ISSN 0102-5716 Veterinária e Zootecnia 47 COMPARAÇÃO DOS RESULTADOS DOS MÉTODOS DE IMUNOFLUORESCÊNCIA INDIRETA E ELISA INDIRETO NO DIAGNÓSTICO SOROLÓGICO DA LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA REALIZADO PELOS LABORATÓRIOS DE BELO HORIZONTE, MG, BRASIL RESUMO Juliana Giantomassi Machado l Jader Rogério Cappi Moraes 2 Roberto Teodoro da Costa 3 Evaldo Nasciment0 4 Élvio Carlos Moreira s Amostras de soro de 86 cães com diagnóstico parasitológico positivoe de 57 cães com diagnóstico parasitológico e soro lógico negativos foram encaminhadas para cinco dos oito laboratórios que realizam o diagnóstico sorológico de leishmaniose visceral canina em Belo Horizonte, MO. As amostras foram testadas pelas técnicas de reação de imunofluorescência indireta (RlFI) e ensaio imunoenzimático (ELISA) de acordo com o procedimento de rotina de cada laboratório. Em três laboratórios a sensibilidade de ambos os métodos foi de 100%, e em dois laboratórios distintos, de 98,8% para RlFI e para ELISA, respectivamente. A especificidade variou de 94,7 a 100% no caso da RlFI e de 96,5 a 100% no ELISA. A concordância diagnóstica (índice Kappa) entre os métodos e diferentes laboratórios foi ótima ou perfeita. O elevado nível de concordância dos resultados apresentados pelos diferentes laboratórios constituem um fator de segurança indispensável na implementação das medidas de controle para essa importante zoonose. Palavras-chave: leishmaniose visceral, RIFI, ELISA, sorologia, cães. COMPARISON OF RESUL TS BY INDIRECT FLUORESCENT ANTIBODY TEST AND INDIRECT ELISA IN SEROLOGICAL DIAGNOSIS OF CANINE VISCERAL LEISHMANIASIS REALIZED BY LABORA TORIES FROM BELO HORIZONTE, MG, BRAZIL ABSTRACT Serum samples of 86 dogs with positive parasitological diagnosis and 57 dogs with negative serological and parasitological diagnosis were directed to five of eight laboratories that I Doutoranda da Área de Saúde Animal, Saúde Pública Veterinária e Segurança Alimentar, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia - UNESP- Botucatu I SP. Distrito de Rubião Junior, s/n. CEP: 18.618-000. e-mail: julianamachado2002@vahoo.com.br 2 Mestre em Epidemiologia da Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Medicina Veterinária Preventiva. Avenida Antônio Carlos, Parnpulha, Belo Horizonte, MG. Cep: 31270010.e-mail: jadervet@yahoo.com.br 3 Biólogo do Laboratório de Leishmanioses do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Avenida Antônio Carlos, Pampulha, Belo Horizonte, MG. Cep: 31270010. e-mail: teodoro@icb.ufmg.br 4 Professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Avenida Antônio Carlos, Pampulha, Belo Horizonte, MG. Cep: 31270010. e-mail: evaldoía1icb.ufmg.br 5 Professor Titular da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Departamento de Medicina Veterinária Preventiva. Avenida Antônio Carlos, Pampulha, Belo Horizonte, MG. Cep: 31270010. e-mail: elviocm@vet.ufmg.br Machado, J. G. et. ai. Comparação dos resultados dos métodos de imunotluorescência indireta e ELISA indireto
ISSN 0102-5716 Veterinária e Zootecnia 48 perform serological test to canine visceral leishmaniasis in Belo Horizonte, MG, Brazil. Sera were assayed for indirect fluorescent antibody test (lf AT) and immunoenzimatic assay (ELISA), according with the procedure of routine of each laboratory. In three laboratories, the sensitivity of both tests was 100%, and in two distinct laboratories, 98.8% for IFAT and for ELISA, respectively. The specificity varied from 94.7 to 100% for IFAT, and 96.5 to 100% for ELISA. The diagnostic concordance (Kappa index) between the tests and among different laboratories was excellent or perfect. The high levei of concordance among the results presented for different laboratories constitutes an important security factor for the implementation of control measures for this important zoonosis. Key words: visceral leishmaniasis, IFAT, ELISA, serology, canine. COMPARACIÓN DE LOS RESULTADOS DE LOS MÉTODOS DE INMUNOFLUORESCENCIA INDIRECTA Y ELISA INDIRECTO EN EL DIAGNÓSTICO SEROLÓGICO DE LA LEISHMANIOSIS VISCERAL CANINA ENTRE LOS LABORA TORIOS DE BELO HORIZONTE, MG, BRASIL. RESUMEN Las muestras dei sueros de 86 perros con diagnóstico parasito lógico positivo y 57 perros con diagnóstico parasitológico y serológico negativos fueron enviados a cinco de los ocho laboratorios que realizan el examen serológico para leishmaniosis visceral canina en Belo Horizonte. MG. Brasil. Los sueros fueron testados por los métodos de inmunofluorescencia indirect (IFI) e ensayo inmunoenzimático (ELISA), de acuerdo con los procedimientos de rutina de cada laboratorio. En tres laboratorios, Ia sensibilidad de ambas los métodos fue 100%, Y en dos laboratorios, 98,8% para IFI y para ELISA, respectivamente. La especificidad varió de 94,7 a 100% para IFI. y de 96,5 a 100% para ELISA. La concordancia diagnóstica (índice Kappa) entre los métodos y entre los diferentes laboratorios fue excelente o perfecto. EI alto nivel de concordancia entre los resultados presentados por los diferentes laboratorios constituye un indispensable factor de seguridad en Ia implementación de medidas de control para esta importante zoonosis. Pala bras-clave: leishmaniosis visceral, IFI, ELISA, sorología, perro. INTRODUÇÃO A leishmaniose visceral (LV) é uma enfermidade com ampla distribuição tanto no Velho Mundo como nas Américas. No Brasil, a leishmaniose visceral americana (LVA) é doença de notificação compulsória (BRASIL, 2003), cujo programa de controle proposto pelo Ministério da Saúde é baseado nas seguintes medidas: diminuição da população do vetor, identificação e eliminação de reservatórios, e diagnóstico e tratamento precoce dos casos humanos da doença. O cão é o reservatório mais importante da LVA tendo papel relevante na introdução, na dispersão e na manutenção desta doença. De acordo com o Manual de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral do Ministério da Saúde (BRASIL, 2003), o diagnóstico da leishmaniose visceral canina (LVC) constitui um problema para os serviços públicos de saúde, principalmente devido a três fatores: a variedade de sinais clínicos não patognomônicos; a inespecificidade das alterações histopatológicas e a inexistência de um teste diagnóstico sorológico 100% específico e sensível. A imprecisão dos métodos sorológicos, que no caso da RIFI se expressam por valores de sensibilidade que variam de 90-100% e especificidade de 80% para amostras de soro (ALVES & Machado, J. G. et. ai. Comparação dos resultados dos métodos de irnunofluorescência indireta e ELISA indireto Brasil. Veto e Zootec. v.\4, n.\, jun., p. 47-5\,2007.
ISSN 0102-5716 Veterinária e Zootecnia 49 BEVILACQUA, 2004), tem sido uma das razões alegadas por médicos veterinários e proprietários de cães para contestarem o sacrifício dos positivos. No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda a utilização do teste ELISA indireto para a triagem inicial dos cães suspeitos e a reação de imunofluorescência indireta (RIFI) para a confirmação dos casos positivos. O material recomendado para o diagnóstico soro lógico da LVC é o soro sanguíneo e, em algumas situações, o eluato de sangue embebido em papel de filtro, considerando-se positivos os soros reagentes nas diluições iguais ou superiores a 1:40 (BRASIL, 2003). No município de Belo Horizonte, oito laboratórios realizam o diagnóstico soro lógico da LVC não havendo entre eles uma padronização no que se refere aos antígenos, reagentes e equipamentos, bem como uma uniformidade nos critérios de interpretação dos resultados. Considerando que todas essas variáveis podem interferir na qualidade do diagnóstico dessa enfermidade, esta pesquisa teve como objetivo comparar a concordância da RIFI e do ELISA, realizados em cinco laboratórios para o diagnóstico da leishmaniose visceral canina, na região de Belo Horizonte, MG. MATERIAL E MÉTODOS Foram selecionadas amostras de soro de 143 cães, sendo 86 positivos e 57 negativos para leishmaniose visceral canina. Os 86 cães positivos eram oriundos da região metropolitana de Belo Horizonte que foram submetidos à eutanásia por apresentarem sorologia positiva (RIFI e ELISA) para Leishmania spp., nos quais foram encontradas quantidades variáveis de formas amastigotas do agente no baço, fígado ou medula óssea. As amostras de soro foram colhidas no período de fevereiro de 2002 a abril de 2003. As amostras de soro negativas foram obtidas de 23 cães errantes recolhidos pelo Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), com sorologia negativa ao teste ELISA indireto realizado com o antígeno recombinante (rk39) e que não apresentaram formas amastigotas de Leishmania spp no baço, fígado e medula óssea. As demais 34 amostras de soro foram obtidas de cães sem sinal clínico da doença. nascidos e criados na cidade de Uruguaiana, Rio Grande do Sul, região indene para leishmaniose visceral canina e humana (BRASIL, 2003). Estas amostras foram submetidas da mesma forma ao teste ELISA. com antígeno recombinante rk39, sendo todas negativas. Alíquotas de cada amostra de soro foram distribuídas em microtubos de 1,5ml, codificadas e enviadas para cinco laboratórios em Belo Horizonte. Dois destes laboratórios pertencem a instituições públicas de ensino e pesquisa (A e B), dois a órgãos de saúde pública (C e D) e um da iniciativa privada (E). Nos laboratórios C e D a RIFI para pesquisa de IgG foi realizada de acordo com a instrução do kit para diagnóstico da leishmaniose canina (Biomanguinhos /FIOCRUZ/MS) e nos laboratórios A. B e E a RIFI foi realizada segundo a descrição de Camargo e Rebonato (1969). Nos laboratórios A. B e E o antígeno utilizado na RIFI era constituído de formas promastigotas de Leishmania amazonensis e nos laboratórios C e D, de Leishmania major. Foram considerados positivos os soros reagentes nas diluições iguais ou superiores a 1:40. Nos laboratórios C e D o teste de ELISA para a detecção de anticorpos antileishmania spp foi realizado de acordo a instrução do kit para o diagnóstico de ELISA Leishmaniose Visceral Canina - Bio-Manguinhos" cujo antígeno é preparado com Leishmania major. Nos laboratórios A, B e E, as reações de ELISA foram realizadas de acordo com a descrição de Voller et ai. (1979), utilizando L. amazonensis como antígeno, na concentração de 2ug por poço. O ponto de corte destes três últimos laboratórios foi calculado com a seguinte fórmula: Média dos controles negativos x 2 x 1,2, sendo que cada laboratório Machado, 1. G. et. al. Comparação dos resultados dos métodos de imunotluorescência indireta e ELISA indireto no diagnóstico soro lógico da leishmaniose visceral.canina realizado pelos laboratórios de Belo Horizonte, MG,
155N 0102-5716 Veterinária e Zootecnia 50 tinha seu propno controle negativo. Esta formula baseia-se no protocolo do kit citado anteriormente. O cálculo das taxas de sensibilidade e especificidade das duas técnicas, para cada laboratório, foi feito de acordo com Buck e Gart (1966). Para isso, foram considerados verdadeiramente positivos os animais com exame parasitológico positivo e, verdadeiramente negativos, os que foram negativos tanto pelo ELISA com antígeno rk39 como no exame parasitológico. O coeficiente de concordância dos resultados obtidos com as duas técnicas e pelos diferentes laboratórios foi estimado utilizando-se o teste de Kappa (Sacket et ai., 1991). RESULTADOS E DISCUSSÃO Na Tabela 1, observa se que no laboratório D, a sensibilidade da RIFI foi de 98,8% e nos demais de 100%, evidenciando assim, alta sensibilidade em todos eles. Estes resultados são similares ao observado por Mancianti et al. (1995) que observaram 98,4% de sensibilidade. A especificidade foi de 100% nos laboratórios C e D e de 96,5, 94,7 e 98,3% nos laboratórios A, B e E, respectivamente. As pesquisas sobre essa característica publicadas por Mancianti et al. (1995) e Rosário (2002) mostram valores de 100% e 96% respectivamente. A sensibilidade do ELISA indireto em quatro laboratórios foi de 100% e de 98% no laboratório B, mostrando assim, um valor elevado para todos os laboratórios, resultados estes condizentes com os observados por Mancianti et al (1995) e Rosário (2002). A especificidade para o teste ELISA foi de 100% nos laboratórios C e D, e de 98,3%, 96,5% e 98,3% nos laboratórios A, B e E, respectivamente, valores próximos ao observado por Mancianti et ai. (1995). A sensibilidade da RIFI e do ELISA foi similar enquanto que o teste ELISA mostrouse mais específico que a RIFI, ao revelar menor número de resultados falso-positivos embora esta diferença não tenha sido estatisticamente significante. Os valores de Kappa calculados para comparar as duas técnicas diagnósticas e os resultados entre os diferentes laboratórios variaram de 0,9409 a 1 indicando uma concordância de ótima a perfeita. Tabela 1 - Sensibilidade, especificidade, testes de concordância de Kappa e de Youden da RIFI e do ELISA de cinco laboratórios de diagnóstico sorológico de LVC, calculados a partir do padrão-ouro, Belo Horizonte-MG, 2003-2004. Técnicas Laboratórios Sensibilidade Especificidade Teste de Kappa Teste de Youden RIFI A 100% 96,5% 0,9706 0,9649 ELISA A 100% 98,3% 0,9854 0,9825 RIFI B 100% 94,7% 0,9558 0,9474 ELISA B 98,8% 96,5% 0,9560 0,9533 RIFI C 100% 100% 1 1 ELISA C 100% 100% 1 1 RIFI D 98,8% 100% 0,9855 0,9884 ELISA D 100% 100% 1 1 RIFI E 100% 98,3% 0,9854 0,9825 ELISA E 100% 98,3% 0,9854 0,9825 Interpretação do teste de Kappa: 0,81 a 0,99 = concordância ótima e 1 concordância perfeita (Sacket et al., 1991) Machado, J. G. et. a/o Comparação dos resultados dos métodos de imunotluorescência indireta e ELISA indireto Brasil. Vet. e Zootec. v.14, n.1,jun., p. 47-51, 2007.
ISSN 0102-5716 Veterinária e Zootecnia 51 CONCLUSÕES A alta sensibilidade e especificidade da RIFI e do ELISA contribuem de forma segura na identificação dos casos positivos, reduzindo a possibilidade de resultados falsos positivos e falsos negativos. A concordância de ótima a perfeita entre os resultados dos laboratórios avaliados indica que a qualidade diagnóstica está sendo mantida corroborando para a adoção de medidas estabelecidas no Programa de Vigilância e Controle do Ministério da Saúde referentes principalmente à identificação do reservatório canino. REFERÊNCIAS AL VES, W. A.; BEVILACQUA, P. D. Reflexões sobre a qualidade do diagnóstico da leishmaniose visceral canina em inquéritos epidemiológicos: o caso da epidemia de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 1993-1997. Cad. Saúde Pública. v. 20, p. 259-265, 2004. BUCK A.A.; GART J.J. Comparasion of a screening test and a reference test in epidemiologic studies. I. Indices of agreement and their relation to prevalence. Am. J. Epidemiol. v. 83, p.586-592,1966. CAMARGO, M.E.; REBONATO, C. Cross-reactivity in immunofluorescence for Trypanosoma and Leishmania antibodies. Am. J. Trop. Med. Hyg., v. 18, p. 500-505, 1969. BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Epidemiologia. Manual de vigilância e controle da leishmaniose visceral. Brasília, 2003. 120p. MANCIANTI, F. et a!. Comparison between an enzyme-linked immunosorbent assay using a detergent-soluble Leishmania infantum antigen and indirect immunofluorescence for the diagnosis ofcanine leishmaniosis. Veto Parasitol. v. 59, p. 13-21, 1995. ROSARIO E.Y. Avaliação de testes sorológicos utilizando antígenos brutos e recombinantes para o diagnóstico da leishmaniose visceral canina. 2002. 130f. Dissertação (Mestrado). Instituto de Ciências Biológicas. Faculdade de Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. SACKETT D.L. et a!. Clinical epidemiology, a basic science for clinical medicine. 2 ed. Boston: Little, Brown, 1991. 441 p. VOLLER A.; BIDWELL, W. H.; ARJONA, I. The enzyme linked immunossorbent assay (ELISA): guide with abstracts of microplate applications. Guerney: Dynatec Europe, 1979. p.124. Recebido em: 22/12/2005 Aceito em: 20/03/2007 Machado, J. G. et. al. Comparação dos resultados dos métodos de imunofluorescência indireta e ELISA indireto no diagnóstico sorológico da leishmaniose visceral canina realizado pelos laboratórios de Belo Horizonte, MG,