ESTUDO DO COMPORTAMENTO MECÂNICO DE DUTOS ENTERRADOS

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Transcrição:

ESTUDO DO COMPORTAMENTO MECÂNICO DE DUTOS ENTERRADOS Anderson Moura Ferreira 1 *, Denise Maria Soares Gerscovich 2 e Ana Cristina Castro Fontenla Sieira 2 1: Programa de Pós Graduação em Engenharia Civil PGECIV Faculdade de Engenharia FEN Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ R. São Francisco Xavier, 524, Maracanã, 5º. Andar, CEP: 20.550-900 e-mail: amf2309@gmail.com 2: Departamento de Estruturas e Fundações Faculdade de Engenharia FEN Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ R. São Francisco Xavier, 524, Maracanã, 5018 Bl. A, CEP: 20.550-900 e-mail: {deniseg, sieira}@uerj.br Palavras-chave: Modelagem Numérica, Dutos Enterrados, Método dos Elementos Finitos Resumo. O aumento da demanda por gás natural encanado e a ampliaçao das malhas de microdrenagem urbana têm despertado grande interesse da comunidade geotecnica pelo estudo do comportamento de dutos enterrados. Neste sentido, ferramentas numericas têm sido utilizadas de forma a permitir um melhor dimensionamento dos dutos, proporcionando maior segurança e reduções de custos. O comportamento mecanico de ductos enterrados é governado pelo mecanismo de interaçao solo-ducto. Existem, na literatura, proposiçoes para estimativa da carga vertical transmitida ao ducto. O presente trabalho simula numericamente o processo construtivo de ductos em trincheiras, para diferentes profundidades de embutimento. Para tal, foi utilizado o programa SIGMA/W (GEO-SLOPE International Ltd). Os resultados foram analisados compararando-se os valores de carga vertical transmitida ao ducto previstos numericamente com os esimados por métodos analíticos Os resultados obtidos mostraram os mecanismos de interaçao sao mais complexos do que as hipoteses assumidas nos metodos analiticos usualmente empregados na prática geotecnica 1

1. INTRODUÇÃO As enchentes urbanas representam um problema crónico no Brasil e de grande impacto na sociedade. O processo de urbanização acelerada ocorrido após a década de 60, gerou, em várias cidades brasileiras, populações urbanas com infra-estrutura deficitária. Grande parte da micro drenagem urbana consiste na drenagem da área através de ductos pluviais enterrados. A prática usual de projecto e execução do sistema de micro drenagem urbana consiste no assentamento de ductos de concreto em trincheiras, com caimentos adequados à passagem do fluído, e posterior reaterro da vala com material adequado e devidamente compactado. Muitas vezes, os ductos são instalados sob vias submetidas a grandes variações de carregamentos. Neste caso, recobrimentos mínimos de reaterro são requeridos, de forma a reduzir a magnitude dos esforços transmitidos ao ducto. Quando as condições de contorno impedem a colocação de recobrimento mínimo, executa-se colocação de placa de concreto, na superfície do terreno. Como consequência, há um substancial aumento no custo do projecto, podendo até inviabilizar a obra. O comportamento mecânico de estruturas enterradas é principalmente condicionado ao mecanismo de interacção solo-estrutura e a fatores externos tais como sobrecargas. O presente trabalho tem como objetivo simular numericamente as etapas executivas associadas a construção de ductos em trincheiras, considerando a influência de parâmetros geométricos e mecânicos do solo e do duto. Os esforços transmitidos aos ductos serão comparados com proposições analíticas encontradas na literatura [1][2][3]. Vale ressaltar que o uso de ductos tem sido significativamente ampliado nas ultimas décadas, face às necessidades de transporte, em larga escala, de gás e/ou petróleo através de longas distancias. Os estudos aqui apresentados se aplicam para qualquer função do ducto, desde que o fluido não esteja submetido a altas temperaturas ou pressões. 2. CLASSIFICAÇÃO DOS DUCTOS Os ductos enterrados são classificados de acordo com a forma de sua secção transversal, tipo de material, rigidez, e método construtivo, como indica a Tabela 1. A escolha do material constitutivo do ducto deve considerar os diâmetros disponíveis, sua capacidade e resistência, sua compatibilidade com o fluido transportado, e a influência do meio externo sobre o material do ducto [4]. A rigidez dos ductos foi inicialmente definida como sendo a capacidade de distorção ao longo do eixo horizontal e vertical, sem ocorrência de fissuras danosas ou ruptura do ducto. A partir desta definição Marston [1] classificou os ductos como flexíveis, semrígidos e rígidos, conforme mostra a Tabela 2. Posteriormente, foram sugeridas outras definições, que incorporam o mecanismo de interacção solo-ducto. Foram considerados como flexíveis os ductos que, submetidos a esforços, sofrem deformação significativa sem ocorrência de ruptura. Já os ductos rígidos, não produzem perturbações no solo circundante devido a desprezível deformação. Allgood e Takahashi [5] e Gumbel et al. [6] consideraram que a classificação deve levar 2

em conta o contraste entre a rigidez do ducto (R f ) e a do solo circundante (E * s ). Os autores sugeriram as expressões: * Es Es = ( 1 υs ) (1) * E I R f = (2) 3 D c onde: E s = Módulo de elasticidade do solo no estado plano de deformação; ν s = Coeficiente de Poisson do solo; E* = Módulo de elasticidade do ducto no estado plano de deformação; I = Momento de Inércia do ducto; D c = Diâmetro externo do ducto Ítem Secção transversal Material constitutivo Rigidez do ducto Rigidez relativa Método construtivo Tipos Circular, rectangular, lenticular, oval, em arco Ferro, cerâmica, plástico, concreto Rígido, semi rígido, flexível Rígido, intermediário, flexível Ductos em trincheira, salientes, em condição de pseudo vala Tabela 1. Classificação dos ductos Classificação Deformação (%) Tipo de material Flexível > 3.0 Metal Corrugado Semi-rígido 0.1 a 3.0 Ferro Fundido Rígido < 0.1 Concreto e cerâmica Tabela 2. Classificação quanto à rigidez [7] Gumbel et al [6] estabeleceram faixas de valores de rigidez relativa para a classificação dos ductos, conforme apresentado na Tabela 3. A rigidez relativa é determinada pela razão entre a rigidez do solo e a rigidez do ducto: * E s R r = (3) R Rigidez relativa Carga suportada pelo duto Classificação R r < 10 > 90% Rígido 10 < R r < 1000 10 a 90% Intermediário R r > 1000 < 10% Flexível Tabela 3. Classificação quanto à rigidez relativa [6] f 3

Quanto ao método construtivo, os ductos podem ser instalados em trincheira, na condição denominada saliente ou em pseudo valas. Os ductos em trincheira são executados após escavação do terreno natural, onde os condutos são assentados em valas estreitas e profundas e depois são recobertos com um aterro de solo compactado, conforme indica a Figura 1.a. Os ductos salientes são instalados sobre a superfície do terreno natural, podendo o topo do conduto estar acima ou abaixo da superfície, e cobertos com aterro (Figura 1.b). A condição de pseudo vala (Figura 1.c) ocorre quando, após a instalação do ducto e execução de parte do aterro, efectua-se a escavação de uma vala, removendo um prisma de solo compactado. Esta região é reaterrada com material compressível (feno, palha, serragem), para, posteriormente, prosseguir-se com a execução do aterro. Acreditase que este processo construtivo reduza consideravelmente a carga a qual o ducto é submetido. (a) Ducto em trincheira (b) Ducto saliente (c) Ducto em pseudovala Figura 1 - Classificação dos ductos segundo o processo construtivo 3. CARGAS EM DUCTOS No estudo do comportamento mecânico de dutos enterrados, um dos principais fenômenos é o arqueamento do solo. O arqueamento acontece quando uma parte do solo é retirada e uma vala é formada servindo como berço de assentamento de para uma estrutura enterrada qualquer. Depois da instalação da estrutura a vala é reaterrada, obtendo-se, assim, um sistema diferente do original, onde a interação entre o solo e a estrutura provoca uma redistribuição das tensões. Basicamente, o arqueamento do solo pode ser definido como o redirecionamento das cargas atuantes na estrutura (peso próprio do aterro e sobrecargas) devido a uma redistribuição de tensões provocada pelo movimento relativo entre massas de solo adjacentes, podendo gerar uma redução ou um acréscimo de carga na estrutura [8]. Assim sendo, o arqueamento pode originar uma redução ou um acréscimo de tensão (carga) sobre a estrutura. Quando o fenômeno ocorre produzindo um acréscimo na tensão numa zona sobre a estrutura, denomina-se arqueamento negativo (ou passivo) do solo. O arqueamento conhecido como positivo (ou ativo) é aquele que gera uma redução na tensão sobre a estrutura. 4

3.1 Teoria de Marston Em 1913, segundo Tcshebotarioff [7], Marston desenvolveu o primeiro procedimento de cálculo para a determinação das cargas verticais sobre os ductos enterrados. Posteriormente, Splanger [9] ampliou o estudo apresentando uma expressão de cálculo da deflexão para condutos flexíveis. Marston teve como base um ducto circular instalado em uma trincheira, submetida apenas a forças de atrito e coesão nula (Figura 2). Figura 2 - Estimativa das Cargas Verticais em Dutos Circulares Instalados em Trincheiras [7] O conceito básico da sua teoria é que o peso da coluna de solo acima do ducto enterrado é minimizada pela acção das forças cisalhantes que actuam nas paredes da vala em um sistema de prismas interno e externos; ou seja, parte de seu peso é transferido para os prismas laterais adjacentes, resultando, em um carregamento sobre o ducto menor que o peso da camada de solo que o sobrepõem. As forças de cisalhamento mobilizadas nas laterais da vala têm uma relação directa com a tensão horizontal que o aterro exerce sobre as paredes da vala, a qual pode ser estimada a partir do coeficiente de empuxo activo (ka) de Rankine. Assumidos constantes com a profundidade o peso específico e o ângulo de atrito do solo, tem-se que: 2 P = γb C d (4) onde: P é a carga atuante sobre o ducto por metro linear, b é a largura da trincheira, γ é o peso específico do solo e C d é um parâmetro adimensional definido por: αh 1 e Cd = 2K a tanδ (5) onde: δ é o ângulo de atrito entre a parede da trincheira e o solo, e k a é o coeficiente de empuxo ativo e α um coeficiente definido por: 5

2K a tan δ α = (6) b O modelo de Marston resulta em cargas no ducto pouco sensíveis a variações do ângulo de atrito φ, sempre que δ=φ. Com base na Eq.(4) observa-se que o valor do carregamento vertical sobre elementos enterrados depende diretamente da relação entre a altura de reaterro e a largura da vala (H/b). Em valas largas, onde os valores da relação H/b são relativamente baixos, a parcela devida ao atrito das paredes torna-se insignificante, perante à parcela do peso próprio. Por outro lado, ao se diminuir a largura da vala (b), aumentando-se assim, a razão H/b, o valor da parcela devido ao atrito atinge valores expressivos, quando comparado à parcela de peso próprio. A Figura 3 exemplifica este comportamento para um ducto de 0,40m de diâmetro e altura de reaterro de 0,30m [10]. 20,00 Esforços no Duto (kn/m) 18,00 16,00 14,00 12,00 10,00 8,00 6,00 4,00 φ = 30º γ = 20kN/m 3 b = variável H = 0,30m Marston Peso próprio Atrito 2,00 0,00 0,10 0,30 0,50 0,70 0,90 1,10 H/b Figura 3- Esforços na Vala A condição de vala deixa de existir para valores muito baixos de H/b, caracterizando, assim, uma condição de aterro. E neste caso, a Eq.(4) não é mais válida e o cálculo do carregamento deve ser realizado considerando-se uma condição de projeção positiva e o comportamento mecânico do duto é completamente diferente ou ate mesmo inverso [10]. Adicionalmente, observa-se o crescimento da carga P com a profundidade de embutimento até um determinado limite H/b (Figura 4); acima deste valor o atrito nas paredes é suficiente 6

para absorver os esforços adicionais. Carga no duto (kn/m) diametro 0,4m diametro 0,6m diametro 0,8m 80 70 60 50 40 30 20 10 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 H/b Figura 4 - Variação da carga com o embutimento [10] É interessante comentar que Janssen [2] foi pioneiro nos estudos sobre arqueamento. Assumindo que a distribuiçao de tensão vertical é uniforme em qualquer plano horizontal no interior da vala e que há mobilização integral da resistência ao cisalhamento nas paredes da vala, o autor propos a seguinte equaçao: 2c b γ b σ v = 1 e 2kr tanφ z 2kr tanφ b + qe 2k r z tanφ b (7) onde: b é a largura do silo, c a coesão na interface, γ o peso especifico do material de aterro, φ o ângulo de atrito interno do material de aterro, q a sobrecarga distribuída na superfície e k r é o coeficiente de empuxo activo. 3.2 Teoria de Engesser Engesser [3] determinou o valor do carregamento por meio de uma solução analítica considerando o equilíbrio dos esforços agindo sobre um elemento infinitesimal parabólico de espessura dh e largura b. O que diferencia esse estudo do feito por Janssen [2] é a geometria do elemento estudado. Engesser considerou que o elemento teria a aparência de um arco parabólico, cujo ângulo que forma com a horizontal seja o mesmo ângulo de atrito do solo (θ=φ), conforme mostra a Figura 5. 7

y q dh f θ = φ b x Figura 5 Diagrama de forças atuantes no arco parabólico arbitrado [12] O carregamento uniformemente distribuído q acarreta um deslocamento da estrutura em relação ao solo adjacente, que, por conseqüência, redistribui para as laterais a carga do topo do arco, dando origem a um aumento da tensão vertical (σ r ) dentro do arco. O somatório da tensão vertical (σ v ) e da tensão ocasionada pelo peso de solo abaixo do arco resulta na carga vertical (F v ) demonstrada na Eq. (8). 2 HK a tan φ F v = γb + (8) 2h tan φ + bk a 6 onde: H é profundidade do topo do ducto, b é a largura da trincheira, γ é o peso específico do solo; φ é o ângulo de atrito interno do material de aterro e k a é o coeficiente de empuxo ativo. 4. MODELAGEM NUMÉRICA As análises numéricas foram realizadas com o programa SIGMA/W, versão 5.11 [11]. O programa SIGMA/W permite a avaliar o comportamento tensão-deformação de solos, considerando-se análises simples em regime linear elástico até simulações mais complexas, envolvendo modelos elasto-plásticos não lineares. O programa permite análises bidimensionais e axissimétricas. Em ambos os casos podem ser adotados elementos triangulares e/ou quadrangulares, permitindo, inclusive, a inserção de nós secundários. Dois tipos de elementos estruturais estão disponíveis: barra ou viga. A diferença entre eles está na inclusão (viga) ou não (barra) da rigidez à flexão. Elementos estruturais estão somente disponíveis em análises planas bidimensionais. Na fase de geração de tensões iniciais, estes elementos são ignorados. O SIGMA/W não possui elemento estrutural circular para representação do duto. Assim sendo o contorno do duto foi representado por uma seqüência de elementos de viga. 8

4.1 Geometria A geometria analisada consistiu em um ducto de concreto de 0,4m de diâmetro, instalado em uma trincheira com 1m de largura, assente sobre camada de 0,1m de espessura de solo compactado. As profundidades da camada de reaterro (H) variaram de 0,50m a 1,50m. Os limites da malha de elementos finitos foram definidos a partir de estudo paramétrico onde variou-se a largura e a profundidade do contorno. Os estudos consideraram distâncias de 2b, 3b e 6b, sendo b a largura da vala. Com base na distribuição das tensões verticais ao final das etapas construtivas, observou-se que, a partir de uma profundidade correspondente a 3 vezes a largura da vala (b) não ocorrem variações significativas no valor da tensão vertical [10]. A Figura 7 mostra a discretização da malha de elementos finitos. Figura 7- Malha de Elementos Finitos 4.2. Materiais Para a representação do solo de reaterro e de entorno da vala foi admitido comportamento tensão-deformação do tipo elasto-plástico. Os parâmetros adoptados correspondem a solos arenosos compactados e estão listados na Tabela 6. O ducto foi representado por uma série de elementos estruturais do tipo viga (Figura 7), com rigidez à flexão e axial, e de comportamento elástico. O momento de inércia de cada trecho foi calculado considerando-se secção transversal retangular, com largura unitária e espessura igual a 0,08m. Os parâmetros adotados para a representação do ducto estão também apresentados na Tabela 6. As análises admitiram nível d água (NA) abaixo da cota de assentamento do ducto. A partir dos módulos de elasticidade do solo (E s ) e do duto (E*), e do coeficiente de Poisson (ν), obteve-se um valor de rigidez relativa (R r ) igual a 0,032 (Eq. 3). Este valor 9

classifica o ducto como, como apresentado na Tabela 3. Material Parâmetro Valor Solo Módulo de elasticidade (E s ) 60MPa Coeficiente de Poisson (ν) 0,33 Coeficiente de empuxo no repouso (k o ) 0,50 Peso específico (γ) 20kN/m 3 Ângulo de atrito (φ) 30º Coesão (kpa) 0 Duto Módulo de elasticidade (E*) 25x10 6 kpa Momento de inércia (I) 4,27x10-5 m 4 Espessura (e) 0,08m Tabela 6. Parâmetros Geomecânicos 4.3. Etapas Construtivas O programa utiliza a opção de executar uma etapa inicial para a geração do peso próprio ( in situ ). As deformações e tensões induzidas pelas etapas construtivas podem ser calculadas a partir do arquivo da etapa inicial. Na fase de geração das tensões iniciais, apenas o coeficiente de empuxo no repouso e o peso especifico do solo são fornecidos e os elementos estruturais são ignorados. O comportamento do solo é assumido como elaticolinear. Posteriormente, são inseridas as etapas construtivas, listadas na Tabela 4. Após a inserção de cada etapa construtiva, o programa efectua o processamento das informações, permitindo assim, a análise do comportamento tensão-deformação nas diferentes etapas. Etapa Acção 1 Escavação em vala 2 Aterro da base do ducto ( 0,20m) 3 Activação dos elementos que representam o ducto (elementos de viga) 4 Activação dos elementos das laterais do ducto (solo) 5 Activação dos elementos acima do ducto (solo) Tabela 4. Sequência Construtiva 5. ANÁLISE DOS RESULTADOS A carga vertical atuante no topo do ducto foi calculada a partir da integração da distribuição de tensões verticais computadas ao longo de um plano horizontal localizado no interior da vala e coincidente com o topo do ducto. A Figura 8.a mostra a distribuição de tensões e a Figura 8.b mostra a distribuição correspondente de esforços, para a situação em que a 10

espessura da camada de reaterro era de 0,9m. Os demais casos estudados apresentaram comportamento semelhante. Os esforços previstos numericamente e os calculados pelas teorias clássicas de arqueamento estão apresentados na Figura 9. Nesta Figura também estão mostrados os valores correspondentes à ação integral do peso próprio, computados a partir da expressão: 20,0 Peso ( kn / m)= γ H b (9) 1,0 Tensao vertical (kpa) 15,0 10,0 5,0 Forca vertical (kn/m) 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 3,0 3,3 3,5 3,8 4,0 Largura da vala = 1,0m 0,0 3,00 3,25 Largura da 3,50 vala = 1,0m 3,75 4,00 (a) Tensões verticais (b) Esforços verticais Figura 8. Distribuição de Tensões e Esforços Verticais na Vala Como esperado, a mobilização da resistência ao cisalhamento ao longo das paredes da trincheira acarreta em menores valores de esforços transmitidos ao ducto, se comparados com a ação integral do peso próprio do solo no interior da vala. A consideração de elemento curvo (Teoria de Engesser) acarreta nas menores estimativas de esforços. Quando relação entre a altura de reaterro (H) e a largura da vala (b) é superior a unidade, o acrescimo de esforço no ducto mostra uma taxa de crescimento desprezivel; isto é, os acrescimos de tensão vertical causados pelo aumento no embutimento são integralmente absorvidos pelas tensões cisalhantes mobilizadas nas laterais da vala. Este tipo de comportamento difere da teoria de Marston, ja que esta prevê crescimento do esforço transmitido ao ducto proporcional à espessura do retroaterro. Os resultados previstos numericamente situaram-se entre os valores calculados pelas teorias clássicas de arqueamento, indicando que as hipóteses simplificadoras da teoria de Marston acarretam numa super-estimativa da carga atuante no ducto. 6 CONCLUSÕES O presente trabalho procurou investigar aspectos relacionados ao comportamento mecânico de dutos enterrados, a partir da comparação da estimativa da carga vertical transmitida ao ducto. Os esforços foram calculados a partir de proposições analíticas e análises numéricas. Foram analisada configurações de projeto em que um ducto de concreto de 40cm de diâmetro era posicionado no interior de vala de 1m de largura e submetido a espessuras de retro aterro de 0,3 a 1,5m. 11

Esforços no Duto (kn/m) 35.0 30.0 25.0 20.0 15.0 10.0 5.0 Marston/Janssen SIGMA/W Peso próprio Engesser 0.0 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 H/b Figura 9. Previsão de esforços transmitidos ao ducto (b=1m) A teoria de Marston, bastante difundida na pratica geotécnica, mostrou-se a mais conservadora, para fins de dimensionamento do ducto. Os resultados aqui apresentados mostraram que a interação solo-duto é complexa e que formas simplificadas de previsão de esforços transmitidos ao ducto acarretam numa sobre estimativa desses valores. REFERENCIAS [1] Marston, A. (1930) The Theory Externial Loads on Closed Conduite in the Light of the Lastest Experiments. Iowa Engineering Experimental Station. Ames, Bulletin 96, 36 p. [2] Janssen, H.A (1895) Bersuche uber Getreidedruch in Silazellen. Z.D.Vereins Deustscher Ingeniere. V.39, p. 1045 [3] Engesser, F (1982) Ueber den Erdduck gegen innere Stutzwande (Tunnelwande). Deustsche Bauzeitung, n 16, p. 91-93. [4] Young,O.C & Trott, J.J (1984). Buried Rigid Pipes - Structural Design of Pipelines. London, Elsevier Applied Science. Publishers. [5] Allgood, J.R & Takahashi,S.K (1972) Balanced Design and Finite Element Analysis of Culverts. Highway Research Board, HRR 413, p 45-55. [6] Gumbel, J.E, O`Reilly,M.P, Lake,L.M, & Carder, D.R (1982). The Envelopment of a New Design Method for Buried Flexible Pipes. Proceedings Europipe Conference, Bastle, paper 8. p 87-98. 12

[7] Tchebotarioff, G. P. Fundações Estruturas de Arrimo e Obras de Terra. 1978. Ed Mc Graw-Hill do Brasil [8] Silveira, K. D. Análise Paramétrica do Comportamento de Condutos Enterrados Flexíveis e de Grande Diâmetro. 2001. 110f. Dissertação de Mestrado. Escola de Engenharia de São Carlos. Universidade de São Paulo, São Carlos [9] Spangler, M.G. Underground Conduits: An Appraisal of Modern Research. Transactions ASCE. p.316-374. 1948 [10] Ferreira, A. M, Gersovich, D.M.S & Sieira, A.C.C.F. Análise Numérica do Comportamento Mecânico de Dutos Enterrados. 2º Simpósio de Jovens Engenheiros Geotécnicos GEO-JOVEM, Nova Friburgo, Rio de Janeiro. 2006. [11] GEO-SLOPE International Ltd, Sigma/W for finite element stress and deformation analysis User s Guide. 2002. version 05. Calgary, Canadá. [12] Iglesia, G.R, Einstein, HJ.H, Whitman, R.V (1999). Determination of Vertical Loading on Underground Structures Based on Arching Evoluctino Concept. Geotechincal Special Publication nº 90. p 495-506. 13