ASPECTOS ROMÂNTICOS NA FILOSOFIA DO JOVEM NIETZSCHE: DA ARTE TRÁGICA AO GÊNIO FILOSÓFICO. GARCIA, Naillê de Moraes¹; ARALDI, Clademir Luís².

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Transcrição:

ASPECTOS ROMÂNTICOS NA FILOSOFIA DO JOVEM NIETZSCHE: DA ARTE TRÁGICA AO GÊNIO FILOSÓFICO GARCIA, Naillê de Moraes¹; ARALDI, Clademir Luís². 1,2 Deptº de Filosofia ISP/UFPel Rua Alberto Rosa, 154 - CEP 96010-700. tiny.naille@gmail.com 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho procura investigar a influência do Romantismo Alemão na filosofia do filósofo Friedrich Nietzsche em seus primeiros escritos. Através da análise de textos do jovem Nietzsche, bem como de autores do Romantismo Alemão, é possível identificar elementos românticos em seu pensamento, como, por exemplo, a interpretação da arte como princípio ontológico e unificador e do gênio como criador da arte. Há também o conceito de gênio criador de arte que Nietzsche desenvolve partindo de dois princípios artísticos, o apolíneo e o dionisíaco, através dos quais a arte se torna uma união entre o objetivo e o subjetivo. Esses princípios ou impulsos artísticos formam a arte trágica. É importante explicitar o que significa o gênio artístico nietzschiano e suas origens, bem como seu conceito inovador de gênio filosófico, o qual considera a meta da cultura. Procura-se ressaltar também a importância do papel da filosofia de Arthur Schopenhauer no pensamento nietzschiano, pois não somente elementos filosóficos são influências, como também o próprio personagem Schopenhauer é visto como o próprio gênio que Nietzsche procurava. Este se torna um grande crítico da cultura, afirmando a meta da mesma como sendo o engendramento do gênio. Outra grande influência na filosofia primeira de Nietzsche foi a própria filosofia grega, principalmente o pensamento de Heráclito de Éfeso, que será não somente uma influência filosófica, mas também outro exemplo de gênio filosófico. Dessa forma, é analisado todo o pensamento do jovem Nietzsche, com vistas a buscar uma fundamentação de cunho filosófico para explicar a influência do Romantismo Alemão em seus primeiros escritos. 2. MATERIAL E MÉTODOS A pesquisa centrou-se na leitura, análise e discussão de textos do jovem Nietzsche, como O Nascimento da Tragédia, A Visão Dionisíaca do Mundo, Considerações Extemporâneas III: Schopenhauer como Educador, A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos, e outros. Além disso, foi bastante importante a leitura de comentadores nietzschianos, como Eugen Fink, Robert Rethy, Roberto Machado, entre outros. Para buscar

uma fundamentação romântica, também foram usados textos de filósofos do Romantismo Alemão, como Goethe e Schelling. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Nietzsche sofreu uma grande influência do romantismo alemão em sua obra, principalmente em seus primeiros escritos. É possível dizer que mais do que influenciado pelo romantismo, o autor possuía uma alma romântica, e uma mentalidade naturalmente romântica também. Assim como os filósofos do romantismo alemão, Nietzsche acreditava haver princípios unificadores na criação artística, isto é, os românticos viam na arte a unificação entre objetivo e subjetivo, liberdade e determinação, natureza e espírito. Para Nietzsche, a resposta metafísica também estava no processo artístico, através dos princípios artísticos apolíneo e dionisíaco, sendo o primeiro objetivo e o segundo subjetivo. A união desses dois princípios contrários geraria a arte trágica. A obra de arte, através desses dois princípios, salva os gregos do horror da existência, criando uma representação bela do horrível. Assim, Nietzsche defende a idéia de arte como afirmadora da vida e salvadora do sofrimento humano. A arte trágica grega foi a forma superior pela qual o povo grego superou o sofrimento causado pela verdade. O princípio apolíneo representa de modo belo a verdade; já o princípio dionisíaco mostra a própria fealdade da verdade. Nietzsche, então, propõe uma perspectiva de superação desse sofrimento através da afirmação da verdade dionisíaca revelada nos heróis trágicos, que se mostram através da representação apolínea nas tragédias gregas. A mitologia grega é muito valorizada por Nietzsche, principalmente por seu caráter estético. Assim também era para os românticos, como Schelling, que tinham um projeto estético que recriaria uma nova mitologia. Através da nova mitologia seria alcançada a unidade absoluta: a filosofia voltaria ao seu berço, a poesia, e então, filosofia e arte estariam novamente unidas num todo. Para isso, se faz necessário a completude da filosofia e de todas as ciências dela derivadas. Schelling pretende um tipo de recuperação do passado, onde a arte era representada através do mito, que também era a filosofia. A importância da mitologia para Nietzsche reside em personagens como Édipo e Prometeu, que influenciaram seu pensamento a respeito da tragédia, porém mais ainda no aspecto estético dos princípios apolíneo e dionisíaco, que se uniriam no fenômeno artístico. Assim, tanto para os românticos quanto para o jovem Nietzsche, a mitologia representa uma união de contrários, união esta que origina um todo harmônico na obra de arte. A idéia de gênio também é outro ponto em comum entre Nietzsche e os românticos. Essa idéia é advinda de Kant, porém, influenciou todo o romantismo alemão, principalmente autores como Goethe e Schelling. O gênio é um dom natural, não pode ser aprendido, mas a razão do criador genial deve ser trabalhada para que, na produção, o sentimento se una à razão para criar um produto de arte bela. Ele é formado pelas faculdades do ânimo: faculdade da imaginação e faculdade do entendimento. A faculdade da imaginação usa a matéria da natureza para criar representações (idéias) que ultrapassem a mesma. Mais tarde, Nietzsche desenvolve uma nova perspectiva para o gênio

artístico, ele também é um gênio filosófico. Dessa forma, gênio é aquele que possui o conhecimento do fundo do mundo, possui a intuição trágica. Arthur Schopenhauer exerce uma grande influência sobre Nietzsche e o inspira a assim faz uma crítica à cultura moderna e ao sistema educacional. Nietzsche acredita que é necessário ver através dos tempos, que a cultura de seu tempo cega e é prejudicial. Vendo em Schopenhauer um exemplo de filósofo, Nietzsche acredita que através de Schopenhauer como educador é possível chegar a uma educação libertadora, como deveria ser, e o homem pode ser educado para ser extemporâneo. A raiz da cultura, segundo Nietzsche, é a aspiração dos homens em renascer como gênio, porém, há uma resistência dos homens de talento que não possuem o gênio, que impede a geração deste. Todos podem ser educados para a extemporaneidade, contudo nem todos têm a possibilidade de atingir o ideal schopenhaueriano de gênio, ou seja, todos trabalham para que poucos possam atingir a meta da cultura, o engendramento do gênio. Os homens verídicos são aqueles que conseguiram chegar a esse fim, eles conseguiram sair da animalidade e chegaram a uma existência superior, esses são os filósofos, artistas e santos. O inimigo da filosofia, segundo Nietzsche, é o Estado, pois este usa aquela para seus próprios fins, além disso, acredita apenas na verdade que lhe é mais útil, mesmo que não seja exatamente uma verdade. Nietzsche pensa que a filosofia deve nascer como gênio filosófico, livre do tempo e sua cultura, não devendo ser ensinada pelo Estado, pois assim jamais será filosofia verdadeira. Além da sua admiração por Schopenhauer, Nietzsche também possuía uma grande admiração pelos filósofos gregos e suas doutrinas, afirmava que os gregos utilizavam o conhecimento para a vida, não para a erudição, característica moderna extremamente criticada pelo autor. Nietzsche afirma também que foram os gregos que inventaram os tipos principais de espírito filosófico, não sendo acrescentado mais nada de especial em outras épocas, aí se deduz que Nietzsche considera o povo grego o único dotado realmente de criatividade, e que a filosofia foi feita na Grécia Antiga. E, chegando ao extremo, para Nietzsche, somente os gregos, ou uma civilização como a deles, pode realmente justificar a filosofia. Heráclito é um dos pensadores mais admirados por Nietzsche, pois fez duas negações através da intuição do devir: negou a dualidade entre mundo físico e mundo metafísico, e o ser em geral. Do jogo do devir deduz-se que a realidade, segundo o pensamento heraclítico, é apenas atividade e a matéria é causa e efeito. Essa atividade do devir é oriunda de duas forças opostas, conflitantes, que tendem à unidade, e dessa união é gerada a justiça. É possível notar a influência que Heráclito teve no pensamento nietzschiano, principalmente ao tratar dos dois princípios artísticos: o apolíneo e o dionisíaco, dos quais surge uma luta eterna, mas que gera a harmonia da arte trágica. 4. CONCLUSÕES Nietzsche apresenta elementos românticos em sua filosofia: a presença de princípios artísticos unificadores, a arte como princípio ontológico fundamental, a vinda de uma nova era trágica, a tragicidade representando a arte em si, o gênio como sujeito criador da arte trágica. As influências são visíveis, pois utiliza conceitos schopenhauerianos que mais tarde irá contra. A idealização da Antigüidade e seus pensadores gera

quase uma idolatria que viraria influência clara da filosofia do devir de Heráclito. Este, um homem verídico, um gênio filosófico? Artista, conhecedor trágico e santo. Seria Heráclito o primeiro gênio filosófico que Nietzsche identifica no curso histórico? Tudo indica que sim, e que a época moderna, na visão de Nietzsche, se preparava para receber outro. A princípio, Schopenhauer parecia ser o homem verídico que surgiria diante de Nietzsche. Porém, o tempo deve ter mostrado um novo caminho ao filósofo alemão: esquecer a vinda do gênio, e afirmar a vida através do próprio Dionísio. Todo o projeto romântico de Nietzsche desemboca na filosofia dionisíaca que nem mesmo é concluída. Dessa maneira, Nietzsche apresenta não apenas uma ligação estreita com a filosofia do Romantismo em seus primeiros escritos, como também utiliza conceitos de origem romântica, como o próprio gênio, de forma que ocupem o tema central de seu pensamento. O simples fato da importância dedicada ao trágico já demonstra sua influência romântica. Sua admiração e confiança em filósofos como Schopenhauer, Heráclito, e os gregos em geral, mostra seu idealismo em realmente encontrar o gênio filosófico, aquele que é a meta da cultura, que faz a diferença. Assim, Nietzsche afirma a si mesmo como um romântico, como um homem que acredita em seus ideais e um filósofo que busca concretizá-los, através de seus escritos. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARALDI, Clademir Luís. Niilismo, Criação e Aniquilamento: Nietzsche e a filosofia dos extremos. São Paulo: Discurso Editorial, 2004, p. 143. FINK, Eugen. A Filosofia de Nietzsche. Editorial Presença: Lisboa, 1988. GOETHE. Escritos Sobre Arte. Introdução, tradução e notas de Marco Aurélio Werle. São Paulo: Humanitas, 2005. GUINSBURG, J. (org.) O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1978. KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Trad. de Valério Rohden e Antônio Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. LUCCHESI, Bárbara. Filosofia dionisíaca: vir a ser em Nietzsche e Heráclito. In: Cadernos Nietzsche I. São Paulo: Discurso Editorial, 1996. MACHADO, Roberto. O nascimento do trágico. De Schiller a Nietzsche. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007. NIETZSCHE, Friedrich. A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos. Rio de Janeiro: Elfos Ed.; Lisboa: Edições 70, 1995. NIETZSCHE, Friedrich. Cinco Prefácios para Cinco Livros não Escritos. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996. NIETZSCHE, F. W. Considerações Extemporâneas, III. Schopenhauer como educador. Trad. de Clademir Araldi. UFPel, 2006 (mimeo). NIETZSCHE, Friedrich. Ensaios da Juventude. Seleção, tradução, notas e apresentação Clademir Araldi. Porto Alegre: Armazém Digital, 2007. NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. NIETZSCHE, Friedrich. Sobre el porvenir de nuestras escuelas. Barcelona: Fabula Tusquets, 2000. NOVAES, Adauto (org.). Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. RETHY, Robert. The Tragic Affirmation of The Birth of Tragedy. In: Nietzsche- Studien 17. Berlim: de Gruyter, 1988.

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