VCAN provoca sequência de eventos extremos no Sul do Brasil entre os dias 12 e 14 de dezembro de 2011

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Transcrição:

VCAN provoca sequência de eventos extremos no Sul do Brasil entre os dias 12 e 14 de dezembro de 2011 A semana que começou no dia 11 de dezembro de 2011 (segunda-feira) foi marcada pela ocorrência de eventos extremos no Sul do país, em particular nos estados gaúcho e catarinense. Temporais, ventos fortes, tempestades de granizo, tromba d água e um possível tornado. Este foi o cenário do tempo ao longo daquela semana, que começou provocando transtornos na capital de Santa Catarina, onde deixou inclusive uma vítima fatal. Detalhes deste evento meteorológico estão na página do Grupo de Previsão de Tempo (GPT) do CPTEC (http://www7.cptec.inpe.br/~rupload/arquivo/analise_florianopolis.pdf). Muitos municípios dos estados do Rio Grande do Sul (RS) e de Santa Catarina (SC) foram atingidos pelo granizo, registrado em três dias consecutivos (12, 13 e 14/12). A situação mais extrema ocorreu na Serra Gaúcha (SG), como em Parada Cristal (Figura 1a) no interior de Caxias do Sul-RS, onde o gelo chegou a acumular até 40 cm. Várias casas, construções e automóveis foram destruídos e plantações completamente perdidas por conta do granizo. O município de São Jerônimo, na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPOA), também sofreu por causa do granizo. Estes fenômenos foram causados pela presença de um Vórtice Ciclônico de Altos Níveis (VCAN), que também pode ser encontrada na literatura como Baixa Fria, Baixa Desprendida e Gota Fria (esta última derivada do espanhol). A lista dos fenômenos e impactos ocorridos no RS e SC neste período está na Tabela 1. (a) (b)

(c) (d) Foto 1: Eventos extremos no RS e em SC: (a) granizo em Caxias do sul-rs, (c) temporal em Água Doce-SC, (c) Tromba d água em Arambaré-RS e (d) tornado em Capivari-RS. Tabela 1: Fenômenos e impactos observados em diversas localidades do RS e de SC entre os dias 12 e 14 de dezembro de 2011. Localidade Fenômeno Impacto 12/ dez 13/ dez 14/ dez Biguaçu (grande Florianopolis-SC) Granizo Destelhou casas Jaraguá do Sul-SC Chuva de 70 mm e Queda de ávores e construções, ventos fortes destelhamento de casas deslizamento de terras Florianópolis-SC Chuva de 64,4 mm Alagamentos, deslizamente de terra e em rajadas rocha e de vento de 56 km/h morte de uma pessoa Norte do RS (Estação, Comprometeu cerca de 30% do cultivo Sertão, Getúlio Vargas, de fumo, feijão, soja, milho,pêssego, Carlos Gomes e maçã e uva, além do cultivo de Erebango) hortaliça Criciúma-SC Granizo Estragos e casas, construções e automóveis Água Doce (Meio oeste Contruções destruídas e decretado vento e granizo de SC) estado de emergência Arambaré-RS (Lagoa dos Patos) Tromba d'água Sem registro de danos Rio do Sul e Biguaçi-SC vento e granizo Danos em casas e construções Caxias do Sul, Flores da Prejuízos em casas e principalmente Granizo Cunha e em lavouras de outros municípios da Serra Gaúcha uva, ameixa e maça

São Jerônimo e Triunfo-RS Granizo Destelhamento de casas Capivari Possível tornado Sem registro de danos Encruzilhada do Sul Granizo Acúmulo de gelo, mas sem dano registrado Taió-litoral sul de SC Granizo Destelhamento de contruções e mort de 20 mil frangos A convecção associado ao VCAN apresentou um ciclo diurno, pois o desenvolvimento da instabilidade ocorria sempre entre o período da tarde e noite, estimulada pelo aquecimento do ar próximo à superfície. As Figuras 2 mostram a distribuição das descargas elétrica ao longo do ciclo de vida do VCAN (12-19 de dezembro de 2011). Observa-se que o máximo da atividade elétrica ocorria predominantemente a partir da tarde e durante a noite, às vezes se estendendo pela madrugada. No primeiro dia de atuação do VCAN (12/12) já teve muitos raios, mas foi nos dias 13 e 14/12 que o talvez o desenvolvimento tenha sido máximo, exatamente quando municípios da Serra Gaúcha foram atingidos pelas tempestades de granizo.

Figura 2: Distribuição das descargas elétricas para o período de 11 a 18 de dezembro de 2011. A seguir serão mostradas as cartas sinóticas para o período do evento. Para começar, será analisado o nível de 500 hpa (Figura 3). O processo de formação do Vórtice Ciclônico (VC) se inicia entre os dias 11 e 12/12, a partir de um cavado que atuava sobre a Patagônia Argentina. No dia seguinte o cavado avança em direção ao Atlântico, se amplificando e provocando rapidamente o desprendimento da circulação ciclônica do escoamento de oeste. Nota-se que a partir do dia 13 o VC, com sua circulação já bem configurada e apresentando um núcleo frio de -16C entre o Uruguai e a Foz do Rio da Prata, adquire um deslocamento lento para norte, atingindo o estado do RS no decorrer deste dia. Na análise das 12Z do dia 14 o VC já se encontrava totalmente segregado do escoamento principal, com seu núcleo frio centrado sobre o sul do RS e a circulação ciclônica influenciando as demais áreas da Região Sul, parte do Sudeste e também do Centro- Oeste brasileiro. Ao longo do seu ciclo de vida, o núcleo frio do VCAN variou entre -15C e -18C, atingindo a menor temperatura de -18,5C na sondagem de Santa Maria-RS (12Z do dia 14/12), valor muito aquém do que tipicamente se observa nestas latitudes. O gradiente vertical de temperatura, promovido pelo ar frio na troposfera média, foi responsável por gerar fortes movimentos verticais.

Figura 3: Análise sinótica da carta de 500 hpa referente às 12Z para o período de 11 a 19 de dezembro de 2011. A análise da carta sinótica de 250 hpa (Figura 4) mostra que o desenvolvimento do VCAN esteve associado à presença do ramo norte do Jato Polar (seta laranja) e do Jato Subtropical (seta vermelha), que estiveram simultaneamente presentes na borda norte do sistema entre os dias 12 e 15/12. De forma semelhante ao que se observou em 500 hpa, o VCAN deslocou-se lentamente para norte após a sua formação, adquirindo inicialmente uma orientação para oeste. No estágio maduro, a circulação do VCAN manteve-se simétrica e o sistema praticamente estacionário durante vários dias. Já na etapa de dissipação, o VCAN inclinou-se para leste, sendo absorvido pelo cavado em altos níveis. Veja que a convecção ocorrida entre os dias 12 e 14/12 no estado do Paraná foi favorecida pela difluência dos ventos na saída dos jatos.

Figura 4: Análise sinótica da carta de 250 hpa referente às 12Z para o período de 11 a 19 de dezembro de 2011. Dando continuidade à análise sinótica da estrutura vertical do VCAN, observa-se na Figura 5 o comportamento dos ventos e do geopotencial em 850 hpa. É interessante notar uma semelhança do posicionamento do vórtice neste nível com o vórtice na troposfera média e alta, indicando que o sistema apresentou uma estrutura barotrópica ao longo da sua vida. Os ventos de noroeste sobre o flanco leste da baixa pressão contribuíram para o desenvolvimento da convecção devido ao transporte de ar relativamente quente e úmido do interior do Brasil.

Figura 5: Análise sinótica da carta de 850 hpa referente às 12Z para o período de 11 a 19 de dezembro de 2011. A carta de superfície (Figura 6) mostra que a circulação do VCAN não se aprofundou até a superfície, embora tenha se estabelecido uma ampla área de baixa pressão. No entanto, em episódios de VCAN é comum encontrar um gradiente fraco em superfície e, às vezes, até mesmo uma circulação anticiclônica. Figura 6: Análise sinótica da carta de superfície referente às 12Z para o período de 11 a 19 de dezembro de 2011.

Para sintetizar o que foi mostrado nesta análise de caso, tem-se nas Figuras 7 a anomalia do geopotencial em 250 hpa, 500 hpa e 850 hpa, respectivamente. Como é de se esperar, a anomalia negativa repercutiu nos três níveis isobáricos, com máxima magnitude sobre o RS, exatamente sobre a área de atuação do centro do VCAN. 250 hpa 500 hpa 850 hpa Figura 7: Análise sinótica da carta de 500 hpa referente às 12Z para o período de 11 a 19 de dezembro de 2011. As Figuras 8 mostram as sondagens de Porto Alegre (POA) e Santa Maria (SM) referente às 12Z do dia 14/12. O perfil de POA indica a presença de uma camada mais seca entre 700 e 600 hpa e o índice LIFTED bastante negativo (-4,07). O Total Totals (TT) esteve bastante elevado nas duas sondagens, com valores de 50,2 e 51,6 em POA e SM, respectivamente. Este índice é determinado pela combinação do Cross Total (CT) e do Vertical Total (VT), ambos associados ao gradiente vertical de temperatura entre a troposfera baixa e média. No entanto, o CT não foi determinante para a ocorrência de granizo, pois este índice também está associado ao teor de umidade na camada baixa e média, e não esteve elevado nas sondagens analisadas. Figura 8: Sondagem de Porto Alegre (esquerda) e Santa Maria (direita) referente às 12Z do dia 14 de dezembro de 2011. As Figuras 9 mostram a sequência de imagens de satélite referente ao dia 14/12, quando a RMPOA e algumas cidades da SG foram atingidas por tempestades de granizo. É interessante notar que não houve desenvolvimento vertical muito significativo, pois as células convectivas apresentavam temperatura de topo entre -30C e -50C. No entanto, a convecção gerada pelo VCAN foi suficientemente intensa para gerar fortes tormentas e granizo. Veja na imagem das

23Z (14/12) a presença de um núcleo convectivo se aproximando da RMPOA e um pouco mais tarde sobre a SG (por volta das 00Z do dia 15/12). Figura 9: Imagens de hora em hora do satélite GOES-12 referente aos dias 14 e 15/12/2011. Ao longo deste evento a nebulosidade se concentrou principalmente sobre o lado leste do VCAN e de forma mais isolada no seu centro (Figura 10). O posicionamento do VCAN ainda contribuiu para reforçar a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), que organizou a convecção pelo interior do Brasil.

Figura 10: Imagem de satélite das 11:45Z e análise do geopotencial e vento em 500 hpa das 12:00Z do dia 15/12/2011. Tipicamente, os VCAN que atuam em latitudes subtropicais e médias na América do Sul apresentam um ciclo de vida curto, permanecendo ativos em média por 2 ou 3 dias. Eventualmente, a presença de um bloqueio atmosférico pode prolongar o ciclo de vida do VCAN, tal como ocorreu neste caso. O conhecimento das condições do tempo associadas aos VCAN e o uso de ferramentas de previsão automática permitiram ao meteorologista previsor prognosticar com antecedência as áreas com condições favoráveis para o desenvolvimento da instabilidade. No aviso meteorológico também foi possível incluir as áreas com potencial para ocorrência de granizo, fenômeno verificado em diversas localidades do RS e de SC. Elaborado pelo Meteorologista Henri Rossi Pinheiro Grupo de Previsão de Tempo CPTEC/INPE