Título Qualidade do fornecimento de energia elétrica: confiabilidade, conformidade e presteza Veículo Revista GTD Data 25 Novembro 2014 Autores



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Transcrição:

Título Qualidade do fornecimento de energia elétrica: confiabilidade, conformidade e presteza Veículo Revista GTD Data 25 Novembro 2014 Autores Claudio Sales, Eduardo Müller Monteiro e Richard Lee Hochstetler

1 INTRODUÇÃO O fornecimento de energia é um dos serviços mais desafiantes da sociedade moderna. Para que o consumidor disponha de energia no momento que aciona um interruptor ou conecta um aparelho elétrico na tomada, é preciso que um vasto aparato - centrais geradoras, linhas de transmissão, subestações, linhas e transformadores de distribuição - esteja apto a operar de forma coordenada. Como não há formas economicamente viáveis de armazenar energia elétrica, é preciso sincronizar a produção de energia com o consumo em tempo real. Isso significa que a operação de sistemas elétricos precisa ajustar-se continuamente às oscilações no consumo de energia a fim de evitar desequilíbrios e interrupções. É por isso que a qualidade do fornecimento de energia elétrica se constitui numa preocupação central do planejamento e operação do setor elétrico, sendo que dois desafios precisam ser permanentemente encarados: a) como assegurar a confiabilidade de um sistema no qual a responsabilidade pelo fornecimento é compartilhada por tantas empresas diferentes; e b) como discernir o nível de qualidade almejado pelos consumidores que seja compatível com as receitas tarifárias requeridas para prover o serviço. Este artigo (que se constitui num resumo das análises e conclusões do White Paper "Qualidade do fornecimento de energia elétrica: confiabilidade, conformidade e presteza", emwww.acendebrasil.com.br/estudos) descreve as diversas dimensões da qualidade do fornecimento de energia elétrica; explica os mecanismos regulatórios estabelecidos pela Aneel com o intuito de zelar pela qualidade, apontando os desafios remanescentes para que a regulação seja mais eficaz; e sugere uma nova abordagem regulatória para lidar com a questão da qualidade em pregados no Brasil; aponta os desafios atrelados aos custos e benefícios envolvidos nos investimentos voltados ao aumento da qualidade; e sugere uma nova abordagem para engajar o consumidor nos dilemas regulatórios atuais e futuros. 2. CONCEITUAÇÃO DA QUALIDADE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA Quando ocorre uma interrupção no fornecimento de energia, as atenções dos consumidores imediatamente se voltam à concessionária de distribuição de eletricidade local, mas a interrupção pode ter sido ocasionada por falha: na rede da concessionária de distribuição; ou em alguma instalação da rede de transmissão que transporta a energia até a distribuidora; ou em alguma central de geração que supre energia para a rede de transmissão. São centenas de empresas que precisam atuar de forma harmoniosa e síncrona para assegurar que o consumidor tenha energia no momento desejado.

Figura 1: Dimensões da qualidade do fornecimento de energia elétrica As causas dessas interrupções no fornecimento de energia elétrica também podem ser muito variadas. No jargão do setor, o evento ou ação que leva o sistema interligado a operar fora de suas condições normais é denominado "ocorrência, Uma ocorrência pode ter origem "interna" ou "externa", sendo que as principais ocorrências de origem interna são: escassez do recurso energético natural (caso de estiagem no caso de hidrelétricas e período de "calmaria" - falta de ventos - no caso de eólicas); sobrecarga; falha de equipamento; planejamento equivocado; e erro operacional. De forma complementar, as principais ocorrências de origem externa são: tempestades (raios, ventanias, enchentes, quedas de árvores e barrancos); queimadas; acidentes (acidentes de trânsito envolvendo batidas em postes, objetos enroscados nos cabos elétricos); e manipulação de instalações de distribuição por terceiros (furto de energia, furto de cabos e equipamentos, sabotagem). Já uma perturbação é caracterizada quando a ocorrência leva ao desligamento forçado de um ou mais componentes do sistema interligado, resultando em: a) corte de carga; b) desligamento de outros componentes do sistema; c) danos em equipamentos; ou d) violação de limites operativos (ONS, 2009).

Uma vez que um sistema elétrico sempre estará sujeito a ocorrências, é importante que sistemas elétricos sejam concebidos e operados de forma a prover a confiabilidade desejada pela população. Isso requer que o sistema seja dimensionado adequadamente para atender a carga prevista e que tenha margem de manobra suficiente para lidar com grande parte dessas ocorrências de forma a evitar perturbações excessivas no fornecimento de energia aos consumidores. Além do zelo pela continuidade do serviço, há também a questão da conformidade da corrente elétrica. Oscilações no fornecimento de energia elétrica podem prejudicar a operação de aparelhos elétricos ou mesmo danificá-los. A energia elétrica em corrente alternada apresenta uma série de propriedades físicas que devem respeitar certos padrões para que não haja problemas para o consumidor. Finalmente, há a questão da qualidade do atendimento comercial do consumidor. A experiência do consumidor não se resume ao fornecimento físico de energia elétrica. A qualidade do atendimento também é muito importante. Portanto, quando se fala em qualidade de fornecimento de energia elétrica, é preciso também levar em conta a presteza com a qual a empresa atende o consumidor, o grau de satisfação do atendimento e o nível de cumprimento das obrigações da concessionária. 2.1 CONFIABILIDADE Quando se fala em qualidade do fornecimento de energia elétrica, geralmente, os consumidores se referem à confiabilidade do fornecimento. Os consumidores desejam poder consumir energia na hora e na quantidade que lhes convêm. Por isso, a discussão sobre a qualidade do fornecimento de energia não pode ser feita sem a formalização do conceito de confiabilidade. Figura 2: Trajetória dos indicadores de continuidade

A primeira dimensão da qualidade - a confiabilidade é mais facilmente percebida pelo seu oposto: a sua falta. Tanto é assim que os índices mais utilizados (FEC, DEC, FIC, DIC, DMIC e DICRI) servem para avaliar o grau de confiabilidade medem justamente a ocorrência e duração das interrupções no fornecimento. O conceito de confiabilidade, por sua vez, envolve dois conceitos: adequabilidade; e segurança. O primeiro conceito remete à questão do dimensionamento do sistema para atendimento à demanda, enquanto o segundo se refere à robustez do sistema para lidar com contingências (Billintone Allan. 1996). 2.2 CONFORMIDADE A segunda dimensão da qualidade refere-se à conformidade do fornecimento de energia alternada no nível de tensão e frequência padrão. No Brasil, a tensão final de fornecimento de energia elétrica é estabelecida em 110 ou 220 volts (V), em corrente alternada, com frequência de 60 hertz (Hz). A conformidade de energia elétrica aborda os seguintes aspectos (Grigsby, 2007): nível de tensão em regime permanente; desequilíbrio de tensão; variação de tensão de curta duração; flutuação de tensão; variação de frequência; flutuação de potência; e harmónicos. 2.3 ATENDIMENTO COMERCIAL A terceira dimensão da qualidade do fornecimento de energia elétrica refere-se ao atendimento comercial do consumidor. A relação da empresa com o consumidor não se manifesta apenas por meio da entrega física de elétrons. O consumidor também deseja ter suas solicitações atendidas com presteza e cortesia. Isso inclui o tratamento recebido nas centrais de atendimento, nos call centers (centrais de atendimento telefónico) e no atendimento de serviços solicitados na unidade de consumo, tais como: vistoria, ligação, aferição de medidor, ressarcimento por dano elétrico, elaboração de estudos, orçamentos, projetos etc. 3. INDICADORES DE QUALIDADE NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO Tipicamente, avalia-se a confiabilidade do fornecimento de energia com base em indicadores de continuidade. Há duas famílias básicas de indicadores de continuidade: as que mensuram a frequência de interrupções durante um determinado intervalo: e as que mensuram a duração cumulativa das interrupções ocorridas durante um determinado intervalo. A frequência de interrupções está associada principalmente às condições físicas dos ativos da distribuidora: a configuração da rede, o grau de redundância e o estado dos equipamentos (idade dos equipamentos e qualidade de sua manutenção). Assim, a frequência está mais associada aos dispêndios de capital (capex), isto é, aos investimentos realizados pela empresa ao longo dos anos.

Figura 3: Frequência e duração de interrupções na Rede Básica de Transmissão. Fonte NOS Figura 4: Pesquisas de Satisfação do Cliente. Fonte Aneel e Abradee Já a duração das interrupções está associada principalmente aos recursos humanos e materiais disponibilizados para realizar reparos visando à recomposição e ao reparo da rede, ou seja, está mais associada aos custos operacionais (opex) incorridos pela distribuidora.

Os indicadores de continuidade mais conhecidos no Brasil são o FEC e DEC. O FEC - Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora - indica o número de interrupções médias de um determinado conjunto de consumidores no período de apuração (soma do número de interrupções sofridas em cada unidade consumidora no período de apuração, dividida pelo número de unidades consumidoras). O DEC - Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora - indica a média de horas que os consumidores de um determinado conjunto ficaram sem fornecimento de energia no período de apuração (soma do número de horas que cada unidade consumidora passou sem energia no período de apuração, dividida pelo número de unidades consumidoras). Esses indicadores correspondem, respectivamente, aos indicadores SAIFI (System Average Interruption Frequency Index) e SAIDI (System Average Interruption Duration Index) utilizados na literatura internacional. Tais estatísticas consideram apenas interrupções com três minutos ou mais de duração. Figura 5: Dispêndio ótimo em qualidade Diferentemente dos indicadores SAIFI e SAIDI - que reportam indicadores para sistemas inteiros, os indicadores FEC e DEC são construídos a partir de subgrupos de consumidores de cada distribuidora, denominados conjuntos elétricos. A abrangência do conjunto elétrico varia muito: há conjuntos que incluem vários municípios e há conjuntos que abrangem apenas partes de um município. Os conjuntos são definidos por meio de um processo de análise estatística denominada clustering, pelo qual as unidades consumidoras de energia são agrupadas em áreas contíguas com base na semelhança dos seus atributos físico-elétricos: (a) área em quilómetros quadrados (km2); b) extensão da rede de média tensão (MT), segregada em urbana e rural, em quilómetros (km); c) energia consumida nos últimos 12 meses, segregada pelas classes residencial, industrial, comercial, rural e outras classes, em megawatt-hora (MWh); d) número de unidades consumidoras atendidas, segregadas pelas classes residencial, industrial, comercial, rural e outras classes;

f) padrão construtivo da rede (aérea ou subterrânea); g) localização (sistema isolado ou interligado)." O exame da trajetória histórica desses indicadores no País (Figura 2) revela que houve uma melhora substancial na qualidade do fornecimento de energia na última década e meia. Entre 1996 e 2013, o FEC médio do Brasil foi reduzido em 52% e o DEC foi reduzido em 30%. Conforme aponta o estudo "Qualidade do Fornecimento de Energia Elétrica", disponível emwww.acendebrasil.com.br/estudos, houve constatações semelhantes de tendência de melhora em vários outros indicadores, como: o FIPC e DIPC (indicadores da transmissão comparáveis aos FEC e DEC da distribuição), apresentados na Figura 3; e indicadores de percepção de consumidores, como o ISQP (índice de Satisfação da Qualidade Percebida) e o IASC (índice Aneel de Satisfação do Consumidor), apresentados na Figura 4. 4.CQMO PROMOVER O GRAU DE QUALIDADE DESEJADO 4.1 AVALIANDO O CUSTDBENEFÍCIO DA QUAUDADE Há duas formas básicas para aprimorar a qualidade. A primeira é por meio de investimentos em ativos. Pode-se, por exemplo: ampliar a capacidade das redes de transmissão e distribuição; ampliar a redundância na rede; adotar uma arquitetura de rede em anel em vez de linear; e instalar mais equipamentos de segurança e de monitoramento da rede. Embora se reconheça que o aprimoramento da qualidade guarda uma estreita relação com o investimento, uma análise estatística da relação entre a base de ativos das distribuidoras e os índices de continuidade revela que uma série de outros fatores devem ser levados em conta. A forma mais eficaz para se identificar a relação entre o nível de investimento (dispêndio em capex, ou bens de capital) e o nível de qualidade (índices de continuidade) é por meio de análises caso a caso, simulando os efeitos de diferentes alternativas de investimento para avaliar o seu impacto sobre os indicadores de qualidade. Trabalhos como de Cyrillo (2011), Cyrillo e Tahan (2009), Pelegrini et alii (2003) e Billinton e Allan (1996) ilustram diferentes técnicas que podem ser utilizadas para orientar essa decisão. Os resultados indicam que há uma relação positiva entre os investimentos e o nível de qualidade, mas que os retornos dos investimentos em qualidade são decrescentes: para cada real adicional investido no aprimoramento da qualidade, obtem-se um incremento de qualidade cada vez menor. A segunda forma para aumentar a qualidade é elevando os dispêndios nos custos de operação (opex). O dimensionamento e qualificação das equipes de manutenção são positivamente associados à qualidade, principalmente com os índices de duração de interrupções (DEC e DIPQ. Assim como constatado no capex. é razoável considerar que o opex guarde uma relação positiva e de retornos decrescentes com a qualidade.

A constatação de que a qualidade apresenta uma correlação positiva com os custos apresenta um dilema do difícil resolução para o regulador: até que ponto deve-se sacrificar a modicidade tarifária para promover maior qualidade? Ou o seu inverso: até que ponto deve-se sacrificar a qualidade para promover maior modicidade tarifária? Esta questão impõe um grande desafio regulatório. Uma abordagem utilizada para vencer esse desafio e a atribuição de um valor para a energia não distribuída, isto é, a energia que deixou de ser consumida devido à interrupção do fornecimento. A partir desse valor pode-se definir o nível do dispêndio ótimo em qualidade, que corresponde ao ponto em que o ganho associado à redução da energia não distribuída decorrente da melhora da qualidade torna-se equivalente ao valor dos dispêndios requeridos para obter tal melhoria de qualidade. A figura 5 apresenta esse conceito na forma de um gráfico. Quanto maior o dispêndio em qualidade do fornecimento de energia, menor é o custo incorrido pelos consumidores na forma de interrupções e danos a equipamentos. Isso explica a inclinação descendente da curva de custos incorrida pelos consumidores. Por outro lado, quanto maior a qualidade do fornecimento, maior é o dispêndio requerido das empresas de energia (e. consequentemente, da tarifa de energia), o que explica a inclinação ascendente da curva de custos de prestação do serviço. O custo total da qualidade para o consumidor é função da soma dessas duas curvas, o que resulta na curva de custo total. Com base nessa abordagem analítica, pode-se verificar que o nível ótimo de qualidade corresponde ao ponto q* no gráfico. Embora os custos diretamente incorridos pelo consumidor sempre diminuam à medida que a qualidade é aumentada, o custo para prover essa qualidade adicional aumenta a uma taxa mais elevada, o que faz com que o benefício líquido da elevação da qualidade seja declinante a partir de um determinado patamar. a inclinação descendente da curva de custos incorrida pelos consumidores. Por outro lado, quanto maior a qualidade do fornecimento, maior é o dispêndio requerido das empresas de energia (e. consequentemente, da tarifa de energia), o que explica a inclinação ascendente da curva de custos de prestação do serviço. O custo total da qualidade para o consumidor é função da soma dessas duas curvas, o que resulta na curva de custo total. Com base nessa abordagem analítica, pode-se verificar que o nível ótimo de qualidade corresponde ao ponto q* no gráfico. Embora os custos diretamente incorridos pelo consumidor sempre diminuam à medida que a qualidade é aumentada, o custo para prover essa qualidade adicional aumenta a uma taxa mais elevada, o que faz com que o benefício líquido da elevação da qualidade seja declinante a partir de um determinado patamar. Essa abordagem tem certo apelo, pois permite a obtenção de uma resposta quantitativa e objetiva, mas ela apresenta algumas limitações. A metodologia requer a atribuição de um valor uniforme para todos os consumidores para a energia não distribuída, quando se sabe que o seu valor varia muito entre os consumidores. Do mesmo modo. a metodologia supõe que há uma relação uniforme entre o investimento e a qualidade, o que também se sabe que varia muito entre empresas e ao longo do tempo.

Embora conceitualmente seja possível identificar o custo de se aprimorar a qualidade, não é possível fazer grandes generalizações, pois as condições variam muito em função da configuração da rede da distribuidora e das condições físicoelétricas de cada área de concessão. Além disso, pode haver grande diversidade de preferências quanto ao valor da qualidade entre diferentes classes de consumidores e entre consumidores localizados em diferentes regiões. Diante dessas constatações, seria possível indagar: por que não perguntar aos consumidores qual é o nível de qualidade desejado? A indagação pode parecer ingénua num primeiro momento, mas o fato é que ela representa uma fronteira da regulação para a próxima década. 4.2 QUALIDADE E O ENGAJAMENTO CONSTRUTIVO O engajamento construtivo (ou "productive engagement", na literatura internacional) é uma nova tendência que vem sendo adotada por reguladores em diversos setores diferentes países. Um dos percursores dessa nova abordagem de regulação é o professor Stephen Littlechild, o académico e ex-regulador de energia elétrica no Reino Unido (Littlechild, 2008, 2009, 2011). Essa abordagem nasce da constatação de que a regulação envolve muito mais do que definir tarifas. A regulamentação, assim como a concorrência de mercado, lida com um processo de descoberta evolutivo, segundo o qual as empresas interagem continuamente com os consumidores buscando formas para melhor ajustarem-se às condições mutantes de oferta e demanda. Do ponto de vista dos reguladores, é muito difícil lidar com esse processo de descoberta: reguladores tendem a buscar a uniformidade de forma a facilitar as justificativas perante a opinião pública, algo que se torna mais difícil quando se oferece tratamento diferenciado para diferentes consumidores ou ofertantes. Reguladores buscam definir metodologias objetivas, calcadas em dados históricos/ estatísticos, postura que tem a vantagem de limitar a subjetividade, mas que também gera a desvantagem de desincentivar a inovação. É por isso que diversos reguladores têm adotado uma nova forma de promover a regulação. Em vez de o regulador definir os padrões de preços e condições de serviço, no engajamento construtivo, busca-se aproximar as empresas reguladas de seus consumidores, permitindo que eles negociem diretamente um com os outros. O papel do regulador passa a ser o de um facilitador do diálogo, embora a responsabilidade final pela definição das tarifas e da qualidade requerida permaneça com o regulador. Um ponto de partida natural para essa iniciativa seria engajar os conselhos de consumidores na discussão da qualidade. Na prática, isso significaria ofertar aos consumidores a opção de diversas combinações de custo-qualidade. Esse processo não apenas ajudaria a desvendar as preferências dos consumidores, mas também proporcionaria aos mesmos consumidores um melhor entendimento sobre os dilemas que envolvem as decisões de custo-benefício constantemente enfrentadas pelas empresas e reguladores.

REFERÊNCIAS Billington, R. e R. Allan (1996). Reliability Evaluation of Power Systems. New York: Plenum Publishing Corporation. Cyrillo, I. e C. Tahan (2009). Investimentos em Qualidade de Energia Segundo o Custo Social da Energia Não Distribuída. Blumenau: VIII Conferência Brasileira sobre Qualidade da Energia Elétrica, 2-5 de agosto de 2009. Cyrillo, I. (2011). Estabelecimento de Metas de Qualidade na Distribuição de Energia Elétrica por Otimização da Rede e do Nível Tarifário. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Grigsby, L. (ed.) (2007) Electric Power Generation, Transmission and Distribution (Electric Power Engineering Handbook - 2nd Edition). Boca Raton: CRC Press - Taylor & Francis Group. Littlechild, S. (2008). Constructive engagement and negotiated settlements - a prospect in the England and Wales water sector? Mimeo. Cambridge: University of Cambridge. Littlechild, S. (2009). RPI-X regulation: Ofgem's RPI-X@20 review and the scope for more customer involvement. Network: The Australian Competition and Consumer Commission for the Utility Regulators Forum 34: 1-10. Littlechild, S. (2011). Frontiers of Rate Regulation: Theory and Practice. São Paulo: Brazil Energy Frontiers 2011. ONS (2009). Procedimentos de Rede. Rio de Janeiro: Operador Nacional do Sistema. Pelegrini, M.; M. Gouvea; S. Ahn; F. Hage (2003). Sisquali: Uma ferramenta de planejamento de redes de distribuição utilizando parâmetro de qualidade. Aracaju: V Seminário Brasileiro sobre Qualidade de Energia Elétrica. >>Cláudio J. D. Sales, Engenheiro de Produção pela PUC-RJ e ex-membro do Conselho de Administração de várias empresas do setor elétrico, é Presidente do Instituto Acende Brasil. >>Richard Lee Hochstetler, Economista, Mestre e Doutor em Economia pela USP, lidera a área de Estudos Económicos e Regulatórios do Instituto Acende Brasil. >>Eduardo Muller Monteiro, Engenheiro Eletricista pela Unicamp e Mestre e Doutor em Ciências pela USP, é Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil.