Comentário O programa de proteção ao emprego em tempos de crise The Employment Protection Program in Times of Crisis Roberto Carneiro Filho Professor universitário nas disciplinas Direito do Trabalho, Direito Sindical e Processo do Trabalho. Advogado. Mestre e Doutorando em Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. r.carneiro.filho@hotmail.com Resumo O presente estudo acadêmico tem por objetivo comentar de forma crítica e construtiva, sob o enfoque dos direitos fundamentais sociais, o Programa de Proteção ao Emprego, lançado pelo governo federal brasileiro com o objetivo de criar um caminho alternativo durante as crises empresariais, a fim de que seja evitado o caminho mais drástico que leva à despedida em massa de trabalhadores. Portanto, a problemática central do presente estudo envolve a discussão sobre os efeitos imediatos que o Programa de Proteção ao Emprego pode causar aos direitos fundamentais sociais, pois, ao contrário da proposta do governo federal a redução salarial acompanhada de diminuição de jornada de trabalho, poderia ser entendida como um risco para os direitos fundamentais sociais, e não como mecanismo de garantia dos direitos fundamentais sociais. Por certo, em um momento da história no qual as palavras austeridade e crise ganham espaço na mídia nunca antes imaginado, o tema da proteção ao emprego merece reflexão, a fim de que seja estimulada a união de esforços para que os atores sociais possam atuar em harmonia na busca pelo desenvolvimento econômico e social. Palavras-chave crise; direitos sociais; redução de direitos trabalhistas; flexibilização; demissão em massa de trabalhadores. 383
Roberto Carneiro Filho Abstract This academic study aims at critically and constructively reviewing, from the standpoint of fundamental social rights, the Employment Protection Program released by the Brazilian government in order to create an alternative path during the business crisis, thus avoiding a more drastic way that leads to the mass dismissal of workers. So the central issue of this paper involves the discussion of the immediate effects that the Employment Protection Program causes to the fundamental social rights, because, contrary to the federal government s proposal salary reduction due to reducing the number of working hours could be perceived as a risk to the fundamental social rights, and not as a guarantee them. Certainly, in a moment of history in which the words austerity and crisis are gaining unimaginable ground in the media, employment protection is a subject that deserves reflection in order to encouraged join efforts so that social actors can act in harmony in the pursuit of economic and social development. Keywords crisis; social rights; reduction of labor rights; flexibility; mass dismissal of workers. Introdução O Programa de Proteção ao Emprego, lançado pelo governo federal por meio da Medida Provisória nº 680 (BRASIL, 2015a), de 6 de julho de 2015, publicada no Diário Oficial da União, no dia 7 de julho de 2015, tem por finalidade preservar os empregos de trabalhadores vinculados a empresas circunstancialmente em momentos de crises econômico-financeira, sendo que busca criar um caminho alternativo durante as crises empresariais, a fim de que seja evitado o caminho mais drástico e tortuoso que leva à despedida em massa de trabalhadores. A proposta apresentada pelo governo federal brasileiro tem em seu núcleo a possibilidade de que as empresas aderentes promovam a redução de até 30% da jornada de trabalho de seus empregados e a proporcional diminuição de salário, de forma temporária e desde que preenchidos certos requisitos. 384
O programa de proteção ao emprego em tempos de crise A Constituição Federal da República Brasileira de 1988 admite que, provisória e circunstancialmente, seja promovida a redução de direitos trabalhistas em tempos de crises empresariais, inclusive como mecanismo apto a evitar a demissão em massa de trabalhadores. Então, o Programa de Proteção ao Emprego (PPE) atende aos ditames constitucionais, encontrando plena aceitação em nosso ordenamento jurídico. Nesse sentido, o art. 7º da Constituição de 1988, em seu inciso VI, permite a redução salarial mediante negociação coletiva patrocinada pelas entidades sindicais, ou mesmo podendo a própria empresa negociar diretamente com a entidade de classe profissional. Ainda, o art. 7º da Constituição de 1988, em seu inciso XIII, trata sobre a flexibilização trabalhista, regulamentando a possibilidade de redução da jornada de trabalho. Assim, sendo inquestionável a constitucionalidade da Medida Provisória nº 680/2015, conforme acima demonstrado, resta-nos analisar os aspectos jurídicos do PPE. Aspectos Jurídicos do Programa de Proteção ao Emprego (PPE) De acordo com a Medida Provisória nº 680, poderão as empresas em dificuldades econômico-financeiras aderir ao PPE do Governo Federal, para que, temporariamente, possam reduzir até 30% (trinta por cento) da jornada de trabalho de seus empregados, com a redução proporcional de salários. Esta MP encontra regulamentação no Decreto nº 8.479 de 2015 (BRASIL, 2015b) e na Portaria do MTE nº 1.013 de 2015 (BRASIL, 2015c). Então, conforme as normas regulamentadoras do Programa de Proteção ao Emprego, o governo federal, por meio de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), suportará 50% do valor do salário reduzido, respeitando-se o limite de 65% do maior benefício do seguro-desemprego (atualmente o valor é de R$ 900,84), cabendo ao trabalhador suportar apenas 15% da redução salarial, o que se justifica 385
Roberto Carneiro Filho nos momentos de crise empresarial, com o intuito de que sejam evitadas demissões em massa de trabalhadores. Ou seja, a ideia básica do Programa de Proteção ao Emprego é que, nos momentos de crise empresarial, sejam compartilhados esforços entre a empresa em crise, o trabalhador ameaçado de desemprego, o governo federal e a sociedade, evitando-se, com isso, incalculáveis malefícios causados pelas demissões de trabalhadores em proporções coletivas. O Comitê Interministerial do Programa de Proteção ao Emprego, criado pelo Decreto nº 8.479 de 2015, estabeleceu, por meio de resolução, as regras e os procedimentos para adesão ao PPE, a fim de evitar fraudes, condicionando-se a adesão à verificação objetiva da existência, ou não, de reais crises empresariais, o que será feita por meio do Indicador Líquido de Emprego (ILE), sendo que esse índice levará em consideração as informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) para que seja feito um cálculo com base nos números de admissões e demissões nos últimos doze meses. Além de obter o resultado exigido por meio do ILE, a empresa que pretender aderir ao PPE deverá firmar um acordo coletivo de trabalho específico para essa finalidade junto ao sindicato da categoria profissional a fim de que seja autorizada a redução de jornada e de salários. Além do mais, cabe salientar que as empresas aderentes ao Programa de Proteção ao Emprego suportarão algumas restrições, tais como: não poderão despedir imotivadamente os empregados que tiverem suas jornadas reduzidas, mesmo depois de terminado o período de redução, projetando-se 1/3 do tempo de adesão para data posterior ao término da redução; e a empresa não poderá contratar novos empregados nas mesmas funções exercidas pelos empregados afetados pelo programa, excluindo-se dessa regra os aprendizes. As empresas que violarem essas restrições sujeitar-se-ão ao pagamento de multa administrativa e deverão restituir os recursos utilizados pelo FAT. Desde 22 de julho de 2015, o governo federal está aceitando a participação no Programa de Proteção ao Emprego, sendo que o acordo coletivo com propósitos específicos deverá ser firmado com a entidade sindical profissional antes da solicitação de participação. 386
O programa de proteção ao emprego em tempos de crise A título de ilustração, cabe dizer que a Lei Federal nº 4.923, de 1965 (BRASIL, 1965), antes mesmo da Constituição de 1988, já autorizava a redução salarial acompanhada de redução de jornada, logo, a Medida Provisória nº 680/2015 não causa estranheza ao nosso ordenamento, inclusive por que tem por escopo servir aos interesses sociais como mecanismo de combate à demissão em massa e como medida que refuta o crescimento dos índices de desemprego no país. Considerações Finais O comprometimento com a preservação dos direitos fundamentais sociais e com o desenvolvimento econômico-social exige união de esforços entre os atores sociais, logo, o Programa de Proteção ao Emprego (PPE) surge como alternativa viável no combate ao desemprego, pois é um mecanismo capaz de impedir que as empresas em crise promovam demissão em massa de trabalhadores, oferecendo medidas que podem ajudar na conquista do pleno emprego e na garantia dos direitos sociais. Referências ALMEIDA, R. R. de. O regime geral do Direito do Trabalho contemporâneo sobre a proteção da relação de emprego contra a despedida individual sem justa causa: estudo comparado entre a legislação brasileira e as legislações portuguesa, espanhola e francesa. LTr, São Paulo, v. 3, p. 336-345, set. 2007. ALMEIDA, R. R. de. Subsiste no Brasil o direito potestativo do empregador nas despedidas em massa. LTr, São Paulo, v. 73, n. 04, p. 391-393, abr. 2009. ALMEIDA, R. R. de. (Org.). Direitos fundamentais aplicados ao direito sindical. São Paulo: LTr, 2014. BARROS, A. M. de. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2009. BRAMANTE, I. C.; CALVO, A. Aspectos polêmicos e atuais do Di- 387
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