O ACORDO ENTRE O GOVERNO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E A SANTA SÉ: A DISPUTA POLÍTICA PELO ENSINO RELIGIOSO NA ESCOLA PÚBLICA

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Transcrição:

38 O ACORDO ENTRE O GOVERNO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E A SANTA SÉ: A DISPUTA POLÍTICA PELO ENSINO RELIGIOSO NA ESCOLA PÚBLICA Leticia Araujo Rodrigues 1 RESUMO Este artigo visa realizar uma breveanálise da construção legal do ensino religioso ao longo da história no Brasil. Em especial será explorado o Decreto nº 7.107, de 11 de fevereiro de 2010 que promulgou o acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado na Cidade do Vaticano, em 13 de novembro de 2008 (BRASIL, Decreto nº 7.107, 2010) e a relação do estado laico brasileiro garantido pela constituição Federal do Brasil de 1988. Foi observada que as instituições religiosas estão presentes ao longo da história da construção da disciplina de Ensino Religioso no Brasil e que nas legislações vigentes existe uma confusão pedagógica com relação à oferta da disciplina, o que estaria abrindo espaço para as manifestações de entidades religiosas acerca da ministração da mesma, causando uma desorientação nacional do que é e de como a disciplina deverá ser trabalhada em sala de aula. Por fim, o artigo aponta qual seria a melhor solução para diminuir essa desordem educacional acerca do Ensino Religioso na escola pública, que já assombra o Brasil há tantos anos. Palavra-Chave: laicidade, educação pública brasileira, acordo Brasil e Santa Sé, ensino religiosopara a cidadania. Na história do Brasil, a educação e a religião estiveram sempre profundamente ligadas (CARVALHO, P.55-68, 2011).A própria trajetória da educação no Brasil só pode ser entendida a partir da relação entre a Igreja Católica e sua atuaçãopredominante na educação. Tal situaçãodesencadeou as relações de soberania no campo religioso, que se expressaram no espaço público escolar(carvalho, 2011, p. 2). 1 Mestranda em Ciências da Religião pela Faculdade Unida de Vitória. Licenciada em Pedagogia.E-mail: Leticia.lar@hotmail.com

39 A história da educação no Brasil está predominantemente relacionadacom o catolicismo trazido pelos jesuítas na época da colônia e marcada pelas discussões entre liberais e Igreja Católica ao longo dos primeiros cinquenta anos do período Republicano (ALMEIDA, 2000, p. 93-102). Até o Brasil império, o sistema do padroado se mantinha vigente e o ensino da religião via na educação pública seu alicerce de sustentação, sendo que, entre as funções do professor, existia a obrigatoriedade do ensinamento da moral cristã e dos dogmas católicos (CARVALHO, 2011, p. 2). A LAICIDADE EM FOCO A busca pela laicização do ensino público brasileiro desemboca nas discussões republicanas do século XIX. Liberais e positivistas conseguiram então fazer ganhar forma a laicidade do ensino como prescrição legal na Carta Magna de 1891 (BRASIL, 1891, art. 72, 6º). As razões ideológicas influenciadoras da República foram, a ideologia positivista, os princípios da Revolução Francesa de 1789 e a teoria liberal inglesa. Os três defendiam a necessidade urgente da separação total entre Estado e religião (ROCHA, 2013, p. 217-248). A chegada de um novo regime, em 15 de novembro de 1889, com a proclamação da republica e a novaconstituição federal (1891), acarreta a clara separação entre a Igreja e o Estado e consequente a inclusão do ensino leigo nas escolas públicas. Desse modo, a aula de religião é então extinta (CARVALHO, 2011, p. 3). Em suma, a Constituição de 1891 declarou a Igreja católica separada do Estado - ela passou, então, da esfera pública para a esfera privada. A União, os Estados e os Municípios foram proibidos de financiar qualquer tipo de atividade religiosa, bem como assumiram importantes funções até então exclusivas do clero, como o registro de nascimentos e de casamentos (CUNHA, 2011, p. 7). Em 1930, ao assumir a presidência, Getúlio Vargas prescreve um novo programa curricular para o ensino religioso, pois ao procurar apoio dos bispos do país para o seu governo ofertou em troca o ensino religioso na escola pública. Contudo, com o golpe de estado em 10 de novembro de 1937, Getúlio assume o regime ditatorial e estabelece uma nova constituição (1937), na qual o ensino religioso foireinterado como facultativo à escola, assim como estavana carta Magna de 1891 (carvalho, 2011, p. 3).

40 Assim, segundo o documento de 1937 as escolas poderiam ou não ofertar o ensino religioso, bem como os docentes também não eram obrigados a ministrar a disciplina(rocha, 2013, p. 221).Nessa situação escolar, o ensino religioso continuou facultativo para os alunos, mas não deixando de evidenciar que entre as práticas educativas existia também a educação moral e cívica (CARVALHO, 2011, p.3). O manifesto dos pioneiros da educação, que aconteceu no ano seguinte, lutava veementemente pelo ensino publico laico, mas todo o afinco dos pioneiros não alcançou nenhuma ação prática, pois o que estava postono decreto de 30 de abril de 1931 veio a ser adotado na constituição de 1934, e a participação dos alunos permanecia sendo opção dos pais e responsáveis da mesma forma como a escolha da religião a ser ensinada, mas agora a disciplina seria ofertada no horário normal das aulas(cunha, 2011, p.9). O projeto de Ldb já saiu do ministério da educação com o feitio adequado às demandas principais da Igreja católica, no que dizia respeito ao ensino religioso nas escolas públicas: ele transcreveu o artigo 168 da Constituição e acrescentou-lhe um único parágrafo, que determinava o registro dos professores dessa matéria pela autoridade religiosa respectiva(cunha, 2011, p.10). No ano de 1959, o deputado Aurélio Vianna expôs uma emenda que surpreendeu a todos, apontandoque o ensino religioso teria de ser oferecido sem custo para os cofres do governo. Após passar pela câmara e pelo senado a emenda é sancionada pelo presidente João Goulart em 1961. Mas o que aparentava ser um projeto de positivos avanços é interrompido bruscamente pelo golpe militar de 1964. O novo regime muda alguns pontos legais referentes ao ensino religioso (CUNHA, 2011.p.10). No final da década de 60, o regime militar expediu uma Constituição Federal, em 1967, e uma emenda constitucional, em 1969. Referenciando os dispositivos constitucionais sobre educação, esses textos legais reproduzem o que as constituições de 1934 e de 1946 falavam, estabelecendo os níveis que deverá ser ministrado o ensino religioso: no primário e médio (BRASIL, 1967, art. 168, IV; BRASIL, 1969, art. 176, V)(ROCHA, 2013. p. 224). Apenas a partir dos anos 70 surgiu a necessidade de se realizar uma nova proposta para o ensino religioso, que só veio a se materializar por circunstância da nova Constituição e na redação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996. Recebendo aprovação quase

41 integral da redação final do art. 33 da LDBEN (Lei nº 9.475/97), que estabelece o respeitoà pluralidade, focando os fundamentos das religiões e seus respectivos valores como aspectos a serem ministrados na disciplina de ensino religioso. Na resolução nº 02/1998 o Conselho Nacional de Educação (CNE) compreendeu o ensino religioso como área de conhecimento (CARVALHO, 2011. p.3). A Constituição de 1988 redigiu novamente as disposições centrais das outras quatro anteriores, com a seguinte definição: O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental (BRASIL, Constituição 1988). No ano posterior, cada Estado do País promoveu a criação de sua própria Constituição. Em catorze Estados, os grupos religiosos conquistaram a extensão do ensino religioso para a educação infantil e/ou nível médio; três estados foram além e determinaram, em suas constituições, a determinação de habilitação própria para os docentes dessa disciplina(cunha, 2012, p. 95-104). Após a mobilização de diferentes movimentos na discussão a respeito do ensino religioso, no sentido de estabelecer um novo entendimento à disciplina que encaminhasse o ensino para o fenômeno religioso pensando na formação do ser humano como propagador de valores com respeito à pluralidade, foi aprovada, em 1997, a nova redação do artigo 33 da LDBEN, sendo depois aprovado pelo presidente da República como Lei nº 9.475/976 (CARVALHO, 2011, p.5). A novo texto estabelece o seguinte: Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. No ano seguinte, com a resolução nº 02/987 do Conselho Nacional de Educação (CNE)o ensino religioso ganhou o conceito de área de conhecimento, o que proporcionou a estruturação dessa ciência sobre os conhecimentos históricos, epistemológicos e filosóficos procurando oferecer um ensino que

42 valorizando o pluralismo e a diversidade cultural, presentes na sociedade brasileira, facilita a compreensão das formas que exprimem o transcendente na superação da finitude humana e que determinam, subjacentemente, o processo histórico da humanidade(fonaper, 1997, p. 11). Ainda é comum que as pessoas confundem Estado laico com Estado sem religião ou contra a religião. O Brasil desde o período republicano estabeleceu que seus habitantes têm o direito de assumir com liberdade sua religião, e que o Estado não possui nenhuma religião, é um país laico. O estado laico brasileiro foi estabelecido oficialmente pelo Decreto nº 119-A, de 07 de janeiro de 1890 e depois pela Constituição de 1891, que estabeleceram a separação entre a igreja e o Estado, tirando o regime vigente da Igreja Católica e a deslocando como religião oficial do país (CARVALHO, 2011, p.6). O ACORDO INTERNACIONAL BRASIL E SANTA SÉ Surge então, em meio aos debates sobre a identidade pedagógica do ensino religioso, o acordo Internacional entre o Brasil e a Santa Sé, referente ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana em território brasileiro, sendo aprovado pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo nº 698/200914 e promulgado pelo presidente da República através do Decreto nº 7.107/201015. (CARVALHO, 2011, p.10) O acordo estabelece no seu artigo 11, que: A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do Ensino religioso em vista da formação integral da pessoa. 1º. O Ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação (BRASIL, 2008) (BRASIL, 2010) Esse acordo é entendido por Rocha como uma tentativa de burlar as limitações legais impostas pela constituição e legislação educacional aos grupos confessionais, especialmente as organizações católicas. O que acabou ferindo o artigo 33 da LDBEN que estabelece que o ensino religioso oferecido nas escolas públicas do Brasil deve respeitar a diversidade cultural e religiosa

43 que existe no País e será ministrada sem proselitismos, ou seja, sem orientação religiosa determinada (ROCHA, 2013, p.231). Dessa maneira, o texto desse artigo abre uma lacuna para que o ensino religioso seja ministrado de maneira confessional, o que colocaria a escola pública como sendo um espaço de proselitismo religioso, da igreja católica ou de outra religião, o que seria incompatível com o estado laico brasileiro (CUNHA, 2009, p. 272). O artigo 11 tem proporcionado diversas manifestações que mobilizaram diferentes contextos acadêmicos, religiosos, políticos e sociais com o mesmo intuito de mudar essa situação, o que pode significar uma longa jornada (CARVALHO, 2011, p.11). Essas manifestações contra o acordo internacional, alegam que o Estado se firmou ao lado da igreja católica, ao assinar o documento internacional que autorizou o ensinamento dos dogmas católicosnas escolas públicas do Brasil, não considerando a lei federal promulgada há 16 anos e a Carta Magna (ROCHA, 2013, p.233). Entre esses movimentos, ocorreu a declaração: Razões para não aprovação do artigo 11 do Acordo Internacional Brasil-Santa Sé, realizado pelo FONAPER - Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso, onde são apontados nove razões pautadas em fundamentos legislativos que vão de encontroa proposta do ensino religioso estabelecido nesse acordo (CARVALHO, 2011, p.11). Na política a bancada evangélica articulou-se em busca de regulamentar a Lei das Religiões nº 5.598/200917, que apresenta os mesmos artigos do acordo, porém no ponto de vista evangélico com um novo textopara o artigo 11, que atesta a legitimidade do estado laico e com os avanços das leis referentes ao ensino religioso. No segmento jurídico, a Procuradoria Geral da República sugeriu Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no STF - Supremo Tribunal Federal com a intenção de delimitar a disciplina de ensino religioso nas escolas públicas decidido no acordo do Brasil com o Vaticano (CARVALHO, 2011, p.65). A promulgação do acordo pelo presidente da República não pôs fim aos debates. A Procuradoria Geral da República (PGR), instância do Ministério Público Federal, propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) do acordo ao Supremo Tribunal Federal (STF), em 30 de julho de 2010, para que esta corte interpretasse, tanto o art. 33 da LDB quanto o art. 11 do acordo Brasil-Vaticano, à luz da Constituição vigente, de modo a deixar claro que o ensino religioso nas escolas públicas só pode ser de natureza não confessional. O STF acolheu o pedido, que foi distribuído e aguarda parecer. Dessa

44 forma, favorecida pela anomia jurídica, a folia pedagógica campeia no ensino religioso (CUNHA, 2012, p. 101). CONCLUSÃO A questão da religião em seu contextode movimento histórico-social manifesta-se hoje de maneira tão desenvolvida e diversificada, que faz com que ocupe grande visibilidade no cenário mundial. É nesse complexo quadro que se coloca mais que necessário uma educação que promova uma relação entre os alunos, marcada pela redução do preconceito, hostilidade e intolerância religiosa. Opercurso histórico do ensino religioso aponta como nesta caminhada, em certos momentos o ensino foi utilizado de instrumento de validação de ações de dominação, de catequização e de interesses entre igreja e Estado. O fato é que atualmente é inaceitável abrange-lo como algo proveniente de instituições religiosas. Isto seria como desprezar a jornada árdua pela conquista de uma educação laica, reconhecida pela diversidade cultural, que, compreendida essencialmente, proporciona o convívio e o exercício integral da cidadania. O melhor caminho para a solução dessa confusão pedagógica que o país se encontra com relação à disciplina de ensino religioso seria a elaboração de uma lei federal e de diretrizes nacionais que estabelecessem uma orientação para a ministração dessa disciplina, sendo implantada em todos os estados brasileiros, respeitando o ensino público laico estabelecido na constituição. Dessa forma, os estados e municípios teriam de se adequar à nova legislação, e nenhum outro órgão poderia intervir a respeito de como essa disciplina deverá ser ofertada, muito menos entidades religiosas. Deixando claro que essa disciplina nas escolas públicas deverá excluir qualquer forma de proselitismo; não levando os alunos a acreditarem na obrigatoriedade da religião; e, especialmente, que o ensino religioso seja ofertado por meio de propostas pedagogicamente contextualizadas com o intuito de promover o respeito e a cidadania, levando em consideração a Constituição e o reconhecimento do fator religião na sociedade brasileira e de sua relevância para a compreensão da própria cultura (SENA, 2007, p.73). O ensino religioso deverá então trabalhar as diversas religiões existentes na sociedade, com o grande desafio de não interferir nas crenças pessoais daqueles que praticam uma religião ou

45 nenhuma, respeitando o ser humano em sua particularidade formada e formadora do social. Uma disciplina harmônica bem acertada com a laicidade do Estado, superando qualquer forma de proselitismo, articulando na liberdade da compreensão do religioso o respeito às diversas maneiras de crer e viver a fé, promovendo a educação cidadã que irá repercutir em todas as outras áreas de conhecimento e de vida do aluno. São essas as indicações compreendidas como as mais adequadas para a construção desta área de conhecimento. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Silvia M. L. A presença dos protestantes na educação da Bahia. Revista da FAEBA: Brasil 500 anos, Salvador, Ano 9, n. 13, p. 93-102, jan./jun. 2000. BRASIL. Decreto nº 7.107, de 11 de fevereiro de 2010. Promulga o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado na Cidade do Vaticano, em 13 de novembro de 2008. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7107.htm>. Acesso em: 13 março 2016. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. CARVALHO, Dayse Karoline de; CARVALHO, Francisco Luiz de. Ensino Religioso no Brasil: O retorno do debate. Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 2, p. 55-68,

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