Direito. Universidade Católica de Brasília BRASÍLIA PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO



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Transcrição:

Universidade Católica de Brasília PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito OS LIMITES DO EMPREGADOR NO MONITORAMENTO DO E-MAIL CORPORATIVO Autor (a): Inaiara Silva Torres Orientador (a): Belª. Ana Paula França Orientador (a): Prof.(a) MSc ou Dr. Márcio Almeida BRASÍLIA 2008

INAIARA SILVA TORRES OS LIMITES DO EMPREGADOR NO MONITORAMENTO DO E-MAIL CORPORATIVO Trabalho apresentado ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel. Orientador: Belª. Ana Paula França Brasília 2008

Dedico este trabalho aos meus pais, pelo amor e esforço contínuo; aos meus amigos, pelo apoio, incentivo e companheirismo, e em especial, à minha tia Shirley; por sua confiança, dedicação e carinho sempre presentes. A todos que contribuíram positivamente na superação desta etapa da vida que, com a graça de Deus e muito afinco, está sendo vencida.

AGRADECIMENTOS À Professora Ana Paula França, que com sua dedicação e conhecimento, colaborou significativamente para o desenvolvimento desta monografia. À Professora Fabiane Freitas de Almeida Pinto, que forneceu o estímulo inicial para desenvolver este trabalho.

Para alcançar o conhecimento, acrescente coisas todos os dias. Para alcançar a sabedoria, remova coisas todos os dias. (Lao Tse)

TORRES, Inaiara Silva. Os Limites do Empregador no Monitoramento do E-mail Corporativo. Brasília: Universidade Católica de Brasília, 2008. RESUMO Este trabalho versa sobre os limites do empregador no monitoramento do e-mail fornecido por ele a seus funcionários, ressaltando-se o respeito à intimidade do empregado, que como direito de personalidade, está assegurado tanto no Código Civil (Capítulo II, do Livro I), quanto na Constituição (art. 5º, incisos V e X). Para isto, é feito um paralelo entre o poder de controle do empregador, fundado em seu direito de propriedade, e o princípio da razoabilidade, diante da subordinação do empregado em face do empregador, que está limitado pelo princípio maior da dignidade humana. Atualmente, as questões pertinentes ao tema são analisadas à luz da doutrina e jurisprudência existentes, sendo urgente a regulamentação apropriada (a exemplo do que ocorre no direito comparado), já que as inovações de tecnologia da informação tornaram-se ferramentas imprescindíveis na atividade empresarial, fazendo parte de um quadro irreversível de adoção de instrumentos capazes de proporcionar maior agilidade e produtividade. Palavras-chave: Direito do trabalho. Poder de controle. Direitos da personalidade. Monitoramento do e-mail corporativo.

TORRES, Inaiara Silva. The Employer s Limits in the Tracking of the Corporate E-mail. Brasília: Universidade Católica de Brasília, 2008 ABSTRACT This work versant deals with the employer s limits in the tracking of the email supplied for it to its officials, emphasizing the respect to the employee intimacy, which is assured in the Civil Code by the personality rights (Chapter II, Book I), as well as in the Brazilian Constitution (art. 5º, section V and X). For this, it made a parallel between the employer controlling power, founded in ownership rights and the reasonability principle, ahead of subordination of the employee in face of the employer, which is limited by the highest principle of human dignity. Currently, the relevant issues to the subject is reviewed in the light of existing case law and doctrine, and the urgent appropriate regulation (similar to what occurs in comparative law), since the innovational of information technology have become indispensable tools in business activity, part of an irreversible framework of adoption of instruments capable of providing greater agility and productivity. Keywords: Work law. Controlling power. Personality rights. Tracking of corporate e-mail.

SUMÁRIO Introdução...09 Capítulo I 1. Poder diretivo...11 1.1 Conceito, fundamentação legal e doutrinária...11 1.2 Natureza jurídica...12 1.3 Formas de manifestação...14 1.4 Limitações...17 1.5. Subordinação...18 1.5.1 Conceito e características...18 2. Direito de Propriedade...21 2.1 Conceito, fundamentação legal e função social...21 3. Direitos de Personalidade...24 Capítulo II 4. Colisão de direitos...28 4.1 Propriedade versus intimidade e privacidade...30 5. Correio eletrônico corporativo...34 5.1 Conceito e funcionamento...34 6. O monitoramento do e-mail...36 6.1 Aspectos gerais...36 6.2 Sigilo de comunicação...38 6.3 Razoabilidade no monitoramento...44 7. Regulamentação...51 7.1 Auto-Regulamentação privada...53 Capítulo III 8. Jurisprudência...57 9. Direito comparado...64 Conclusão...68 Referências...70 Anexos...73

9 INTRODUÇÃO O poder diretivo do empregador consiste na faculdade deste de dirigir pessoalmente a prestação de serviços dos seus empregados, e encontra-se fundamentado legalmente no artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho. Este poder manifesta-se em três dimensões: o poder de organização, o poder disciplinar e o poder de controle. No entanto, o poder diretivo é limitado pelos direitos de personalidade do trabalhador, quais sejam: o direito à intimidade, à privacidade e à liberdade. Portanto, a subordinação do empregado ao comando do empregador é restrita aos limites do princípio da dignidade humana, delineados pelos direitos de personalidade. A partir do momento em que o empregador oferece a seus funcionários um correio eletrônico para fim de execução da atividade laboral, e exerce atividades de monitoramento sobre ele, coloca em embate os princípios constitucionais da nãoviolação à intimidade e da vida privada dos cidadãos e o direito à propriedade, também assegurado constitucionalmente, integrante do rol das liberdades públicas. O objetivo deste estudo é identificar os limites do poder diretivo no monitoramento do correio eletrônico corporativo. Até que ponto pode o empregador exercer esse monitoramento sem violar o direito à privacidade de seu empregado? Decisão recente do Tribunal Superior do Trabalho, do Excelentíssimo Ministro João Oreste Dalazen, em junho de 2005, considerou lícita a justa causa empregatícia baseada em divulgação de material pornográfico feita por empregado, utilizando-se do correio eletrônico de uma instituição bancária. Assim, nasceu a instigação de saber até que ponto tal situação está amparada legalmente, diante dos princípios da inviolabilidade, proporcionalidade, liberdade e personalidade, além dos direitos à privacidade, intimidade e sigilo de correspondência, contrapondo-se aos da propriedade e imagem, aliados às responsabilidades civil e penal, à confiança, à ética, à moral, aos bons costumes e aos critérios da idoneidade e necessidade. O avanço tecnológico do qual participamos é irrefreável, e situações conflitantes no sentido desse estudo são e serão cada vez mais constantes, exigindo um posicionamento jurídico do Estado, detentor que é do monopólio jurisdicional.

10 Não existe, ainda, regulamentação específica sobre o assunto na legislação pátria, sendo sua ocorrência analisada sob a luz da doutrina e jurisprudência existente. Em algumas nações, como no Reino Unido considerado o país que mais evoluiu nesta área, já existem formas legais de intervenção do correio eletrônico. É nítida a necessidade no Brasil de um disciplinamento da matéria a fim de dirimir as dúvidas acerca da correta utilização do e-mail corporativo pelo empregado e do possível monitoramento desta ferramenta de trabalho pelo empregador. Para desenvolvimento do tema, parte-se de uma breve explicação sobre o que é o poder diretivo, sua fundamentação legal e doutrinária, natureza jurídica, bem como suas formas de manifestação e limitação, chegando-se ao contraponto do poder diretivo: a subordinação. Logo após, descrevem-se os direitos de propriedade e personalidade. A seguir, identifica-se a colisão de direitos gerada por essas duas vertentes, bem como as condutas do empregador no controle do e-mail corporativo, de acordo com o princípio da razoabilidade. Por derradeiro, há uma explanação quanto ao posicionamento do direito comparado, com o apontamento de alguns julgados, e possíveis soluções para o impasse. Para esta análise, utilizar-se-á do procedimento racional do método dedutivo, e a partir da questão do monitoramento do correio eletrônico, aliado à experiência (casos concretos, precedentes), comprovar-se-ão as hipóteses e chegar-se-ão às conclusões gerais. Como método específico, é adotado o método observacional: buscar-se-á a comprovação ou não das hipóteses para chegar às conclusões sem que haja nenhuma interferência de variável.

11 CAPÍTULO 1 1. PODER DIRETIVO 1.1 Conceito, fundamentação legal e doutrinária Inicialmente, o poder diretivo pode ser entendido como uma das ramificações do conceito de poder, considerado lato sensu. No entanto, tendo em vista o caráter não-soberano deste poder, que é derivado e limitado pela ordem estatal, tem-se o poder diretivo como a faculdade deste de dirigir pessoalmente as atividades de seus empregados. O poder diretivo do empregador consiste na sua prerrogativa de gerir, de administrar a prestação de serviços a qual remunera. Pode também ser chamado de poder de direção ou poder de comando. Octavio Bueno Magano conceitua: poder diretivo do empresário é a capacidade, oriunda do seu direito subjetivo, ou então da organização empresarial, para determinar a estrutura técnica e econômica da empresa e dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador, visando a realização das finalidades daquela. 1 Na mesma linha de raciocínio, Amauri Mascaro Nascimento descreve o poder diretivo: (...) a faculdade atribuída ao empregador de determinar o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, deve ser exercida. 2 Fundamenta-se no artigo 2º, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, em sua parte final: Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. 3 [grifo nosso] Quanto à fundamentação doutrinária do poder diretivo, existem três importantes teorias para explicá-lo: a) a teoria contratualista, segundo a qual o contrato vincula as partes, formalizando a relação laboral, nascendo através dele a subordinação jurídica do 1 MAGANO, Octavio B. Do poder diretivo na empresa. Saraiva, 1982. 2 NASCIMENTO, Amauri M. Iniciação ao direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2000.

12 empregado em relação ao poder diretivo do empregador. Esta teoria indica a procedência do poder (contrato); b) a teoria da instituição, segundo a qual a própria instituição, por meio de sua estrutura hierárquica, impõe naturalmente seu poder de comando aos seus subordinados. Esta teoria identifica um dos motivos justificadores do poder (necessidade); c) a teoria da propriedade privada, que afirma que o poder diretivo emana de quem tiver a propriedade da empresa, seu efetivo dono. Esta teoria revela o exercente do poder (detentor dos meios de produção). As três teorias são passíveis de críticas, e a despeito de comentários no sentido de que a teoria contratualista reconhece o poder diretivo apenas pelo seu aspecto formal, e oferece uma pequena margem de negociação das cláusulas contratuais, esta é a doutrina que se destaca, por ser a forma rotineiramente utilizada no Ocidente para o exercício do trabalho. O juízo crítico em relação à teoria da instituição se faz por acreditar que ela só justifica uma determinada situação de poder, mas deixa de explicá-la, ignorando a existência da liberdade, inerente a toda relação de emprego. Quanto à teoria da propriedade privada, Magano adverte para a existência, bastante freqüente nos dias de hoje, de empresas onde a propriedade está dissociada do controle (em algumas nem sequer é possível identificar claramente a pessoa do dono ), de modo que, para esse autor, o real fundamento do poder diretivo não está na propriedade, mas no controle. 4 O mais sensato no direito do trabalho é que prevaleça o princípio da despersonalização do empregador, tendo em vista, por exemplo, as sociedades anônimas. A própria terminologia indica não ser possível identificar seus proprietários, portanto, não há se falar em controle associado à propriedade para justificar o poder de comando. 1.2 Natureza jurídica Há controvérsias na doutrina no sentido de considerar o poder diretivo como direito potestativo ou como direito-função. 3 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. 35. ed. São Paulo: LTr, 2008. 4 SIMÓN, Sandra Lia. A proteção constitucional da intimidade e da vida privada do empregado. São Paulo: LTr, 2000.

13 A doutrina majoritária adota o entendimento de que o poder de comando é um direito potestativo, de modo que seu exercício é insopitável, irreprimível, porque lhe atribui a capacidade de intervir a qualquer momento sobre a relação jurídica existente. O direito potestativo gera sujeição, traduzindo-se na impotência do sujeito passivo em obstaculizar os efeitos desejados pelo sujeito ativo. Este pensamento prevaleceu no século XIX, exercendo influência até meados do século XX. Sabe-se que se trata de idéia inaplicável à realidade, visto que o tempo trouxe várias restrições a esse poder, além do próprio contrato de trabalho que lhe impõe certas limitações. A corrente que o considera um direito-função, o faz por acreditar estar diante de um direito que gera obrigações a seu titular, já que através dele tutela interesse alheio. Esta tendência é a que possui maiores chances de prosperar, já que considera que o exercício desse direito deve ser pautado, também, nos interesses dos trabalhadores, e não somente nos do empregador. Nesse sentido, posiciona-se a doutrina, representada por Sandra Lia Simón: Isso não quer dizer que este poder ficará reduzido, mas continua válido o falto de que ele é oriundo de um direito potestativo, pois o empregador comanda e o trabalhador obedece. Contudo, a prerrogativa de mando não se deve prestar a atender apenas aos interesses exclusivos do patrão, mas sim da empresa, como integrante de uma sociedade capitalista de massas, imprescindível para o funcionamento do sistema e, conseqüentemente, para que os trabalhadores possam exercer, ainda que formalmente, a liberdade inerente à relação de emprego. 5 Octavio Bueno Magano acrescenta: o direito-função é o poder atribuído ao sujeito de direito não para a tutela do seu próprio interesse, mas sim de um interesse alheio, quase sempre superior. 6 Destarte, opta-se pelo posicionamento de que o poder diretivo fixa-se como um direito-função, já que se amolda aos ditames da atual sociedade, preocupada com o atendimento da função social dos contratos, e assim, sendo limitado pelos anseios da coletividade expressos em lei e pelo próprio contrato de trabalho. Nas palavras de Magano, [...] o poder diretivo, ao invés de se conceber como direito potestativo, toma a feição de direito-função, orientado à satisfação do interesse de empresa. [...] quando se fala em interesse de empresa, tem-se em vista a síntese de todos os interesses que atuam no âmbito da empresa, o do empresário, os 5 SIMÓN, Sandra Lia. A proteção constitucional da intimidade e da vida privada do empregado. São Paulo: LTr, 2000,p. 106. 6 MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo da empresa. Saraiva, 1982, p. 27.

14 dos trabalhadores e o do Estado. Pela realização desse interesse é que se deve pautar o poder diretivo. Quando dele se desvia, torna-se abusivo. 7 1.3 Formas de manifestação Não obstante as diversas classificações quanto às espécies de poder diretivo, adota-se neste estudo a de Amauri Mascaro Nascimento, segundo a qual o poder de comando manifesta-se de três formas: através do poder organizacional, do poder disciplinar e do poder de controle. O poder organizacional parte do princípio que ordenar é ato inerente ao empregador. É a prerrogativa maior, objetivando a direção e administração do empreendimento, que possibilita, por exemplo, a determinação da área de atuação (agrícola, comercial, industrial, de serviços, etc.), a edição de normas internas, a criação de cargos e funções, a determinação da estrutura jurídica (mediante sociedade limitada, por ações, etc.), e a regulamentação do trabalho, através da elaboração do regulamento de empresa. De acordo com a doutrina, este poder decorre, inclusive, do direito de propriedade do empregador. Conforme observado anteriormente, o poder de comando sofre limitações, e especificamente o poder organizacional não tem caráter absoluto diante da lei, convenções coletivas e sentenças normativas que possam vir restringi-lo, porquanto ver-se-á adiante, o direito de propriedade torna-se um ônus a partir do momento em que só abriga aquela que atende à sua função social. E faz parte da função social da empresa desempenhar suas atividades promovendo o bem-estar da sociedade, além de cumprir suas finalidades econômicas. A título de exemplo, aponta-se a legislação trabalhista, que coloca limites ao poder organizacional do empregador (com alguns casos de ius variandi, envolvendo função, salário e local da prestação de serviços) através do artigo 468 da CLT, que assim dispõe: Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. 8 7 MAGANO, op. cit., p. 32. 8 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. 35. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 75.

15 É notória a preocupação do legislador em proteger a parte hipossuficiente da relação capital versus trabalho, cingindo o poder de direção do empregador para possibilitar ao empregado a oportunidade de se opor às modificações que lhe causem prejuízos ou sejam ilegais, através do denominado ius resistentiae, pleiteando a rescisão indireta do contrato de trabalho, conforme disposto no artigo 483 da CLT, in verbis: Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; c) correr perigo manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato; e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários. 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço. 2º - No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho. 3º - Nas hipóteses das letras "d" e "g", poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo. 9 O poder disciplinar é o direito que possui o empregador de aplicar sanções aos seus empregados quando estes não desempenharem suas atividades de maneira satisfatória. A CLT instrumentaliza o poder disciplinar em seu artigo 474, quando trata da penalidade denominada suspensão, in verbis: A suspensão do empregado por mais de 30 (trinta) dias consecutivos importa na rescisão injusta do contrato de trabalho. 10 Assim, vale dizer que não sendo superior a trinta dias, a suspensão caracteriza-se como sanção disciplinar. Excedendo este limite, configura-se a despedida sem justa causa. 9 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. 35. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 77. 10 BRASIL, op. cit., p. 76.

16 A suspensão é a cessação provisória, de forma total, das atividades laborais, imposta pelo empregador, que afasta o trabalhador temporariamente, diante de fato reprovável imputado a este, com a conseqüente perda dos direitos trabalhistas inerentes ao exercício, durante o prazo respectivo. Existe, também, a modalidade de sanção chamada advertência (o aviso, a censura), que não possui previsão legal, mas tem, em nosso direito, admissibilidade pacífica. A forma punitiva denominada multa é uma sanção pecuniária, que se dá através de desconto em folha da remuneração do trabalhador, e deve ser aplicada ao atleta profissional, no âmbito das normas desportivas, e também quando sua incidência estiver prevista em convenção coletiva de trabalho, conforme disposto no 1º do artigo 462 da CLT: Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositvos de lei ou de contrato coletivo. 1º - Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde de que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado. 11 A quarta forma de sanção disciplinar recepcionada pelo direito pátrio é a despedida, que consiste na manifestação de vontade unilateral do empregador no sentido de cessar o pacto laboral, seja imediatamente, seja após o cumprimento de um determinado período. Contudo, divergências existem sobre o caráter disciplinar ou não da despedida. Alguns autores afirmam não se tratar de medida sancionatória, outros a classificam como a pena máxima aplicável ao empregado. Acredita-se que deve ser feita uma análise da motivação da despedida para que se possa apontar seu caráter: se ela for baseada em falta grave do empregado, enquadra-se como sanção disciplinar; se fundar-se em inadimplemento de condições pactuadas (por exemplo, a resolução de contrato levada a cabo pelo empregado em virtude de falta do empregador), refletem apenas a atuação da cláusula resolutória, inerente a todo contrato. As penalidades disciplinares estão sujeitas ao controle da Justiça do Trabalho. O trabalhador apenado tem o direito de ação para obter provimento jurisdicional no sentido da análise da adequação ou não da penalidade. 11 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. 35. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 74.

17 O poder de controle é a prerrogativa de fiscalizar, de supervisionar os empregados a fim de constatar a adequada realização das atividades laborais. A marcação da folha de ponto é forma de realização do poder de controle, de modo a verificar o exato horário de horário de trabalho do obreiro. É exatamente nessa espécie do poder diretivo que se evidencia o direito à intimidade do empregado, como direito da personalidade. Conforme Sérgio Pinto Martins, (2005, p. 227): Poderá o empregador monitorar a atividade do empregado no computador. Isso de certa forma já é feito, como no controle de produção por toques no teclado; verificação de entrada e saída de dados por registros feitos pelo próprio computador, que inclusive indicam horário; da Intranet etc. Conclui-se que o poder de direção, por excelência, é o chamado poder organizacional, e suas duas outras formas de manifestação são apenas meios de torná-lo efetivo. 1.4 Limitações Em termos gerais, a doutrina adota diversos critérios na identificação dos limites do poder diretivo. Alguns autores falam em limites extensivos (diz respeito à amplitude da qualificação profissional do empregado, que não pode ser ultrapassada) e intensivos (corresponde à natureza da qualificação, na qual empregados mais qualificados sofrem menos os efeitos do poder diretivo); outros, em limites externos (estabelecidos pela lei, convenções coletivas e pelo próprio contrato de trabalho) e internos (o sentido da atuação do empregador ao manifestar seu poder diretivo é atender aos interesses da empresa, e não aos seus, particularmente considerando); outros ainda em autolimitações (quando o próprio empregador delimita o exercício de seu poder diretivo, através do regulamento de empresa, por exemplo) e heterolimitações (limitações criadas por lei, convenções coletivas, ou pela atuação de órgãos representativos dos trabalhadores, no âmbito da empresa); outros mais em limites derivados dos princípios da especialização, da subordinação e do respeito aos direitos individuais (significa dizer que a empresa só goza de poderes na medida em que estes sejam necessários à realização de seus objetivos; que a empresa é autônoma, mas subordinada ao Estado; e que o poder diretivo do empregador não pode ferir os direitos individuais

18 do trabalhador, tais como o da liberdade física, o da liberdade de consciência, os derivados do status civitatis e do status familiae); finalmente há os que aludem a limites impostos pela finalidade do poder de dirigir (o poder diretivo deve ser orientado à realização de determinados valores da empresa, e não entendido como mera prerrogativa do empregador); pela proibição de discriminar (é vedado estabelecer quaisquer formas de discriminação no exercício do poder diretivo); pela competência ratione materiae (o exercício do poder de comando restringe-se às questões atinentes ao trabalho); pela competência em razão do lugar e do tempo (o poder de direção é realizado dentro do local em que se encontra o empregado e enquanto dura a jornada de trabalho); e pelo interesse (toda ação da empresa efetivando seu poder diretivo deve balizar-se pelos seus interesses, e ações que fujam a essa regra caracterizam abuso de direito). Importante salientar que: todos os direitos integrantes do rol das liberdades públicas, garantidas pela Magna Carta, servem de limitação ao poder diretivo. Destacam-se aqui os direitos que protegem a personalidade do trabalhador, vistos mais adiante, em tópico específico. 1.5 Subordinação 1.5.1 Conceito e características Em contraposição ao poder diretivo do empregador, apresenta-se a subordinação, sobre a qual Mauricio Godinho Delgado observa: compreende a situação jurídica derivada do contrato de trabalho mediante o qual o empregado se obrigaria a acolher a direção do empregador no modo de realização da prestação de serviços. Desse modo, a subordinação seria o pólo reflexo e combinado, na relação de emprego, do poder de direção empresarial, também de matriz jurídica. [...] A subordinação não gera um estado de sujeição pessoal (prisma subjetivo) do prestador de serviços. Embora esse estado de sujeição possa surgir em exemplos (não são poucos, é verdade) da prática intra-empresarial concreta, ele não é da natureza (da substância) da relação jurídica assalariada. 12 Antes de quaisquer observações, faz-se necessário o conceito de empregado, constante no artigo 3º da CLT: 12 SIMÓN, 2000, p. 108.

19 Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. 13 Nos dois apontamentos supra, fala-se em subordinação jurídica, já que o trabalhador tem a liberdade de prestar seus serviços e, no entanto, aceita submeterse ao poder de comando de outrem. Pedro Paulo Teixeira Manus afirma tratar-se de subordinação hierárquica, definindo-a como a prerrogativa do tomador de serviços de dar ordens ao empregado, de tal modo a ser atribuição sua dizer o que deve o empregado fazer, onde deve o mesmo trabalhar e de que modo deverá desenvolver suas atribuições. 14 Saliente-se que não se deve confundir a subordinação jurídica com a econômica, nem com a subordinação técnica. Isso porque o fator econômico não é determinante em uma relação jurídica, pois nada impede que o trabalhador tenha outras fontes de renda, ou labore pelo simples prazer de prestar seu papel à sociedade; tampouco é necessariamente ínfero, em termos técnicos, a seu empregador, afinal, são várias as situações em que o empregado detém maior conhecimento técnico que aquele. As subordinações econômica e técnica podem ser indícios da existência de um pacto laboral, mas não são seus elementos essenciais. Délio Maranhão e Luiz Inácio B. Carvalho afirmam que a principal característica da subordinação está na atividade do empregado, já que há certa indeterminidade do conteúdo específico de cada prestação e, conseguintemente, o direito do empregador de definir, no curso da relação contratual e dos limites do contrato, a modalidade de atuação concreta do trabalho (faça isto, não faça aquilo; suspenda tal serviço, inicie outro). 15 Por outro lado, Octavio Bueno Magano afirma que a subordinação se traduz antes em dependência necessária do trabalhador aos detentores dos meios de produção, contrapondo-se, pois, ao poder diretivo destes. O contrato não cria, mas apenas limita o referido poder. 16 13 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. 35. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 39. 14 MANUS, Pedro Paulo T. Direito do trabalho. 4 ed. São Paulo: Atlas, 1995, p. 58. 15 MARANHÃO, apud SIMÓN, 2000, p. 109. 16 MAGANO, apud SIMÓN, 2000, p. 109.

20 Observar-se-á que a subordinação jurídica do empregado em relação a seu patrão será fator de peso na análise da legalidade do monitoramento. No entanto, ela não é capaz de retirar do obreiro sua condição de pessoa, envolto no manto constitucional da dignidade humana, através dos direitos de personalidade.

21 2. DIREITO DE PROPRIEDADE 2.1 Conceito, fundamentação legal e função social O direito de propriedade é essencialmente individual, integrante do rol das liberdades públicas, enquadrado como direito civil e significa a liberdade dos cidadãos diante do poderio governamental. De acordo com Sandra Lia Simon, o direito de propriedade é, num primeiro momento, típico direito individual, de primeira geração, assegurado originariamente nas Declarações de Direitos francesa e americana. Juntamente com os direitos à vida, liberdade, igualdade e segurança, é considerado símbolo do Estado liberal e representa a essência da não-intervenção do Estado na esfera privada dos cidadãos. 17 Orlando Gomes apresenta-o como o direito complexo, se bem que unitário, consistindo num feixe de direitos consubstanciados nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto. 18 A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXII, assegura toda e qualquer propriedade, desde a imobiliária até a intelectual. Esse entendimento se sobrepôs a uma interpretação restritiva que criticava a proteção à propriedade de bens incorpóreos, como os direitos autorais, na regulamentação da propriedade literária, artística e científica, da qual Orlando Gomes contribui, afirmando que como um reflexo psicológico da idéia de propriedade [...] poderiam enquadrar-se [...] numa categoria à parte, que [...] denominamos quase-propriedade. 19 O artigo 5º, inciso XXII, in verbis: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXII - é garantido o direito de propriedade. 20 17 Ibid., p. 112. 18 GOMES, apud SIMÓN, 2000, p. 112. 19 GOMES, apud SIMÓN, 2000, p. 113. 20 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2008.

22 É resguardada, ainda, a função social a que a propriedade se destinar, de acordo com o inciso XXIII do mesmo dispositivo: a propriedade atenderá a sua função social. Em outras palavras, o constituinte brasileiro deixou claro que protege a propriedade apenas se esta atender a sua função social. A partir do momento em que essa função social implica em um caráter coletivo, começa-se a perceber que, no mundo contemporâneo, a visão individualista do direito de propriedade já não prevalece, relativizando-se seu conceito e significado. Nasce o conflito do direito de propriedade versus social, que deve ser dirimido através da compatibilização entre os dois, fazendo com que o primeiro venha a ser exercido nos moldes do segundo, ou seja, a propriedade deve ser garantida, realizada, levada a efeito de acordo com os ditames da justiça social. A doutrina majoritária entende que nem toda propriedade deve atender sua função social, pois permanece a concepção da propriedade com caráter individual, a qual é justificada pela proteção do indivíduo e sua família, em relação às necessidades da própria sobrevivência. No entanto, a visão prevalecente neste estudo é a da propriedade com função social, justificada por seus fins, em face de sua inserção em determinada coletividade. A atual proteção constitucional ao direito de propriedade abarca todos os meios de produção pertencentes ao empregador e que se materializam na empresa, no imóvel onde se localiza, nos bens que a compõem, no modo de produção, nas invenções, nas estratégias de atuação no mercado, no produto, dentre outros. Ressalte-se, inclusive, que essa proteção evoluiu paralelamente aos avanços tecnológicos, e alcança computadores, domínios na Internet e servidores. A propriedade, além de direito da pessoa, é também um encargo desta, que fica constitucionalmente obrigada a retribuir, de alguma forma, ao grupo social, um benefício por seu uso e manutenção. A propriedade deve se amoldar aos princípios da atividade econômica traçados na Carta Política de 1988, no seu artigo 170, in verbis: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] III - função social da propriedade.

23 Sob a perspectiva da ordem econômica, essa função pode ser denominada como um direito-função, pois o empregador deve alcançar ainda, interesses diversos do capital, como os dos trabalhadores, da coletividade ou do Estado. Nesse sentido, afirma Ricardo Aronne que a propriedade constitui um direito e um encargo, a propriedade obriga. 21 Conclui-se que a função social é o principal limite imposto à propriedade, e esta é o fundamento do poder diretivo do empresário. 21 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1996.

24 3. DIREITOS DE PERSONALIDADE No vocabulário jurídico de Plácido e Silva, a personalidade é definida como: do latim personalitas, de persona (pessoa), quer, propriamente, significar o conjunto de elementos, que se mostram próprios ou inerentes à pessoa, formando ou constituindo um indivíduo que, em tudo, morfológica, fisiológica e psicologicamente se diferencia de qualquer outro. 22 A personalidade, juridicamente considerada, gerará direitos e obrigações, sendo definida pelo direito positivo. A personalidade funciona como ponto de apoio aos direitos que dela surgem. Nesse sentido, Caio Mario afirma que não constitui esta um direito, de sorte que seria erro dizer-se que o homem tem direito à personalidade. Dela, porém, irradiam-se direitos sendo certa a afirmativa de que a personalidade é o ponto de apoio de todos os direitos e obrigações. Em sentido contrário, Pontes de Miranda admite a personalidade como um direito em si mesmo, não se tratando de direito sobre a pessoa, mas sim em direito que se irradia do fato jurídico da personalidade. 23 Sílvio Romero Beltrão define os direitos de personalidade como categoria especial de direitos subjetivos que, fundados na dignidade da pessoa humana, garantem o gozo e o respeito ao seu próprio ser, em todas as suas manifestações espirituais ou físicas. 24 Aponta, ainda, uma técnica para identificar direitos de personalidade: verificar se houve violação do fundamento ético da dignidade da pessoa humana. 22 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho, 23 ed. Rio de Janeiro: 2003. 23 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Brookseller, 2000. 24 BELTRÃO, Sílvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2005.

25 Os direitos de personalidade são prerrogativas absolutas, inerentes a toda pessoa, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis e de dificultosa estimação pecuniária. São absolutos porque se opõem erga omnes; intransmissíveis, pois é impossível mudar o sujeito originário de um direito de personalidade para outro; são indisponíveis em decorrência da intransmissibilidade; irrenunciáveis, pois são inextinguíveis, inafastáveis; e sua valoração em termos pecuniários é bastante complicada, haja vista os critérios a serem utilizados para tal. Carlos Alberto Bittar os determinam como direitos inatos (originários), absolutos, extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, impenhoráveis, vitalícios, necessários e oponíveis erga omnes. 25 Os jusnaturalistas identificam os direitos de personalidade como supremos direitos do homem, faculdades inerentes a ele e à sua própria natureza, inatos, os quais são impassíveis de limitação positivada, e apenas protegidos pelo Estado. Em outra direção, os positivistas admitem os direitos da personalidade como aqueles que dão consistência e concretização à pessoa, e são base para todos os outros direitos subjetivos, sendo determinados pelo Estado, que lhes reveste de obrigatoriedade e cogência. Resta inferir que, independentemente do enfoque dado à questão naturalista ou positivista, deve-se considerar que o objetivo da teoria dos direitos da personalidade é resguardar a dignidade da pessoa humana. O rol dos direitos de personalidade encontra-se na Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos V e X: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 26 O rol é complementado pelo Código Civil, no capítulo II, do Livro I, através dos artigos 11 a 21: 25 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. 26 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2008.

26 Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau. Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial. Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo. Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome. Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória. Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial. Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome. Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes. Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. 27 Este rol é apenas exemplificativo, não se esgotando em si mesmo, e dentre as garantias nele mencionadas, pode-se citar o direito à vida e à integridade física, o direito à intimidade, à honra, à vida privada, à imagem, ao nome, dentre outros. Pelo fato de o rol não ser exaustivo, ajusta-se que a ofensa a qualquer direito da personalidade, caracterizada pela mácula à dignidade humana, deverá ser coibida, de acordo com o caso concreto. Desta forma, demonstra Gustavo Tepedino: a partir daí, deverá o intérprete romper com a óptica tipificadora seguida pelo Código Civil, ampliando a tutela da pessoa humana não apenas no sentido de admitir uma ampliação de hipóteses de ressarcimento, mas de 27 BRASIL. Novo Código Civil. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

27 maneira muito mais ampla, no intuito de promover a tutela da personalidade mesmo fora do rol de direitos subjetivos previstos pelo legislador codificado. 28 Os direitos de personalidade são também protegidos pelo Código Penal e legislação esparsa, como a Lei de Imprensa, a Lei dos Transplantes, dos Direitos autorais, dentre outras. Desta forma, entende-se que tais direitos são tutelados constitucional, civil e penalmente. A teoria dos direitos da personalidade investiu-se de notória importância quando passou a destacar da pessoa o elemento incorpóreo da dignidade, pois já foi, inclusive, negada pela doutrina, do que Savigny foi expoente, argumentando que não poderia haver direito do homem sobre sua própria pessoa, hipótese em que se justificaria e recepcionaria a figura do suicídio. Entretanto, o reconhecimento desses direitos é atualmente dominante, fazendo parte dos direitos subjetivos. Contudo, persiste a divergência conceitual a respeito do tema, buscando a jurisprudência e doutrina encontrar um conceito capaz de definir os direitos essenciais ao exercício da dignidade da pessoa humana. Entendimento uníssono é no sentido de que qualquer pessoa ameaçada ou lesada em seus direitos de personalidade, pode reclamar indenização pelos danos sofridos, diante do que prescreve o artigo 12 do Código Civil brasileiro Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei e especialmente pelo que lhe assegura a Carta Política, ao prever a dignidade da pessoa humana como fundamento do estado democrático de direito brasileiro. 28 TEPEDINO, Gustavo. Cidadania e os direitos da personalidade. Revista Jurídica Notadez. Porto Alegre: ano 51, n. 305, p. 24-39, mar. 2003.

28 CAPÍTULO 2 4. COLISÃO DE DIREITOS Partindo do fato de que o poder diretivo do empresário é limitado de várias formas, visando à proteção do obreiro, chega-se à compatibilização entre o direito de propriedade e a intimidade/vida privada. Assim, devem-se buscar formas de harmonizar esses direitos, de forma a equilibrar a relação entre capital e trabalho. A colisão de direitos, nas palavras de J. J. Gomes Canotilho, surge quando o exercício de um direito fundamental por parte de seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular, dando ensejo a um autêntico conflito de direitos. 29 Nasce uma colisão de direitos quando um titular tenta efetivar um deles, mas se choca com a efetivação de outro, por parte de outro titular. Para Maria Helena Diniz, conflito entre duas normas, dois princípios, ou entre uma norma e um princípio geral do direito denomina-se antinomia, nascendo daí a necessidade de superação da colisão entre dispositivos ou princípios Tratando-se de antinomia real, os critérios hierárquico, cronológico e da especialidade não são suficientes para a remoção do conflito. Haverá então lacuna, a ser suprida por eqüidade ou por norma derrogatória de uma das normas conflitantes. Quando a antinomia for aparente, o recurso a outras regras e princípios jurídicos basta para resolver o conflito. O confronto ocorre quando o exercício de um direito choca-se diretamente com o exercício de outro direito, envolvendo, portanto, seus titulares; e quando o 29 CANOTILHO, apud SIMÓN, 2000, p. 122.

29 exercício de um direito entra em confronto com um bem jurídico (coletivo ou do Estado) protegido pela Constituição. Quando um dos princípios conflitantes é constitucional e o outro infraconstitucional, prevalecerá o primeiro, em virtude de hierarquia. No entanto, ao se tratarem de dois ou mais princípios constitucionais, tal regra não se aplica, pois conjuntamente às normas promulgadas na Carta Magna, formam um sistema destinado a dar unidade à ordem jurídica, disciplinando as estruturas fundamentais da sociedade e do estado. Para Canotilho, na hipótese de colisão de preceitos constitucionais, não há antinomia, e sim dimensões distintas de concretização, sendo assim inaplicáveis os critérios supra. Para ele, deve-se fazer um juízo de ponderação, também chamado valoração de prevalência. É patente a necessidade de as regras do direito constitucional de conflitos deverem construir-se com base na harmonização de direitos, e, no caso de isso ser necessário, na prevalência (ou relação de prevalência) de um direito ou bem em relação a outro (...). Todavia, uma eventual relação de prevalência só em face das circunstâncias concretas se poderá determinar, pois só nestas condições é legítimo dizer que um direito tem mais peso do que outro (..), ou seja, um direito (...) prefere (...) outro (...) em face das circunstâncias do fato. 30 Surgem então, dois critérios novos para solucionar a controvérsia: o do juízo de ponderação ou valores jurídicos fundamentais, feito aplicando-se simultaneamente e compatibilizando as normas, ainda que seja preciso limitar uma delas; e o da dimensão de peso e importância, consistente no peso relativo dos interesses envolvidos, balanceando interesses e valores, conforme os graus de concretização das normas e as situações específicas. Há que se levar em conta o caso concreto. Para tornar possível o juízo de ponderação, aplica-se a regra da máxima observância e da mínima restrição, de maneira que se estabeleça, durante o exercício concreto dos direitos colidentes, uma relação de conciliação. Edilsom Pereira de Farias, em obra que trata da colisão entre os direitos de personalidade e a liberdade de expressão, afirma que a ponderação para solucionar os conflitos deve ser embasada em três princípios doutrinários: 30 CANOTILHO, apud SIMÓN, 2000, p. 125.

30 a) o princípio da unidade da Constituição, pois os preceitos constantes na Carta Política devem ser interpretados de forma global e sistemática, e não isoladamente; b) o princípio da concordância prática, pois os preceitos constitucionais devem ter aplicabilidade máxima nas situações práticas, obtida pela harmonização que garanta equilíbrio entre os princípios colidentes; c) o princípio da proporcionalidade, pois é necessário que um direito prevaleça sobre outro somente na medida do necessário para solucionar o conflito. 31 Os critérios apresentados objetivam a realização do Direito, afastando contradições e permitindo a valorização de bens jurídicos em conflito, diante de circunstâncias que justifiquem o procedimento. 4.1 Propriedade versus intimidade e privacidade Já se sabe que a propriedade, assegurada constitucionalmente, é a base do poder diretivo, analisado aqui especialmente na sua forma de manifestação denominada poder de controle. A privacidade é direito natural, personalíssimo, erigido a patamar constitucional e integrante do rol das liberdades públicas, e se constitui na faculdade de divulgar ou não o que se enquadra na intimidade, que é inerente a todo ser humano. É o caráter de não-acessibilidade às particularidades de uma pessoa. No âmbito laboral, pode ocorrer um confronto desses dois direitos, pois há um interesse legítimo da empresa em fiscalizar o trabalho de seus subordinados. Por outro lado, essa fiscalização sem limites pode colocar em perigo o direito à privacidade do empregado. A legislação pátria carece de tutela específica para salvaguardar os direitos da personalidade do trabalhador na relação de emprego, possuindo apenas o artigo 483, especificamente a alínea e, da Consolidação das Leis do Trabalho a autorizar a rescisão indireta do contrato laboral, na hipótese de ato lesivo à honra e boa fama do empregado, in verbis: O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: 31 FARIAS, apud SIMÓN, 2000, p. 125.

31 a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; c) correr perigo manifesto de mal considerável; [...] e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama 32 As alíneas a, b e c do referido dispositivo também tratam, ainda que indiretamente, da tutela à personalidade do trabalhador, envolvendo sua higidez psíquica e moral, quando tratam de exigência de serviços superiores às forças dos trabalhadores, contrários aos bons costumes, defesos em lei ou alheios ao contrato; quando versam sobre o rigor excessivo no tratamento dispensado ao obreiro e ao preceituarem sobre perigo manifesto devido à atividade laboral. Por se tratar de disposição extremamente específica, todas as vezes em que direitos à intimidade e vida privada forem atacados, prevalecerá, ainda que de forma genérica, a proteção constitucional, insculpida no artigo 5º, inciso X, haja vista que ao se lançar mão somente da legislação infraconstitucional, o máximo a ser atingido será a rescisão do contrato de trabalho por justa causa do empregador. O artigo 5º, inciso X, in verbis: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 33 Tal procedimento é benéfico, à medida que não permite o engessamento restritivo provocado pelo legislador infraconstitucional, possibilitando que todas as situações que envolvam bens da personalidade do trabalhador se adaptem à previsão normativa da Constituição Federal. Até mesmo porque, já é sabido que uma das regras básicas para a solução de conflitos é a análise do caso concreto. Em conjunto com a aplicação do referido dispositivo, lança-se mão do princípio da proporcionalidade para dirimir o aparente conflito de normas, sopesando os interesses e minimizando o sacrifício dos direitos envolvidos. Trata-se de analisar se a medida adotada é própria para alcançar o objetivo que se pretende, desde que 32 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. 35. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 77. 33 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2008.