Associação de Moradores das Comunidades Montanha e Mangabal

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Transcrição:

REALIZAÇÃO: Associação de Moradores das Comunidades Montanha e Mangabal Criação, desenhos e arte: emman studios (91) 3199.0472-99223.6464 pauloemman@yahoo.com.br Apoio: Nova Cartografia

Protocolo de Consulta Montanha e Mangabal Elaborada pelos beiradeiros do Projeto Agroextrativista Montanha e Mangabal, reunidos no Machado, em 26 e 27 de setembro de 2014

Protocolo de Consulta Montanha e Mangabal Nós não somos invisíveis e não abrimos mão do nosso lugar. No passado, os grileiros diziam que ninguém vivia em Montanha e Mangabal, mas lutamos e conseguimos que nosso direito à terra fosse reconhecido. Agora, é o governo quem diz que não existimos e planeja construir barragens no rio Tapajós sem nem nos consultar. Mas sabemos que a lei garante nosso direito à consulta prévia e exigimos que ele seja cumprido. Aqui, neste beiradão, nós nascemos e nos criamos. Pegamos malária, enfrentamos as cachoeiras, cortamos seringa, caçamos gato, pescamos, fizemos nossas roças. Foi assim nossa lida. À beira do Tapajós, enterramos nossos pais e nossos filhos. Exigimos ser consultados. E lembramos também dos beiradeiros de comunidades como Mamãe-Anã, Penedo, Curuçá, Pimental, São Luiz e Vila Rayol, e de aldeias como a do Chico Índio e a de Terra Preta (Apiaká), que, assim como nós e os Munduruku, devem ser consultados sempre que o governo tiver planos que afetem nossas terras. Agora, é o governo quem diz que não existimos e planeja construir barragens no rio Tapajós

Quem deve ser consultado? Devem ser consultados os moradores mais antigos, que têm conhecimento de toda a área. São eles que ensinam aos filhos, netos, bisnetos como tirar a sobrevivência da floresta e do rio. Eles são referências para nossa comunidade, são reconhecidos por nós e todos precisamos muito deles. As mulheres também devem ser consultadas. Elas sabem como tratar o peixe, botar roça e fazer farinha. Temos puxadeiras, parteiras, rezadeiras, que sabem remédios que nem todo médico conhece. Aprenderam com suas mães. Garrafada para curar malária, rezas para urdidura e quebrante com tudo isso, criamos nossos filhos. Os jovens também devem ser consultados. Eles são os herdeiros dos ensinamentos que vieram de geração em geração. Estão estudando, recebendo conhecimentos que muitos de nós não recebemos. Mais tarde, são eles que vão nos representar. Outras pessoas importantes para a comunidade como os professores que lecionam aqui (mesmo os que não são filhos da terra), o nosso guarda de endemias, os dirigentes das igrejas, os pequenos comerciantes, os moradores que todos os anos fazem as festas tradicionais, como, em seu tempo, faziam seus pais e seus avós também devem ser consultadas. Hoje, muitos filhos do beiradão passam períodos na cidade. Muitos saíram por necessidade, para levar seus filhos para estudar, porque, em Montanha e Mangabal, a escola só atende as primeiras séries. Mas aqueles que estão lá têm a raiz enterrada aqui. Eles participam das tradições e comem o peixe daqui. Além disso, ficam sabendo das coisas que estão acontecendo e passam informações para nós. Por isso, exigimos sua participação na consulta.

Como deve ser o processo de consulta? Nós queremos ser consultados todos juntos, porque todo mundo aqui sabe de alguma coisa e luta por um só ideal. O governo não pode consultar famílias separadamente. Nunca nos sentimos à vontade com as conversas em separado feitas por representantes do governo ou de empresas. Sabemos que nossos direitos não são favores. Por isso, não adianta o governo nos prometer nada em troca de aceitarmos sua proposta. O governo também não pode nos consultar quando já tiver tomado uma decisão: temos direito à consulta prévia. As reuniões devem ser em nossa comunidade e também em Itaituba, para os beiradeiros que se encontrarem lá. Quando o governo quiser se reunir com a gente, deve nos procurar com uma antecedência mínima de três semanas, para acertarmos, juntos, as datas. Precisamos desse tempo para avisar as famílias, de casa em casa, sobre a reunião e para distribuir combustível para seus barcos, voadeiras e rabetas. Muitos precisam ir à rua nos finais de mês, para receber salário, aposentadoria ou outros benefícios. Então, o melhor período para reuniões é entre os dias 10 e 25. Nos meses de setembro e outubro, temos muito trabalho em nossas roças e, por isso, não podemos dedicar o tempo necessário para mobilizar reuniões. Só nos reunimos nestes dias em setembro porque ficamos sabendo que o governo está apressando os passos e passando por cima de nós. Sempre que quiser marcar reunião, o governo tem que avisar a nossa associação. Deve nos avisar também pelo rádio, em todas as frequências a seguir: 6575 (Apuí), 6852 (Jatobá), 6646 (Vilinha), 6543 (Nova Canaã ou Ramal), 6724 (Machado), 7907 (Três Irmãs), 5793 (Boca do Rato), 6710 (Itaituba).

O pessoal do governo, quando vem fazer reunião com a gente, quer falar muito bonito, muito técnico, com palavras difíceis que nós não conhecemos. Nas reuniões da consulta, eles têm que falar a nossa língua, a linguagem do nosso dia-a-dia, a linguagem do beiradeiro. O governo precisa entender também que muitos de nós não sabemos ler. E que o nosso conhecimento não pode ser desprezado. Também devem participar das reuniões os nossos parceiros: o Ministério Público Federal, as organizações escolhidas por nós e nossos convidados especiais, inclusive técnicos de nossa confiança, que serão indicados por nós. Os custos da nossa presença e dos nossos parceiros em todas as reuniões (transporte, hospedagem, alimentação e outras despesas que forem necessárias) devem ser pagos pelo governo. Se a polícia estiver nas reuniões, isso já será uma pressão. Não aceitaremos agentes da Polícia Militar, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Exército, Força Nacional de Segurança Pública, Agência Brasileira de Inteligência ou de qualquer outra força de segurança pública ou privada, inclusive disfarçados. O governo não pode fazer imagens nossas sem nossa autorização por escrito. Para nossa segurança, as reuniões devem ser filmadas e o governo deve nos entregar cópias completas das gravações.

As reuniões sobre as quais falamos até agora, dividem-se em: Reunião para fazer acordo sobre o plano de consulta: O governo deve ser reunir com a gente para chegarmos a um acordo sobre o plano de consulta. O plano de consulta deve respeitar este documento, que diz como nos organizamos e tomamos nossas decisões. Reunião informativa: O governo deve se reunir com a gente, para informar seus planos e tirar nossas dúvidas. Toda reunião deve ser sempre repetida em três locais: Vilinha e Machado (ambas no Projeto Agroextrativista - PAE Montanha e Mangabal) e na sede de Itaituba. Além de nós, devem participar dessa reunião nossos parceiros. Reuniões internas: Depois das reuniões informativas, teremos reuniões internas e também com os Munduruku. A consideração que os Munduruku têm por nós é a que nós temos por eles; por isso, queremos ouvi-los. Podemos convidar nossos parceiros para as nossas reuniões internas. Já o governo não pode estar presente. Se aparecerem mais dúvidas, o governo deverá fazer mais reuniões informativas, com a nossa participação e de nossos parceiros. Depois disso, poderemos fazer outras reuniões com nossos parceiros, sem o governo, para nova rodada de discussão. Deverão ser realizadas quantas reuniões forem necessárias para nos informarmos completamente. Reunião de negociação: Quando nós tivermos informações suficientes e depois de discutirmos entre nós, o governo deve se reunir conosco, no local que indicaremos (no interior do PAE Montanha e Mangabal), para ouvir nossa resposta. Nesta reunião, devem participar

também os nossos parceiros. O governo deve ouvir e responder a nossa proposta, mesmo que ela for diferente da proposta do governo. Como nós tomamos nossas decisões? A gente costuma ficar conversando entre a gente até chegar a um acordo. Por isso, precisamos de tempo suficiente para construir esse acordo. E se não houver acordo, a maioria decide na assembleia. O que esperamos da consulta? O governo tem que nos escutar, ouvir nossas propostas e aceitar o que a nossa comunidade quer. Estamos aqui há muitas gerações e sabemos do que estamos falando. * A construção deste documento foi assessorada pelo projeto Consulta prévia, livre e bem informada: um direito dos povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia e pelo Ministério Público Federal.