O SIGNO MUDANÇA E SUAS SIGNIFICAÇÕES DENTRO DO CONTEXTO POLÍTICO

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Transcrição:

O SIGNO MUDANÇA E SUAS SIGNIFICAÇÕES DENTRO DO CONTEXTO POLÍTICO Ellen Petrech Vasconcelos RESUMO: Este artigo enfoca o contexto político dando ênfase aos slogans apresentados durante a campanha eleitoral para presidente da república no ano de 2014. Para nossa análise, iremos nos pautar nas teorias do Círculo de Bakhtin, especialmente em seus estudos sobre enunciado, signo e ideologia. Além do contexto verbal, também daremos especial atenção ao contexto extraverbal, que abrange as relações políticas presentes em todo o processo eleitoral. Em nosso trabalho, adotaremos a perspectiva do Círculo de Bakhtin, que relaciona o enunciado e o signo ao valor ideológico e, com base neste pressuposto, vamos analisar o signo mudança e outros signos que carreguem semelhante tonalidade ideológica. Dentro do contexto eleitoral, o signo mudança irá receber diferentes significações podendo variar conforme o grupo político e sócio-ideológico a que pertence. Para realização deste trabalho, faremos uso de um corpus formado por slogans da campanha presidencial de 2014 dos concorrentes que apresentaram maior intenção de voto durante a campanha. PALAVRAS-CHAVE: Enunciado. Signo Ideológico. Slogan Político. 1. Introdução Quando uma campanha eleitoral se inicia, vemos inúmeros slogans de campanhas sendo apresentados aos eleitores, o slogan dentro de uma campanha eleitoral tem o objetivo de sintetizar e apresentar a diretriz central que dada campanha pretende seguir, quais suas prioridades, seu foco, seu objetivo. O slogan é uma estrutura sucinta, então para que possamos compreender ela corretamente temos que estar atentos a todos os elementos linguísticos que o compõe, mas também aos elementos extralinguísticos que fazem parte de sua composição. Esse trabalho tem por objetivo analisar os slogans da campanha eleitoral para presidente da república no ano de 2014, para tento nos pautaremos das ideias propostas pelo Círculo de Bakhtin que prioriza não só o aspecto linguístico, mas também dá ênfase ao aspecto extralinguístico. Em nosso trabalho, adotaremos a perspectiva do Círculo de Bakhtin porque relaciona o enunciado e o signo ao valor ideológico, ou seja, às tonalidades valorativas, e, com base neste pressuposto, vamos analisar o signo mudança e outros signos que carreguem semelhantes tonalidades em slogans das campanhas para Presidência da República no pleito de 2014. 2. Alguns conceitos bakhtinianos Os estudos do Círculo de Bakhtin seguem o caminho contrário ao estruturalismo que concebia a língua como um sistema estável, sincrônico, homogêneo e desvinculado de valores ideológicos. Para o Círculo de Bakhtin a língua não é apresentada como objeto abstrato, mas como atividade social devido a necessidade de comunicação, para ele a natureza da língua seria Texto completo de trabalho apresentado na Sessão Questões Emergentes em Língua e Linguagem II do Eixo Temático Estudos da Língua e da Linguagem II do 4. Encontro da Rede Sul Letras, promovido pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem no Campus da Grande Florianópolis da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em Palhoça (SC). Estudante de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Linguagem, Identidade e subjetividade da Universidade Estadual de Ponta Grossa, UEPG. Mestranda. ellenpetrech@yahoo.com.br. 361

essencialmente dialógica. No trecho seguinte, o autor discorre que a verdadeira substância da língua está no fenômeno social da interação verbal: A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. (BAKHTIN, 2010, p. 127) Ainda sobre a interação verbal, o autor completa afirmando que o diálogo ao qual se refere em seus estudos não está restrito a interação face a face, para o autor a palavra diálogo está sendo empregada em um sentido mais abrangente para contemplar toda a comunicação verbal. Em seus termos: O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra diálogo num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. (BAKHTIN, 2010, p. 127) Bakhtin ainda conclui que a interação verbal social atrelado à comunicação discursiva concreta é fundamental para existência da língua e a comunicação verbal não pode ser compreendida fora deste contexto social: A comunicação verbal não poderá jamais ser compreendida e explicada fora desse vínculo com a situação concreta. A comunicação verbal entrelaça-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicação e cresce com eles sobre o terreno comum da situação de produção. Não se pode, evidentemente, isolar a comunicação verbal dessa comunicação global em perpétua evolução. Graças a esse vínculo concreto com a situação, a comunicação verbal é sempre acompanhada por atos sociais de caráter não verbal (gestos do trabalho, atos simbólicos de um ritual, cerimônias, etc.), dos quais ela é muitas vezes apenas o complemento, desempenhando um papel meramente auxiliar. (BAKHTIN, 2010, p. 128) Conforme sustenta as teorias do Círculo de Bakhtin a enunciação é sempre considerada do ponto de vista de um falante em relação a um ouvinte que ao entrar em interação com o enunciado do outro, ocupa uma posição responsiva. Para o autor isso se explica na medida em que toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva [...]; toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante. (BAKHTIN, 2003, p. 271). O autor acrescenta: Ademais, todo falante é por si mesmo um respondente em maior ou menor grau: porque ele não é o primeiro falante, o primeiro a ter violado o eterno silêncio do universo, e pressupõe não só a existência do sistema da língua que usa mas também de alguns enunciados antecedentes dos seus e alheios com os quais o seu enunciado entra nessas ou naquelas relações (baseia-se neles, polemiza com eles, simplesmente os pressupõe já conhecidos do ouvinte). Cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados. (BAKHTIN, 2003, p.272) É importante observar que nesta concepção até mesmo o discurso mais autoritário necessita de uma resposta, pois esse é o princípio dialógico da língua. A enunciação é determinada pelas condições reais de produção do enunciado, pois A situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim 362

dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2014, p. 117) Para o Círculo de Bakhtin o princípio constitutivo do discurso não é individual, é dialógico e se constrói na interação dos interlocutores. O autor salienta que esses interlocutores são seres sociais inseridos em um contexto sócio-histórico, logo para que este ser social tenha condições de dar sentido aos discursos ele não necessita apenas dominar regras e normas linguísticas e sim estar inseridos nas relações ideológicas dos discursos. Cumpre ainda acrescentar aqui uma observação extremamente importante: a consciência lingüística dos sujeitos falantes não tem o que fazer com a forma lingüística enquanto tal, nem com a própria língua como tal. De fato, a forma lingüística, como acabamos de mostrar, sempre se apresenta aos locutores no contexto de enunciações precisas, o que implica sempre um contexto ideológico preciso. Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida. (BAKHTIN, 2010, p.98-99) Essa visão das relações ideológicas dos discursos é muito importante para se compreender os conceitos apresentados pelo autor, pois este tema permeia toda sua teoria. Para o autor, o produto ideológico parte de uma realidade que pode ser natural ou social e também reflete uma realidade exterior, nas palavras do autor: Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia. (BAKHTIN, 2010, p.31) Para Bakhtin (2010) vai além e afirma que o signo carrega uma significação, que não é simplesmente dada e sim é criada nas relações dialógicas entre os seres sociais. A palavra não é dotada de juízo de valor como o signo, Portanto, a emoção, o juízo de valor, a expressão são estranhos à palavra da língua e surgem unicamente no processo de seu emprego vivo em um enunciado concreto. (BAKHTIN, 2003, p. 292). O signo ideológico não é apenas um reflexo ou até mesmo uma sombra da realidade, mas, segundo ele, é um fragmento material dessa realidade. O autor completa: Todo fenômeno que funciona como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como som, como massa física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa qualquer. Nesse sentido, a realidade do signo é totalmente objetiva e, portanto, passível de um estudo metodologicamente unitário e objetivo. Um signo é um fenômeno do mundo exterior. (BAKHTIN, 2010, p.33) Retomando o conceito basilar da comunicação social, Bakhtin (2010) completa dizendo que o signo é a materialização dessa comunicação, e assim se explica a natureza dos signos ideológicos. Pensando no papel primordial da comunicação social, podemos refletir sobre a linguagem e a palavra, que para o autor é o fenômeno ideológico por excelência, o signo mais puro: A palavra é o fenômeno ideológico por excelência. A realidade toda da palavra é absorvida por sua função de signo. A palavra não comporta nada que não esteja ligado a essa função, nada que não tenha sido gerado por ela. A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social. (BAKHTIN, 2010, p.36) 363

Nesse contexto o signo está sujeito aos critérios ideológicos, o ideológico irá coincidir com o signo: Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é, se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, estc.). O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondente. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2014, p. 32, 33) Sobre a significação, os estudos do Círculo de Bakhtin afirmam que a significação não está na palavra em si, nem na alma do falante, mas sim no emprego vivo no enunciado concreto: A significação não está na palavra nem na alma do falante, assim como também não está na alma do interlocutor. Ela é o efeito da interação do locutor e do receptor produzido através do material de um determinado complexo sonoro. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2014, p. 137) Ainda seguindo o propósito de retomar alguns preceitos bakhtinianos, tratamos agora de falar sobre o texto. Para Bakhtin (2003) o texto é o ponto de partida para todas as disciplinas das ciências humanas, o texto é a realidade imediata para que se possa estudar o homem e seu pensamento. O autor ainda conclui (p. 319) que o objeto real é o homem social que está inserido na sociedade, que fala e exprime a si mesmo. Nesse mesmo estudo, o autor apresenta dois elementos que determinam o texto como enunciado, a sua intenção e a realização dessa intenção. O autor assevera que só o enunciado tem relação imediata com a linguagem e com o sujeito e com outros enunciados, fora desta relação o que temos é o que o sujeito chama de texto, que seria a da materialidade e não da construção de sentido. Só o enunciado tem relação imediata com a realidade e com a pessoa viva falante (o sujeito). Na língua existem apenas as possibilidades potenciais (esquemas) dessas relações (formas pronominais, temporais, modais, recursos lexicais, etc.). Contudo, o enunciado não é determinado por sua relação apenas com o objeto e com o sujeito-autor falante (e por sua relação com a linguagem enquanto sistema de possibilidades potenciais, enquanto dado), mas imediatamente e isso é o que mais importa para nós com outros enunciados no âmbito de um dado campo da comunicação. Fora dessa relação ele não existe em termos reais (apenas como texto). Só o enunciado pode ser verdadeiro (ou não verdadeiro), correto (falso), belo, justo, etc. (BAKHTIN, 2003, p. 328) É importante percebermos que o conceito de dialogismo está presente aqui, pois o enunciado é componente da complexa trama de vozes que se cruzam. Segundo o Círculo de Bakhtin, o enunciado é o produto da interação social que sofre forte influência da situação imediata e do contexto mais amplo que o cerca: A enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social, quer se trate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade linguística. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2014, p. 126) Nesse aspecto, a situação social imediata também irá influenciar os enunciados Qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será determinado pelas condições reais da enunciação em questão, isto é, antes de tudo pela situação social mais imediata. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2014, p. 116). Pois, o centro organizador de toda enunciação não é o 364

interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2014, p. 125). Dentro dos estudos bakhtinianos, a temática dos gêneros do discurso recebe grande destaque, vamos agora tecer algumas considerações sobre este conceito. Em seus estudos Bakhtin estabelece que os gêneros discursivos são tipos relativamente estáveis e que a utilização da língua se efetua em enunciados que reflete as condições específicas de cada campo, principalmente a construção composicional: O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pelas especificidades de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2003, p. 362) Ainda neste estudo Bakhtin destaca que é importante se atentar para a heterogeneidade dos gêneros discursivos e apresenta a diferença essencial entre os gêneros primários e secundários. Segundo o autor os gêneros primários são mais simples e os gêneros secundários mais complexos, é importante se verificar que a diferença não é funcional, pois advém das condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente desenvolvido e organizado dos gêneros secundários. Nessa perspectiva, todo enunciado é individual e pode refletir a individualidade do falante, ou seja, pode ter estilo individual. Mas, com os gêneros é um pouco diferente, pois nem todos os gêneros aceitam o estilo individual do falante porque há uma relação indissolúvel entre o estilo e o gênero. Para Bakhtin (2003) falamos sempre através de gêneros do discurso, pois possuímos um vasto repertório que empregamos de forma habilidosa, mas nem sempre de maneira consciente: Falamos apenas através de determinados gêneros do discurso, isto é, todos os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo. (...). Em termos práticos, nós os empregamos de forma segura e habilidosa, mas em termos teóricos podemos desconhecer inteiramente a sua existência. (...) Até mesmo no bate-papo mais descontraído e livre nós moldamos o nosso discurso por determinadas formas de gênero, às vezes padronizadas e estereotipadas, às vezes mais flexíveis, plásticas e criativas (a comunicação cotidiana também dispõe de gêneros criativos). (BAKHTIN, 2003, p. 282) Traçando uma analogia o autor nos explica que aprendemos os gêneros do discurso da mesma forma que aprendemos a língua materna, através de enunciações concretas e que ouvimos e reproduzimos na comunicação viva, não aprendemos a língua materna em gramáticas e dicionários e o mesmo ocorre com os gêneros discursivos: Aprender a falar é aprender a estruturar enunciados (porque falamos por enunciados e não por orações isoladas). Os gêneros do discurso organizam a nossa fala da mesma maneira que a organizam as formas gramaticais (sintáticas). Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão 365

aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o início somos sensíveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo da fala, evidenciará suas diferenciações. Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala, a comunicação verbal seria quase impossível. (BAKHTIN, 2003, p. 283) Se compararmos os gêneros do discurso com a forma da língua é mais flexível e mutável, mas para o falante é de caráter normativo, pois não é criado por ele e sim apresentado a ele. Logo, quanto melhor dominamos os gêneros discursivos, mais livremente podemos empregá-los e realizar o nosso projeto de discurso. Ao nos basearmos no Círculo de Bakhtin partilhamos dos seus pressupostos que concebem a língua e seus discursos atrelados aos seus falantes e seus atos de fala, as esferas sociais as quais pertence e os valores ideológicos que a norteiam. Dentro de uma cadeia discursiva onde, de forma dialógica, um discurso está sempre relacionado a outro e é sempre apresentado ao outro por meio dos gêneros discursivos. 3. Contexto político e seleção do corpus Muitos eram os candidatos a eleição em 2014, mas não teríamos como analisar todos os slogans nesse artigo, portanto tivemos que fazer um recorte para compor nosso corpus. Então recorremos ao critério de maior intenção de votos, para tanto observamos as pesquisas realizadas durante a campanha. Pesquisa Ibope divulgada na noite desta quinta-feira (7) mostra que a presidente e candidata à reeleição, Dilma Rousseff (PT), lidera a corrida presidencial com 38% das intenções de voto. Atrás dela aparece o senador Aécio Neves (PSDB), com 23%, seguido pelo ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB), com 9%. (04/08/2014) Nas eleições de 2014 tínhamos um panorama criado pela candidata Dilma Rousseff que estava no poder há quatro anos e tentava reeleição para permanecer no poder. A candidata representava o Partido dos Trabalhadores (PT), que já estava no poder a três mandatos, ou seja, o presidente anterior Luiz Inácio Lula da Silva que se manteve no poder por oito anos também representava o mesmo partido. Assim temos, na eleição de 2014, um partido que já estava no poder por doze anos e que tentava permanecer por mais um mandato. Tínhamos ainda o candidato Aécio Neves do Partido da Social Democracia Brasileira, PSDB, em oposição direta ao governo vigente na época. O candidato se apresentava como uma nova opção uma ruptura ao que estava vigente nos últimos doze anos. Outro candidato que também estava na disputa era Eduardo Campos do Partido Socialista Brasileiro PSB, esse candidato mesmo não tendo permanecido por toda a campanha devido ao acidente aéreo que levou a sua morte, incialmente tinha bons índices nas intenções de voto. Esse candidato também fazia oposição ao governo atual, e surgia como uma nova opção para os eleitores, como um novo nome em atenção no cenário político que fugia da tradicional disputa PT X PSDB. Todo esse panorama extraverbal terá forte influência nas escolhas verbais nos enunciados em análise, logo esta retomada do contexto político no período eleitoral irá servir de base para analise a seguir. 366

4. Análise nos slogans Tendo retomado as principais bases teóricas na qual nos pautamos, e retomado o contexto histórico e político que serve de base para nossa análise, podemos apresentar os slogans escolhidos como enunciado para nossa análise: Mais mudanças mais futuro (Dilma Rousseff PT) Para o Brasil seguir mudando (Dilma Rousseff PT) Quem muda o Brasil é você (Aécio Neves PSDB) # Muda Brasil (Aécio Neves PSDB) Coragem para mudar o Brasil (Eduardo Campos PSB) Um novo caminho para um novo Brasil (Eduardo Campos PSB) Todos os enunciados apresentam o signo mudança e outros signos que carreguem semelhante tonalidade ideológica, o que nos permite traçar uma perspectiva de análise e verificar semelhanças e diferenças nas tonalidades valorativas desse signo. Nos slogans da campanha da candidata Dilma Rousseff (PT) Mais mudanças mais futuro e Para o Brasil seguir mudando temos a referência a mudanças anteriores, percebemos uma retomada histórica mais ampla que remete ao governo anterior ao do PT. Temos então nesse caso uma oposição ao PSDB. Percebemos que a ideia que se vincula é de continuidade de uma mudança iniciada com o governo do PT quando se iniciou um projeto político distinto do PSDB. Em suma a mudança é mais temporalmente mais distante, pois trata de uma mudança iniciada há doze anos, o projeto que se apresente e de continuidade de poder. Já nos slogans da campanha de Aécio Neves (PSDB) Quem muda o Brasil é você e # Muda Brasil temos referência à oposição ao atual governo do PT, a retomada histórica mais imediata, pois é uma oposição direta aos doze anos de governo do PT, mudança se referem então a uma mudança do presente. Nos slogans da campanha de Eduardo Campos (PSB) Coragem para mudar o Brasil e Um novo caminho para um novo Brasil há referência tanto à mudança em relação ao PT quanto ao PSDB, se apresenta como uma nova alternativa, uma terceira via possível fugindo da tradicional disputa PT X PSDB. Enfoca a coragem necessária para constituir-se como alternativa a dois partidos e projetos políticos que se revezaram no governo e que já são tão conhecidas dos eleitores. Uma análise pautada nas teorias do Círculo de Bakhtin não pode apenas analisar o aspecto linguístico, e sim basear-se tanto no verbal como no extraverbal. Pois, segundo as teorias bakhtiniadas os indivíduos reais se comunicam através de enunciados concretos que não se formam no interior e sim no exterior, em um processo dialógico responsivo. Nesse contexto, nossa análise parte do pressuposto que toda palavra é um signo ideológico com diferentes tonalidades valorativas. Em todos os enunciados analisados verificamos que o signo mudança apresenta dentro do contexto eleitoral tonalidades valorativas distintas conforme o grupo político e sócio-ideológico a que pertence o enunciado, mostrando que o contexto extraverbal é de caráter constitutivo do enunciado. Considerações finais Nessa pesquisa tivemos como objetivo analisar o signo mudança e outros signos que carreguem semelhante tonalidade ideológica em slogans da campanha presidencial de 2014 dos 367

concorrentes que apresentaram maior intenção de voto durante a campanha. Para tanto, nos baseamos nos estudos do Círculo de Bakhtin. No decorrer do trabalho, verificamos que alguns conceitos de Bakhtin eram suscitados, desta forma foi importante fazer uma concisa retomada de alguns conceitos chave das teorias bakhtinianas, os temas retomados foram: língua, dialogismo, ideologia, texto, palavra, signo, enunciado e gêneros do discurso. Essa retomada teve como objetivo esclarecer conceitos pertinentes à reflexão e análise que se propôs. Após a retomada dos conceitos chave das teorias bakhtinianas analisamos os enunciados slogans da campanha presidencial de 2014. Ao adotarmos a perspectiva do Círculo de Bakhtin, que relaciona o enunciado e o signo ao valor ideológico, tivemos condições de perceber que dentro do contexto eleitoral, o signo mudança recebe diferentes tonalidades valorativas, podendo variar conforme o grupo político e sócio-ideológico a que pertence. Referências Bakhtin, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. Michael Lahud & Yara Frateschi Vieira. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 Referências bibliográficas. Referências bibliográficas. Referências bibliográficas. <http://aecioneves.com.br/>. Acesso em 10 de abril de 2016. <www.eduardoemarina40.com.br/>. Acesso em 10 de abril de 2016. <http://eleicoes.uol.com.br/>. Acesso em 10 de abril de 2016. <http://www.pt.org.br/>. Acesso em 10 de abril de 2016. 368