DISCURSO DIRETO E HIPOSSEGMENTAÇÕES: RELAÇÕES POSSÍVEIS? 1

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Transcrição:

DISCURSO DIRETO E HIPOSSEGMENTAÇÕES: RELAÇÕES POSSÍVEIS? 1 Giordana TICIANEL (UEM) Introdução Abaurre (1988, 1991), Silva (1991), Cunha (2010) e Capristano e Ticianel (em preparação), quando estudaram a aquisição da escrita e, mais especificamente, a segmentação de palavras, observaram uma tendência: em produções textuais infantis, há uma maior quantidade de hipossegmentações no contexto do discurso direto. Esse fato poderia ser explicado, pois, segundo Abaurre (1991, p. 213), quando produzem essa forma do discurso relatado, as crianças, por estarem (...) provavelmente baseadas na hipótese de que os diálogos, mesmo quando escritos, devem estar próximos da pronúncia das próprias personagens (...), segmentariam menos as palavras e, portanto, as hipossegmentariam mais. Já que a delimitação de palavras na fala não é realizada por meio de espaços em branco, uma exclusividade da escrita. Nesta pesquisa, também analisamos essa questão, observando se existiria, de fato, alguma relação entre o discurso direto e as hipossegmentações. Por hipossegmentação, compreendemos a ausência de espaços em branco que resulta na junção de duas ou mais palavras (Cf. Abaurre (1988, 1991), Capristano (2007), Chacon (2009), Tenani (2010), Silva (1991), dentre outros), como nos mostra o exemplo abaixo, no qual o escrevente une o pronome ele ao verbo disse : Figura 1 - Hipossegmentação 2 1 Este artigo apresenta resultados iniciais da Iniciação Científica em andamento Discurso direto e hipossegmentação: é possível estabelecer relação? (PIC/UEM: 9489/2012), desenvolvida sob orientação da Prof. Dr. Cristiane Carneiro CAPRISTANO (UEM). 2 Leitura preferencial: Ele disse.

Como já mencionado, observou-se essas segmentações não convencionais em um contexto específico, o discurso direto (doravante, DD). Segundo Authier-Revuz (1991), no DD, o enunciador, utilizando suas próprias palavras, relata outra situação de enunciação, seja por meio da escrita ou da fala. Entretanto, no momento em que reproduz o discurso do outro, o enunciador o transpõe integralmente, sem a necessidade de alguma alteração sintática. Para utilizar esse recurso de forma convencional na escrita, utilizam-se alguns sinais gráficos, como os dois pontos, travessão e aspas, mas nem sempre esses elementos aparecem. Geralmente, o que mais identifica o discurso direto é a presença de um verbo elocucional ( falar, perguntar, dizer, dentre outros), que pode aparecer tanto antes, quanto depois, da fala relatada (AUTHIER-REVUZ, 1991). Nesta pesquisa, voltamos nosso olhar para o DD produzido com base em uma história em quadrinhos, e mais especificamente, para as ocorrências de hipossegmentação observadas nesse contexto. Com um objetivo comparativo, analisamos também essas ocorrências nos momentos de narração, que denominamos Outros Contextos (doravante, OC). Observemos a presença desses dois contextos (DD e OC) e as ocorrências de hipossegmentação na produção textual abaixo: 3 Figura 2 - (Escola Privada I - Suj. 08) 4 3 Notar que a sigla abaixo dos exemplos das produções textuais, corresponde às escolas que fizeram parte do corpus da pesquisa (a saber, Escola Pública I e II e Escola Privada I e II). A abreviação Suj. (sujeito), seguida de um número, corresponde ao escrevente dessa produção textual.

Na figura 2, estão destacados em azul os trechos caracterizados como OC, momentos no qual são apresentadas as características dessa narração, além da introdução das falas dos personagens, feitas por meio do uso de verbos elocucionais. Na sequência desses verbos, sublinhados em verde, estão os momentos de DD. As ocorrências de hipossegmentação estão circuladas e são observadas nos dois contextos de análise. Em produções textuais como essa, investigamos se o aumento das hipossegmentações, em enunciados de escreventes do terceiro ano (antiga segunda série), poderia ter relação com a presença do discurso direto. Adicionalmente, observamos as estruturas mais hipossegmentadas nos dois contextos, DD e OC, com o intuito de apresentarmos um olhar inicial qualitativo sobre os dados. Nosso material são produções textuais de alunos do terceiro ano do ensino fundamental, de duas escolas de ensino privado e duas de ensino público, da cidade de Maringá (PR). Fato que também possibilitou uma análise da relação discurso direto/hipossegmentação levando em consideração o contexto de ensino público e privado. Na sequência, apresentaremos o material e a metodologia de análise dos dados, os resultados e suas hipóteses, além das principais conclusões obtidas. Buscando, desse modo, entender se de fato existiria relação entre a produção de discurso direto e as ocorrências de hipossegmentação. 1. Material e metodologia Para o desenvolvimento da pesquisa foram realizadas, inicialmente, coletas de produções textuais em quatro escolas da cidade de Maringá; duas de ensino público e duas de ensino privado, como já adiantado. Essas coletas foram autorizadas pelo comitê de ética da Universidade Estadual de Maringá (UEM) (COPEP/UEM CAAE: 07983213.0.0000.0104), além de terem sido autorizadas pelos pais ou responsáveis dos alunos, mediante a assinatura do TCLE (termo de consentimento livre e esclarecido). 4 Leitura preferencial: Era uma vez, uma bruxinha # chamada bruxinha boa. Ai, # apareceu alguma coisa estranha. # Ai, ela viu que era um elefante. # Ai, ela gritou: Socorro, um elefante! # Ai, ela perguntou: O que você quer? # Ai, o elefante chamado Fofucho deu # um beijo na bruxinha boa. # Ele disse: Um beijo. Ai, eles se # tornaram grandes amigos. Fim.

As coletas foram realizadas durante as aulas, no período matutino ou vespertino, para isso a princípio, cada um dos alunos recebeu uma cópia da história em quadrinhos abaixo: Figura 3 História em quadrinhos Após a leitura, realizada pela pesquisadora, os alunos foram convidados a recontar oralmente a história, e, na sequência, foi solicitado que a escrevessem. Os 143 textos recolhidos constituíram nosso corpus de pesquisa (82 da escola pública e 61 da escola privada). De posse desse material, seguimos uma metodologia para buscarmos resposta a questão: existiria uma relação quantitativa entre a produção de discurso direto e as hipossegmentações? Para isso, primeiramente, atribuímos uma leitura possível às produções textuais, necessária, pois as crianças apresentam oscilações em sua escrita em relação à segmentação, à ortografia, à pontuação e a outros aspectos. Para exemplificar esse fato apresentamos a produção textual abaixo, recolhida do corpus:

Figura 4 - (Escola Pública I - Suj. 11) 5 Neste exemplo notamos dificuldades na atribuição de leitura, relacionadas, principalmente: a delimitação de espaços em branco (destacadas em azul), a distribuição das letras nas palavras (destacadas em verde) e a ausência de pontuação. Mesmo assim, utilizando como base o texto fonte (a história em quadrinhos), conseguimos atribuir leitura as produções textuais. O passo seguinte foi à identificação dos trechos de DD em oposição aqueles de OC, pois a maioria das crianças não marca essa forma do discurso relatado de maneira convencional em sua produção, isto é, utilizando dois pontos, travessão, aspas, mudança de linhas e, algumas delas também não utilizam os verbos elocucionais. No entanto, é importante destacar que, apesar desse fato, elas não deixam de produzi-lo, como ilustra o exemplo abaixo: Figura 5 - (Escola Pública I - Suj. 06) 6 5 Leitura preferencial: A feiticeira e o elefante # Um dia ela, a bruxa, estava sozinha. # E de repente, a bruxa viu alguma coisa, # e a bruxa descobriu que era um elefante. # E a bruxa perguntou: o que que você quer?. E o elefante: # eu quero te dar um beijo. E depois do beijo # o elefante falou: um beijo.

No exemplo acima, estão destacados em verde os trechos de DD. Percebemos que o que possibilita a sua identificação é o fato de conhecermos o texto base para essa produção textual (a história em quadrinhos), mesmo não existindo nenhuma marca gráfica convencional de DD (travessão, aspas ou uso de verbos elocucionais). Depois dessa etapa, passamos a análise quantitativa dos dados. Para a análise quantitativa, primeiramente, realizamos a contagem das palavras não envolvidas em hipossegmentação em oposição às palavras envolvidas em hipossegmentação, nos contextos DD e OC, contrastando o ensino privado/público. Fizemos essa opção para que a análise fosse realizada de maneira proporcional e não comparássemos unidades de medidas diferentes. Na sequência, como acréscimo, destacamos as estruturas mais hipossegmentadas em ambos os contextos. Por fim, apresentaremos os resultados obtidos e possíveis hipóteses para explicá-los. 2. Resultados e discussão Seguindo a metodologia proposta, inicialmente, realizamos a contagem de todas as palavras das produções textuais, para que pudéssemos identificar quantas não estavam envolvidas em hipossegmentação e quantas estavam. A primeira contagem que realizamos foi feita apenas contrastando os contextos DD e OC. Obtivemos o seguinte resultado: 6 Leitura preferencial: A bruxa está sozinha. # Depois ela viu uma coisa. # Socorro um elefante! # O que você quer de mim? # Smack # Um kiss.

Palavras não envolvidas e envolvidas em hipossegmentação - TOTAL 100% 80% 60% 40% 20% 0% 91,16% (1393) 95% (4909) 8,80% (135) 5% (249) DDD (1528) OC (5158) Palavras envolvidas hipossegmentaçã ão não em Palavras envolvidas em hipossegmentação Gráfico 1 - Palavras não envolvidas e envolvidas em hipossegmentação TOTAL Por meio do gráfico 1, percebemos que as crianças produziram 1528 palavras no DD, dessas 1393 (91,16%), não estavam envolvidas em hipossegmentação e 135 (8,8%) estavam. Em OC foram produzidas 5158 palavras, dessas 4909 (95%) estavam envolvidas em hipossegmentação e 249 (5%) não estavam envolvidas. Esses resultados confirmaram a hipótese observada, de que os escreventes hipossegmentariam mais no DD, pois, mesmo produzindo muito mais palavras em OC, o que poderia representar muito mais possibilidades de erro, a maior parte das palavras envolvidas em hipossegmentação estava localizada no contexto de DD. Quando analisamoss esse resultado por contexto de ensino, observamos que ele se manteve, mas com algumas particularidades. Observemos primeiro na escola pública:

Palavras não envolvidas e envolvidas em hipossegmentação - Escolas Públicas 100% 80% 60% 40% 20% 0% 90,57% (836) 93,48% (2856) Palavras não envolvidas em hipossegmentação Palavras envolvidas em 9,4% (87) 6,5% (199) hipossegmentação DDD (923) OC (3055) Gráfico 2 - Palavras não envolvidas e envolvidas em hipossegmentação Escolas Públicas Nesse contexto de ensino, observamos resultados semelhantess aos gerais, pois a maior quantidade de palavras envolvidas em hipossegmentação estava no DD. Ou seja, foram produzidas no DD, 923 palavras, destas, 87 (9,4%) estavam envolvidas em hipossegmentação. Em contrapartida, em OC foram produzidas 3055 palavras, e destas 199 (6,5%) estavam envolvidas em hipossegmentação. Nas instituições de ensino particular notamos fato semelhante, mas com uma peculiaridade em relação ao contexto público: 100% 80% 60% 40% 20% 0% Palavras não envolvidas e envolvidas em hipossegmentação - Escolas Particulares 92% (557) 97,6% (2053) Palavras não envolvidas em hipossegmentação 8% (48) 2,3% (50) Palavras envolvidas em hipossegmentação DD (605) OC (2103) Gráfico 3 - Palavras não envolvidas e envolvidas em hipossegmentação Escolas particulares

Novamente, mesmo os escreventes produzindo muito mais palavras em OC (2103), a maior quantidade, percentualmente, de palavras envolvidas em hipossegmentação foi observada no DD. A saber, 605 palavras produzidas e 48 (8%) envolvidas em hipossegmentação. Enquanto isso em OC apenas 50 palavras, (2,3%), estavam envolvidas em hipossegmentação. O que chama a atenção nesse resultado é a grande diferença em relação à quantidade de palavras envolvidas em hipossegmentação no DD e em OC. No ensino privado notamos que das palavras envolvidas em hipossegmentação, 8% estavam no DD, e apenas, 2,3% em OC. Esse fato evidencia que para essas crianças a presença do DD é um fato importante para o aparecimento das hipossegmentações, ainda mais do que na escola pública, em que o DD também pareceu um contexto relevante para o aumento das hipossgmentações, mas a diferença em relação à OC foi muito menor (87 (9,4%) palavras envolvidas em hipossegmentação no DD e 199 (6,5%) em OC). Poderíamos pensar que essa maior quantidade de ocorrências de hipossegmentação no DD, no contexto da escola privada, estaria relacionada à presença de alguma estrutura específica, que poderia ter levado as crianças a hipossegmentarem mais. Por isso, como já adiantado, observamos, também, as estruturas que os escreventes mais hipossegmentaram em OC e em DD e nos dois contextos de ensino: Palavras Hipossegmentadas Contexto Público Contexto Privado DD Ocorrências: 34 (29,82%) OC Ocorrências: 80 (70,17%) DD Ocorrências: 22 (45,8%) OC Ocorrências: 26 (54,16%) oque = 13 derrepente = 17 oque = 15 derrepente = 12 Tabela 1 - Palavras hipossegmentadas Contexto público e privado

Por meio da tabela, percebemos que as estruturas mais hipossegmentadas em DD e em OC, não diferem nos dois contextos de ensino. A estrutura oque foi a mais hipossegmentada no DD, ela apareceu em grande parte das produções textuais, devido, principalmente, a pergunta que aparece na história em quadrinhos: O que você quer de mim?. Em OC, a estrutura derrepente foi a mais hipossegmentada. Estrutura muito presente nas narrativas, tem por função iniciar o conflito, por isso foi utilizada por grande parte dos escreventes. Vale destacar que ambas as estruturas ( oque e derrepente ) aparecem hipossegmentadas, também, em textos de escreventes em contato com a escrita há muito tempo. Esse fato nos mostra que não parece ser, apenas, uma estrutura em específico a justificativa para a maior quantidade de hipossegmentações no DD, pois, além de termos estruturas hipossegmentadas repetidamente tanto em DD quanto em OC, o contexto parece ser muito relevante para o aparecimento das hipossegmentações, como nos mostraram os resultados quantitativos anteriores. Poderíamos também pensar que pela maior quantidade de ocorrências de hipossegmentação em OC, tanto na escola pública (80 ocorrências) quanto na privada (26 ocorrências), a hipótese de que as crianças hipossegmentam mais no DD, não se confirmaria. No entanto, como já mencionado, nossa análise quantitativa é realizada proporcionalmente, isto é, contrastando sempre a quantidade de palavras envolvidas e não envolvidas em hipossegmentação em relação à quantidade de palavras produzidas em cada contexto. A título de exemplo, as 80 ocorrências de hipossegmentação em OC no ensino público, representam muito menos, percentualmente, do que as 34 ocorrências de hipossegmentação no DD para as 923 palavras produzidas. Assim, pelo aspecto inicial qualitativo e principalmente pelos resultados quantitativos, parece existir de fato uma relação muito estreita entre o discurso direto e as hipossegmentações. Considerações Finais Os dados analisados confirmam a hipótese observada por Abaurre (1988, 1991), Silva (1991), Cunha (2010) e Capristano e Ticianel (em preparação), pois, tanto

quantitativamente, quanto qualitativamente nas observações iniciais, o DD estava relacionado às hipossegmentações. Em números percentuais ficou evidente que, mesmo nos dois contextos de ensino (público e privado), os escreventes produzindo muito mais palavras em OC, a maior quantidade de palavras envolvidas em hipossegmentação estava localizada no contexto do DD. Foi na escola particular que o contexto pareceu ainda mais saliente, principalmente, pela pouca quantidade de palavras envolvidas em hipossegmentação em OC. Nosso estudo qualitativo inicial, com base apenas na observação das estruturas mais hipossegmentadas, também confirmou a hipótese, pois nos mostrou que nos dois contextos de produção (DD e OC) e nos dois contextos de ensino (público e privado) apareceram estruturas recorrentes que foram hipossegmentadas. Além disso, o número alto de ocorrências de hipossegmentação em OC, não inibiu os resultados anteriores, pois eles são a justificativa da realização da contagem de palavras feitas sempre proporcionalmente ao contexto de produção (DD ou OC). A presente pesquisa teve como foco um olhar quantitativo, para dar continuidade, um olhar qualitativo acerca desses resultados também seria relevante, com o intuito de, agora, observar se existiriam diferenças na qualidade das hipossegmentações no DD, das hipossegmentações em OC, contrastando novamente os dois contextos de ensino 7. Isso possibilitará um olhar ainda mais aprofundado a respeito da relação que podemos afirmar ser possível entre o discurso direto e a segmentação de palavras, especificamente, a hipossegmentação. Referências ABAURRE, M. B. M. O que revelam os textos espontâneos sobre a representação que faz a criança do objeto escrito? In: KATO, M. (org.). A concepção da escrita pela criança. Campinas: Pontes Editores, 1988. P.135 142.. A relevância dos critérios prosódicos e semânticos na elaboração de hipóteses sobre segmentação na escrita inicial. Boletim da ABRALIN, Campinas, v.11, 1991, p. 203-217. 7 Essa análise será realizada na Iniciação Científica Discurso direto e hipossegmentação: é possível estabelecer relação? (PIC/UEM: 9489/2012) que, como já afirmado, está em andamento.

AUTHIER-REVUZ, J. Observações no campo do discurso relatado. In:. Palavras incertas: As não coincidências do dizer. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1991. P. 133-163. CAPRISTANO, C. C. Mudanças na trajetória da criança em direção à palavra escrita. Campinas: Unicamp, 2007, 253p. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. CAPRISTANO, C. C.; TICIANEL, G. F. Possíveis relações entre discurso direto e hipossegmentações (em preparação). CHACON, L. Segmentações não-convencionais na escrita de pré-escolares: entrecruzamentos entre convenções ortográficas e constituintes prosódicos. In: LAMPRECHT, R. R. (org.) Aquisição da linguagem: estudos recentes no Brasil. Porto Alegre: Editora da PUC-RS, 2009. P. 282-295. CUNHA, A. P. N. As segmentações não-convencionais da escrita inicial: uma discussão sobre o ritmo linguístico do português brasileiro e europeu. Pelotas: UFPEL, 2010, 190p. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2010. SILVA, A. Alfabetização: a escrita espontânea. São Paulo: Editora Contexto, 1991. TENANI, L. E. A grafia dos erros de segmentação não-convencional de palavras. In: Cadernos de Educação FaE/PPGE/UFPel Pelotas, 2010, p. 247-269.