Echocardiographic Diagnosis of Arrythmogenic Right Ventricular Dysplasia

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Artigo de Revisão O Ecocardiograma no Diagnóstico da Displasia Arritmogênica do Ventrículo Direito ISSN 1984-3038 Echocardiographic Diagnosis of Arrythmogenic Right Ventricular Dysplasia Glauco Franco Santana 1, Marco Antônio de Castro Fonseca 2, Danilo César Leite 3, João Paulo Bello de Araújo 4 RESUMO A Displasia Arritmogênica do Ventrículo Direito (DAVD) é uma doença do músculo cardíaco, geneticamente determinada, caracterizada por substituição fibrogordurosa do miocárdio. Os indivíduos acometidos podem ser assintomáticos, apresentar arritmias ventriculares e/ou insuficiência cardíaca biventricular, bem como ser vítimas de morte súbita. Uma força tarefa propôs em abril de 2010 a modificação dos critérios diagnósticos da DAVD estabelecidos em 1994, definindo novos critérios ecocardiográficos, além de outros métodos. A presente revisão abordará os critérios ecocardiográficos de DAVD, definindo as questões técnicas do exame e os meios mais adequados de melhorar a acurácia diagnóstica e apontando para outros potenciais métodos de auxílio na investigação da doença. Descritores: Displasia Arritmogênica Ventricular Direita, Ecocardiografia, Diagnóstico SUMMARY Arrhythmogenic Right Ventricular Dysplasia is due to a type of cardiomyopthy genetically determined. This cardiomyopathy is marked by myocardial cell loss with partial or total replacement of right ventricular muscle by adipose and fibrous tissue. Those patients can be asymptomatic or ARVD can be an important cause of ventricular arrhythmia and sudden death. Biventricular heart failure can be present too. In April of 2010 one task force had published a change in the diagnosis findings of ARVD including the new echocardiographic findings and measurements in order to improve the echocardiographic diagnosis. Descriptors: Arrythmogenic Right Ventricular Dysplasia; Echocardiography; Diagnosis Introdução A Displasia Arritmogênica do Ventrículo Direito (DAVD) é uma doença do músculo cardíaco, geneticamente determinada, caracterizada por substituição fibrogordurosa do miocárdio ventricular direito (VD), podendo acometer também o miocárdio ventricular esquerdo (VE). Inicialmente, a deposição fibrogordurosa ocorre no epicárdio ou no intramiocárdio, evoluindo com extensão transmural, levando ao afilamento e dilatação da parede até a formação de aneurismas, tipicamente localizados nas porções inferior, apical e infundibular do VD (conhecido como o triângulo da displasia). Os indivíduos acometidos podem ser assintomáticos, apresentar arritmias ventriculares e/ou insuficiência cardíaca biventricular. Morte súbita pode ser a primeira manifestação da doença. Trata-se da segunda principal causa de morte súbita em jovens, principalmente atletas, ocorrendo apenas em menor escala do que a cardiomiopatia hipertrófica. A prevalência varia de 1:1.000 a 1:5.000 1,2. O diagnóstico da DAVD, habitualmente, é realizado tardiamente. A importância do diagnóstico precoce está no fato de o tratamento com cardioversor-desfibrilador implantável diminuir a mortalidade 3. Instituição Hospital Nossa Senhora de Fátima. Patos de Minas-MG Correspondência Glauco Franco Santana Rua Padre Caldeira nº 386 Centro 38700-044 Patos de Minas MG gsantana@cardiol.br 1- Médico Cardiologista e Ecocardiografista da Unidade de Cardiologia do Hospital Nossa Senhora de Fátima. Patos de Minas-MG 2- Médico Cardiologista da Unidade de Cardiologia do Hospital Nossa Senhora de Fátima. Patos de Minas-MG 3- Médico Ecocardiografista da Unidade de Cardiologia do Hospital Nossa Senhora de Fátima. Patos de Minas-MG 4- Médico Ecocardiografista da Santa Casa de Belo Horizonte-MG Recebido em: 22/10/2010 - Aceito em: 15/104/2011 51

Em 1994, um grupo de trabalho definiu os critérios diagnósticos para DAVD, baseados em alterações funcionais ao ecocardiograma (ECO), anatomia patológica, alterações eletrocardiográficas, manifestações arrítmicas e história familiar 4. Uma vez que os critérios originais eram baseados em casuísticas de pacientes sintomáticos e vítimas de morte súbita cardíaca, eles apresentavam alta especificidade, porém com baixa sensibilidade para diagnóstico nas fases precoces da doença. Com o passar dos anos, a experiência acumulada por novas técnicas de imagem, obtidas pelo ECO e ressonância nuclear magnética (RNM), bem como marcadores eletrocardiográficos e genéticos, levaram à revisão dos critérios diagnósticos (Tabela 1). Recente publicação de uma força tarefa propôs a modificação dos critérios diagnósticos da DAVD, acrescentando achados por meio da RNM e angiografia, assim como alterando os critérios pelo ECO 5. 52 A presente revisão abordará os critérios ecocardiográficos de DAVD, definindo as questões técnicas do exame e os meios mais adequados para melhorar a acurácia diagnóstica e apontando para potenciais metodologias de auxílio na investigação da doença. Os critérios diagnósticos não baseados no estudo ecocardiográfico fogem ao objetivo desta revisão, não sendo, portanto, alvo da discussão. Histórico Tabela 1: Comparação dos critérios ecocardiográficos originais e revistos pela força tarefa Desde o início da década de 80, o ECO surgiu como ferramenta diagnóstica da DAVD. Em 1982, Baran et al. 6 relataram o primeiro caso de alteração aneurismática no ventrículo direito, em paciente portador de DAVD, diagnosticado ao ecocardiograma bidimensional 6. Em 1988, Blomström- Lundgvist et al. 7 estudaram, por meio do ecocardiograma bidimensional, 20 pacientes portadores de DAVD e 20 voluntários sadios, demonstrando a eficácia do método em definir alterações das dimensões e contratilidade do VD pelo método não invasivo 7. O avanço das técnicas de imagem ecocardiográfica, principalmente com o advento de novas modalidades, como contraste ecocardiográfico, Doppler tecidual, strain bidimensional, speckle traking e ecocardiograma tridimensional (ECO 3D), possibilitou que a DAVD pudesse ser reconhecida não apenas em estágios avançados, mas em fases iniciais da doença e em assintomáticos com forma familiar. CPL corte paraesternal longitudinal, CPT corte paraesternal transversal, VSVD via de saída do ventrículo direito, VD ventrículo direito

Santana GF, et al. O ecocardiograma no diagnóstico da displasia arritmogênica do ventrículo direito Critérios diagnósticos O ECO, por sua grande disponibilidade, baixo custo, ausência de contraindicações e ampla experiência pelo uso há várias décadas, permanece importante ferramenta diagnóstica na DAVD, apesar de limitações já plenamente conhecidas da comunidade médica, como janela inadequada (principalmente em obesos e portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica) e características anatômicas especiais do ventrículo direito (VD). O diagnóstico de DAVD é considerado definitivo quando ocorre a presença de 2 critérios maiores ou 01 critério maior e 2 critérios menores ou 4 critérios menores de diferentes categorias, e considerase diagnóstico borderline a presença de 01 critério maior e 01 critério menor ou 3 critérios menores de diferentes categorias. A presença de 01 critério maior isolado ou 2 critérios menores de diferentes categorias torna o diagnóstico de DAVD possível 5. Os critérios ecocardiográficos de alterações estruturais compatíveis com DAVD, reconhecidas ao ECO, são divididos em maiores e menores. Os critérios maiores implicam, obrigatoriamente, no achado de alterações da motilidade regional do VD acinesia, discinesia ou aneurisma (hipocinesia não é considerado critério diagnóstico) associados a um dos seguintes achados: diâmetro da via de saída do VD (VSVD) ao corte paraesternal eixo longo maior do que 32mm (ou diâmetro corrigido pela superfície corpórea da VSVD maior do que 19mm/m 2 ), ou diâmetro da VSVD ao corte paraesternal eixo curto maior do que 36mm (ou diâmetro corrigido pela superfície corpórea maior que 21 mm/m 2 ), ou variação da área do VD menor ou igual a 33%. Os critérios menores também implicam obrigatoriamente no achado de alterações da motilidade regional do VD acinesia ou discinesia associados a um dos seguintes achados: diâmetro da via de saída do VD (VSVD) ao corte paraesternal eixo longo maior ou igual a 29mm e menor do que 32mm (ou diâmetro corrigido pela superfície corpórea da VSVD maior ou igual a 16 mm/m 2 e menor do que 19mm/m 2 ), ou diâmetro da VSVD ao corte paraesternal eixo curto maior ou igual a 32mm e menor do que 36mm (ou diâmetro corrigido pela superfície corpórea maior ou igual a 18mm/m 2 e menor do que 21mm/m 2 ), ou variação da área do VD maior do que 33% e menor ou igual a 40%. Em relação aos critérios originais, percebe-se maior objetividade nos critérios ora propostos, definindo-se pontos de corte e até mesmo janela ecocardiográfica a ser utilizada, na tentativa de diminuir as diferenças interobservador. O aumento do diâmetro da VSVD parece ser a alteração ecocardiográfica mais comumente associada a DAVD 8. Digno de nota, o fato de os critérios maiores apresentarem especificidade de 95% e os critérios menores especificidade e sensibilidade idênticos, variando de 76 a 87% (Tabela 2). Tabela 2: Sensibilidade e especificidade dos critérios ecocardiográficos para DAVD CPL corte paraesternal longitudinal, CPT corte paraesternal transversal, VSVD via de saída do ventrículo direito, VD ventrículo direito 53

Aspectos técnicos A presença de áreas de acinesia, discinesia ou aneurismas na parede do VD é critério obrigatório para DAVD. Por esse motivo, a avaliação das paredes do VD ao modo bidimensional deve ser cuidadosa. Devido à morfologia complexa do VD, nenhuma janela isoladamente é adequada para tal avaliação, devendo o ecocardiografista avaliar as paredes do VD em todos os cortes ecocardiográficos. Para melhor visibilização, deve-se otimizar a imagem para o VD, diminuindo a dimensão lateral, ajustando o ganho do aparelho, utilizando imagem harmônica, realizando as medidas na telediástole e obtendo as imagens, sempre que possível, com o paciente preferencialmente eupnéico ou solicitando que mantenha um período de apneia expiratória 9. Os diâmetros devem ser calculados ao corte apical 4-câmaras, nas porções basais, médioventricular e longitudinal (Figura 1), utilizando-se como valores normais diâmetros menores ou iguais a 42mm, 35mm e 86mm, respectivamente 10. da no caso de DAVD. A medida da VSVD distal é realizada para outros fins, como cálculo de débito cardíaco, QP/QS e fração regurgitante 10. Figura 2: Medida da VSVD no corte paraesternal longitudinal do VE Figura 3: Medida da VSVD ao corte paraesternal transversal da base do coração Figura 1: Diâmetros do ventrículo direito em diástole no corte apical de 4 câmaras Á esquerda, medida da VSVD proximal, adequada na DAVD; à direita, medida na VSVD distal O Cálculo da variação da área do VD é feito pela seguinte equação: O diâmetro da VSVD deve ser medido na telediástole, na deflexão do complexo QRS. No corte paraesternal longitudinal do VE, deve-se medir na porção proximal da VSVD (Figura 2). No corte paraesternal transversal da base do coração, a dimensão linear da VSVD deve ser medida da parede aórtica anterior até a parede livre do VD, acima da valva aórtica (Figura 3). Tais localizações referem-se à porção proximal da VSVD mais adequa- 54 Área telediastólica do VD (cm 2 ) Área telessistólica do VD (cm 2 ) Área telediastólica do VD (cm 2 ) Comparado com outras técnicas de medida da função sistólica do VD pelo ECO, a variação da área do VD apresenta melhor correlação com a RNM 9. O cálculo das áreas do VD é realizado no corte apical 4-câmaras, por meio da planimetria da cavidade ventricular, iniciando no anel tricuspídeo e tracejando o endocárdio até o ápex, e retornando

Santana GF, et al. O ecocardiograma no diagnóstico da displasia arritmogênica do ventrículo direito ao anel tricuspídeo contralateral, na telediástole e telessístole (Figura 4). Conforme citado, valores menores do que 33% ou entre 33% e 40%, associados a alterações da contratilidade, indicam critério maior e menor de DAVD, respectivamente. Figura 4: Cálculo da variação da área do VD realizado no corte apical de 4 câmaras. À esquerda, planimetria do VD em diástole; à direita, planimetria do VD em sístole Novas técnicas Técnicas derivadas do Doppler O Doppler tecidual é uma técnica de aquisição e registro das baixas velocidades miocárdicas, utilizando amostras de Doppler pulsátil espectral, permitindo uma avaliação direta da função miocárdica no local onde é colocada a amostra a ser avaliada. O strain é uma técnica derivada do Doppler tecidual, que representa a deformação de um tecido quando a ele é aplicada uma determinada força. O strain rate mede a velocidade de deformação do tecido, enquanto que o strain quantifica o percentual de deformação 11. Prakasa et al. 12 demonstraram que a velocidade de pico sistólica (6,4 +- 2,2 versus 9 +- 1,6cm/s, p < 0,0001) e velocidade diastólica precoce (-6,7 +- 2,7 versus -9,4 +- 2cm/s, p < 0,0001) apresentam-se, significativamente, menores em portadores de DAVD em relação a controles, mesmo em indivíduos com DAVD sem alterações ao exame bidimensional 12, o que indica a importância da técnica nas fases precoces da doença. No mesmo estudo, strain e strain rate apresentam resultados diminuídos em pacientes com DAVD, em relação ao grupo controle. Teske et al. 13 avaliaram 34 pacientes com DAVD e 34 controles pelo Doppler tecidual, strain rate, calculados nos segmentos basal, médio e apical da parede livre do VD, e encontraram também valores significativamente menores no grupo DAVD, nos 3 segmentos 13. Aneq et al. 14 acompanharam, por um período médio de 9 anos, um grupo de 15 pacientes com DAVD. Além do aumento progressivo do diâmetro da VSVD observaram, também, redução da velocidade sistólica pelo Doppler tecidual, nas paredes lateral e posterior do VD 14. A literatura tem cada vez mais apresentado relatos de casos e revisões com discussões sobre a importância do Doppler tecidual, strain e strain rate, no auxílio diagnóstico da DAVD, colocando, inclusive, que o achado de anormalidade no VD ao strain indica alteração da contratilidade regional 15-17. Ecocardiograma tridimensional em tempo real O Ecocardiograma tridimensional em tempo real (ECO3D) é uma técnica em que as imagens são transmitidas, além das dimensões profundidade e lateralidade, como ocorre no ecocardiograma bidimensional (ECO2D), na dimensão elevação, permitindo melhor detecção de alterações morfológicas, promovendo informações adicionais ao ECO2D entre 25 e 36% dos casos 11. A avaliação do VD pelo ECO3D tem sido validada, devendo ser realizada em conjunto com o ECO2D e métodos derivados do Doppler 18. Kjaergaard et al. 19 estudaram, por meio do ECO3D 30, pacientes portadores de DAVD e compararam com 32 indivíduos saudáveis. Este estudo concluiu que a técnica é eficaz em identificar diminuição da fração de ejeção do VD nos pacientes com DAVD 19. Prakasa et al. 20 compararam o ECO3D com a RNM, em indivíduos com DAVD, parentes de primeiro grau de indivíduos com DAVD, mas sem a doença, portadores de taquicardia idiopática do VD e hígidos, e encontraram boa correlação entre os métodos quanto ao volume sistólico final 55

do VD, volume diastólico final do VD e fração de ejeção do VD 20. Contraste ecocardiográfico O uso do contrate ecocardiográfico justifica-se para melhor avaliação das bordas endocárdicas do VD, podendo facilitar a visibilização de pequenos aneurismas. Apesar de a solução salina agitada facilitar a visibilização do VD, o uso de microbolhas estaria mais indicado por seu efeito mais prolongado e menor presença de artefatos 21. A suspeita de DAVD deve levar o ecocardiografista a utilizar todo arsenal que facilite o diagnóstico e, em situações de imagem subótima, o contraste ecocardiográfico pode promover a identificação de áreas de aneurismas 22. O uso de contraste com microbolhas, para estudo da perfusão miocárdica, tem o potencial de identificar áreas do VD malperfundidas, decorrentes da deposição fibrogordurosa focal 23. Considerações finais O ECO tem a sua importância no diagnóstico da DAVD, solidificada ao longo dos anos, sendo que os consensos determinam seu uso de forma habitual nessa situação 24,25, e a atual proposta da força tarefa torna mais clara a necessária participação do método na avaliação da doença. Obviamente não existe um método de diagnóstico de DAVD padrão ouro, portanto devem ser associadas todas as informações disponíveis para estebelecer com segurança tal diagnóstico, não somente por meio do ECO, mas também dos demais métodos complementares 26. Deve-se ressaltar que o ECO tem, também, o papel de estabelecer diagnóstico diferencial da DAVD com outras miocardiopatias 27, bem como obter informações adicionais relevantes no manejo clínico do doente, como o achado de trombo intracavitário 28. Ressalte-se que a presença de acometimento do VE ao ECO aponta para um pior prognóstico 29,30. Além dos achados convencionais, cada vez mais as novas modalidades derivadas do Doppler e o ECO3D estão trazendo informações relevantes, conforme já discutido, abrindo a perspectiva de aprimoramento significativo do diag- 56 nóstico mais precoce dessa doença, de evolução muitas vezes catastrófica. Compete ao ecocardiografista aprimorar-se no estudo do VD, por meio de todas as técnicas que tenha disponível 9,10, para levar ao cardiologista clínico ou arritmologista a sua contribuição na elucidação diagnóstica da DAVD. Referências 1. Basso C, Corrado D, Marcus FI, Nava A, Thiene G. Arrythmogenic right ventricular cardiomyopathy. Lancet. 2009;373(9671):1289 300. 2. Anderson EL. Arrhythmogenic right ventricular dysplasia. Am Fam Physician. 2006;73(8):1391-8. 3. Dalal D, Nasir K, Bomma C, Prakasa K, Tandri H, Piccini J, et al. Arrhythmogenic Right Ventricular Dysplasia: A United States Experience. Circulation. 2005;112(25);3823-32. 4. Diagnosis of arrhythmogenic right ventricular dysplasia cardiomyopathy. Task Force of the Working Group Myocardial and Pericardial Disease of the Europeam Society of Cardiology and of the Scientífic Corenal on Cardiomyopathies of the International Society and Federation of Cardiology; McKennal WJ, Thine G, Nera A et al. Br Heart J. 1994;71(3):215 8. 5. Marcus FI, McKenna WJ, Sherrill D, Basso C, Bauce B, Bluemke DA, et al. Diagnosis of arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy/dysplasia - proposed modification of the Task Force Criteria. Circulation. 2010;121(13):1533-41. 6. Baran A, Nanda NC, Falkoff M, Barold SS, Gallagher JJ. Two dimensional echocardiographic detection of arrythmogenic right ventricular dysplasia Am Heart J. 1982; 103(6):1066-7. 7. Blomström-Lundqvist C, Beckman-Suurküla M, Wallentin I, Jonsson R, Olsson SB. Ventricular dimensions and wall motion assessed by echocardiography in patients with arrhythmogenic right ventricular dysplasia. Eur Heart J. 1988;9(12):1291-302. 8. Yoerger DM, Marcus FI, Sherrill D, Calkins H, Towbin JA, Zareba W, et al. Echocardiographic findings in patients Meeting Task Force Criteria for Arrhythmogenic Right Ventricular Dysplasia. J am Coll Cardiol. 2005;45(6):860 5. 9. Horton KD, Meece RW, Hill JD. Assessment of the right ventricle by echocardiography: a primer for cardiac sonographers. J Am Soc Echocardiogr. 2009;22(7):776-92. 10. Rudski LG, Lai WW, Afilalo J, Hua L, Handschumacher

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