SÍNDROME DA FROUXIDÃO PALPEBRAL

Documentos relacionados
SÍNDROME DA FROUXIDÃO PALPEBRAL: 10 CASOS CONSECUTIVOS

SÍNDROME DA PÁLPEBRA SUPERIOR FLÁCIDA

DISTÚRBIOS DAS PÁLPEBRAS

OFTALMIA NEONATAL portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br

Granuloma conjuntival causado por fibras sintéticas

pupila Íris ESCLERA CORPO CILIAR COROIDE ÍRIS HUMOR VÍTREO LENTE RETINA CÓRNEA NERVO ÓPTICO

Exame de Refração: Lâmpada de Fenda: Topografia: Paquimetria: Aberrometria:

ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA

Posicionamento palpebral superior e inferior em diferentes graus de rotação ocular ao longo do meridiano vertical

Dr. Rodrigo Salustiano - CRM-GO 9449 / RQE 4595

FRESH TEARS LIQUIGEL

DRA. PAOLA GRECHI CRM RQE 8487

Imagem da Semana: Fotografia

Disciplina de Oftalmologia

ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA

Fisioterapeuta Priscila Souza

Aplicação das técnicas de retalho tarsal lateral e Kuhnt-Szymanowski modificada no tratamento do ectrópio senil. Resumo. Abstract

DIA 28/3/ QUINTA-FEIRA AUDITÓRIO CATALUNYA 08:30-10:15 RETINA 1 - CURSO OCT. 08:30-08:40 Correlações anatômicas e interpretação

Alterações de cílios no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP

LACRIFILM (carmelose sódica)

NEO FRESH. (carmelose sódica)

OCORRÊNCIA DE ALTERAÇÕES OCULOPALPEBRAIS EM PACIENTES OBSERVADOS NA FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU SÃO PAULO

LACRILAX. (carmelose sódica)

Quanto à condição funcional do músculo temporal, todos apresentavam-se normais palpação, no pré-operatório.

ESPESSURA DA CAMADA DE FIBRAS NERVOSAS EM DOENTES COM SÍNDROME DE APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO

ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA

ACU FRESH. Geolab Indústria Farmacêutica S/A Solução Oftálmica 5mg/mL

COMPARAÇÃO CLÍNICA DA PRODUÇÃO LACRIMAL, EM CÃES COM CERATOCONJUNTIVITE SECA, UTILIZADO TRATAMENTO COM CÉLULAS-TRONCO PELA VIA TÓPICA E PERIGLANDULAR

ECOFILM LATINOFARMA INDÚSTRIAS FARMACÊUTICAS LTDA. Solução Oftálmica Estéril. carmelose sódica 5 mg/ml

TÍTULO: COLESTEATOMA DE CONDUTO AUDITIVO EXTERNO COMO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE PATOLOGIAS DA ORELHA EXTERNA

Currículo Profissional

recomendações 84 Maio 2018 Atualização de Condutas em Pediatria Sociedade de Pediatria de São Paulo Diretoria de Publicações

CIRURGIAS OFTÁLMICAS ENUCLEAÇÃO 10/8/2018 CIRURGIAS OFTÁLMICAS CIRURGIAS OFTÁLMICAS CIRURGIAS OFTÁLMICAS CIRURGIAS OFTÁLMICAS PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS

ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA

Artrite Idiopática Juvenil

Palavras-chave: Stades, Hotz-Celsus, Blefaroplastia, Entrópio, Cão. INTRODUÇÃO

ECOFILM. Solução Oftálmica Estéril. carmelose sódica 5,0 mg/ml BULA PARA O PACIENTE LATINOFARMA INDÚSTRIAS FARMACÊUTICAS LTDA

ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA

CASO CLÍNICO DOENÇA ARTERIAL OBSTRUTIVA NÃO ATEROSCLERÓTICA

a) Episclerite b) Uveíte anterior aguda c) Esclerite d) Glaucoma agudo e) Hemorragia subconjuntival

Ptose palpebral: avaliação do posicionamento palpebral por imagens digitais

STILL. ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA Solução Oftálmica Estéril diclofenaco sódico (0,1%) BULA PARA O PACIENTE. Bula para o Paciente Pág.

15. Oftalmologia em Hanseníase. Introdução. Informações técnicas 1. Supercílios

NOSOLOGIA DO TRAUMA PALPEBRAL EM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO

VIDISIC. BL Indústria Ótica Ltda. Gel líquido oftálmico. 2 mg/g

CABEÇA E PESCOÇO. As manifestações otorrinolaringológicas (ORL) são as mais frequentes. (2,5) Elas incluem:

Autoria: Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia

Mini ebook DOENÇAS OFTALMOLÓGICAS NA TERCEIRA IDADE ALERTAS E RECOMENDAÇÕES

Estenose adquirida do ponto lacrimal - conduta

DOENÇA DE KAWASAKI E FLEIMÃO RETROFARÍNGEO: UMA DOENÇA?

Tracoma em pacientes com conjuntivite alérgica

Médica Veterinária Residente do Programa de Residência Multiprofissional, UFCG 6

ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA

ARTIGO ORIGINAIS. Resumo

HEADACHE OF OPHTHALMOLOGICAL ORIGIN CEFALEIA DE ORIGEM OFTALMOLÓGICA

CURSOS DE TRANSFERÊNCIA E HABILIDADES SANTA CASA DE SÃO PAULO Período: 22/06 e 23/06

Imunoterapia tópica no tratamento do carcinoma basocelular periocular

Perfil epidemiológico dos pacientes com ptose congênita no hospital regional de São José

ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA

Trabalho de Física Miopia. João Vitor Ferraz, Leônidas Bonfim, Lucas Souza, Pedro Augusto, Heitor

AULA: URGÊNCIAS OCULARES PROFESSOR: Eduardo Melani Rocha

PREVALÊNCIA DE SÍNDROME METABÓLICA EM PACIENTES HOSPITALIZADOS

A SÍNDROME VISÃO-COMPUTADOR (SVC): UM ESTUDO OBSERVACIONAL NO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 13ª REGIÃO

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE OLHO VERMELHO

SABER MAIS SOBRE OLHO SECO

04/07/2014. Caso Clínico. Neste momento, qual é o próximo passo? CASO CLÍNICO. III Curso Nacional de SONO

Marque a opção do tipo de trabalho que está inscrevendo: DIFERENÇAS NA EXPRESSÃO CLÍNICA DA APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO ENTRE HOMENS E MULHERES

1) Conhecimentos: Abordagem das afecções oftalmológicas na atenção secundária e na urgência.

COORDENADORIA DE VIGILÂNCIA ÀS DOENÇAS E AGRAVOS NOTA TÉCNICA 02/2017. Assunto: Orientação sobre conduta diante dos casos ou surto de conjuntivite

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR

FACULDADE DE MEDICINA/UFC-SOBRAL MÓDULO SISTEMA NERVOSO NEUROANATOMIA FUNCIONAL. Síndromes Alternas. Acd. Mateus Tomaz. w w w. s c n s. c o m.

O glaucoma de ângulo aberto (crônico) é o tipo mais comum de glaucoma.

TRANSPLANTE DE CÓRNEA NO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA UNICAMP 1

ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA

DESCEMETOCELE EM UM CANINO - RELATO DE CASO 1 DESCEMETOCELE IN A CANINE

Sobre a Esclerose Tuberosa e o Tumor Cerebral SEGA

Trauma ocular em Hospital Universitário

ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA

RESUMO. Livre Docente, Professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP São Paulo (SP), Brasil. 3

ERGONOMIA. Prof.ª Rosana Abbud

08:00-10:30 CATARATA 1 - Cirurgia de catarata premium: de A a Z

ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA

Conselho Internacional de Oftalmologia. Instruções Clínicas Internacionais. Fechamento Angular Primário (Avaliação Inicial e Tratamento)

Manual do usuário de Prótese Ocular. Dedicado especialmente à você, nosso paciente.

D I S C I P L I N A D E S E M I O L O G I A U N I V E R S I D A D E D E M O G I D A S C R U Z E S FA C U L D A D E D E M E D I C I N A

Caso Clínico. Paciente do sexo masculino, 41 anos. Clínica: Dor em FID e região lombar direita. HPP: Nefrolitíase. Solicitado TC de abdome.

A PREVENÇÃO faz a diferença

SAOS. Fisiopatologia da SAOS 23/04/2013. Investigação e tratamento de SAOS nos pacientes com pneumopatias crônicas

ORGANIZADOR. Página 1 de 6

OFTALMOPATIA DE GRAVES EM IDADE PEDIÁTRICA

EBRAMEC ESCOLA BRASILEIRA DE MEDICINA CHINESA CURSO DE ACUPUNTURA PEDRO PEREIRA MIRANDA ACUPUNTURA NO TRATAMENTO DE FIBROMIALGIA UMA REVISÃO DE TEXTOS

ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA

A importância da visão

EXOFTALMIA ASSOCIADA À SIALOCELE DA GLÂNDULA ZIGOMÁTICA DE CÃO- RELATO DE CASO

Análise das causas de atendimento e prevalência das doenças oculares no serviço de urgência

Exame Clínico das Mamas

Transcrição:

Medicina, Ribeirão Preto, 36: 24-29, jan./mar. 2003 REVISÃO SÍNDROME DA FROUXIDÃO PALPEBRAL FLOPPY EYELID SYNDROME Nelson Boeira Jr. 1 ; Patricia Mitiko S. Akaishi 1 & Antonio Augusto V. Cruz 2 1 Pós-graduandos. 2 Docente. Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP Correspondência: Prof. Dr. Antonio Augusto Velasco e Cruz. Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Hospital das Clínicas. Av. Bandeirantes, 3900-12 º andar. CEP 14.049-900 Ribeirão Preto - SP. Fax - 602-2860. E-mail - aavecruz@fmrp.usp.br BOEIRA Jr. N; AKAISHI PMS & CRUZ AAV. Síndrome da frouxidão palpebral. Medicina, Ribeirão Preto, 36: 24-29, jan./mar. 2003. RESUMO: Os autores apresentam uma revisão sobre a síndrome da frouxidão palpebral, uma condição oftalmológica pouco comum, freqüentemente associada a anomalias sistêmicas e pouquíssimo diagnosticada tanto por oftalmologistas como por clínicos gerais. Quatro casos examinados, no setor de oculoplástica do HCFMRP-USP, são apresentados. UNITERMOS: Doenças Palpebrais. Síndrome. Palpebras; anormalidades Síndrome da Flacidez Palpebral. 1 - CONCEITO E HISTÓRICO Síndrome da frouxidão palpebral (SFP) é uma das traduções para o Português da expressão inglesa Floppy eyelid syndrome. Segundo o dicionário Webster, um dos sentidos da palavra flop é to move or flap around losely (mover ou virar frouxamente). Dessa maneira, fica claro que o sentido da expressão inglesa Floppy eyelid é o de uma condição, cuja principal característica é a grande perda de tensão (frouxidão) da pálpebra (superior), que é, então, facilmente evertida. A síndrome não é muito freqüente, mas tampouco extremamente rara. Uma pesquisa realizada no final de 2002, na National Library of Medicine (www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez) revelou 53 trabalhos sobre o assunto, dos quais tivemos acesso a 50 publicados em Inglês ou Francês (1/50). O serviço de oculo-plástica do HCFMRP-USP já documentou 4 casos inequívocos de SFP, que serão discutidos no decorrer do texto. Na primeira publicação brasileira sobre o assunto (25) Floppy eyelid syndrome foi traduzida como síndrome da flacidez palpebral, designação, a nosso ver, um pouco menos precisa, já que a palavra flácido tem outros significados além de frouxo, como mole e adiposo. A síndrome foi descrita, pela primeira vez, por 1981, por Culberstone e Ostler, em um grupo de 11 pacientes do sexo masculino, obesos, que apresentavam conjuntivite papilar, superior, difusa, resistente ao tratamento e grande frouxidão da pálpebra superior (1). Em 1994, van den Bosch e Lemij, descreveram 4 pacientes com SFP e que não apresentavam as características físicas dos pacientes descritos por Culberstone e Ostler, isto é, não eram obesos e nem necessariamente do sexo masculino. Esses autores, então, sugeriram que a melhor designação para a associação de frouxidão palpebral e sinais e sintomas oculares fosse Lax eyelid syndrome, e que a expressão usada por Culberstone e Ostler, Floppy eyelid syndrome, fosse restrita ao subgrupo de pacientes masculinos obesos. (30) A despeito da digressão terminológica, a maioria dos autores descreve qualquer estado de frouxidão palpe- 24

Síndrome da frouxidão palpebral bral, patológica, essencial, associada a sinais e sintomas oculares como floppy eyelid syndrome. 2- QUADRO CLÍNICO OFTALMOLÓGICO 2.1- Alterações Palpebrais O quadro clínico palpebral é caracterizado por grande frouxidão e distensibilidade da pálpebra superior, que é facilmente evertida com uma leve tração digital, superior. O tarso é extremamente maleável, com perda da tonicidade usual, dobrando-se sobre si mesmo, quando a pálpebra é evertida. O tendão cantal, lateral pode, também, estar alongado. A frouxidão, geralmente, é bilateral, mas pode ser isolada em uma das pálpebras superiores ou, nos casos mais severos, acometer também as inferiores, causando ectrópio. (5) Os cílios das pálpebras superiores, acometidas perdem sua orientação normal (côncavos, com angulação para cima) e tendem a se dirigir para baixo, uma condição descrita, na literatura americana, com eyelash ptosis ou ptose ciliar. (36,37,38) Em alguns pacientes, um fator adicional, de irritação pode ocorrer durante o piscar, pois a margem palpebral, superior, em virtude de sua pouca tensão, sobrepõe-se à margem inferior, provocando, inclusive, o aparecimento de úlceras tarsais. (23) Disfunção das glândulas de Meibomio (glândulas intratarsais, produtoras de lipídeos) e instabilidade do filme lacrimal, também já foram relatadas. (11) Ptose é, também, outro achado comum. (28) Por fim, a associação da síndrome com a blefarocálase (condição de etiologia desconhecida, caracterizada por episódios repetidos de edema palpebral, que levam a alterações permanentes, da lamela anterior, palpebral) foi descrita em três pacientes. (9) 2.2- Alterações Conjuntivais Conjuntivite crônica, uni ou bilateral, com ou sem reação papilar, é um dos achados mais freqüentes da síndrome. (5,41) As alterações conjuntivais estão associadas à eversão espontânea da pálpebra superior durante o sono e conseqüente contato crônico da conjuntiva tarsal com os lençóis e o travesseiro. As queixas mais comuns são hiperemia conjuntival, secreção, muco, prurido e sensação de corpo estranho, mais intensos pela manhã, sem nenhuma tendência de exacerbação sazonal. A visão pode estar turva (sem se encontrar substancialmente diminuída) pelo acúmulo de secreção, as pálpebras encontram-se edemaciadas principalmente na região pré-tarsal, causando ptose, podendo sugerir, também, um processo neoplásico. As papilas podem variar em tamanho e se encontrar cobertas por uma camada de muco e filamentos, podendo haver queratinização do epitélio. O nexo causal entre a frouxidão palpebral e a conjuntivite crônica é freqüentemente esquecido e muitos doentes seguem sendo tratados com todos os tipos possíveis de colírio, sem que a verdadeira causa da irritação ocular (frouxidão palpebral) seja combatida (24) 2.3- Alterações Corneanas O comprometimento da córnea depende diretamente da gravidade do quadro e pode variar desde uma ceratite puntata, superficial, difusa até úlceras, neovascularização e opacidades. (12,17,27,32) Já foi inclusive relatado um caso de perfuração corneana em um paciente portador de artrite reumatóide e SFP. (50) Alterações de curvatura como ceratocone (19,22) ou mesmo francas ectasias (13) também já foram descritas em portadores da síndrome. 2.4- Outras Subluxação do globo pode ocorrer, quando a síndrome está associada a órbitas de dimensões reduzidas. (40) 3- QUADRO CLÍNICO SISTÊMICO Os pacientes descritos, no artigo original de Culberstone e Ostler, eram todos obesos, do sexo masculino e de meia-idade (1). Assim, durante algum tempo pensou-se que essas três variáveis (obesidade, sexo masculino e meia-idade) fossem elementos essenciais para o desenvolvimento de hiperdistensibilidade palpebral. Contudo, logo ficou claro que achados típicos da síndrome podiam ser encontrados em pessoas não obesas, em mulheres e até mesmo em crianças. (2,12,16,33,44) Alguns achados sistêmicos parecem ser fortuitos e não relacionados diretamente à condição. Caso típico é a descrição, na década de 80 de associação de síndrome da frouxidão palpebral e hiperglicinemia, (6) o que não mais apareceu na literatura. No mínimo curiosa, é a sugestão que o uso de cocaína, sob a forma de crak, poderia estar associado à SFP (26). Outras associações foram bem comprovadas. Retardo mental é uma delas, o que, inclusive, já foi visto no ambulatório de oculoplástica do HCFMRP-USP. Tipicamente, há, nesses casos, fortes evidências de 25

Boeira Jr. N; Akaishi PMS & Cruz AAV que a hiperdistensibilidade palpebral é secundária à estimulação mecânica, repetida, da pálpebra afetada, por parte do paciente (46,48). No caso visto no HC, o paciente era uma criança portadora de síndrome de Down, que, comumente, distendia as pálpebras com os dedos. Uma relação importante da SFP é com a apnéia obstrutiva do sono (18,34,35,43,47). Como os pacientes com apnéia obstrutiva do sono apresentam uma frouxidão dos tecidos da orofaringe, não é de se estranhar que a hiperdistensibilidade palpebral possa estar presente, ainda mais se for lembrado que ambas as síndromes têm forte relação com obesidade e posições viciosas durante o sono. 4- SUBSTRATO ANATOMOPATOLÓGICO Os primeiros exames anatomopatológicos, realizados em fragmentos de tarso, oriundos de cirurgias da SFP foram inconspícuos, notando-se apenas infiltrado inflamatório, linfocítico, queratinização e espessamento do epitélio conjuntival. Em 1994, Netland e colaboradores mostraram que, quando se utiliza coloração especial para a evidenciação de fibras elásticas, o tarso dos pacientes com SFP mostra uma perda importante do tecido elástico. (28) Contudo, não é claro se a deficiência de elastina é primária ou secundária às alterações mecânicas, palpebrais. 5- PATOGENIA Embora os mecanismos produtores da hiperdistensibilidade palpebral não sejam bem compreendidos, algumas ilações sobre a patogenia das lesões oculares podem ser feitas. Mesmo na ausência da SFP, sabe-se que uma boa aposição entre as pálpebras e o globo é de fundamental importância para a normalidade da superfície ocular, e que a frouxidão palpebral, mesmo inferior, é indutora de sintomas irritativos. (3) A SFP é mais freqüente em pacientes obesos, que, sabidamente, adotam viciosas posições de cabeça durante o sono. A grande maioria dos autores reconhece uma forte associação entre o olho acometido e o lado que paciente adota para dormir. Eversão espontânea, noturna, palpebral, com contato direto do olho com os lençóis e fronhas já foi bem documentada pela maioria dos autores. (1,4,10,20,27,29) A importância do fator mecânico, na gênese do comprometimento ocular, é corroborada pelas observações de pacientes que apresentaram reversão dos sintomas apenas com proteção noturna das pálpebras, evitando, assim, o contato entre o bulbo ocular e o travesseiro. Dos quatros casos de SFP, vistos no ambulatório de oculoplástica do HCFMRP-USP, em três, as anomalias bulbares estavam associadas ao lado em que o paciente dormia (Figuras 1 e 2) e, no outro, o da Figura 1 - Paciente obeso com hiperdistensibilidade palpebral, superior, em ambos os olhos. Notar comprometimento do olho esquerdo, lado em que o paciente adotava para dormir. Figura 2 - Paciente com hiperdistensibilidade palpebral, superior, em ambos os olhos. Notar correlação entre o lado adotado para dormir (esquerdo) e o quadro ocular: blefaroptose, ptose ciliar e úlcera de córnea. 26

Síndrome da frouxidão palpebral criança com retardo mental, as fendas palpebrais eram constantemente estiradas manualmente; contudo, como a criança não adotasse nenhuma postura constante ao dormir, o comprometimento do bulbo ocular não existia (Figura 3). Além disso, não é incomum encontrar pacientes com obesidade mórbida e sem posição viciosa de dormir, que apresentam hiperdistensibilidade palpebral, porém ausência de anomalias oculares (Figura 4). Por outro lado, a associação entre apnéia obstrutiva do sono e SFP sugere que fenômenos associados à hipóxia estejam relacionados às alterações de superfície ocular. A esse respeito vale lembrar os relatos de melhora das condições oculares após perda de peso e reversão da síndrome de apnéia do sono. (13,47) 6- TRATAMENTO O tratamento dos pacientes com SFP visa eliminar os fatores causais da irritação ocular. Como, na maioria das vezes, existe uma associação evidente de trauma mecânico durante o sono, a primeira conduta é a conservadora, através da proteção, durante a noite, do olho afetado. Um simples curativo oclusivo, bem feito pode ser suficiente. Em pacientes não colaborativos, a cirurgia palpebral é a única opção viável. Vários procedimentos, visando a correção da frouxidão horizontal, superior já foram propostos. Em todos, associa-se a estabilização do tendão cantal, lateral com resseção de grandes segmentos tarsoconjuntivais, medialmente (7,10,20,29, 39,42,45, 49) à glândula lacrimal, principal. Figura 3 - Criança com síndrome de Down, hiperdistensibilidade palpebral em ambos os olhos, sem posição preferencial ao dormir. Notar em ambos os olhos, blefaroptose, ptose ciliar e ausência de comprometimento bulbar. Figura 4 - Paciente obesa, assintomática e com hiperdistensibilidade palpebral, porém sem posicionamento preferencial ao dormir. BOEIRA Jr. N; AKAISHI PMS & CRUZ AAV. Floppy eyelid syndrome. Medicina, Ribeirão Preto, 36: 24-29, jan./march, 2003. Abstract: We revised the floppy eyelid syndrome, an ophthalmic condition frequently associated with systemic abnormalities. This syndrome is seldom recognized by both ophthalmologists and general physicians. Four cases examined in the oculoplastic clinic of the HCFMRP-USP are presented. Uniterms: Eyelid Diseases. Syndrome. Eyelids; abnormalities. Floppy Eyelid Syndrome. 27

Boeira Jr. N; Akaishi PMS & Cruz AAV REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - 1 - CULBERTSON WW & OSTLER HB. The Floppy Eyelid Syndrome. Am J Ophthalmol 92: 568-575, 1981. 2 - PACIUC M & MIER ME. A woman with the floppy eyelid syndrome. Am J Ophthalmol 93: 255-256, 1982. 3 - LIU D & STASIOR OG. Lower eyelid laxity and ocular Symptoms. Am J Ophthalmol 95: 545-551, 1983. 4 - PARUNOVIC A. Floppy eyelid syndrome. Br J Ophthalmol 67: 264-266, 1983. 5 - SCHWARTZ LK; GELENDER H & FORSTER R K. Chronic conjunctivitis associated with floppy eyelid. Arch Ophthalmol 101: 1884-1888, 1983. 6 - GERNER EW & HUGHES SM. Floppy eyelid with hyperglycinemia. Am J Ophthalmol 98: 614-616, 1984. 7 - DUTTON JJ. Surgical management of floppy eyelid syndrome. Am J Ophthalmol 99: 557-560, 1985. 8 - EASTERBROOK M. Floppy eyelid syndrome. Can J Ophthalmol 20: 264-265, 1985. 9 - GOLDBERG R; SEIFF S; MCFARLAND J; SIMONS K & SHORR N. Floppy eyelid syndrome and blepharochalasis. Am J Ophthalmol 102: 376-381, 1986. 10 - MOORE MB; HARRINGTON J & MCCULLEY JP. Floppy eyelid syndrome;management including surgery. Ophthalmology 93: 184-188, 1986. 11 - GONNERING RS & SONNELAND PR. Meibomian gland dysfunction in floppy eyelid syndrome. Ophthalmic Plast Reconstr Surg 3: 99-103, 1987. 12 - FLEISHMAN JA & HOFFMAN RO. An unusual case of floppy eyelid syndrome. Ann Ophthalmol 20: 468-469, 1988. 13 - PARUNOVIC A & ILIC B. Floppy eyelid syndrome associated with keratotorus. Br J Ophthalmol 72: 634-635, 1988. 14 - DA PA; BRUNZINI M; CROXATTO JO & NANO H. Floppy eyelid syndrome. 5 cases. Ophthalmologie 3: 314, 1989. 15 - GOLDBERG RA; CODEN DJ; HORNBLASS A & MITCHEL JP. Floppy eyelid syndrome associated with marked lower eyelid ectropion. Am J Ophthalmol 108: 610-612, 1989. 16 - IFERMAN RA; GOSSMAN M; O NEILL K & DOUGLAS CH. Floppy eyelid syndrome in a child. Am J Ophthalmol 109: 356-357, 1990. 17 - IMBERT P; WILLIAMSON W; LEGER F; GAUTHIER L & LAGOUTTE F. Neovascularisation corneene bilaterale et floppy eyelid syndrome. A propos d un cas. J Fr Ophtalmol 13: 223-225, 1990. 18 - WOOG JJ. Obstructive sleep apnea and the floppy eyelid syndrome. Am J Ophthalmol 110: 314-315, 1990. 19 - DONNENFELD ED; PERRY HD; GIBRALTER RP; INGRAHAM HJ & UDELL IJ. Keratoconus associated with floppy eyelid syndrome. Ophthalmology 98: 1674-1678, 1991. 20 - BOUCHARD CS. Lateral tarsorrhaphy for a noncompliant patient with floppy eyelid syndrome. Am J Ophthalmol 114: 367-369, 1992. 21 - BROWN MD & POTTER JW. Floppy eyelid syndrome: A case report and clinical review. J Am Optom Assoc 1992: 309-314, 1992. 22 - NEGRIS R. Floppy eyelid syndrome associated with keratoconus. J Am Optom Assoc 63: 316-319, 1992. 23 - KARESH J W;NIRANKARI VS & HAMEROFF SB. Eyelid imbrication. Ophthalmology 100: 883-889, 1993. 24 - KESTELYN P; VAN LIEFFERINGE T; GOES H; HOSTE AM & HANSSENS M. A rare case of chronic papillary conjunctivitis diagnosed after several years of evolution. Clinical and pathological findings. Bull Soc Belge Ophthalmol 248: 61-66, 1993. 25 - MÖRSCHBÄCHER R; SANT ANNA A E & PORTELLINHA W. Sindrome de flacidez da pálpebra superior. Arq Bras Oftalmol 56: 339-342, 1993. 26 - REIFLER DM. Floppy eyelid syndrome and crack eye syndrome. Ophthalmology 100: 975, 1993. 27 - CULBERTSON WW & TSENG SC. Corneal disorders in floppy eyelid syndrome. Cornea 13: 33-42, 1994. 28 - NETLAND PA; SUGRUE SP; ALBERT DM & SHORE JW. Histopathologic features of the floppy eyelid syndrome. Involvement of tarsal elastin. Ophthalmology 101: 174-181, 1994. 29 - TANENBAUM M. A rational approach to the patient with floppy/lax eyelids. Br J Ophthalmol 78: 663-665, 1994. 30 - VAN DE BOSCH W & LEMJI HG. The lax syndrome. Br J Ophthalmol 78: 666-670, 1994. 31 - MORTEMOUSQUE B; WILLIAMSON W; POIRIER L; BROUSSE D & VERIN P. Floppy eyelid syndrome. Apropos of 4 cases and review of the literature. J Fr Ophtalmol 18: 542-547, 1995. 32 - LEE WJ, KIM JC & SHYN KH. Clinical evaluation of corneal diseases associated with floppy eyelid syndrome. Korean J ophthalmol 10: 116-121, 1996. 33 - GROSS RH & MANNIS MJ. Floppy eyelid syndrome in a child with chronic unilateral conjunctivitis. Am J Ophthalmol 124: 109-110, 1997. 34 - MCNAB AA. Floppy eyelid syndrome and obstructive sleep apnea. Ophthalmic Plast Reconstr Surg 13: 98-114, 1997. 35 - ROBERT PY; ADENIS JP; TAPIE P & MELLONI B. Eyelid hyperlaxity and obstructive apnea (O.S.A) syndrome. Eur J Ophthalmol 7: 211-215, 1997. 36 - KLAPPER SR & JORDAN DR. Floppy eyelid syndrome. Ophthalmology 105: 1582, 1998. 37 - LANGFORD JD & LINBERG JV. A new physical finding in floppy eyelid syndrome. Ophthalmology 105: 165-169, 1998. 38 - MCNAB AA. Floppy eyelid syndrome. Ophthalmology 105: 1977-1978, 1998. 28

Síndrome da frouxidão palpebral 39 - SCHOLTEN E; MARCK KW & GROND AJK. Surgical correction of floppy eyelids. Br J Plast Surg 51: 264-266, 1998. 40 - ALEXANDRAKIS G; TSE DT & CHANG WJ. Spontaneous globe luxation associated with floppy eyelid syndrome and shallow orbits. Arch Ophthalmol 117: 138, 1999. 41 - DUFEK MA & SHECHTMAN DL. Floppy eyelid syndrome. J Am Optom Assoc 70: 450-454, 1999. 42 - LEMKE BN & DORTZBACH RK. A tarsal strip-periosteal flap technique for lateral canthal fixation. Ophthalmic Surg Lasers 30: 232-236, 1999. 43 - MOJON DS; GOLDBLUM D; FLEISCHHAUER J; CHIOU AGY; FRUEH BE; HESS CW; GUGGER M; BASSETTI C; BOEHNKE M & MATHIS J. Eyelid, conjunctival, and corneal findings in sleep apnea syndrome. Ophthalmology 106: 1182-1185, 1999. 44 - SAMAHA AN; FARAH N & MAALUF R. Floppy eyelid syndrome in a child with vernal catarrh. J Pediatr Ophthalmol Strabismus 36: 216-218, 1999. 46 - BOULTON JE & SULLIVAN TJ. Floppy eyelid syndrome and mental retardation. Ophthalmology 107: 1989-1991, 2000. 47 - MCNAB AA. Reversal of floppy eyelid syndrome with treatment of obstructive sleep apnea. Clin Exp Ophthalmol 28: 125-126, 2000. 48 - MACK WP. Floppy eyelid syndrome and mental retardation. Ophthalmology 108: 2159-2160, 2001. 49 - PERIMAN LM & SIRES BS. Floppy eyelid syndrome. A modified surgical technique. Ophthalmic Plast Reconstr Surg 18: 370-372, 2002. 50 - ROSSITER JD; ELLINGHAM R; HAKIN KN & TWOMEY JM. Corneal melt and perforation secondary to floppy eyelid syndrome in the presence of rheumaoid arthritis. Br J Ophthalmol 86: 483-487, 2002. Recebido para publicação em 27/01/2003 Aprovado para publicação em 31/03/2003 45 - SEIFF SR. Surgical management of seventh nerve paralysis and floppy eyelid syndrome. Curr Opin Ophthalmol 10: 242-246, 1999. 29