«A Renamo não vai participar...» *

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Transcrição:

Henri VALOT, Lusotopie 1998, p. 39-43 «A Renamo não vai participar...» * Entrevista de Afonso M. Dhlakama, 15 de Maio de 1998 As eleições autárquicas... Henri Valot A Renamo mantêm a sua posição para as próximas eleições autárquicas? Afonso Dhlakama A Sim, a Renamo não vai participar nas próximas eleições do dia 30 de Junho. E a Renamo não está isolada nesta posição, porque são 18 partidos da oposição que não vão para as eleições. E esta posição permanecerá, na falta de uma real mudança de atitude do governo moçambicano. As condições legítimas necessárias para garantir a participação da oposição nas eleições são as seguintes : a transformação radical do STAE (Secretariado técnico para a Administração eleitoral) ; a refundação do pacote autárquico ; a redefinição das capacidades e das competências da CNE (Comissão nacional de Eleições), com a instalação de sedes provinciais ; a realização de um novo recenseamento eleitoral nos 33 círculos eleitorais, para poder basear-se sobre os verdadeiros eleitores residentes nos futuros municípios. Sabemos que a aceitação destas exigências implica um adiamento das eleições ; a Renamo está a favor de eleições autárquicas, este ano, em Outubro 1998. H.V. Mas a CNE e o STAE cumpriuram agora, em Março, um plano de correcções dos erros materiais do recenseamento eleitoral nos círculos eleitorais. Afonso Dhlakama Sim, mas este plano não é suficiente. O problema não é este. O problema é que houve fraude eleitoral, e não erros, como o STAE afirma. Por exemplo, centenas de pessoas de Macia, no Bilene, foram * Note de la rédaction : Henri Valot, membre de l Association des chercheurs de la revue Lusotopie, et dont nous avons publié déjà deux articles (cf. Lusotopie 1995), a recueilli cette entrevue du chef de l ancienne rébellion armée longtemps soutenue par l Afrique du Sud. Elle nous a semblé intéressante pour illustrer le contexte des élections locales au Mozambique et les difficultés de stabilisation d une opposition civile. Il va sans dire que Lusotopie, en tant que revue, n émet aucun jugement sur les points de vue de ce dirigeant politique mozambicain.

40 Henri VALOT trazidas por Grupos Dinamizadores para serem registradas em Xai-Xai. As provas destas fraudes foram devidamente apresentadas à CNE, ao STAE e a União europeia. H.V. Qual foi a resposta da CNE? Afonso Dhlakama Nos sabemos todos que a CNE é uma comissão eleitoral da Frelimo. Por isso, os nossos três membros saíram da CNE em Janeiro de 1998. Para que a CNE seja realmente uma comissão eleitoral independente, a Renamo pede uma redefinição das capacidades da CNE, por meio de : uma extensão da CNE nas províncias ; um controle efectivo das actividades de um STAE permanente e independente, porque o STAE é hoje dominado pelo Ministério da Administração Estatal. H.V. Mas a lei prevê que o STAE se subordine exclusivamente a CNE durante os períodos eleitorais. Afonso Dhlakama Sabemos que não... O STAE é político : os seus funcionários são estatais e todos membros da Frelimo. Isto é África, não estamos na Europa, com um Estado que seria imparcial. O nosso Estado é essencialmente parcial, frelimista. Por isso, a Renamo fez a proposta de integração no STAE de técnicos dos partidos da oposição para equilibrar as forças. Esta integração seria uma primeira forma de participação, que garantiria a participação dos partidos políticos neste processo eleitoral. H.V. E a presença no STAE do Sr. Rasul, Director-adjunto, que é membro conhecido da Renamo? Afonso Dhlakama Esta presença não pode ser em si suficiente... E o Sr. Rasul não é membro, é só um simpatizante da Renamo, que não tem o poder de equilibrar as tendências profundas do STAE. O Sr. Rasul não deve ser considerado perigoso para a Frelimo, porque sabemos que a Frelimo exclui os reais membros da Renamo do aparelho de Estado. De novo, a Renamo està muita interessada nas autarquias porque a Renamo sabe que pode e que vai ganhar em numerosos municípios. Mas, a Renamo não pode deixar passar este problema do STAE, porque será o mesmo STAE, parcial e dependente da Frelimo, que administrará as eleições de 1999. H.V. A campanha da Renamo está a atingir os seus objectivos? Afonso Dhlakama Claro, ouvimos aqui e ali uma pressão sobre o Governo e a Frelimo, vinda dos diplomatas da Troika europeia, dos americanos, dos líderes religiosos e dos intelectuais. Devemos dizer que os americanos ouviram as razões legítimas da oposição. Para a União europeia, a situação é mais complexa : a UE têm uma grande responsabilidade em Moçambique, porque fornece 65% do Orçamento Geral do Estado. Mas, a União europeia vai legitimar publicamente as nossas razões e alcançaremos um consenso em breve. Quero também afirmar que estas exigências não são novas. A bancada da Renamo salientou na altura as insuficiências da lei eleitoral e da lei do

Entrevista de Afonso M. Dhlakama 41 recenseamento. Tendo em vista a incompetência e a fraude desempenhadas pelo STAE, devemos agora exigir também um novo recenseamento eleitoral. A única saída para a situação actual é que a Assembleia da República convoque uma sessão extraordinária para estudar os problemas autárquicos. A Assembleia da República deverá então fixar uma nova data para as primeiras eleições autárquicas. H.V. E se a Frelimo for sozinha? Afonso Dhlakama Se a Frelimo decidir ir sozinha para as eleições autárquicas, isto resultará numa perda total de confiança do povo no executivo, como acontece agora na Indonésia. A oposição vai protestar, por meios democráticos e pacíficos. O importante para nós será explicar aos membros da Renamo a nossa posição de boicot. H.V. Contudo, o STAE de Tete e Moatize registaram oficialmente candidatos da Renamo. Afonso Dhlakama Sim, devo dizer que nós temos problemas de comunicação com as províncias, desde que a Frelimo retirou o nosso material de comunicação. Mas agora, Moatize sabe que não estamos a concorrer. H.V. A Renamo não teme que esta posição desoriente o seu eleitorado? Afonso Dhlakama Não, mas precisamos explicar e educar o eleitorado. Não vamos dizer ao nosso eleitorado para não ir votar. O nosso boicot de partido político não significa que o nosso eleitorado não pode ou não deve participar como eleitor. H.V. A Renamo indicará possíveis outros candidatos, independentes por exemplo, como o Francisco Masquil** na Beira? Afonso Dhlakama Não, mesmo sendo o Masquil uma pessoa coerente, estas eleições não serão nem livres nem justas e os independentes não terão voz. Não existe candidatura independente em África e isto levará anos e anos, antes de realizar-se... Sabemos que muitos são fabricados pela Frelimo. Fora disto, um candidato não é só um técnico ou um administrador, ele precisa de um apoio popular e de um partido. H.V. Qual é a relação, hoje, da Renamo com os «pequenos partidos»? Afonso Dhlakama Devemos lembrar a reunião de Xai-Xai, em 1994, a pedido dos pequenos partidos. O objectivo era de promover um único candidato, para evitar a dispersão dos votos. Mas estávamos numa fase emergente do multipartidarismo, e esta reunião foi um fracasso. Em troca da qual, 13% dos votos forma dispersados, perdidos nas eleições gerais. Se a Renamo tivesse beneficiado destes votos, a Renamo teria a maioria absoluta na AR e todos os pequenos partidos poderiam ter ganho com isso. ** Ndlr : Francisco Masquil, longtemps dirigeant important du Frelimo, s est démis de ce parti pour se présenter comme «indépendant» dans la ville de Beira, politiquement gagnée à la Renamo mais, non soutenu par cette dernière appelant au boycott, il a finalement été battu dans un contexte de très fort abstentionnisme.

42 Henri VALOT A situação de hoje é diferente : há uma consciência da possível dispersão dos votos, há um grande trabalho político da Renamo e 17 partidos juntaram-se às queixas legítimas da Renamo. Isto é também o resultado da atitude arrogante da Frelimo. Por quê estes «pequenos partidos» se juntaram à Renamo? E quem são estes «pequenos partidos»? Em geral, os estatutos destes partidos são similares e eles têm o mesmo discurso democrático. O que é claro, é que eles não são de esquerda, mas muito mais de centro-direita. A vida política moçambicana é dominada por dois partidos grandes : a Renamo, que nasceu em 1977, com as suas raízes, a sua cultura política própria uma luta pela democracia, uma amizade com líderes tradicionais e religiosos e uma implantação eficiente pela guerra em Moçambique ; e a Frelimo, que é marxista. Contudo, eu penso que os «pequenos partidos» são necessários e fundamentais, por exemplo, para as Autarquias. Eles exercem uma forte pressão política. H.V. Existe nestes «pequenos partidos» uma «terceira força»? Um deles poderia, no futuro, ocupar mais espaço político? E o caso do PIMO, por exemplo, com esta ambiguidade religiosa e com o apoio do eleitorado muçulmano? Afonso Dhlakama Duvido da realidade de uma «terceira força», porque não há liderança e a posição extra-parlementar não é suficiente para ter uma forte presença política. Quanto ao PIMO, não é o islão que fará do PIMO um grande partido, por três razões : o Estado moçambicano é laico, o povo moçambicano não se distingue pela confissão religiosa e os muçulmanos de Nampula, por exemplo, apoiam a Renamo. Moçambique em 1998 H.V. Como o Sr. analisa o Moçambique de hoje? Afonso Dhlakama Todos nós concordamos que as imagens do Moçambique de hoje, com o fim da guerra, são diferentes das de antes. As pessoas e os bens circulam, há um real desenvolvimento económico, com investimentos estrangeiros : os Sul-Africanos na terra, os portugueses nos bancos. Mas não é o Chissano que traz esta confiança, é o comportamento de Dhlakama que diz e repete «a guerra acabou», que aceita perder as eleições e que traz assim uma imagem de tranquilidade. Se eu fosse como o Savimbi, não haveria ninguém a investir no país... Contudo, há grandes problemas que não podem ser escondidos. O declarado desenvolvimento é exagerado, os índices e os números são falsos. O controle da inflação é real, mas isto não tem efeito nas condições de vida da população. O Banco Mundial realça o sucesso das privatizações, mas quem compra as empresas por meio de «joint-ventures»? São os ministros, a Frelimo. O poder económico emergente em Moçambique está nas mãos dos altos funcionários do Estado. A Frelimo está a comprar o país. A economia está nas mãos da Frelimo e os empresários nacionais são satélites da Frelimo. Por isso, não há empresários independentes, que poderiam apoiar a oposição.

Entrevista de Afonso M. Dhlakama 43 A Renamo hoje H.V. Qual é a situação financeira da Renamo, hoje? Afonso Dhlakama Porque a Frelimo não deixa o empresariado nacional apoiar uma outra força política, a Renamo não tem base económica real em Moçambique. Isto é uma das estratégias políticas da Frelimo : eliminar economicamente a oposição. E a Renamo não pode continuar a depender dos fundos de fora. Hoje, a Renamo não tem dinheiro e sobrevive da percentagem atribuída à bancada da Assembleia da República. Além disto, a Renamo ainda tem dívidas de 1994, porque a comunidade internacional não cumpriu os seus compromissos. H.V. Como evoluiu a Renamo entre 1994 e 1998? Afonso Dhlakama A Renamo cresceu muito e a imagem da Renamo mudou em Moçambique. A Renamo enfrenta vários problemas, mas ganhou muitos novos membros nas cidades : novos membros formados, licenciados que não conheciam a Renamo em 1993-94 e que agora apoiam o nosso partido. Assim, contra o que foi dito recentemente, a Renamo não tem problema de candidatos para as autarquias ; temos candidatos e listas para todos os municípios. E claro que esta crise actual trouxe uma legitimidade e uma unidade inéditas da oposição política em Moçambique. Beneficiamos de um real apoio das camadas populares e podemos agora apresentar candidatos únicos em nome da oposição. Com a nossa rede nacional, poderíamos fazer cair este governo, como aconteceu na Indonésia, por exemplo. Devo dizer que estou agora aborrecido : a Renamo não assinou o Acordo Geral de Paz para ser acomodada em Maputo. Eu tenho 46 anos, possuo um programa político e capacidades extraordinárias e sou pai da democracia em Moçambique. E não é suficiente dizer que o Dhlakama mudou. Eu não mudei, sempre fui o mesmo, bom comandante e bom presidente de partido. Ainda existe uma imagem da Renamo, esta imagem de guerrilha violenta difundida tantos anos no exterior. Por isso, a Renamo é a favor da criação de uma Comissão da Verdade, segundo o modelo sul-africano, para que a verdade da guerra em Moçambique seja definitivamente estabelecida. A Renamo transmitiu uma proposta oficial ao governo, no princípio do ano. O Governo não respondeu, este teme as declarações de todos os desmobilizados de guerra do Governo, abandonados, que poderiam começar a lembrar-se das suas actuações durante os anos de guerra.» 15 de Maio de 1998 Henri VALOT Maputo

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