HIDROFILIDADE EM FIBRAS DE ALGODÃO BRANCO E NATURALMENTE COLORIDO Ruben Guilherme da Fonseca. (Embrapa Algodão / rguilher@cnpa.embrapa.br). RESUMO - Hidrofilidade é o nome atribuído à capacidade que a fibra de algodão possui de absorver e reter água. A celulose é a principal responsável por este fenômeno, entretanto, tratamentos químicos potencializam tal propriedade. Neste estudo objetivou-se primeiramente, quantificar a hidrofilidade natural da fibra do algodão por meio de dois parâmetros: conteúdo de umidade e índice de retenção de água e, em seguida, identificar correlações com as características tecnológicas intrínsecas à fibra. Foram avaliados dois cultivares de fibra branca (BRS Camaçari e BRS 201) e dois naturalmente coloridos (BRS 200 e BRS Safira). O estudo foi realizado em dezesseis amostras, quatro por variedade, previamente condicionadas em atmosfera-padrão que, paralelizadas na forma de feixes, foram parcialmente imersas em uma solução de água destilada e agente tensoativo por período de quatro horas, com observações horárias. Concluiu-se que a BRS 201 apresentou a maior capacidade de absorção de água, enquanto a BRS Safira a menor. A BRS Safira apresentou maior capacidade de retenção de água. A metodologia proposta não proporcionou altos níveis de correlação Pearson, contudo, foi possível concluir que, enquanto o UHM e o CSP são diretamente proporcionais ao conteúdo de umidade, a resistência à ruptura e o micronaire o são em relação à retenção de água. Palavras-chave: hidrofilidade, HVI, algodão colorido. FIBRE HIDROPHILICITY IN WHITE AND NATURALLY COLORED COTTON ABSTRACT - Hidrophilicity is the name given to the cotton fibre s ability to absorb and retain water. The cellulose is the main responsible for this phenomenon; nevertheless, chemical treatments may enhance this property. The goal of the present work was, firstly, to quantify the fibre s inner hidrophilicity by means of two parameters: moisture content and water retention, and then to identify correlations with the fibre s intrinsic technological characteristics. Two cultivars of white (BRS Camaçari e BRS 201) and two naturally colored fibres (BRS 200 Marrom e BRS Safira) were analyzed. The study was conducted on sixteen samples, four samples per cultivar, prior conditioned on standard atmospheric conditions which, parallelized in beard shape were partially immerged in a solution of distilled water with a tensoactive agent by a period as long as for hours. In conclusion, it was verified that BRS 201 presented the highest water absorption ability, whereas BRS Safira presented the lowest. The BRS Safira has also presented the highest water retaining level. The proposed methodology did not returned high Pearson correlation levels, in the other hand, it was possible to conclude that while UHM and CSP were directly proportional to moisture content, the strength and micronaire were to water retaining level. Key words: hidrophilicity, HVI, colored cotton.
INTRODUÇÃO A fibra de algodão é formada por diversos constituintes, dentre eles a celulose, podendo representar mais de 95% da massa seca em uma fibra madura. Este polímero natural, cujo monômero original é a glicose, é depositado em anéis concêntricos na parede secundária da fibra em arranjos diferentes de paralelismo, ou cristalinidade. Uma mesma cadeia celulósica pode ser identificada como cristalina ou amorfa por conter, respectivamente, regiões com alto ou baixo nível de paralelismo. Segundo estudos datados do ano de 1955, relatados por Cotton Research Committee of Texas (1983), as regiões amorfas da cadeia celulósica permitem a passagem de moléculas de água com maior facilidade do que as cristalinas. Estas moléculas, quando unidas aos grupamentos hidroxila (OH - ) presentes na celulose, são responsáveis por alterações importantes nas propriedades físicas da fibra (REED, 2001). O teor de água contido na fibra do algodão pode ser caracterizado conforme três parâmetros (PASSOS, 1977): umidade constitucional inerente à própria fibra e independente de fatores externos; umidade higroscópica que pode ser absorvida pela fibra, variável em função do ambiente e umidade intersticial adsorvida por tensão superficial à cutícula da fibra. As unidades utilizadas para expressar o teor de umidade na fibra são o regain%, obtido em função da massa seca, e o conteúdo de umidade (U%), obtido em função da massa condicionada em atmosfera-padrão, tornando dispensável, portanto, a utilização de uma estufa. Esta capacidade de retenção de água, quando avaliada em função do tempo, é expressa em termos de índice de retenção de água Ir% (COTTON RESEARCH COMMITTEE OF TEXAS,1983). O conhecimento deste índice específico para cada variedade, pode abrir novas perspectivas de aplicação, bem como de redução de custos nos processamentos têxteis de natureza química. Variedades com melhor hidrofilidade reduziriam os custos relativos aos acabamentos químicos industriais e conseqüentemente as emissões de efluentes tóxicos. Uma vez que o conteúdo de celulose na fibra é definido por estímulos ambientais e genéticos (SANTANA et al., 1998) propõe-se contemplar, do ponto de vista do melhoramento genético, mais esta variável. Tal constatação motivou a execução deste trabalho para variedades de algodão brasileiras, convencionais e naturalmente coloridas. MATERIAL E MÉTODOS Foram selecionados quatro cultivares, dois de cor branca (BRS 201 e BRS Camaçari) e dois de fibra naturalmente colorida (BRS 200 Marrom e BRS Safira). Para cada variedade foram produzidas quatro amostras-padrão submetidas, cada uma, a quatro repetições a intervalos de uma hora, para determinação de seus conteúdos de umidade e índice de retenção de água. Após um período de 48 horas de condicionamento em atmosfera-padrão, as amostras foram ensaiadas em HVI para avaliação de suas características tecnológicas (ZELLWEGER USTER, 1999) e, em seguida, foram paralelizadas em forma de feixes, pesadas em uma balança de precisão, e imersas em uma solução de água destilada contendo agente tensoativo a 1% em volume. O período total de imersão para cada amostra foi de quatro horas com observações realizadas a intervalos de uma hora, perfazendo um total de quatro observações para cada amostra. O conteúdo médio de umidade foi calculado com base na relação descrita por Araújo (1984). As correlações com as características tecnológicas de fibra foram feitas utilizando-se somente os dados da primeira hora. Um índice de retenção de água foi obtido, para cada cultivar, calculando-se a variação de massa entre a quarta e a
primeira hora, dividindo-se o resultado obtido pelo número de horas em imersão. Este índice indica, portanto, a variação do conteúdo de água, absorvido e adsorvido à massa de fibras ao longo do tempo. Em suma, enquanto o conteúdo de umidade é um valor discreto, instantâneo, o índice de retenção de água tem uma natureza probabilística. Os dados obtidos foram analisados com auxílio dos softwares Microsoft Excel e SAS System. Para a realização destas medições foi utilizada uma balança munida de capela, com precisão igual a 0,0001g. As limitações práticas à adoção da metodologia proposta neste estudo residem, principalmente, na manutenção de uma atmosfera-padrão por um longo período de tempo e na capilaridade intersticial, condições fundamentais para minimização dos efeitos decorrentes da histerese natural da fibra do algodão. O experimento foi conduzido no laboratório de tecnologia de fibras e fios da Embrapa Algodão, em Campina Grande-PB. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na Tabela 1 estão relacionados os índices de hidrofilidade (conteúdo médio de umidade U% e índice de retenção de água - I r %) obtidos para cada cultivar. A variedade BRS 201 apresentou o mais alto conteúdo de umidade, entretanto, a partir da primeira hora verificou-se a perda de parte desta umidade para o ambiente. Uma vez que este comportamento não foi verificado nas outras variedades estudadas tem-se, provavelmente, uma fibra mais dinâmica em termos de absorção e evaporação da umidade, o que pode se refletir em melhor rendimento nos beneficiamentos químicos e nos processos de secagem, além de maior conforto para um potencial usuário. Tabela 1. Índices de hidrofilidade de cultivares de fibra branca e colorida. Tempo BRS 200 BRS Camaçari BRS 201 (horas) Marrom BRS Safira 1 7,60737 12,18908 9,80773 6,34269 2 6,20307 11,72710 10,60433 6,31799 3 6,83205 11,49260 9,26001 6,07825 4 8,35616 10,92275 11,62848 8,58964 U% 7,2497 11,5829 10,3251 6,8321 Ir% 8,9609-11,5935 15,6577 26,1589 Dentre os cultivares de fibras naturalmente coloridas, o BRS Safira apresentou o maior índice de absorção de água, enquanto o BRS 200 Marrom apresentou o maior conteúdo de umidade. Cabe salientar que, na BRS Safira há uma menor ocorrência de fibras de cor branca, o que permite supor que a capacidade de retenção de água estaria relacionada à cor da fibra que, por sua vez, interfere na cristalinidade das cadeias celulósicas da parede secundária. Encontram-se relacionados na Tabela 2, os dados de, encontrados para a cor e demais características mensuradas em instrumento HVI. Verifica-se, em virtude do sinal negativo, que quanto maior o grau de amarelecimento da fibra (+b) e o índice de fibras curtas (SFI), menor a capacidade da fibra em absorver água. A natureza positiva da correlação entre o comprimento médio (UHM) e o conteúdo de umidade indica que, quanto mais longas as fibras, maior será a capacidade de absorver
água. O mesmo se observa para o índice de fiabilidade (CSP), a uniformidade de comprimento (Unf), o índice micronaire (Mic) e a reflectância (Rd). Tabela 2. Correlação (Pearson) entre os índices de hidrofilidade e as características tecnológicas em cultivares de fibras brancas e naturalmente coloridas. Str UHM SFI Mic Mat CSP Rd +b Unf U% 0,50* 0,56** -0,30 n.s 0,46* 0,38 n.s 0,55* 0,44* -0,43 n.s 0,54* Ir% -0,59** -0,32 n.s 0,44 n.s -0,53* -0,39 n.s -0,26 n.s -0,36 n.s 0,40 n.s -0,33 n.s * Significativo para α= 0,05. ** Significativo para α= 0,01 pelo teste t. Quanto à capacidade de retenção de água, avaliada segundo o Ir%, foram verificadas correlações com a resistência da fibra à ruptura (STR) e o índice micronaire (Mic). Ambos de natureza negativa, permitindo concluir que a capacidade da fibra de reter umidade ao longo do tempo é inversamente proporcional a tais parâmetros. Percebe-se também que a capacidade de absorver água é inversamente proporcional à capacidade de reter esta umidade ao longo do tempo, ou seja, quanto mais rápido a fibra absorve água, mais rápido ela a devolverá ao ambiente. Isto pode ser verificado na Figura 1. 0,8 Hidrofilidade 0,6 0,4 0,2 0-0,2 Str UHM SFI Mic Mat CSP Rd +b Unf -0,4-0,6-0,8 Conteúdo de umidade-u% Índice de retenção de água-ir% Figura 1. Hidrofilidade em função das características tecnológicas de fibra. A metodologia proposta neste estudo, embora dispense a utilização de equipamentos adicionais (centrífuga, estufa etc.) não retorna altos níveis de correlação, entretanto, mostra-se eficiente quando utilizada para comparar a hidrofilidade de diferentes matérias-primas antes do processamento têxtil. Este procedimento permite reduzir os custos inerentes aos beneficiamentos químicos têxteis, bem como a emissão de efluentes nocivos ao meio-ambiente e ao homem. Na figura 2 observa-se uma amostra de fibras, paralelizadas em formato de feixe e imersas na solução para avaliação da hidrofilidade.
Figura 2. Amostra em imersão parcial para avaliação da hidrofilidade. (Foto: Ruben G. da Fonseca, 2005). CONCLUSÔES 1. O cultivar BRS 201 apresentou maior capacidade de absorver água; 2. O BRS Safira apresentou a maior capacidade de retenção de água ao longo do tempo; 3. O grau de amarelecimento e o índice de fibras curtas são inversamente proporcionais à capacidade da fibra em absorver água; 4. O comprimento médio (UHM), o índice de fiabilidade (CSP), a uniformidade de comprimento (Unf) e o índice micronaire (Mic) são diretamente proporcionais à capacidade da fibra em absorver água; 5. A resistência à ruptura (Str) e o índice micronaire (Mic) são inversamente proporcionais à capacidade da fibra em reter água; 6. Quanto mais rapidamente a fibra absorver umidade, mais rapidamente ela tenderá a devolvê-la ao ambiente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, M. de; CASTRO, E.M. de. Manual de engenharia têxtil. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, v.1, 1984. COTTON RESEARCH COMMITTEE OF TEXAS. Effects of moisture on cotton strength. Texas: Cotton Research Committee of Texas, v. 11, n. 7, 1983. (Textile Topics). HOFFMAN, R; VIEIRA, S. Análise de regressão: uma introdução à econometria. São Paulo: HUCITEC/EDUSP. 1977. 339 p. PASSOS, S. M. de G. Algodão. São Paulo: Instituto Campineiro de Ensino Agrícola, 1977. 424 p. REED, J. Turnout and fiber quality are enhanced with the cotton moisture control system. Cotton Farming. Disponível em: < http://www.cottonfarming.com/home/archive/2001_febcfm2.html >. Acesso em: 06 de abril de 2005.
ZELLWEGER USTER. Uster HVI Spectrum: application handbook. [S.l.], 1999. CD ROM