A MISERICÓRDIA DE DEUS E O SACRAMENTO DA UNÇÃO DOS ENFERMOS Neste ano de 2016 a Igreja vive o ano da Misericórdia e por essa razão, a Igreja quer levar a todos que precisarem esse toque da misericórdia de Deus. No passado era chamado Extrema Unção, porque era entendido como conforto espiritual para aqueles que se encontravam em uma possível situação real de morte. Hoje, no entanto, falar de Unção dos enfermos, ajuda-nos a alargar o olhar para a experiência da doença e do sofrimento sob o olhar da misericórdia de Deus. Pelos sacramentos da iniciação cristã, o homem recebe a vida nova em Cristo e esta vida nós a trazemos em "vasos de argila" (2 Cor 4,7) que agora se encontra "escondida com Cristo em Deus". Estamos ainda em "nossa morada terrestre" (2 Cor 5,1) sujeitos ao sofrimento, à doença e à morte; esta nova vida de filhos de Deus pode se tornar debilitada e até perdida pelo pecado, mas quando Jesus ressuscita, Ele vence o pecado e as suas conseqüências (a morte e o sofrimento físico e espiritual). Esta vitória, que já é plena no Céu, pode já ser antecipada aos membros sofredores de seu Corpo, a Igreja que é formada por cada um de nós. Através do Sacramento da Unção dos Enfermos o doente se une, em seu sofrimento, ao Cristo por quatro razões: recebe a força do Espírito Santo que o fortalece em sua fé; une-se à Paixão de Jesus, participando de sua obra de Salvação; intercede pela santificação dos outros membros da Igreja através de seus sofrimentos; e, se for o caso, se prepara para a entrada definitiva e plena na vitória Pascal de Cristo. O Senhor, médico de nossa alma e de nosso corpo, que remiu os pecados do paralítico e devolveu-lhe a saúde do corpo, quis que sua Igreja continuasse, na força do Espírito Santo, sua obra de cura e de salvação, também junto de seus próprios membros. É esta a finalidade dos dois sacramentos de cura: o da Penitência e da Unção dos Enfermos. UM ÍCONE BÍBLICO QUE EXPRESSA EM TODA A PROFUNDIDADE O MISTÉRIO QUE TRANSPARECE NA UNÇÃO DOS ENFERMOS O BOM SAMARITANO. Há um ícone bíblico que expressa em toda a sua profundidade o mistério que transparece na Unção dos enfermos é a parábola do bom samaritano, no Evangelho de Lucas (10,30-35). Todas as vezes que celebramos este sacramento, o Senhor Jesus, na pessoa do sacerdote, torna-se próximo de quem sofre e está gravemente doente, ou é idoso. 1
Diz a parábola que o bom samaritano cuida do homem sofredor derramando sobre as suas feridas óleo e vinho. O óleo faz-nos pensar no que é abençoado pelos bispos todos os anos, na Missa do Crisma, na Semana Santa, precisamente em vista da Unção dos enfermos. O vinho, ao contrário, é sinal do amor e da graça de Cristo que brota do dom da sua vida por nós, expressado em toda a sua riqueza através da vida sacramental da Igreja. Por fim, a pessoa sofredora é confiada a um hospedeiro para que ele continue cuidando dela, sem se preocupar com a despesa. Mas, quem é este hospedeiro? É a Igreja, a comunidade cristã, somos nós, aos quais todos os dias o Senhor Jesus confia aqueles que estão aflitos, no corpo e no espírito, para que possamos continuar a derramar sobre eles, sem medida, toda a sua misericórdia e salvação. Mas na presença de um doente, por vezes, pensa-se: Chamemos o sacerdote para que venha ; Não, dá azar, não o chamemos, ou então, o doente assusta-se. Por que se pensa assim? Existe ainda a idéia de que depois do sacerdote deve chegar a agência funerária. E isto não é verdade. O sacerdote vem para ajudar o doente ou o idoso; por isto é tão importante a visita dos sacerdotes aos doentes. É preciso chamar o sacerdote para junto do doente e dizer: Venha, dê-lhe a unção, abençoe-o. É o próprio Jesus que chega para aliviar o doente, para lhe dar força, para lhe dar esperança, para ajudá-lo; e também para lhe perdoar os pecados. E isto é muito bonito. E não se deve pensar que isto seja um tabu, porque é sempre bom saber que no momento da dor e da doença não estamos sós: com efeito, o sacerdote e quantos estão presentes durante a Unção dos enfermos representam toda a comunidade cristã que, como um único corpo se estreita em volta de quem sofre e dos familiares, alimentando neles a fé e a esperança, e apoiando-os com a oração e com o calor fraterno. Mas o maior conforto provém do fato de que quem está presente no sacramento é o próprio Senhor Jesus, que nos guia pela mão, acaricia-nos como fazia com os doentes e nos recorda que já lhe pertencemos e que nada - nem sequer o mal, nem a morte - jamais poderão nos separar d Ele. Devemos ter o hábito de chamar o sacerdote para que aos nossos doentes - não os doentes de gripe, ou uma doença de 3 ou 4 dias -, mas quando é uma doença séria e também para os idosos, para que venha lhes conferir este sacramento, este conforto, esta força de Jesus. 2
A DOENÇA E O SOFRIMENTO ESTIVERAM SEMPRE ENTRE OS PROBLEMAS MAIS GRAVES QUE AFLIGEM A VIDA HUMANA A doença e o sofrimento estiveram sempre entre os problemas mais graves que afligem a humanidade. Na doença, o homem experimenta a sua incapacidade, os seus limites, cai em si e vê que ele não eterno e mais, a enfermidade pode fazer-nos enxergar que a morte também pode acontecer para nós. A doença pode levar à angústia, ao fechar-se em si mesmo e até, por vezes, ao desespero e à revolta contra Deus. Mas também pode tornar uma pessoa mais amadurecida, ajudá-la a compreender, na sua vida, o que não é essencial para se voltar para o que realmente tem importância. Muitas vezes, a doença leva à busca de Deus, a um regresso a Ele. No Antigo Testamento Davi vive a doença diante de Deus (Salmo 38) e, é diante de Deus que vem à tona o seu lamento pela doença que lhe sobreveio, é do Senhor da vida e da morte, que Davi implora a cura. A doença se torna caminho de conversão e, o perdão de Deus dá início à cura. Israel faz a experiência de que a doença está, de modo misterioso, ligada ao pecado e ao mal, e de que a fidelidade a Deus, em conformidade com a sua Lei, restitui a vida: porque Eu, o Senhor, é que sou o teu médico (Ex 15, 26). A Escritura nos faz entender que o sofrimento pode ter também um sentido redentor pelos pecados dos outros. Isaías anuncia que Deus fará vir para Sião um tempo em que perdoará todas as faltas e curará todas as doenças. A compaixão de Cristo para com os doentes e as suas numerosas curas, de enfermos de toda a espécie, são um sinal claro de que Deus visitou o seu povo (Lc7,16; Mt4,24) e de que o Reino de Deus está próximo. Jesus tem poder, não somente para curar, mas também para perdoar os pecados: veio curar o homem na sua totalidade, alma e corpo: é o médico de quem os doentes precisam. A compaixão de Jesus para com todos os que sofrem chega ao ponto Dele se identificar com aqueles que sofrem: Estive doente e Me visitastes (Mt 25, 36). O seu amor preferencialmente para com os enfermos não parou, ao longo dos séculos, de despertar a atenção particular dos cristãos para aqueles que sofrem no corpo ou na alma. Ele está na origem de incansáveis esforços para aliviá-los. Frequentemente, Jesus pede aos doentes que acreditem e usa de sinais para curar: saliva e imposição das mãos, por exemplo. 3
Por outro lado os doentes procuram tocar em Jesus, porque saía d'ele uma força que a todos curava (Lc 6, 19). Por isso, nos sacramentos, Cristo continua a tocar-nos para nos curar. Comovido por tanto sofrimento, Cristo não só se deixa tocar pelos doentes, como também toma para Si mesmo as misérias dos doentes: Tomou sobre Si as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças (Mt 8, 17). Ele não curou todos os doentes. As curas que Jesus fazia eram sinais da vinda do Reino de Deus. Anunciava uma cura mais radical: a vitória sobre o pecado e sobre a morte, mediante a sua Páscoa. Na cruz, Cristo tomou sobre Si todo o peso do mal e tirou o pecado do mundo (Jo 1, 29), do qual a doença não é mais que uma consequência. Pela sua paixão e morte na cruz, Cristo deu novo sentido ao sofrimento: desde então o sofrimento pode nos unir a Ele e à sua paixão redentora. Cristo convida os discípulos para segui-lo, tomando a sua cruz. Ao aceitar segui-lo os discípulos passam a ter uma nova visão da doença e dos doentes. Jesus associa os doentes vida pobre e servidora que eles passam a ter e os faz participar do seu ministério de compaixão e de cura: E eles partiram e pregaram que era preciso cada um arrepender-se. Expulsavam muitos demônios, ungiam com óleo numerosos doentes, e curavam-nos (Mc 6, 12-13). O Senhor ressuscitado renova esta missão Em Meu nome hão de impor as mãos aos doentes, e estes ficarão curados (Mc 16, 1 7-18). E confirma-a por meio dos sinais que a Igreja realiza invocando o seu nome. Estes sinais manifestam de modo especial, que Jesus é verdadeiramente Deus que salva. O Espírito Santo confere a alguns o carisma especial de poderem curar para manifestar a força da graça do Ressuscitado. Porém, nem as orações mais fervorosas obtêm sempre a cura de todas as doenças. Assim, São Paulo deve aprender do Senhor que a minha graça te basta: pois na fraqueza é que a minha força atua plenamente (2 Cor 12, 9), e que os sofrimentos que virão podem ter como sentido que eu complete na minha carne o que falta à paixão de Cristo, em benefício do seu corpo, que é a Igreja (Cl 1, 24). Curai os enfermos (Mt 10, 8). A Igreja recebeu esta Missão do Senhor e procura cumpri-la, tanto pelos cuidados que dispensa aos doentes, como pela oração de intercessão com que os acompanha. Ela crê na presença vivificante de Cristo, médico das almas e dos corpos, presença que age particularmente através dos sacramentos e de modo muito especial da Eucaristia, pão que dá a vida eterna e cuja ligação com a saúde corporal é insinuada por São Paulo. Entretanto, a Igreja dos Apóstolos conhece um rito próprio em favor dos enfermos, atestado por São Tiago: Alguém de vós 4
está doente? Chame os presbíteros da Igreja para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente e o Senhor o aliviará; e, se tiver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados (Tg; 5, 14-15). A Tradição reconheceu neste rito um dos sete sacramentos da Igreja. O sacramento da Unção dos enfermos tem por objetivo oferecer uma graça especial ao cristão que está passando pelas dificuldades próprias ao estado de enfermidade grave ou de velhice. Pela sagrada unção dos enfermos e pela oração dos presbíteros, a Igreja toda entrega os doentes aos cuidados do Senhor sofredor e glorificado, para que os alivie e salve (cf. Tg 5,14-16). Exorta os mesmos a que livremente se associem à paixão e morte de Cristo (cf. Rm 8,17; Cl 1,24; 2Tm 2,11-12; 1Pd 4,13) e contribuam para o bem do povo de Deus. Este sacramento: I. Traz salvação e alívio na fraqueza física e espiritual; II. Une o doente à paixão de Cristo, para seu bem e de toda a Igreja; III. Confere o perdão dos pecados, se o doente não puder confessar. Os fiéis devem pedir para si e para seus familiares, sem medo nem constrangimento, o conforto do sacramento da Unção dos enfermos. Os ministros e os parentes dos enfermos devem ter o cuidado para que estes sejam confortados em tempo oportuno com o Sacramento da Unção dos Enfermos, para que possam participar conscientemente da sua celebração, evitando, quando possível, de chamar o padre somente após o doente já ter entrado em coma. QUEM PODE RECEBER ESTE SACRAMENTO? Antes do Concílio Vaticano II, o Sacramento da Unção dos enfermos era ministrado apenas aos enfermos próximos do falecimento. Por isso, este sacramento já se chamou Extrema Unção como vimos acima. Agora, na ocasião de uma doença grave, de uma incapacidade física ou da velhice, todo fiel que, tendo alcançado o uso da razão, pode pedir ao sacerdote a Unção. Na celebração da Unção dos enfermos é apresentado leituras da Bíblia que podem iluminar a relação do doente, dos familiares e dos cuidadores para com Deus. O rito sacramental se compõe de dois momentos: a imposição das mãos e a unção com o óleo. Quando o ministro (padre ou bispo) impõe as mãos sobre o doente, em silêncio, está invocando sobre o doente a força do Espírito Santo. 5
O óleo que unge a fronte e as mãos do doente é consagrado na Missa Crismal na Semana Santa. Isto revela a íntima relação entre o Cristo Ungido para enfrentar a Paixão e a Morte e o doente ungido para enfrentar a enfermidade. No momento da referida unção o ministro diz: Por esta santa unção e pela sua infinita misericórdia, o Senhor venha em teu auxílio com a graça do Espírito Santo, para que, liberto dos teus pecados, Ele te salve e, na sua bondade, alivie os teus sofrimentos. ORIENTAÇÕES PASTORAIS Quem pode receber a unção dos enfermos? A unção dos enfermos pode ser administrada a todo batizado que tenha atingido o uso da razão e esteja em perigo de vida ou por motivo de doença grave e velhice. Crianças gravemente doentes podem recebê-la, desde que tenham atingido o uso da razão e possam encontrar conforto neste sacramento. Às pessoas de idade avançada pode ser conferida, quando suas forças se encontram sensivelmente debilitadas, mesmo que não se trate de enfermidade grave. Aos doentes privados dos sentidos ou do uso da razão pode ser ministrada, quando se pode supor que eles pediriam este Sacramento se estivessem em plena consciência, sendo reconhecida a suficiência de uma expressão interpretativa da intenção de receber este sacramento por um fiel que levou uma vida cristã exemplar. Na dúvida, se o doente está em uso da razão, se existe perigo de morte ou se já está morto, deve ser administrado o sacramento. Não se administra a unção dos enfermos quando há certeza da morte: neste caso o presbítero encomenda a Deus o falecido, mas não administra o sacramento, que é unção de doentes e não de defuntos. Não se pode repetir a administração deste sacramento por devoção ou porque se apresenta a ocasião, como, por exemplo, a cada dia, a cada semana ou a cada mês pedir que o padre volte e ministre o Sacramento até que o doente fique curado. O sacramento da unção dos enfermos pode ser repetido em três circunstâncias somente: I. Quando aquele que o recebeu recuperou a saúde e tornou a adoecer com risco de morte. II. Durante a mesma doença, se houver um agravamento. 6
III. Em caso de doentes crônicos e idosos, é permitido repetir a unção, com frequência não inferior a seis meses. As condições para receber a Unção dos enfermos é estar em estado de graça, isto é, sem pecado; receber a Unção com fé, esperança, caridade e estar aberto para acolher a vontade de Deus. É de suma importância, que todos nós saibamos e tenhamos consciência da grandeza e complexidade da Misericórdia de Deus para com o homem. A encíclica Dives in Misericórdia Sobre a Misericórdia Divina nos diz que Jesus Cristo ensinou que o homem não só recebe e experimenta a Misericórdia de Deus, mas também é chamado a ter misericórdia para com os demais. Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. O homem alcança o amor misericordioso de Deus, na medida em que ele próprio se transforma interiormente, segundo o espírito de amor para com o próximo. A verdade revelada por Cristo a respeito de Deus, Pai das misericórdias, permite a nós ver a Deus particularmente próximo do homem, sobretudo, quando este sofre, quando é ameaçado no próprio coração da sua existência e da sua dignidade. Por este motivo, na atual situação da Igreja e do mundo vamos viver bem este ano Santo da Misericórdia. 7