Hipertensão arterial que acompanha o acidente vascular encefálico deve ser tratada?

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Transcrição:

361 Hipertensão arterial que acompanha o acidente vascular encefálico deve ser tratada? Miguel Gus Resumo O tratamento farmacológico anti-hipertensivo é uma medida eficaz de prevenção primária, capaz de diminuir em 38% a ocorrência de acidente vascular encefálico (AVE). No entanto, são escassos os estudos sobre a sua eficácia no AVE estabelecido ou no agudo. Os comitês normativos norte-americanos indicam que a pressão arterial média deve ser reduzida no AVE agudo quando superior a 130 mmhg. O melhor meio a ser utilizado e o nível desejado ainda são desconhecidos. O consenso norte-americano sobre utilização de trombolíticos indica que pacientes com AVE isquêmico agudo com PA maior que 180 mmhg/110 mmhg não devem receber essa terapia, apesar de não haver estudos que tenham abordado especificamente essa questão. O conjunto dos poucos estudos que avaliaram o controle da pressão no AVE agudo indicam que esta não é uma prioridade no atendimento inicial desses pacientes. Palavras-chave: Hipertensão arterial; Infarto cerebral; Tratamento. Recebido: 30/7/00 Aceito: 19/10/00 Rev Bras Hipertens 4: 361-65, 2000 Introdução Os níveis de pressão sistólica e diastólica estão associados de forma exponencial com o risco para o desenvolvimento de doença coronariana e cerebrovascular. Os resultados do conjunto de ensaios clínicos que avaliaram o efeito do tratamento farmacológico anti-hipertensivo mostraram que a redução de 10 mmhg a 12 mmhg e 5 mmhg a 6 mmhg na pressão sistólica e diastólica, respectivamente, confe- rem uma redução de 38% na ocorrência de acidente vascular encefálico (AVE) 1. O benefício absoluto é diretamente proporcional à probabilidade de os indivíduos desenvolverem a doença. Os ensaios clínicos de prevenção primária mostraram um benefício absoluto mais significativo nos indivíduos idosos e mais severamente hipertensos 1. Esses resultados levam ao raciocínio de que indivíduos com AVE já estabelecido seriam aqueles que se beneficiariam mais intensamente do tratamento antihipertensivo 2. Prevenção secundária no AVE estabelecido O acompanhamento de pacientes com AVE estabelecido demonstra ser comum à elevação da pressão sistólica e diastólica após o evento. Um estudo de 226 pacientes com história de AVE mostrou um aumento significativo da Correspondência: Miguel Gus Av. Princesa Isabel, 395 Porto Alegre, RS E-mail: mgus@zaz.com.br

362 pressão sistólica e diastólica em 69% dos casos, durante o primeiro mês de seguimento. Por outro lado, em 31% dos pacientes, houve uma queda nos níveis pressóricos. Esses pacientes eram mais idosos e, apesar de pouco destaque por parte dos autores, apresentaram maior taxa de mortalidade ao longo do seguimento 3. Uma coorte inglesa de 2.435 pacientes com história de acidente isquêmico transitório e AVE de pequena extensão, com um seguimento de quatro anos, mostrou uma associação linear entre a pressão arterial e o risco para AVE. Não se identificou nível pressórico mínimo a partir do qual o risco para AVE não declinasse 4. Dúvidas a respeito da segurança na redução da pressão arterial em indivíduos com doença cerebrovascular estabelecida foram levantadas em estudo observacional 5, no qual se identificou uma curva de associação em forma de J entre os níveis pressóricos e a recorrência de AVE. Mesmo os recentes resultados do ensaio clínico HOT 6, que avaliou a existência de curva J no contexto de prevenção primária, não permitiram conclusões definitivas sobre sua real existência. O benefício do tratamento antihipertensivo em pacientes com doença cerebrovascular estabelecida tem sido pouco avaliado por ensaios clínicos. O efeito de 50 mg de atenolol, em prevenir eventos cardiovasculares e mortalidade, foi estudado em 1.473 pacientes com história de acidente isquêmico transitório e AVE. Não houve diferença em relação à prevenção de desfechos entre o grupo placebo e o que recebeu betabloqueador (12,8% versus 13,3%), apesar da média sistólica ser menor no grupo tratado (5,8 mmhg de diferença). O pequeno período de acompanhamento (2,6 anos), a possibilidade de erro beta e a escolha inadequada do anti-hipertensivo poderiam explicar os resultados negativos desse estudo 7. Aguarda-se resultados de estudos de maior porte para definir-se com mais exatidão o papel do controle pressórico na prevenção secundária de AVE 8. Efeitos do tratamento anti-hipertensivo no AVE agudo A ausência de evidências que possam sustentar o papel do tratamento anti-hipertensivo na prevenção secundária em pacientes com AVE estabelecido pode ser estendida para o benefício do controle pressórico na fase aguda do AVE. A elevação de pressão arterial é um achado comum nos pacientes hospitalizados com AVE agudo, podendo ocorrer em 50% a 70% dos pacientes internados 10. O quadro 1 lista os fatores que podem contribuir para esse fato. Quadro 1 Fatores que contribuem para o aumento dos níveis pressóricos no AVE agudo Ansiedade Dor Resposta fisiológica à hipoxia cerebral Aumento da pressão intracraniana Hipertensão prévia Retenção urinária Apesar da ausência de evidências que possam estabelecer os reais níveis pressóricos capazes de melhorar o prognóstico dos pacientes com AVE agudo, é comum buscar-se a redução ativa da pressão arterial durante o atendimento desses pacientes, mesmo antes de serem consideradas as situações listadas na tabela 1 11. Na prática médica corrente, há consenso em controlar mais agressivamente a pressão arterial em pacientes com AVE hemorrágico que naqueles com AVE isquêmico. O raciocínio teórico seria de que esse procedimento poderia diminuir o risco de manter o sangramento arterial. Por outro lado, uma queda exagerada da pressão poderia diminuir a perfusão cerebral, principalmente nos pacientes com hipertensão intracraniana 12. Essa cautela baseia-se nos mecanismos de regulação do fluxo sangüíneo cerebral. Um dos seus determinantes é a pressão de perfusão cerebral a qual resulta da diferença entre a pressão arterial e a intracraniana. Normalmente, essa auto-regulação mantém o fluxo em uma ampla faixa de pressão arterial média (50 mmhg a 150 mmhg, aproximadamente). Em pacientes cronicamente hipertensos, a curva de auto-regulação desloca-se para a direita. Infelizmente, a faixa de pressão arterial segura, nesses pacientes, ainda não foi determinada (Figura 1) 13. Fluxo cerebral Hipertensos Normotensos 50 100 150 200 Pressão arterial Figura 1 Variação do fluxo cerebral de acordo com a variação da pressão em hipertensos e normotensos. Os poucos estudos clínicos que avaliaram esses dois lados da questão não sustentam a idéia de que o controle agressivo da pressão arterial seja capaz de ser uma medida capaz de modificar o curso clínico nos episódios de AVE agudo. Uma coorte que acompanhou 103 pacientes nas primeiras 3 horas de um AVE hemorrágico identificou um crescimento significativo no volume do sangramento em 26% dos pacientes quando foram comparadas as tomografias cerebrais iniciais e de 1 hora de seguimento. Nesse grupo houve uma deterioração clínica. Compa-

363 rando-se esses pacientes com aqueles sem o aumento do sangramento não foram identificadas variáveis determinantes da evolução. Entre as analisadas estava a pressão arterial, que foi semelhante entre os grupos de comparação (200 ± 34 mmhg/110 ± 18 mmhg versus 199 ± 38 mmhg/108 ± 28 mmhg nos grupos com e sem aumento de sangramento) 14. A análise secundária de um estudo de trombólise no AVE isquêmico analisou especificamente a questão da hipertensão e seu tratamento 15. De um total de 624 pacientes, 372, divididos entre o grupo-placebo e rt-pa, apresentaram hipertensão dentro das primeiras 24 horas após a randomização. No grupo de trombolíticos, os pacientes que receberam tratamento anti-hipertensivo tiveram uma maior mortalidade em três meses. Obviamente, o delineamento do estudo não permite afirmar a relação direta entre o tratamento anti-hipertensivo e a mortalidade, pois os pacientes tratados poderiam ser um grupo de maior gravidade. Um ensaio clínico duplo-cego com apenas 16 pacientes analisou de forma interessante o resultado do tratamento anti-hipertensivo no AVE isquêmico agudo, no fluxo cerebral, através de cintilografia cerebral 16. Pacientes com pressão arterial entre 170 mmhg e 200 mmhg sistólica e 90 mmhg e 120 mmhg diastólica foram selecionados. Seis foram alocados no grupo-placebo e os demais receberam nicardipina, captopril ou clonidina. Houve queda da pressão arterial nos dois grupos, mas não houve diferenças entre os grupos em relação a essa queda. Encontrou-se uma relação inversa entre o declínio pressórico máximo (a partir de 16% na pressão arterial média) e o aumento do fluxo cerebral. A queda pressórica ocorreu principalmente nos que utilizaram o bloqueador do cálcio. Os autores recomendam que os pacientes com AVE agudo com hipertensão não devem ter, necessariamente, a sua pressão controlada, e que o uso de bloqueadores de cálcio pode reduzir excessivamente a pressão arterial. O conjunto das evidências (ou falta delas) levaram os comitês normativos a elaborarem recomendações sobre quando e como controlar a pressão arterial, em situações de AVE agudo 12,17. A tabela 1 resume essas recomendações e seu grau de evidência. As drogas preconizadas no tratamento da hipertensão, nessa situação, são o nitroprussiato de sódio, labetalol, esmolol, hidralazina e enalapril 12. O nitroprussiato de sódio, a droga usualmente utilizada no nosso meio, é um vasodilatador e, teoricamente, poderia aumentar o fluxo cerebral aumentando a pressão intracraniana. Essa desvantagem não foi demonstrada em contexto clínico 17. O uso de antagonistas do cálcio por via sublingual deve ser evitado, pois a sua rápida absorção pode causar um declínio exagerado da pressão arterial 12. A tabela 2 mostra o algoritmo preconizado da terapia anti-hipertensiva no AVE agudo 17. Controle da pressão arterial durante utilização de trombolíticos no AVE agudo isquêmico A evidência de que a utilização de rt-pa, nas primeiras 3 horas de um episódio de AVE isquêmico, resulta em uma melhora funcional sem aumentar a mortalidade, em pacientes selecionados, foi demonstrada em ensaio clínico 18. Nesse estudo, os pacientes com pressão arterial acima de 185 mmhg/110 mmhg não foram incluídos. Esse critério provavelmente tenha decorrido da tradição histórica dos ensaios de trombolíticos no infarto agudo do miocárdio que de evidências no AVE agudo. Mesmo assim, diante Tabela 1 Recomendações para o tratamento da pressão arterial no AVE agudo Recomendação Grau de evidência * Recomendação Em hipertensão severa, o controle da pressão deve ser cauteloso, pois a deterioração neurológica pode ocorrer III IV V C*** após a administração de anti-hipertensivos Usar anti-hipertensivos apenas com PAM maior que 130 mmhg ou PAS** III IV V C maior que 220 mmhg * I Ensaios sem erros aleatórios; II ensaios com erros aleatórios; III estudos de coorte; IV controles históricos; V série de casos. ** Pressão arterial sistólica. *** Grau de recomendação em escala de A (fundamentada em ensaios clínicos sem erros aleatórios) a D (fundamentada na opinião de especialistas) Tabela 2 Algoritmo preconizado para terapia anti-hipertensiva no AVE agudo Situação Medida Grau de evidência Recomendação PAS* > 230 mmhg ou Nitroprussiato de V C PAD ** > 140 mmhg sódio PAS 180 mmhg a 230 mmhg ou Labetalol, esmolol, V C PAD 105 mmhg a 140 mmhg enalapril PAS < 180 mmhg e Evitar tratamento V C PAD < 105 mmhg anti-hipertensivo * Pressão arterial sistólica. ** Pressão arterial diastólica.

364 desse fato, o comitê normativo da American Heart Association (AHA), que orienta a utilização de trombolíticos no AVE agudo, rotula como recomendação de grau A a exclusão de pacientes com níveis pressóricos acima dos mencionados para utilização de trombolíticos 19. O controle ativo da pressão arterial objetivando a possibilidade da administração de rt-pa não é considerado pelo comitê da AHA. Uma opinião recente a esse respeito recomenda a não intervenção ativa sobre a pressão arterial nessa situação 20. Apesar da ausência de estudos específicos a esse respeito, recomendase conduta conservadora, com manutenção do paciente com AVE isquêmico agudo em uma sala tranqüila e com baixa luminosidade. Conclusões Em 1991, aproximadamente 500 mil norte-americanos tiveram um AVE agudo (400 mil isquêmicos), causando mais de 143 mil mortes. Em 1994, os custos com essa patologia, para o sistema de saúde americano, superou os 20 bilhões de dólares 12. Considerando que uma parcela significativa dos pacientes chega ao setor de seu atendimento inicial com a pressão elevada, é surpreendente a falta de estudos que abordem especificamente essa questão. O conjunto de evidências contraria a idéia vigente, entre os profissionais e público leigo, de que o controle ativo da pressão nessa situação seja uma medida terapêutica eficaz. A identificação de fatores precipitantes para o aumento da pressão arterial, a obtenção de recursos de imagem adequados para um diagnóstico correto da lesão cerebral, o controle da pressão intracraniana e a expansão do conhecimento sobre a utilização de trombolíticos no AVE isquêmico constituem-se em prioridades de atendimento e pesquisa em pacientes com AVE agudo com elevação da pressão arterial. Abstract Should hypertension be treated during acute stroke? Randomized controlled trials have shown that antihypertensive drug treatment reduces in 38% the incidence of stroke. However, definitive studies showing the effectiveness of antihypertensive treatment in patients with a preexisting or during stroke are lacking. The northamerican guidelines state that mean blood pressure should be lowered cautiously when it exceeds 130 mmhg during acute stroke. The best therapy to be used is still unknown. According to the guidelines, thrombolysis should not be employed in patients with blood pressure higher than 180 mmhg/110 mmhg, although there is no trial that has specifically addressed this issue. The overall view of literature on the effect of antihypertensive treatment in patients with acute stroke suggests that this is not a priority. Keywords: Hypertension; Stroke; Treatment. Rev Bras Hipertens 4: 361-65, 2000 Referências 1. MacMahon S, Rodgers A. Primary and secundary prevention of stroke. Clin Exp Hypertens 18: 537-46, 1996. 2. MacMahon S, Rodgers A, Neal B, Chamlmers J. Blood pressure lowering for secondary prevention of myocardial infarction and stroke. Hypertension 29: 537-8, 1997. 3. Carlsson A, Britton M. Blood pressure after stroke. A one year follow-up study. Stroke 24: 195-9, 1993. 4. Rodgers A, MacMahon S, Gamble G et al. Blood pressure and risk of stroke inpatients with cerebrovascular disease. The United Kingdom Transient Attack Collaborative Group. BMJ 313: 147, 1996. 5. Irie K, Yamaguchi T, Minematsu K et al. The J curve phenomenon in stroke recurrence. Stroke 24: 1844-9, 1993. 6. HOT study group. Effects of intensive blood-pressure lowering and low dose of aspirin in patients with hypertension: principal results of the Hypertension Optimal Treatment (HOT) randomized trial. Lancet 351: 1755-62, 1998. 7. Dutch TIA. Trial study Group. Trial of secondary prevention with atenolol after ischemic attack or nondisabling ischemic stroke. Stroke 24: 543-8, 1993. 9. PROGRESS Management Committee. Blood pressure lowering for secondary prevention of stroke: design and rationale for PROGRESS. J Hipertens (Suppl 2): 41-46, 1996. 10. André C. Hipertensão arterial e acidente vascular cerebral isquêmico agudo. Rev Soc Cardiol 4: 587-93, Estado de São Paulo, 1999. 11. André C. Hipertensão arterial na fase aguda do infarto cerebral. Inquérito sobre a prática corrente em um hospital Universitário. Arq Neuropsiquiatr 52: 339-42, 1994.

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