Modelo de enriquecimento regional em comunidade de artrópodes de serrapilheira

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Transcrição:

Modelo de enriquecimento regional em comunidade de artrópodes de serrapilheira Gabriel Frey, Thaís Nícía Azevedo, Márcia Duarte & Amanda Ercília de Carvalho RESUMO: Duas hipóteses concorrem para explicar a diversidade biológica: o modelo de saturação local, em que processos locais determinam a diversidade local e o modelo de enriquecimento regional, em que os processos regionais determinam a diversidade local. O objetivo deste estudo foi inferir a importância relativa dos processos locais e regionais sobre a diversidade local, utilizando como modelo a comunidade de artrópodes de serrapilheira acumulada em raízes tabulares. Três hipóteses foram testadas: (1) a comunidade segue o modelo do enriquecimento regional, (2) a comunidade segue o modelo de saturação e (3) guildas mais especializadas possuem menor relação entre diversidade local e regional. Foi calculada a diversidade local e total da comunidade de artrópodes, guildas de detritívoros e predadores e a relação entre elas. Os resultados indicam que a diversidade regional influencia positivamente a local para a comunidade como um todo e para cada guilda individualmente. PALAVRA-CHAVE: diversidade, guilda, modelo de saturação, nicho INTRODUÇÃO A diversidade biológica é uma das variáveis de maior interesse nos estudos ecológicos. Nos últimos tempos, tem se tornado recorrente a utilização desse termo diretamente ligado às questões que envolvem degradação ambiental e perda de espécies (Ricklefs & Schluter, 1998). Essas preocupações se tornam consideráveis na medida em que o entendimento dos processos que geram a coexistência de espécies e os padrões de diversidade biológica encontrados na natureza em diferentes escalas geram ações que objetivam a manutenção desta diversidade (Ricklefs, 1987; Ricklefs & Schluter, 1998). Existem duas grandes hipóteses concorrentes para explicar como a diversidade é gerada nas comunidades: (i) a hipótese da saturação local prevê que a coexistência das espécies é determinada pelas interações entre as espécies dentro da comunidade e (ii) o modelo do enriquecimento regional prevê que a riqueza das comunidades é prioritariamente determinada pela diversidade regional (Figura 1a) (Ricklefs, 1987). Historicamente, o modelo de saturação local prevaleceu, mas evidências crescentes indicavam que processos regionais também tinham papel na estruturação das comunidades (Ricklefs, 1987). Uma vez que a teoria ecológica incorporou a idéia de que tanto processos em uma escala local como em uma escala regional devem reger a coexistência de espécies localmente, a questão de interesse passou a Figura 1. (a) Curvas teóricas da relação entre diversidade regional e diversidade local de uma comunidade. A linha contínua representa o cenário em que processos regionais determinam a diversidade local (modelo de enriquecimento regional). A linha tracejada representa o cenário em que processos locais determinam a diversidade local (modelo de saturação local. (b) Curvas teóricas da relação logarítmica entre diversidade local e diversidade regional. A linha contínua representa o cenário em que processos regionais determinam a diversidade local. A linha tracejada representa o cenário em que processos locais determinam a diversidade local. O valor de b representa a inclinação das retas. ser a de entender qual é o balanço final da relação entre os processos em diferentes escalas. Quando as interações entre espécies de uma comunidade são fortes espera-se que a diversidade seja determinada principalmente por essas interações (saturação local). Em comunidades em que as interações entre espécies são fracas, espera-se que os processos regionais determinem a diversidade de espécies (enriquecimento regional). 1

O objetivo deste estudo foi inferir a importância de processos regionais e locais na estruturação de comunidades, utilizando como modelo a comunidade de artrópodes de serapilheira acumulada entre as raízes tabulares de árvores. Para isso, as duas hipóteses concorrentes de determinação da comunidade foram testadas: a primeira hipótese é que a relação entre diversidade local e regional de comunidades é proporcional, seguindo o modelo de enriquecimento regional; e a hipótese concorrente é que existe saturação na diversidade de espécies local de uma comunidade, mesmo com o aumento da diversidade regional, seguindo o modelo de saturação. Além disso, levantamos uma terceira hipótese de que há variação na relação entre riqueza local e regional de acordo com o grau de especialização de cada guilda alimentar. Na comunidade rica de artrópodes de serrapilheira podemos prever que haverá baixa competição entre os detritívoros, pois o recurso alimentar é abundante e diverso e, portanto, o modelo de enriquecimento regional deve explicar a riqueza desta guilda na serrapilheira acumulada. Para os artrópodes predadores, a competição deve ser maior, já que o recurso alimentar (presas) deve ser mais escasso ou sua obtenção demanda maior gasto de energia. Nesse caso, a hipótese de saturação local deve explicar a riqueza encontrada. MATERIAL & MÉTODOS Área de estudo O estudo foi realizado na trilha do Arpoador, dentro da Estação Ecológica Juréia-Itatins (24º17-24º35 S; 47º00-47º30 O), município de Peruíbe, litoral sul do estado de São Paulo. A Estação Ecológica está localizada na região da Serra do Mar e apresenta diferentes formações florestais, sendo uma delas a floresta ombrófila densa de encosta. Nesse tipo de vegetação, há muitas árvores de raízes tabulares, que formam concavidades nas quais se acumula serrapilheira. A serrapilheira contém diferentes grupos de organismos, dentre eles a comunidade de artrópodes, nosso objeto de estudo. Coleta de dados Percorremos um trecho da trilha do Arpoador buscando ativamente por indivíduos de espécies arbóreas com raízes tabulares, a no máximo 20 m de distância em ambos os lados da trilha. Selecionamos dez árvores de acordo com o tamanho, excluindo do conjunto todas as árvores consideradas com pequena área entre as raízes tabulares. O acúmulo de serrapilheira embaixo da copa de cada árvore foi nossa unidade amostral, referida daqui em diante como mancha. Em cada mancha, coletamos com escavadeira três subamostras de serrapilheira, distantes ao menos 60 cm entre si. Escolhemos os pontos subamostrais de modo que se localizassem o mais próximo possível das raízes. Desse modo, padronizamos as condições microclimáticas, visto que a umidade e a incidência luminosa eram similares próximo às raízes. Triamos e morfotipamos todos os artrópodes presentes nas 30 subamostras de serrapilheira. Os morfotipos foram classificados de acordo com o nível trófico ao qual pertenciam em detritívoros, predadores e outros. Tomamos medidas secundárias, tais como número de reentrâncias das raízes tabulares e o maior diâmetro da mancha para nos certificarmos que as manchas não diferiam muito entre si. As manchas de serrapilheira apresentaram baixa variação de tamanho e número de reentrâncias. O número de reentrâncias por árvore variou entre 4 e 8 (média ± desvio padrão: 4,9 ± 1,29) e o diâmetro máximo das manchas variou entre 2,3 e 5 m (média ± desvio padrão: 3,72 ± 0,96 m). Logo concluímos que as manchas são suficientemente parecidas para as compararmos. Análise estatística Para cada mancha e subamostra, calculamos o número de morfotipos. A partir deste resultado, calculamos as diversidades local e regional para (i) comunidade de artrópodes total, (ii) guilda de artrópodes detritívoros e (iii) guilda de artrópodes predadores. A diversidade local foi a média da riqueza de morfotipos das sub-unidades amostrais. Já a diversidade regional foi o total de morfotipos de cada unidade amostral. Para a comunidade de artrópodes total, guilda de detritívoros e guilda de predadores ajustamos a reta de regressão linear entre o logaritmo da diversidade local e o logaritmo da diversidade regional. Nossa estatística de interesse foi o coeficiente de inclinação dessa reta de regressão linear. Se o coeficiente de inclinação da reta for igual a 1, a relação entre a diversidade local e a diversidade regional é linear, o que corroboraria a hipótese de enriquecimento regional. No entanto, se o coeficiente de inclinação da reta for menor que 1, a relação entre as diversidades local e regional não é linear e a partir de um certo valor de diversidade regional, a diversidade local satura (Figuras 1a e 1b). Para isso, aleatorizamos 10.000 vezes com reposição (bootstrap) amostras de tamanho dez dos pares de valores da diversidade local e regional para a comunidade total e para cada uma das guildas, Em seguida obtivemos os valores de inclinação da reta de regressão para cada amostra bootstrap. Por fim, identificamos os 2

valores destas inclinações que delimitam 9.500 valores centrais das 10.000 aleatorizações. Assim, testamos se o valor do coeficiente de inclinação da reta (de valor 1) está contido neste intervalo. Caso não esteja, a hipótese de enriquecimento regional não pode ser descartada. RESULTADOS Obtivemos 24 morfotipos de artrópodes de oito ordens de insetos, três ordens de aracnídeos e duas classes de Myriapoda, Diplopoda e Chilopoda (Anexo 1). Desses morfotipos, foram encontrados, em média, nove tipos de predadores e seis tipos de detritívoros por unidade amostral (Anexo 2). A relação entre a diversidade média local e diversidade regional foi positiva e significativa para os três grupos estudados (Figura 2). O valor do coeficiente angular da regressão entre riqueza local e riqueza regional para o grupo total de artrópodes foi de 1,010 (p < 0,001 e intervalo de confiança entre 0,760 a 1,570). Para o grupo de artrópodes detritívoros o coeficiente foi igual a 1,090 (p = 0,001 e intervalo de confiança entre 0,430 a 1,780) e para o grupo de artrópodes predadores o coeficiente foi igual a 0,885 (p = 0,008 e intervalo de confiança entre 0,680 a 1,070). Portanto, o limite superior do intervalo de confiança do coeficiente para os três grupos inclui o valor de 1, indicando que o modelo de enriquecimento regional melhor explica a estruturação dessa comunidade. DISCUSSÃO A relação entre a diversidade local e diversidade regional para a comunidade de artrópodes e as guildas de predadores e detritívoros dos artrópodes foi coerente com a reta teórica do modelo de enriquecimento regional. Este modelo pode ser explicado por alguns modelos simples de determinação de riqueza de espécies que incorporam os conceitos de recurso e nicho (Southwood et al., 1982; Begon et al., 2006). Em um deles, mais espécies podem ocorrer em uma comunidade do queem outra porque uma maior diversidade de recursos pode estar presente. No outro, uma maior quantidade de nichos especializados, ou ainda, em um terceiro modelo, uma maior sobreposição de nichos (Begon et al., 2006). Entre os modelos teóricos propostos acima, a explicação mais plausível para a falta da evidência de saturação da riqueza local em função da riqueza regional da guilda de artrópodes detritívoros é a alta diversidade de recursos fornecida pela contínua deposição de serrapilheira. Além disso, a composição média de morfoespécies por subunidade amostral número de morfoespécies na unidade amostral Figura 2. Relação entre a média do número de morfotipos de artrópodes de três subamostras de serrapilheira entre raízes tabulares de árvores e o total do número de morfoespécies das três subamostras. A média do número de morfotipos de artrópodes das três subamostras representa a diversidade local. O total de morfotipos das subamostras representa a diversidade regional das manchas de serrapilheira amostradas. As linhas representam a reta de regressão. (a) toda a comunidade de artrópodes, (b) comunidade de artrópodes detritívoros e (c) comunidade de artrópodes predadores. dos detritos florestais recebe a contribuição de diferentes espécies vegetais, sofrendo variação no tempo e no espaço (Dindal, 1990). Deste modo, há recursos suficientes e diversos para garantir um grande número de nichos. Contudo, para a guilda de artrópodes predadores, a explicação dada para a guilda de decompositores não seria a mais adequada. Existe um tempo necessário para a busca e a manipulação de presas, tornandoas mais difícil de acessar do que os detritos florestais. Desse modo, é razoável supor uma menor 3

disponibilidade de recursos. A ausência de saturação da riqueza local em função da regional seria obtida se considerássemos que esses predadores são mais especialistas, e desta maneira, não haveria sobreposição no consumo dos recursos. Assim, mesmo que a quantidade de recursos não fosse tão grande quanto para os decompositores, haveria pouca competição entre eles, e muitos predadores poderiam coexistir. Southwood, T.R.E; V.C Morant & C.E.J. Kennedy. 1982. The Richness, abundance and biomass of the arthropod communities on trees. Journal of Animal Ecology, 51: 635-649. Orientação: Renata Pardini Embora exista um modelo que explique o padrão de diversidade encontrado para a guilda de artrópodes predadores neste estudo, a baixa resolução taxonômica e a baixa amostragem de predadores não permitiu uma boa identificação do tipo de dieta desses organismos e, portanto se eles são especialistas. A caracterização da dieta seria importante para uma correta interpretação do padrão de riqueza local em função da riqueza regional quando as interações competitivas se tornam mais fortes (Ricklefs, 1987). Desse modo, uma maior amostragem e um maior refinamento na taxonomia e história natural da guilda dos artrópodes predadores ajudariam a esclarecer esta questão. AGRADECIMENTOS Agradecemos o apoio técnico de Benedito Rodrigues na coleta de dados e identificação das espécies de árvores e os professores Paulo Roberto Guimarães Jr e Paulo Inácio Knegt López de Prado nas análises de dados. REFERÊNCIAS Begon, M.; C.R. Townsend & J.L. Harper. 2006. Ecology: from individuals to ecosystems. Blackwell Publishing, Oxford. Dindal, D.L. 1990. Soil biology guide. Wiley- Interscience, New York. Lawton, J.H & D.R. Strong, Jr. 1981. Community patterns and competition in folivorous insects. The American Naturalist, 118(3): 317-338. Lüttge, U. 1997. Physiological ecology of tropical plants. Springer, Berlim. Ricklefs, R.E. 1987. Community diversity: relative roles of local and regional processes. Science, 235:167-171. Ricklefs, R.E. & D. Schluter. 1998. Species diversity in ecological communities: historical and geographical perspectives. University of Chicago Press, Chicago. 4

Anexo 1. Táxons de artrópodes, divididos em guildas de predadores e detritívoros, encontrados em manchas de serrapilheira coletadas entre raízes tabulares de árvores. Anexo 2. Descrição dos valores médios de diversidade local e valores de diversidade regional de artrópodes encontrados em manchas de serrapilheira coletadas entre raízes tabulares de árvores. Os artrópodes foram classificados em dois grupos tróficos (predadores e detritívoros). 5