Celtas e Celtiberos não; A organização religiosa dos Celtas é-nos desconhecida, a ponto de não poder apontar-se como certo um nome só dos seus deuses; o Panteáo dos Lusitanos era extremamente povoado, como nos mostram as inscrições da época romana. Batendo estas afirmativas com umas nugações sem arte e com a falsificação dos meus textos, o sr. Coelho por fim de contas... é o critico da Gruta da Furninha : está dito tudo. (I) Revista Scientifica, pág. 188, nota 4. (Pág. 113, nota 4, do presente volume. N. da ~evisáo).

D I S P E R S O S Nas três miudezas seguintes revela-se sempre o mesmo dedo de gigante. s É curiosissimo (notem a sobranceria com que fala o ilustre critico da Furninha) e eminentemente adequado para demonstrar a falta de método do sr. Sarmento que, sendo da máxima importância para a sua tese etnogénica o estudo dos ligures autênticos, isto é, dos ligures da Ligúria histórica, êle apenas faz a êles referência, passa quási completamente por alto as noticias dos antigos que Ihes respeitam, etc. D. Ora a minha tese etnogénica, como sabem os que se têm dado ao trabalho de me ler, consiste em mostrar que os povos do extremo ocidente, e entre êles os Lusitanos, pertencem a uma migração ariana, falando uma lingua ariana e desenvolvendo a célebre civilização do bronze, séculos antes do aparecimento dos Celtas na cena histórica. Combater o celtismo dos Lusitanos, geralmente admitido, é a minha delenda Carlhago, tenho eu dito. É de ver que o estudo dos Ligures do Mediterrâneo nada tem de comum com a minha tese. E sempre a nota cómica. A juizo do sr. Coelho, eu deveria estudar a fundo os Ligures do Mediterrâneo pela única razão de serem êles «Ligures autênticos», mas na página antecedente tinha êle escrito: K A Ligúria foi sede de estabelecimentos de povos muito diversos, gregos, fenícios, italiotas; a pressão céltica sobre as populaçóes ligúricas era muito antiga e deu lugar a numerosas infiltrações, que tornavam difícil a distinção de celtas e ligures. n. Não está ma autenticidade! ie era dêste cáos que eu havia de tirar a melhor luz para a prè-celticidade dos povos ocidentais! Outra de igual teor: a Para prova que na Lusitânia (sempre no sentido de Strabão) houve Iígures, o sr. Sarmento arranja uma interpretação de Festo Avieno, Ora Maritima, em que aceita dos intérpretes anteriores, principalmente de Mullenhoff, só o que convém ao seu fito, etc. D. A iodos os povos ocidentais da época do bronze dei eu o nome de Lígures, fundado na geografia de Hesiodo, como declarei por mais duma vez. Não tinha pois necessidade de arranjar um étnico de Lígures na Lusitânia. I1 cherche, il rourne, il brauille... Ainda outra:.vê-se pois (ao fim dumas razões, que não h& deslealdade em omitir) que é falha absolutamente de base a opiniiio do sr. Sarmento, segundo a qual os dialectos neo-célticos seriam os reflexos da lingua dos ligures, (do Mediterrâneo). A minha opinião não é que as línguas neo.célticas são os reflexos da lingua dos Ligures do Mediterrâneo; mas que são a lingua dos povos ligures estabelecidos nas Ilhas Britânicas, conservada, como as suas tradiçóes, através dos tempos. Tanta vez tenho repisado esta idea, que só à inocência do sr. Coelho é permitido desconhecê-la. Há-de notar-se que em todas as referências a Lígures, o sr. Coelho mói e

MARTINS SARLMENTO remoi uma questão de palavras com um apetite invejlvel. Porque eu dei aos velhos árias do extremo ocidente a denominação de Lígures, adoptando, como jl disse, a geografia de Hesíodo, e porque à beira do Mediterrâneo há um povo com o nome de Lígures, entende o sr. Coelho que estou obrigado a ver nuns e noutros dois irmãos Siameses, sem poder afirmar dos primeiros a menor bagatela, que não seja logo aplicada aos segundos. É por isso que êle achou qcuriosissimo D que eu desdenhasse o estudo dos Ligures autêriticos, isto é, dos Ligures calabreados com Gregos, Fenícios, Italiotas e Celtas, quando me propus a tratar exclusivamente da origem uáo céltica dos Ligures ocidentais; que não pusesse por minha conta e risco os Lusitanos a soldo, visto que os Lígures do Mediterrâneo assim o fizeram algumas vezes, etc. No entanto tenho-me explicado bem claramente, cuido eu. Ka minha opinião, os Ligures do Mediterrâneo, como os povos italiotas, são da mesmíssima família que os Ligures ocidentais, mas separaram-se deles em tempos muito antigos e nunca mais se comunicaram até a época da dominação romana. O tempo, as novas condições de vida, o contacto com povos diferentes, fazem sempre das suas, nos costumes, nas instituições, na língua, em tudo, e para tomar um exemplo, o da língua, eu entendi e entendo, que a data da conquista da Inglaterra pelos Romanos, as línguas ligúricas ai faladas deviam. estar tão distanciadas da dos Ligures do Mediterrâneo, como de qualquer língua italiota.... il regarde sans voir Resta ainda «a minha tese n principal, que deixei para o fim, obedecendo as regras da retórica velha. Depois de dizer que pus os Celtas fora da Citânia com a mesma facilidade com que os admiti lá, continua o Sr. Coelho: «Respondia então as criticas dos celtistas, dizendo-lhes que êles chamavam sem razão celtas a povos que o não eram e que as chamadas línguas célticas não provinham de modo algum dos celtas da história (I). Os homens de maior saber e de maior génio nos domínios da antiguidade que o tempo produziu teriam pois vivido todos numa ertraordinária ilusão que o Sr. Sarmento, depois de ter compartilhado dela, conseguira desfazer num ano ou menos de estudo em Guimaráis. r A vista desta sátira flagelante, julgarão os que lêem que, se as minhas ideas vingassem, Guimaráis poderia juntar às suas três maravilhas clássicas a de ter criado um portento que, em coisas de celtismo, pôs a um canto a os homens de maior saber e de maior génio nos domínios da antiguidade que o nosso tempo produziu D. Pois estão redondamente enganados; o ilustre professor acrescenta logo: K A verdade é que o ilustre arqueologo teve muito pouco trabalho para o alcançar. A tese que vinha defender era velha, velhissima ate», (I) Leia-se: dos Celtas, que só depois do século vi1 a. C., apareceram na Europa. Para alguns escritores os.celtas da história. são ainda o que eu chamo Ligures.

e continua dizendo que a minha tese é composta com. as opiniões de Moke, Holtzmann, Belloguet, Jubainville e Mullenhoff. Deixando de lado Moke e Holtzmann, que para o sr. Coelho são sábios de meia tijela, ou menos, ficam Belloguet, Jubainville e Mullenhoff, três sábios de primeira ordem s, cujos retratos têm de figurar na galeria a dos homens de maior saber e de maior génio nos domínios da antiguidade R ; e, se eu Ihes copiei as opinióes, como copiei, aí ficam estes meus respeitáveis fiadores, e não eu, com o ridiculo, flagelado pelo sr. Coelho, morador na rua das Quelhas, pois que evidentemente são êles que tentam mostrar como os seus confrades viveram e numa extraordinária ilusão J). A que propósito veio pois o homem de Guimaruis?... i1 s'kgsre saiis cesse. E o melhor da passagem é que aí temos o sr. Coelho a substituir-me na pataratice de mostrar que aqueles homens viveram «numa extraordinária ilusão a. Vejamos como êle está muito acima dêstes pigmeus. Primeiro, Jubainville. Para êste escritor os Celtas da história só aparecem na cena europeia no século v11 a. C., quando muito; antes dêles o ocidente foi colonizado por gente ligúrica, absolutamente diferente da céltica, e que tinha aí desenvolvido uma niuito notável civilizaç50. Era a doutrina de Belloguet, com a diferença que, contra a opinião dêste - autor, Jubainville sustentava que os Lígures eram arianos e falavam uma língua ariana. Imagine-se se os celtistas da escola velha festejariam muito a invenção. Se antes da língua céltica existia no'ocidente da Europa uma língua ariana, falada por numerosas tríbus, mais civilizadas que os Celtas do século vri a. C., lá se ia a beatifica tranquilidade dos velhos tempos, quando todo e qualquer nome de fisionomia árira só pelo céltico podia ser explicado, visto não haver outro concorrente. Era de esperar que, animados pela franca declaração de Jubainville, os liguristas não deixassem de deitar os braços de fora, reclamando para os seus clientes a paternidade do velho onornástico ariano, que fôsse encontrado nas partes da Europa ocidental, onde os Celtas não puseram o pé. Aqui está porque os celtistas patriarcais dão ao'demo a lembrança de Jubainville. O sr. Coelho, que teve de esbarrar-se com o distinto sábio, trata-o desta maneira: «Daqueles nomes geográ1icos (contidos numa sentença sôbre coisas da Ligúria... autêntica) apenas três oferecem ao sr. Arbois de Jubainville matéria para comparações indo-europeias incertas! É sôbre esta base e a interpretação hipor6tica dos nomes de Ligures e Ambrones que assenta a tese do indo-europeismo dêsse povo. I) É, pouco mais ou menos, chamar-lhe imbecil. Com efeito, assentar a tese do indo-europeísmo dos Ligures nos fundamentos denunciados pelo sr. Coelho, seria numa quest.50 desta ordem pouco menos de imbecilidade. Escusado, porém, será acrescentar que o ilustre professor calunia Jubainville com a sua coragem e heroismo habituais; e, se o leitor percorrer todas as páginas que na sua obra, Les premiers habitants de 1'Europe, o insigne etnólogo consagra aos povos liguricos, e fôr coligindo todos os argumentos de ordem histórica e lin-

3 50 MARTINS SARMENTO guistica (I), que êle atumula no seu livro, há-de ficar certamente espantado com o heroísmo e a coragem do nosso compatriota. Atrás de Jubainville vem MUllenhoff. Dêste sábio copiei eu I< a conclusáo de que na época, a que pertence o périplo fenício, que se supõe ter sido a base principal do poema de Avieno, os celtas não estavam na Península Ibérica a. É exacto; e, como o périplo já nos menciona nomes como o de Ana, que os celtistas têm por célticos, conclui que só por milagre poderiam aparecer nomes célticos na Espanha, antes do aparecimento dos próprios Celtas. E evidente que esta conclusáo, tirada de principias postos por um sábio como Mullenhoff, também havia de arder aos celtisras, e, para a destruir, não se vê outro remédio senáo arremeter contra o ilustre alemão. Também êle G imbecil? Tanto não; mas a sua a conclusáo é de extrema debilidade, como jj. toi visto n e sobretudo porque a cronologia, em que ela se apoia, r espera (o sr. Coelho) de,monstrar que C insustentável a. E eis aqui como a n minha tese velha, velhíssima até o perdeu as suas duas melhores escoras; um sôpro e IA Foi Jubainville; outro sôpro e li foi Mullenhoff. Segundo a declaração do sr. Coelho, havia ainda uns a argumentos novos n, que juntei à tese velhissima e que parecia deverem ser expostos e discutidos neste lugar. Alguns encontram-se no meu estudo sobre a Ora Maritima, de Avirno. A apreciação que o sr. Coelho faz desta obrinha reduz-se a isto: tudo velho e copiado, mas copiado para pior. Por exemplo, copio, sem a discutir, uma conclusáo mal fundada de Mullenhoff, e rejeito outra do mesmo sabio pela razáo idiota de r ser mais bem fundada que a primeira a. (E porque é mal fundada a primeira conclusáo e bem fundada a segunda? Mas... porque o sr. Coelho põe o seu visto na segunda, e não o põe na primeira. A primeira é disparatada, porque o sr. Coelho a espera demonstrar, etc. a; a segunda fica dogmática, porque assenta na celticidade dos nomes de Albiones e Hierni, e o sr. Coelho, que tem nestas matérias a competência, que s6 a Revire Celtique se atreve a contestar, confirma solenemente aquela opiniáo. Mas decididamente o conspícuo professor de glótica anda com engaranho. Aqui temos um celtista, elogiado como um dos primeiros pela terrível Revue Celtique, e, que sendo especialista, como é, deve ter voto mais pesado no assunto que Mullenhoff, J. Rhys, o qual considera os nomes de Albiones e Hierni como pre-célticos (2). (i) Factos de ordem lingiiisrica eram ainda mais numerosos na primeira edi~áo do seu livro, única que eu podia conhecer, diga-se de passagem. Nos n.o' i e 2, vol. XI, págs. 151 e seguinres da Revue Celiique, dá Jubainville uma longa lista de nomes com sufixo, que afirma ser ligúrica. (a) J. Rhys, Early Britain, Celiic Britain, págs. 202-5.

DISPERSOÇ 35 r E nada mais há digno de revista nas quinze páginas, em que o sr. Coelho me descompõe. Não me cega a paixão, creio eu, afirmando que toda esta farrageni está abaixo da critica. Como obra de difamação náo será má; mas as revistas científicas não foram feitas pròpriamente para êste género de escritos. Eu lamento, em atenção ao Curso Superior de Letras, não poder tratar com seriedade um dos seus membros; (mas quem há-de tomar a sério o CEdipo da Furninha, resolvendo todas as questões com o I< ipse dixit 11 da sua própria pessoa, sem ao menos perceber o burlesco do seu papel? O segundo trecho da descompostura do sr. Coelho toma outras quinze páginas e ocupa-se quási exclusivamente do germanismo dos Celtas no terreno da glótica. Eis o caso. Numa hora aberta tive a má lembrança de escrever «por incidente n, que de-certo o meu mau sestro me inclinava para esta opinião, e apontava rapidamente algumas razões que me haviam induzido àquela tentação. No terreno da glótica, limitava-me a insinuar que algumas palavras que nos deixaram os Celtas, como gmum, tiimarkisia, diynemeton, os nomes de Leonório e Lutário cheiravam diabdicamente a germânico e que, segundo Holtzmann, o mesmo sucedia aos nomes pessoais dos gálatas asilticos. O si-. Coelho cai a fundo sobre êste a absurdo o, e gaba-se de demonstrar que a língua dos tais gálatas a não era de modo algum germâoica n. Como o conspícuo professor de glótica se encontra no seu 'elemento, é de crer que se exceda a si mesmo. Admiremos pois. 1.O Gmsum. <ra palavra gmum, gesum, diz êle, podia ser tão comum ao céltico e ao germânico, como a raiz drub, etc.» Confessemos que as entradas não são das mais brilhantes para quem prometia demonstrar que os nomes em discussão não eram a de modo algum germânicos n. Aqui temos jb um, que, conforme a declaração do próprio sr. Coelho, pode ser germânico, e tão germânico é, que entra nos nomes germânicos Gzsorix, Ariogaisos, etc. Como esta confissão lisonjeia o nosso a absurdo D, passemos adiante sem mais comentários. 2.O Trimarkisia. a 2 Porque escreve o sr. Sarmento trimar-kisia e trimarrisiapa pregunta finbriamente o sr. Coelho. E alarga-se numa das suas habituais estopadas de eruditice inútil, para demonstrar que a lição verdadeira é trimarkisia, como se isso me incomodasse muito. Feita a demonstração, continua triunfantemente: «As palavras tri, três, e marka, cavalo, reproduzem-se nas línguas germânicas noutras formas, segundo as leis fonéticas respectivas: a primeira em gótico tlir-eis (tema thri) tinha em todos os dialectos germânicos

MARTINS SARMENTO antes do quinto século da nossa era unia aspirante inicial representada por th, que os gregos transcreveram por delta ou theta-e não por tau; assim o nome germânico Thiudareiks acha.se transcrito A~uSíprF. em Strabáo (7, i, 4. pág. 292 c). Ao céltico marka correspondem ant. alto ali. marah, com h regularmente pelo k primitivo, norsico mer, meri, equus, anglosax, maere, merr, equus. Assim, pois, marka, trimarkisia, são conformes ao consonantismo do que chamamos céltico e não do germânico; cf. ant. irlandês marc. i. ech, marcach, equestris em Cormac (W. Stokes, Three Irish Glossaries, plg. 28; Zeuss-Ebel (pág. 38), etc. ; tri=irl. tri, kymr. tri, etc. Demais em germânico não há formaçóes em isia.» Esta sapientissima perlenga só tem parelha na definição do caranguejo, festejada na anedota. Mestre: Que é o caranguejo? Discipulo: Caranguejo é um peixe vermelho que anda para irás. Mestre: Muito bem; com a diferença de que o caranguejo nem é peixe, nem vermelho, nem anda para trás. Abre-se a última edição da Deirtsche Grammalik de Grimm e a pág. 934 do 2.O volume lê-se: r [drei][tac. Triboci; trimarkisia hei Pausanias] R. Assim, para Grimm, o inventor da Iairtuerschiebung, o caranguejo do Sr. Coelho nem é peixe, nem vermelho, nem anda para trás; não há dúvida nem no tri, nem no mark, nem no isia; e, somo se vê, para o grande sábio a palavra é germânica. Como se viu também, o tri aparece ainda no povo germânico Tri-boci. Quanto a mark, Holtzmann já tinha prevenido o Sr. Coelho de que não era mau folhear os antigos documentos. Encontra-se, por exemplo, duas vezes na Lex Raiuuarum (r), e outras duas na Lex Alamanorum, as quais Dagoberto (século v11 da nossa era) deu a última demão. Em germânico não há formaçóes em isia; a Amisia, a Calisia de Ptolemeu, a Frisia, até a Frisia, seriam invenções dos celtbfobos. Diga-se por superabundante que a complicada estratégia da frimarkisia apenas se encontra num outro povo, os Bastarnas, que são germânicos, observaçáo já feita, entre outros, por Kunssberg (2). 3.O Drynemeton. a Este nome é indubitivelmente composto de dru e nemetoti, escreve o ilustre professor; o segundo elemento é bem conhecido do antigo céltico e neo-céltico, e significou primeiro lugar consagrado, depois templum sacellum». Falta acrescentar que, pelo nome e pela coisa, nemeton e nimidas nenhuma diferença fazem, e que no Indicirltrs Sirperstitionum, que fecha uma das capitulares de' Carlos Magno, e que vamos procurar a fonte limpa, à Deutsche Mythologie (3), de Grimm, se lê com todas as letras: (vi. de sacris silvarum, que nimidas vocant B. A palavra pode pois, ser céltica e germânica. Vejamos se o dru faz pesar a balança para algum dos lados. a Com relação ao primeiro elemento, dru, é que há dúvidas r, diz o sr. Coelho; mas não acha a dificuldade em admitir que (i) Uma destas passagens d citada por Diefenbach, Celtica, i, 67, n." ioo, a, que o sr. Coelho dá a entender que sabe de cor: "Siquis aliquem de equo suo deposuerit, quem marc Galli vocanc u Leg. Bajov. (Ad.) ist in marckjaiii iu corrigiren. (a) Wanderung in das germanische Alterthum, pág. 88. (3) Quarta edição, vol. 111, pdg. 403.

DISPERSOS 353 no antigo céltico, que devemos supor dividido em diversos tipos dialectais, houvesse um tema dru, designando ou a árvore em geral ou uma espécie determinada de Arvore, o pinheiro, o abeto, talvez mesmo o carvalho». A questão, porém, não é se o Sr. Coelho acha ou não acha dificuldade em admitir um dru céltico; é se êle existe. Como não existe, resignemo-nos com esta desgraça e procuremos por outra parte. (0 triz,, que o Sr. Coelho encontrou em Fick, não serve para nada! ieste Iriu, qm, segundo Grimrn (Deuische Grnmmatik, vol. >.O, pág. 516)~ devia ter soado driu, por exemplo, no gótico dos mais remotos tempos, que é intimo parente do 6pús grego na opinião dêste sábio e doutros competentes (Curtius, Schleicher, Scade, etc., para não falar no mau glotólogo a, Diefenbach) há-de ser pósto fora da contenda para evitar desgostos aos celtistas? Será bom advertir que a palavra drymmeton só nos foi transmitida em épocas muito posteriores ao estabelecimento dos Gálatas na Ásia Menor, sendo possivel e até provável que tivesse sofrido os efeitos da influência grega. Certo é que, se o céltico apenas pode explicar uma parte dêste composto, o germânico explica-as ambas. Que mais é necessário l 4.O Leonório, Lutirio. 2 Estes nomes não são germânicos? a A fonte desta suposição, diz eruditamente o sr. Coelho, está em Diefenbach, Celtica, 11, i, 253 (publicado em 1840)~ que diz que Lutarius e Leonorius podem ser em verdade germánicos, mas também certamente célticos e que portanto n,zo permitem a hipótese da derivação germânica ou duma parte das suas tropas; o sr. Sarmento, que possui Diefenbach, não leu esta observação final. ), Pondo ' de lado os cornentdrios do Sr. Coelho, duma impertinência quási calinesca (i), temos que para Diefenbach os nomes de Leonório e Lutário podiam nem verdade ser germânicos D. Mas para o Sr. Coelho quem afirma o germanismo dêstes nonies c esquece-se da impossibilidade dessa origem», e vai o ilustre glotólogo da trimni-kisia provar que Diefenbach era tão tapado, que nem deu por tal im~ossibilidade. Quanto a Leonório, a demonstração não pode ser mais sumiria; é que nem germânico não há nomes em 01-io i. Temos outra como as formações em isin! O Iboreo, chefe dos Longobardos, o Galactório de Venâncio Fortunato, o Lidório de Gregório de Tours, etc., bastam para mostrar a u impossibilidade D dos nomes germânicos em orio. De pior partido parece estar o santo de Gales, ao qual o Sr. Coelho pôs duas velas acesas; porque é muito de presumir que o seu orio fôsse um presente dos latinistas implaclveis, que até do célebre Artur fizeram Artorio. Feller, que deve ser entendido nestas coisas, chama-lhe simplesmente Leonor. O santo, nascido no pais de Gales, veio pastorear para a Bretanha, segundo conta aquele biógrafo. (I) Eu nem sequer citei Diefenbach,a proposiio dos nomes pessoais dos Cálatas. De resto, o autor da Celticn, cinco páginas adiante da indicada pelo SI. Coelho, declara muito formalmente que não faltam razões, e muitas, a favor da mistura de Celtas e Gerinanos nestas excursões para nascente; que Breno podia bem ser o germânico Brino, Lutirio, Luter, etc.; nán está longe de admitir que os Gálaras &sem Cimbros (os Cimbros sáo hoje geralmente tidos por povos germânicos), encontrando neste último lacto boas razões em prol do celiismo daqueles. Veja-se se Diefenbach me podia incomodar muito, e veja-se sobretudo a cizncia e consciência, com que o sr. Coelho apresenta as opinióer dos autores que diz ter lido. 45

MARTINS SARMENTO É deerto o mesmo, a que se refere J. Loth nesta passagem: a Rtorare. Probablement Lunare, dont le nom se retrouve dans Saint-Lunaire. Sur Lunaire ou Léonor, v. Boll, rer juin, I, pag. i 18-125.» (i). Resulta daqui e doutras citações do artigo de Loth que o orio brilha pela sua ausência e que mesmo a forma Léonor é duvidosa. Seja porém como fôr, vistos os exemplos acima citados, os manes de Diefenbach, difamados pelo sr. Coelho, por causa dos nomes germânicos em orio, poderiam rir-se do farelório da ciência portuguesa. Pelo que respeita a Lutário, a demonstração é mais complicada e mais sábia. O nome germânico Liudaharis, diz, so aparece com a forma Liirthari posteriormente ao quarto século da nossa era, isto é, no período em que se opera a segunda Lautverschiebung, em virtude da qual as línguas germjnicas se separam em dois grupos dialectais; Liuthari pertence já ao alio alemão. As formas Luthar e Luther são muito postcriores ainda.» Deveria concluir-se desta profunda escavação que a forma Li~rdaharis aparece antes do século iv da nossa era. Pois n'áo aparece em parte nenhuma; é simplesmente uma restauragáo de todos os elementos dêste nome, proposta por J. Grimm, e que o sr. Coelho encontrou em Forstemann, se me não engano. Havemos de tê-la por óptima, vindo da mão de quem vem; mas poderiamos jurar e mesmo apostar que o ilustre descobridor da lairtverschiebung querelaria contra quem lhe atribuísse a opinião de que o seu Liudaharis não podia aparecer antes do século iv da nossa era, com a forma Lurário. Para o grande sábio, a forma completa do nome de Tencteri (povo germânico) devia ser Tengdahari, dum tema teltgda e do sufixo heri, gotico hari (z), e não obstante Grimm não tinha o mau gasto de se pôr a sermonear, em nome da lazrtverschiebung, os escritores clássicos, que antes do século IV da nossa era, escreviam Tencteri. Ora é visto que tanta cimpossibilidaden, ou mais, há em fazer de Tengdahari-Tencteri, somo Liudahari-Lutário. E vè-se mais, que o Sr. Coelho ignora que os nomes étnicos e pessoais escapam as mais das vezes a lautuerschiebutzg, a não ser que o sábio professor do Curso Superior de Letras queira dar um quinau no inventor daquela lei, que o declara muito expressamente (3). Não faltava mais nada! Resta ainda uma objecção tremenda, o ditongo iir. Os clássicos, que estropiavam adori~velmente os nomes estrangeiros, como toda a gente sabe, quando se tratava dos ditongos germânicos, entende o sr. Coelho que náo podiam deixar de ser dum rigor fonográfiio. Tem argumentos êste sr. professor! Como porém os alemáis ainda hoje pronunciam o nome com ditongo e sem êle, Luther e Leuther, é crive1 que os seus antepassados fizessem o mesmo nos remotos tempos, ou que os fonógrafos pr&históricos fossem muito imperfeitos, quanto a reprodução do ditongo iu (I). Concluindo: Diefenbach tinha carradas de razão em afirmar que os nomes de Leonório e Lutário podiam ser a em verdade germânicos u ; o último pelo menos é tão genuinamente germânico, que custa mesmo (i) Revue Celtique, xi, pig. 149. (2) Geschichle der deuischen Sprache, 4.' edisáo, i, pig. 371 (3) Obra e vol. cir., pág. 125. (4) Segundo Cltick, Keltischen Nameii, a raiz do nome germànico Liuthari é luth, pag. 88, nota.

DISPERSOS a acreditar na intriga, deque o fazem vitima. As liçóes dadas pelo sr. Coelho ao bom Diefenbach, essas são genuinamente-como dizer?- maiarrónicas. Estamos ainda a meio da jornada. Como repeti com Holtzmann que os nomes pessoais dos Gálatas asiáticos eram teutonicos, prossegue o Sr. Coelho na sua gloriosa campanha, escolhendo um certo numero e desprezando a maioria dêles, para não avolumar os seus triunfos, de-certo. Contentemo-nos com o que vem. 5.' Nomes em rix. Na Galácia d o faltam nomes em rix, mas o sr. Coelho apenas tomou três à sua conta; êle lá sabe porquê, e eu também. Dêstes três temos de riscar um, Eporedorix, visto não nos ser afiançado por nenhum documento (I). Ficam dois, Adiatoris e Ateporix. O primeiro nome é ciltico, diz o ilustre professor, e porque o primeiro elemento adiato nada tem de germânico e se reflecte no neo-cdtico u, o segundo céltico é, porque a <ir elementos at (ate) e epo sáo puramente célticos e de modo alaum germânicos 8. Mas, 9 porque no kimrico há uma palavra addiad=adiat derivada de adi (2), 2 é isso razão bastante, para resolver a contenda? Muito mais característico que o adiato é o sufixo rix, e seria necessirio demonstrar bem claramente que êle se encontra nos antigos nomes pessoãis câmbricos. Ora eu ainda não encontrei nrnhum, nem nos antigos escritores, nem mesmo nas inscrições romanas, achadas naquele pais (3), como não encontrei nenhum na Lusitânia. Da Irlanda não se sabe nada. Citam-se os nomes de Bled-ri, Kod-ri, Jud-ri; porém esses nomes são muito posteriores a invasáo saxónia na Câmbria. Na Lusitânia com a invasáo germânica do século v, entram êles as dezenas e ninguém nega que fôsseni importados pelos conquistadores. (Não há razões para supur que sucedesse o mesmo na Câmbria? O certo é que o elemento rix entra como sufixo numa quantidade inumerivel de nomes pessoais germânicos, e é incontestàvelmente germgnico, ao passo que ninguém o demonstrou ainda nos países, onde nem os celtas nem os germanos dominavam. Estes factos valem de-certo muito mais que a coincidência da palavra addiad- adiat, com a primeira parte da nome de Adiatorix. As mesmas observações se aplicam ao nome de Ateporix, de cuja celticidade não sou eu só que duvido. J. Grimm, que cunliecia bem o at e o epo (I) Trata-se de-certo do Poredorax ou Toredorix de Plutarco. A liçáo Eporedorix é uma mera conjectura de Perrot; mas também Perrot supõe que, em vez de Articnos, de que adiante se falara, há-de ler-se Arctinos, que seria um nome grego, como o de seu pai Musano, e o sr. Coelho trata de resto a conjectura do expluiador da Galkia. Pois melhor lundamento parece ter a ultima que a primeira. Para sermos coerentes, rejeitamo-las ambas. Notaremos ainda assim que Fbrstemann, inclinando-se opinião de que Eporedorix é c4ltic0, sempre vai incluindo o nome na lisra dos que começam pelo gerrnânico Ebar, como se não fôsse coisa da outro mundo explici-lo com o auxilio desta palavra. (2) Gliick, ob. cit., págs. 2 e seg. Esta palavra também explicaria o nome de Adianto, etc. (3) Pelo conrrbrio, fura da CPmbria, Ctsar já nos da conta dum, mas numa regiáo, onde a influencia dos Belgas é conhecida.

MARTINS SARMENTO célticos (I), não dá a menor importância a esta etimologia fragmentada, pois que que não hesita em ver nêle um nome da mesma familia que Atepomarus, identificando êste com Ethespamara ou Etherpamara (z), quere dizer, Grimm considera todos esies nomes como germânicos. Notemos ainda que o nosso tetrarca era filho de Albiorix, nome em que é impossível desconhecer o Alberich germânico. E, se êste o é, os de Ateporix e de Adiatorix têm nêle um excelente fiador. 6.' Nonirs em gnatus. São dois: Eposognatus e ~aasignatus. S& célticos, porque os elementos do primeiro, epo, so (su) e g~iattrs c sáo sélticos e nada têm de germânicosa; os do segundo, Cassignatus, estão quási na mesma. Comecemos pelo último componente de ambos êles, gnatns. i Gnatirs náo tem nada de germânico? Mas Gluck, o oraculo do Sr. Coelho, afirma positivamente o contrário, a pág. 172 de seu escrito, atrás citado: o germâniso kiiirot, knirat (natura, substantia, genealogia) coincide, diz êle, com o céltico gnatus, é literalmente o grinttrs latino em coçnatus (3) e outros, salva a diferença de significação. >Como é, pois, que a palavra gnatus n5o tem nada de germânico?!pela diferença da significação, visto que o gnatirs céltico significa solittrs, con. suetirs, e o knirat germânico genealogia 2 Mas, se alguns celtistas, como Jubainville, seguem a opiniáo de Gluck, a maioria dêles (é o próprio Jubainville que o declara) (l), rejeitam-na, vendo no gnatirs céltico uma palavra qye significa FIho (5), portanto exprimindo a mesma idea que o kntrat teutónico. Como não está provado que entre os celtistas é a minoria que tem razão, iremos com a maioria. Para a maioria o nome de Eposognatus não se pode dividir em Epo str e gnatirs e significar bien habitué au cheval, mas há-de dividir-se em Eposo e gnatus, como Busugnatia, Bussugnatius e outros e interpretar-se, no últinio elemento, como os nomes gregos com gnetos. Não diremos que os nomes de Eposo, Bussu se reflectem menos mal no Ebiso. Ebeso, Bosso germânico, para não entrarmos em novas contendas; basta-nos a certeza de que todo o nome (i) A palavra epos, cavalo, que, segundo os celtistas, caracteriza v6rios nomes cdricos, como Eporedorix, Atc-porix, etc., há-de causar a muira genre estranha confusáo, em vista das seguintes afirmativas dos mesmos celtistas. Os Celtas, depois da rua separaçáo dos I.atinos, pelo menos, perderam o p indo-europeu e só o reconquistaram em tempos relativamente rerentes, cêrca do século 11 antes da nossa era, e com excepção da Irlanda, onde só entrou com o Cristianismo. {Qual a causa do segundo fenomeno lingüisrico? Sôbre êsse ponto não se diz uma palavra. (2) G. d., D. S., i, pag. 336. (3) A raiz de gnatus em co-gnatus e gen. M. Hreal, Dicfionnaire étyniologigue lafin. V. nascor. (4) Revue Celiique, viir, p6g. 181. (5) Por exemplo Ebel em Fick, Vergleichendes W. der indo-germanischen Sprachen, I, pig. 55b.da 3: ediçáo, e Windisch, segundo parece, noutra obra de t ick, Die griechische. Personennamen, pags. LXXVLI, CYCVIII. Fick põe Aregnara (que Picret interpretaria Re-nata) e Epasognatus, etc., na mesma linha que o grego Theognetos, erc., escrevendo todavia Epo.so-gnatus, sem muito se perceber porquê. Diga-se, para preveiiir chicanas, que a forma cnntus aparece ao lado de gnatus. Náo e ocioso Iambem advertir que um cives matiaco, isto e, germânico, se chama Meddignatiui (os dos dd barrados), e mais apareceráo, sendo procurados com o vagar de que não dispomos agora. Advirta-se por iim que o elemento gnarus se encontra no grego, como se viu acima.