SISTEMA DE ALERTA DE CHUVAS INTENSAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: EVENTOS DO VERÃO 1999/2000 Marcelo Belassiano Shirley Marques Lima Marisa Carvalho Durão Barbosa Bruno Pinto Marques Sistema Alerta-Rio/GEORIO Rua Fonseca Teles, 121,10 0. andar São Cristóvão Rio de Janeiro - RJ marcelob@acd.ufrj.br Maria Gertrudes Alvarez Justi da Silva UFRJ/Departamento de Meteorologia ABSTRACT The present work does an analysis of the heavy rain warnings issued by the City of Rio de Janeiro Geotechnical Foundation (GEORIO) during the summer season of 1999/2000. The data used was obtained by the doppler radar located in Petropolis (50 km north of the city), GOES-8 and a 30-pluviometer network within the city limits. It was found that all warnings were issued with a minimum of thirty minutes prior to the greatest precipitation rates, and shown that the interaction between the academic and the operational areas has been of great value. INTRODUÇÃO Com a finalidade de alertar os órgãos operacionais da Prefeitura do Rio de Janeiro e a população em geral, foi criado em setembro de 1996 o Sistema Alerta-Rio, vinculado à Fundação Instituto de Geotécnica GEORIO. O sistema opera desde sua criação com uma rede de trinta pluviômetros automáticos transmitindo dados em tempo real para uma estação central. A partir de fevereiro de 1999, através de um convênio com o Ministério da Aeronáutica, o sistema passou a contar com as imagens do radar meteorológico doppler do Pico do Couto, situado no Município de Petrópolis (RJ). Com isso, uma equipe de técnicos e meteorologistas foi contratada para monitorização das condições do tempo e elaboração de prognósticos de curto prazo ( nowcasting ) de chuvas intensas que possam vir a atingir a cidade, e com isso minimizar os transtornos causados por enchentes e deslizamentos de encostas. A Cidade do Rio de Janeiro se caracteriza pela complexidade de sua orografia, com encostas irregulares próximas ao litoral. Isto faz com que a variabilidade espacial da precipitação seja muito grande, dificultando ainda mais um prognóstico preciso. A região mais vulnerável da cidade encontra-se no entorno do Maciço da Tijuca, devido à ocupação irregular de suas encostas e à alta densidade demográfica. A preocupação com a ocorrência destas chuvas aumenta nos meses de verão, período em que a atividade convectiva está mais intensa sobre a Região Sudeste do Brasil. Ainda, a associação de sistemas frontais às áreas mais instáveis da atmosfera geram núcleos convectivos de grande intensidade, por vezes com ocorrência de granizo associada. Este trabalho tem por objetivo fazer uma análise dos eventos de precipitação intensa na Cidade do Rio de Janeiro no verão de 1999/2000, utilizando dados de radar. Será ainda feita uma comparação qualitativa destes dados com os dados pluviométricos. MATERIAL E MÉTODOS Foram utilizados neste trabalho: dados de precipitação do SEMPRE (Sistema de Estações de Monitorização Pluviométrica Remota da GEORIO); imagens geradas pelo radar meteorológico do Pico do Couto, cedidas pelo Ministério da Aeronáutica; imagens de satélite, obtidas a partir de um convênio com Furnas Centrais Elétricas S/A; radiossondagem do Aeroporto do Galeão, obtida via internet da University of Wyoming. 3398
Foi feita uma análise subjetiva dos dados disponíveis para cada evento: 31 de dezembro a 4 de janeiro; 25 de janeiro; 31 de janeiro; 08 e 09 de fevereiro; 16 e 17 de fevereiro; e 18 e 19 de março. Entre esses eventos, os de 25 e 31 de janeiro podem ser classificados como linhas de instabilidade que se propagaram sobre o município e os demais casos que estiveram associados a fenômenos de maior escala. RESULTADOS E DISCUSSÃO 1. Caso de 31 de dezembro de 1999 a 04 de janeiro de 2000 Este evento esteve associado a uma frente fria que se deslocava pela Região Sudeste do Brasil e caracterizou o estabelecimento das ZCAS (Zona de Convergência do Atlântico Sul), como pode ser visto na imagem do satélite GOES-8 do dia 02/01/2000 (Figura 1a). Este sistema atingiu principalmente o leste do Estado de São Paulo, o sul de Minas Gerais e o oeste do Estado do Rio de Janeiro. Na imagem de radar do mesmo dia (Figura 1b), quando houve maior atividade convectiva sobre a cidade, podem ser vistos núcleos de mais de 42 dbz de refletividade. A Figura 2 mostra a distribuição da precipitação sobre o Município do Rio de Janeiro, onde fica claro que a Zona Oeste foi a parte mais atingida. No entanto, apesar dos elevados totais pluviométricos, as taxas horárias não foram tão altas. Ainda assim, 104 vistorias foram requisitadas à GEORIO e foram registrados três óbitos decorrentes de deslizamentos. Não houve emissão de alerta pela prefeitura. (a) Figura 1 (a) Imagem infravermelha do satélite GOES-8 do dia 02/01/2000 às 06Z e imagem do radar do Pico do Couto CAPPI das 21:15Z do dia 02/01/2000. (a) (c) (d) (e) Figura 2 Totais pluviométricos (mm) na Cidade do Rio de Janeiro para os dias (a) 31/12/1999, 01/01/2000, (c) 02/01/2000, (d) 03/01/2000 e (e) 04/01/2000. 3399
2. Caso de 25 de janeiro de 2000 Uma linha de instabilidade pré-frontal com deslocamento noroeste/sudeste (Figura 3a) foi responsável por um temporal que atingiu principalmente o nordeste da cidade e deslocou-se para a Baía de Guanabara. Os registros de chuva intensa no município começaram por volta das 21:00Z, sendo que em algumas localidades houve ocorrência de granizo. Pela imagem de radar (Figura 3b), pode ser observado um núcleo de mais de 58 dbz de refletividade. O alerta de chuvas intensas foi emitido pelo Sistema Alerta Rio às 19:25Z. A Figura 4 mostra a distribuição da precipitação sobre o Município do Rio de Janeiro. (a) Figura 3 (a) Imagem do satélite GOES-8 ch.4 do dia 25/01/2000 às 21:45Z e imagem do radar do Pico do Couto CAPPI das 21:20Z do dia 25/01/2000. 3. Caso de 31 de janeiro de 2000 Figura 4 Totais pluviométricos (mm) na Cidade do Rio de Janeiro para o dia 25/01/2000. Uma linha de instabilidade pré-frontal (Figura 5a), semelhante a do caso anterior, provocou chuvas intensas nas Zonas Norte, Centro e Sul do município. Este evento foi reportado como a primeira chuva de verão pela imprensa carioca, por ter atingido áreas economicamente importante. As condições meteorológicas se caracterizavam por alta umidade relativa em baixos níveis, pela presença de um cavado em altos níveis com eixo sobre a Região Sul do Brasil e por fluxo de NW em níveis médios, conforme mostrado por Silva Paiva (2000). O alerta foi emitido pelo Sistema Alerta Rio às 20:25Z, sendo que a chuva intensa atingiu a Zona Sul da cidade em torno das 21:00Z, conforme mostrado pela Figura 5b. A Figura 6 mostra os totais pluviométricos associados à passagem deste sistema pela cidade. Fica claro que a região leste da cidade foi a mais atingida. Sendo esta a região 3400
de maior densidade demográfica do município, as conseqüências foram caóticas, com ruas alagadas e deslizamentos reportados. (a) Figura 5 (a) Imagem do satélite GOES-8 ch.4 do dia 31/01/2000 às 12:15Z e imagem do radar do Pico do Couto CAPPI das 21:03Z do dia 31/01/2000. Figura 6 Totais pluviométricos (mm) na Cidade do Rio de Janeiro para o dia 31/01/2000. 4. Caso de 08 e 09 de fevereiro de 2000 Diferentemente dos demais eventos de chuva intensa do verão 1999/2000 no Rio de Janeiro, este ocorreu após a passagem de um sistema frontal pelo estado, como mostra a imagem do satélite GOES-8 (Figura 7a). Uma linha de precipitação se formou sobre a Região Serrana fluminense e se propagou para sul, atingindo o município no início da noite (Figura 7b). Como não havia forçante térmica e a atmosfera se encontrava estável, conforme pode ser visto na radiossondagem do Aeroporto do Galeão (Figura 8), deduz-se que existia alguma forçante dinâmica sobre a região, relativamente profunda, capaz de, por si só, gerar convecção. A Figura 9 mostra o total pluviométrico deste evento. Pode-se observar que as áreas mais atingidas foram, respectivamente, o sudoeste e o nordeste do município. O alerta emitido às 23:05Z foi relativamente tardio, uma vez que a causa deste fenômeno não foi previamente detectada. Ainda assim, as chuvas mais intensas foram registradas em torno de trinta minutos depois. 3401
(a) Figura 7 (a) Imagem do satélite GOES-8 ch.4 do dia 08/02/2000 às 21:15Z e imagem CAPPI do radar do Pico do Couto das 23:24Z do dia 08/02/2000. Figura 8 Radiossondagem do Aeroporto do Galeão do dia 08/02/2000 às 12:00Z Figura 9 Totais pluviométricos (mm) na Cidade do Rio de Janeiro para os dias 08 e 09/02/2000. 5. Caso de 16 e 17 de fevereiro de 2000 Associado à passagem de um sistema frontal pela cidade do Rio de Janeiro (Figura 10a), este evento esteve associado às maiores taxas pluviométricas até então registradas pelo SEMPRE. A Estação Grajaú, por exemplo, registrou 90,3 mm/h de precipitação às 02:01Z do dia 17/02/2000. A imagem de radar (Figura 10b) deste dia mostra claramente um núcleo de mais de 48 dbz sobre o nordeste da cidade, uma das partes mais atingidas do município, conforme mostrado pela Figura 11. O alerta de chuvas intensas foi emitido pelo Sistema Alerta Rio às 19:20Z, com antecedência de mais de três horas em relação ao início do evento. 3402
(a) Figura 1 (a) Imagem do satélite GOES-8 ch.4 do dia 17/02/2000 às 02:15Z e imagem CAPPI do radar do Pico do Couto das 02:13Z do dia 17/02/2000. 6. Caso dos dias 18 e 19 de março de 2000 Figura 11 Totais pluviométricos (mm) na Cidade do Rio de Janeiro para os dias 16 e 17/02/2000. Este evento esteve associado a uma frente fria que se deslocava pelo litoral do estado, responsável pela organização de convecção no continente, como pode ser visto na imagem de satélite (Figura 12a). Observou-se ainda um cavado em altitude com eixo sobre o Uruguai (não mostrado). Este sistema provocou chuvas intensas, principalmente na Zona Oeste da Cidade (Figura 12b), onde foram registrados índices pluviométricos superiores a 200 mm em poucas horas. Na Estação Campo Grande foi observada a maior intensidade já registrada desde a implantação do SEMPRE (109,9 mm/h às 03:08Z do dia 19/03/2000). O alerta emitido às 02:45Z do dia 19/03 foi relativamente tardio. Contudo, chuvas bastante intensas foram registradas em diversas regiões do município após a emissão. 3403
(a) Figura 12 (a) Imagem do satélite GOES-8 ch.4 do dia 19/03/2000 às 00:46Z e imagem do radar do Pico do Couto CAPPI das 04:24Z do dia 19/03/2000. Figura 13 Totais pluviométricos (mm) na Cidade do Rio de Janeiro para os dias 18 e 19/03/2000. CONCLUSÕES Os sistemas de alerta de chuvas intensas tornam-se de extrema importância nas grandes metrópolis, pois visam prover estes centros urbanos com um mecanismo capaz de facultar o Poder Público e a população em geral a adoção de medidas preventivas emergenciais direcionadas à mitigação das conseqüências negativas decorrentes dos prováveis acidentes. O Sistema Alerta Rio tem desempenhado um papel muito importante na Cidade do Rio de Janeiro emitindo boletins de previsão de chuvas intensas em curto prazo (em torno de duas horas de antecedência) fornecendo respaldo a órgãos públicos como Defesa Civil, Guarda Municipal, Fundação Rio Águas, COMLURB, CET-RIO entre outros, e ainda alertando a população, através dos meios de comunicação, sobre os riscos associados a tais sistemas. No Alerta Rio foi adotado um sistema de trabalho conjunto entre o pessoal operacional e o da área acadêmica. O trabalho de compilação de casos feito pela equipe do Alerta Rio tem possibilitado que pesquisadores do Laboratório de Prognósticos em Mesoescala do Departamento de Meteorologia da UFRJ possam, após a passagem de um dado evento, estudar com profundidade seu processo de formação e desenvolvimento, utilizando dados observacionais e modelos numéricos. Com isso, certamente haverá um crescimento do conhecimento dos fenômenos e, conseqüentemente, um aumento na previsibilidade daqueles sistemas intensos que realmente causam transtornos ao Município do Rio de Janeiro. 3404
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Silva Paiva, L. M., 2000: Tempestade e chuvas de verão no Estado do Rio de Janeiro. Monografia de graduação, Departamento de Meteorologia/UFRJ. 117 pp. Department of Atmospheric Sciences, University of Wyoming: radiossondagem. http://www-das.uwyo.edu 3405