USUÁRIO DE DROGAS: A QUESTÃO DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO

Documentos relacionados
Pós Penal e Processo Penal. Legale

PÓS GRADUAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL Legislação e Prática. Professor: Rodrigo J. Capobianco

Direito Penal. Lei de drogas Lei /2006. Parte 2. Prof.ª Maria Cristina

SESSÃO DA TARDE PENAL E PROCESSO PENAL LEI DE DROGAS TRÁFICO E PORTE - DEFESAS. Prof. Rodrigo Capobianco

5ºº Curso de Cultivo Apepi. Questões jurídicas sobre legalização e regulamentação da Cannabis para fins terapêuticos

NOVA LEI DE DROGAS: RETROATIVIDADE OU IRRETROATIVIDADE? (PRIMEIRA PARTE)

RELAÇÕES POSSÍVEIS ENTRE O ECA E A LEI /2006

Aula 21. III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

DEFINIÇÃO DE HEDIONDO E A CF/88

É uma norma Penal em branco, ou seja, é aquela que necessita da complementação de outra norma para ter eficácia.

Direito Penal. Lei de drogas Lei /2006. Parte 3. Prof.ª Maria Cristina

Obs: Os textos grifados correspondem à lei original antes da reforma proposta.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

26/09/2018 LEI DE CRIMES HEDIONDOS ESQUEMATIZADA LEI N DE 25 DE JULHO DE 1990 PROF. MARCOS GIRÃO

NOVA LEI DE DROGAS: RETROATIVIDADE OU IRRETROATIVIDADE? (SEGUNDA PARTE)

Direito Penal. Lei de drogas Lei /2006. Parte 1. Prof.ª Maria Cristina

DIAULAS COSTA RIBEIRO

DIREITO PENAL PREPARATÓRIO

PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL MILITAR

Lei /2006 Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas

Direito Penal. Código de Trânsito

LEI Nº , DE 23 DE AGOSTO DE 2006

Direito Penal CERT Regular 3ª Fase

LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE LEI /06

Direito Penal. Curso de. Rogério Greco. Parte Geral. Volume I. Atualização. Arts. 1 o a 120 do CP

Direito Penal. Lei de Combate às Drogas Lei /06

Pós Penal e Processo Penal. Legale

15/03/2018 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL (MUDANÇAS LEGISLATIVAS E DOUTRINÁRIAS 2017) PROF. MARCOS GIRÃO

DIREITO PENAL. 1. Tráfico privilegiado causa de diminuição de pena art. 33, 4º 1 :

Normas constitucionais criminalizadoras. Alberto Silva Franco. Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo

Da prisão e da Liberdade Provisória

Supremo Tribunal Federal

Estatuto da Criança e do Adolescente - E.C.A Lei 8.069/90

CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA E SUAS RESPECTIVAS DIFERENÇAS

Direito Penal. Lei de crimes hediondos. Parte 2. Prof.ª Maria Cristina

PROJETO DE LEI N o, DE 2009

03 de Agosto de Coordenação Pedagógica Carreiras Jurídicas. FUNDAMENTOS PARA RECURSOS Delegado Civil SP. Orientações de interposição do recurso

RECURSO SUSEPE (Agente Penitenciário Administrativo)

Breves considerações sobre a parte penal da nova lei

10 anos da Lei /06

Legislação Penal ECA E. do Desarmamento E. Idoso E. do Torcedor

Direito Penal. Contravenção Penal e Lei de Drogas

CRIMES HEDIONDOS. Conceito. Sistema Legal (art. 5º, inc. XLIII, CF) Sistema Judicial Sistema Misto

Direito Penal. Crimes do Estatuto da Criança e do Adolescente. Parte 6. Prof.ª Maria Cristina

Paulo Teixeira Deputado Federal PT/SP

Prof. Marcelo Lebre. Crimes Hediondos. Noções Gerais sobre a Lei nº 8.071/1990

RAZÕES PRAGMÁTICAS E JURÍDICAS PARA A NÃO CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE MACONHA PARA CONSUMO PESSOAL

CÂMARA DOS DEPUTADOS

Prof. Leandro Igrejas.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo

Direto do concurso NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DIREITO PENAL

DIREITO CONSTITUCIONAL

Lei 11343/2006 Legislação Especial Lei de Drogas

I. Correta, de acordo com a jurisprudência estrangeiros de passagem também são titulares de direito fundamentais.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Direito Penal. Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) Professor Joerberth Nunes.

TORRES PARECER Nº, DE

Conteúdo: Procedimento na Lei de Drogas (Lei /06). Procedimento nos Crimes contra a Propriedade Material.

Aula nº. 01 PRINCÍPIOS. Pena é a consequência imposta pelo estado para aquele que pratica um fato típico, punível e culpável. Página1. Lei 11.

Contravenção Penal (Decreto nº 3.688/41) Crime anão Delito liliputiano Crime vagabundo

A questão das drogas Aula FGV

Aula nº. 05 SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENA RESTRITIVA DE DIREITO

A DISCRICIONARIEDADE DA AUTORIDADE POLICIAL NA TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO OU USO DE DROGAS E SEUS REFLEXOS NA INSTRUÇÃO CRIMINAL

Direito Penal. Imagine a seguinte situação adaptada: O juiz poderia ter feito isso?

PARECER Nº, DE RELATOR: Senador ALVARO DIAS I RELATÓRIO

Direito Penal. Progressão de Regime Penitenciário. Professor Adriano Kot.

DIREITO CONSTITUCIONAL

A CASA DO SIMULADO DESAFIO QUESTÕES MINISSIMULADO 137/360

L. dos Crimes Ambientais 9605/98

DIREITO CONSTITUCIONAL EM EXERCÍCIOS PROFESSOR IVAN LUCAS. Facebook: Professor Ivan Lucas

Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro Altera o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (regime jurídico do tráfico e consumo de estupefacientes)

CURSO PROFESSOR ANDRESAN! CURSOS PARA CONCURSOS PROFESSORA SIMONE SCHROEDER

PROVA OBJETIVA DA POLÍCIA FEDERAL DELEGADO DE POLÍCIA QUESTÕES DE DIREITO PENAL QUESTÃO 58

DIREITO CONSTITUCIONAL

1.1.4 Execução penal: conceito, pressuposto fundamental e natureza jurídica

Curso/Disciplina: Noções de Direito Constitucional Aula: 07 Professor (a): Luís Alberto Monitor (a): Fabiana Pimenta. Aula 07

DIREITO CONSTITUCIONAL

CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. O controle de constitucionalidade difuso está presente no ordenamento jurídico

RESERVA DE ESPAÇO EXCLUSIVO PARA MULHERES EM TRENS E METRÔS.

PÓS GRADUAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL Legislação e Prática. Professor: Rodrigo J. Capobianco

Uso medicinal e recreativo da maconha: impactos sobre a violência

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

ARTIGO: O controle incidental e o controle abstrato de normas

22 de setembro de 2015 Belo Horizonte Luciano Nunes

PÁGINA ONDE SE LÊ LEIA-SE 1506 (...) (CP, ART. 121) FEMINICÍDIO (INCLUÍDO PELA LEI Nº , DE 2015) VI - CONTRA A MULHER POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DE

Atuação da POLÍCIA FEDERAL no Intercâmbio Internacional de Patrimônio Genético Brasília, 7 de junho de 2016

05/02/2013 SEGUNDA TURMA : MIN. GILMAR MENDES TERRITÓRIOS

XXII EXAME DE ORDEM DIREITO PENAL PROF. ALEXANDRE SALIM

Petrolina PE, 04 de novembro de Da Assessoria Jurídica Daniel Besarria. Para os Docentes da Universidade de Pernambuco.

Comentários às questões de Direito Constitucional Prova: Técnico do Seguro Social Professor: Jonathas de Oliveira

DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NA BAHIA Av. Paulo VI, nº. 844, Pituba, Salvador/BA, CEP: ESPELHO DE CORREÇÃO

Disciplina: Direito Penal Leis Penais Especiais Professor: Luciana Aula 01

CÂMARA DOS DEPUTADOS COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL E FAMÍLIA DESCRIMINALIZAÇÃO DO USO E POSSE DA MACONHA PARA CONSUMO PRÓPRIO

LEGISLAÇÃO DO MPU. Lei Orgânica do MPU. Lei Complementar 75/1993 Garantias e Prerrogativas. Prof. Karina Jaques

Dubiedade De Interpretação No Código Penal Artigo 251, 1º

Art. 272 FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERAÇÃO OU ALTERAÇÃO DE SUBSTÂNCIA OU PRODUTOS ALIMENTÍCIOS

SUMÁRIO. Capítulo I - Generalidades.

Resumos Gráficos de Direito Penal Parte Geral Vol. I

LEI DOS CRIMES HEDIONDOS (LEI 8.072/1990)

Transcrição:

USUÁRIO DE DROGAS: A QUESTÃO DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO REZENDE, Joaquim Messias Neto Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva FAIT. RESUMO O presente trabalho tem por objetivo demonstrar que a, Lei nº 11.343/2006, ao estabelecer, no artigo 28, parágrafo 2º, os critérios que o juiz deve observar para diferenciar o traficante de drogas do usuário, autoriza, de maneira expressa, o uso seletivo do direito penal.assim, confrontando analogamente com o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988, verificamos algumas incongruências que iremos tentar elucidar no presente artigo. É matéria que atualmente está sendo votada pelo Supremo Tribunal Federal, justamente pelo caso em tela.para isso, num primeiro momento, foi feito um pequeno estudo, por meio da doutrina que estuda a dogmática penal e da criminologia crítica, sobre as finalidades e a seletividade do direito penal.após destacar as finalidades declaradas e não declaradas do direito penal, bem como verificar se este ramo do direito atua de maneira seletiva e desigual em nossa sociedade, foi estabelecida a diferença entre usuário e traficante de drogas, com base nas condutas tipificadas na Nova Lei de Drogas.Após um breve relato sobre o processo de criminalização das drogas, importante para compreender porque o legislador pune tão severamente o tráfico e permite um tratamento penal mais brando para o consumidor de drogas, foi analisado o estereótipo do traficante de drogas no Brasil, o que foi feito em conjunto com a exposição das antigas legislações nacionais sobre o assunto.por fim, foram identificadas, no artigo 28, parágrafo 2º, da lei 11.343/06, as expressões que levam à conclusão de que tal dispositivo é seletivo. 1. INTRODUÇÃO No presente artigo foi feito um pequeno estudo, por meio da doutrina que estuda a dogmática penal e da criminologia crítica, sobre as finalidades e a seletividade do direito penal. Após destacar as finalidades declaradas e não declaradas do direito penal, bem como verificar se este ramo do direito atua de maneira seletiva e desigual em nossa sociedade, foi estabelecida a diferença entre usuário e traficante de drogas, com base nas condutas tipificadas na Nova Lei de Drogas. Após um breve relato sobre o processo de criminalização das drogas, importante para compreender porque o legislador pune tão severamente o tráfico e permite um tratamento penal mais brando para o consumidor de drogas, foi

analisado o estereótipo do traficante de drogas no Brasil, o que foi feito em conjunto com a exposição das antigas legislações nacionais sobre o assunto. Foram identificadas, no artigo 28, parágrafo 2º, da lei 11.343/06, as expressões que levam à conclusão de que tal dispositivo é seletivo e a questão aventada pela pelo Recurso Especial de nº 635 659 que está sendo votada neste momento no STF é a razão que existe corrente que enseja diferenças a serem apontandas confrontando com o artigo 5º, inciso X da CF/88. 2. O USUÁRIO E O TRAFICANTE DE DROGAS NA LEI 11.343/2006 2.1. A nova lei de drogas A Lei 11.343/2006, conhecida por nova lei de drogas, substitui no ordenamento jurídico brasileiro a Lei 6.368/76 e, entre outras alterações, trouxe mudanças significativas com relação ao tratamento dado ao usuário e ao traficante de drogas. Com relação ao consumo de drogas, previsto no artigo 28, a maior polêmica trazida pela doutrina, sem dúvida, gira em torno da descriminalização ou não desta conduta, tendo em vista que dentre as sanções previstas na lei para serem aplicadas ao usuário de drogas não há previsão de imposição de pena privativa de liberdade, contrariando a definição legal de crime prevista no artigo 1º, da Lei de Introdução ao Código Penal. Apesar do tratamento mais brando para o usuário, o tráfico de drogas passou a ser punido com mais rigor, pois a pena mínima para tal conduta, de acordo com o artigo 33, caput, passou a ser de 05 (cinco) anos de reclusão. Feitas essas considerações, será estabelecida a diferença entre consumidor e traficante de drogas, com base na Lei nº 11.343/2006. 2.2. O tráfico de drogas O tráfico de drogas, previsto no artigo 33, caput, é caracterizado pelas seguintes condutas: importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas,ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Nas mesmas penas incorre quem importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse,administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas, segundo o parágrafo primeiro do artigo 33. A lei equipara ao tráfico, no art. 34, as condutas que consistem em fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Aquele que, conforme artigo 37, colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e 1 o, e 34, da Lei 11.343/2006, também tem sua conduta equiparada á do traficante. Cabe mencionar ainda que as condutas previstas nos artigo 35 e 36 também sofrerão os mesmo rigores penais destinados ás condutas descritas no artigo 33, caput, e parágrafo primeiro, no art. 34 e no art. 37, ou seja, no caso se associação de duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos artigos. 33, caput e 1 o, e 34, bem como de associação para a prática reiterada do crime definido no art. 36, e nas hipóteses de financiamento ou custeio da prática de qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e 1 o, e 34 da lei drogas, não será permitida a concessão de fiança, sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória e ainda será vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos. Também há restrição ao livramento condicional, que só será concedido após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico, conforme artigo 44, da Lei 11.343/2006.

É facilmente verificado, pela leitura dos dispositivos legais acima mencionados, que o legislador conferiu ao usuário de drogas o direito de não ser submetido à pena de prisão e ao traficante, ao contrário, além do aumento das penas, proibiu a concessão de benefícios que não são restringidos nem mesmo pela lei de crime hediondos, Lei 8072/90, como, por exemplo, a possibilidade de sursis e de penas restritivas de direitos. 2.3. Conceituar droga ilícita A criminalização de algumas substâncias identificadas como drogas ilícitas, apesar de parecer algo muito antigo, só começou a ser realmente pensado na Revolução Industrial, quando os ingleses começaram a proibir o uso do ópio (fumado) e de seus derivados. Antes disso, na verdade, o que existia era o livre comércio das drogas, considerado muito lucrativo, que foi disputado por alguns países, inclusive por meio de guerras, como aconteceu, por exemplo, nas Guerras do Ópio, entre Inglaterra e China. Na verdade, só a partir da década 60 o comércio e o uso de drogas passaram a ser considerados um problema que deveria ser combatido de maneira mais rigorosa pelos Estados. Assim, há apenas 50 anos as drogas ilícitas passaram a receber um tratamento penal mais rigoroso. Apesar das sociedades terem convivido, sem maiores problemas, por muitos anos, com a presença das drogas (agora) ilícitas, por questões econômicas, geopolíticas e morais, bem como por necessidade de se controlar alguns grupos sociais e étnicos, a questão relacionada ao tráfico de drogas ganhou dimensão internacional e passou a exigir que os Estados se aparelhassem para guerrear contra esse mal. Desde que as drogas foram criminalizadas, um grupo social, ou étnico, passou ser identificado como criminoso, o que justificava a atuação do Estado contra essa parcela da população, certamente vulnerável, que sempre foi alvo de algum tipo de controle estatal. 2.4. O traficante

A figura do traficante, do sujeito que comanda o mercado das drogas, é comumente relacionada com um rapaz jovem, negro (ou mulato), de bermuda e tênis, morador de favela. Essa figura do traficante é amplamente divulgada pela mídia e ele visto como um sujeito frio, destemido, que controla grandesquantidades de drogas e que faz parte (ou comanda) do crime organizado. Para diferenciar esse sujeito tão perigoso do usuário de drogas, a Lei 11.343/06, no artigo 28, parágrafo 2º, dispõe que o juiz deverá considerar a natureza e a quantidade da substância apreendida, o local e as condições em que se desenvolveu a ação, as circunstâncias sociais e pessoais, bem como a conduta e os antecedentes do agente. Prevendo a lei que o local e as condições sociais determinam a diferença entre usuários e traficantes, o Estado, amparado pela lei, não tem dúvidas de que são as populações mais pobres as responsáveis pelo tráfico de drogas no Brasil, o que demonstra que tal norma é seletiva (seletividade primária). Neste sentido, se uma pessoa da classe média (circunstâncias sociais), num bairro também de classe média (local), for encontrada com determinada quantidade de droga, poderá ser mais facilmente identificada como usuário (e, portanto, não será submetida à prisão) do que um pobre, com a mesma quantidade de droga, em seu bairro carente. Neste exemplo, confirma-se a seletividade secundária. O estereótipo do traficante perigoso, que comanda o crime organizado, que não teme à lei e, que sem piedade, destrói e mata centenas de pessoas, segundo constantemente noticiado na imprensa, na verdade, não passa de réu primário, preso sozinho, com pouca quantidade de drogas e não tem associação com o crime organizado. 2.5. Inaplicabilidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006 A Nova Lei de Drogas, analisada em conjunto com essa pesquisa, demonstra que realmente o direito penal é seletivo, que está longe de defender a todos de maneira igualitária e que pune, de maneira desigual, aqueles que são submetidos ao sistema penal. Na verdade, quando se estuda a lei nº 11.343/2006 e se verifica quem está preso por tráfico de drogas no Brasil, bem como onde está concentrada a repressão policial e o modelo de segurança pública adotado no Brasil para o combate às drogas, percebe-se que na realidade o que interessa para o Estado, apoiado pela

mídia e por grande parcela da sociedade brasileira, é manter segregadas as classes sociais mais pobres. O fato de matéria ser discutida atualmente no Superior Tribunal de Justiça é o RE 635659, que inicialmente trata do fato de um cidadão, morador da cidade de Diadema, foi abordado pela Polícia local e foi encontrado três gramas de maconha e a repercussão geral de tal processo veio à tona com a incompatibilidade de artigo 28 da Lei 11.343/2006 com o artigo 33 da referida lei. Já contamos com várias decisões de inaplicabilidade do artigo 28, com sede em primeiro grau, sendo que podemos destacar uma delas, a decisão do Juiz Mauricio Fabiano Mortari: o único verdadeiramente lesado pelo uso continuado das drogas sejam elas lícitas ou ilícitas é o próprio usuário, ideia que traz à tona outra vertente importante para sustentar a atipicidade da conduta. É a aplicação do princípio da alteridade, pois aqui a lei pune conduta absolutamente inofensiva a direito de terceiros uma vez que se afaste a lesão abstrata à saúde pública e, por via transversa, também atenta contra o direito inalienável da liberdade, ou seja, o direito que cada um tem de conduzir sua existência da forma que melhor lhe convir desde que não sejam atingidos direitos alheios. No caso descrito acima declarou-se a nulidade parcial sem redução do texto do art. 28 da Lei 11.343/06, sendo a denúncia rejeitada. Concluimos que o conceito de sau de pu blica e a noc a o de seguranc a pu blica, apresentam-se despidos de suficiente valorac a o dos riscos a que sujeitos em decorre ncia de condutas circunscritas a posse de drogas para uso exclusivamente pessoal, apontando que a intervenção com a criminalização não se mostra necessária, mesmo porque, não se pode perder de vista o livre desenvolvimento da personalidade e autodeterminac a o. Nota-se do voto que o Ministro Gilmar Mendes afasta a criminalização da conduta descrita no art. 28 da Lei n. 11.343/06, evocando o artigo 5º da Constituição da República Art. 5º, X são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Ao final, decidiu da seguinte forma se deseja declarar a inconstitucionalidade, sem reduc a o de texto, do art. 28 da Lei 11.343/2006, de forma a afastar do referido dispositivo todo e qualquer efeito de natureza penal. 2.6. Artigo 5, inciso X da Constituição Federal de 1988 Assim prega o artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. A Constituição brasileira, em seu Artigo 5º, Inciso X, assegura o direito à intimidade como um dos mais relevantes, sendo assim, o direito à intimidade enquadra-se no rol dos direitos da personalidade, que são essenciais para possibilitar a cada indivíduo uma vida digna, e, entendendo assim podemos concluir aonde ocorre a incongruência relativa ao artigo 28 da Lei 11.343/2006. 2.7. Voto Ministro Gilmar Mendes Em discussão atual no Superior Tribunal Federal a votação sobre a posse de drogas para uso pessoal o Ministro Gilmar Mendes teceu alguns pertinentes comentários em seu voto : O voto do ministro Gilmar Mendes se baseia no argumento da Defensoria Pública de São Paulo, autora do recurso. A alegação dos defensores paulistas é que o artigo é inconstitucional por violar o direito fundamental à intimidade e à privacidade. Também afirmam que criminalizar o uso de drogas viola o princípio da lesividade,

segundo o qual só podem ser consideradas crimes condutas que afetem bens jurídicos de terceiros ou coletivos. 3. CONCLUSÃO O tema do artigo é controverso, existindo várias correntes, que, entenderão sob vários prismas, mas entendamos que diante da evolução do ordenamento jurídico brasileiro e também da sociedade, que é onde devamos nos concentrar, coloca-se os anseios em primeiro lugar. O anseio da sociedade, moderna e plural é justamente poder termos na legislação garantia constitucional de liberdade de expressão, direito fundamental explícito. No mundo atual, falarmos de drogas lícitas e ilícitas, dentro da atuação estatal sobre controle de impostos e a saúde pública, fica difícil chegar a um consenso do por quê termos drogas como o álcool e o tabaco, que são drogas altamente tributadas serem lícitas e a maconha ser ilícita. Diante da evolução que acontece atualmente sobre as leis brasileiras que cada vez mais tiram dos ombros do Judiciário a tutela sobre o cidadão, entendo ser um caminho lógico a regulamentação da maconha e na mesma toada que os Direitos Fundamentais, como a liberdade e a privacidade mais respeitados. 4. REFERÊNCIAS BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Curso de Processo Penal. 1.ed. Niterói: Impetus, 2013 GOBBIS PAGLIUCA, José Carlos. Direito Penal. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2010 SARAIVA, Editora. Vade Mecum. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2013 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE 635659, http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/consultarprocessoe letronico.jsf?seqobjetoincidente=4034145, Acesso em: 22 set 2015 BRASIL. Consultor Jurídico,http://consultor-juridico.jusbrasil.com.br/noticias/195516410/stfdeve-julgar-descriminalizacao-do-porte-de-drogas-para-consumo-proprio, Acesso em: 22 set 2015 BRASIL. Conjur, http://www.conjur.com.br/2015-ago-20/posse-droga-nao-criminalizada-votagilmar-mendes, Acesso em 23 set 2015