Delegacias de defesa da mulher O que aconteceu com elas?

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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008 Delegacias de defesa da mulher O que aconteceu com elas? Marilda de Oliveira Lemos (USP) Violência; delegacia de defesa da mulher; Lei Maria da Penha. ST 62 - Direitos Humanos, Democracia e Violência. Na década de oitenta, o movimento feminista apresentou projetos de lei de criação das Delegacias de Defesa da Mulher - DDMs, aos Poderes Legislativo e Executivo, com o objetivo de dar visibilidade aos crimes cometidos contra as mulheres, incentivar as mulheres a denunciarem seus agressores e facilitar a apuração dos crimes. Sendo as DDMs um lugar especializado no atendimento de mulheres em situação de violência, espera-se que seja o órgão policial que viabilize os subseqüentes processos judiciais, dê visibilidade às diversas formas de violência contra as mulheres e contribua para a redução dessa prática na sociedade. Isso, no entanto, não ocorre. Permanece a violência contra as mulheres da mesma forma que permanecem as insatisfações quanto ao serviço prestado. A falta de capacitação das policias poderia ser uma explicação? No Estado de São Paulo, em 1998, houve um curso sobre violência de gênero para as 126 DDMs existentes na época. Novos cursos de capacitação dirigidos a policiais das DDMs foram realizados por várias instituições nas cinco regiões do País, sendo 20 Estados em 2002 e os demais em 2004, com exceção do Estado de São Paulo. Onde está o descompasso? Este trabalho, pequena parte da minha pesquisa de doutoramento, pretende apresentar o que pensam as delegadas, delegados e escrivães do Grande ABC Paulista, região metropolitana de São Paulo, sobre o papel das DDMs, sobre a violência contra as mulheres e a Lei Maria da Penha. Violência contra as mulheres A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará, em seu artigo primeiro, define violência contra a mulher como qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada 1 (1996), constituindo uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Atinge as mulheres

2 independentemente de idade, cor, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual ou condição social. O efeito é, sobretudo, social, visto que afeta o bem-estar, a segurança, as possibilidades de educação, desenvolvimento pessoal e auto-estima das mulheres. As diversas formas de violência contra as mulheres nem sempre são reconhecidas como tal por estarem incorporadas pelo senso comum que permeia as relações sociais, que segundo WELZER- LANG, (1991: 23, apud SAFFIOTI, 1999: 84) violência é o primeiro modo de regulação das relações sociais entre os sexos, e ainda, é uma agressão que aniquila o indivíduo que a sofre, paralisando-o e impedindo-o de agir GROSSI (1998: 297). Segundo dados da pesquisa A mulher brasileira nos espaços público e privado (NOVAES, 2002), 43% das mulheres brasileiras já foram vítimas de violência psicológica, física e sexual. É na relação conjugal que muitas mulheres vivem situação de violência. A pesquisa de Vitimização (NOVAES, 2002) revela que 33% das mulheres agredidas fisicamente sofreram a agressão em casa. Para aquelas que conheciam o autor do crime, 43% dos agressores era o companheiro. O que levou alguns grupos de feministas a organizarem os serviços de SOS (GREGORI: 1993) e à implantação das delegacias especializadas foi a idéia de denunciar a violência contra as mulheres, a desproteção das mulheres e a impunidade dos homicidas (MACHADO, 2002: 3). Delegacias de Defesa da Mulher Segundo BARSTED (1994: 51), na década de oitenta, o movimento feminista apresentou projetos de lei de criação das DDMs, aos Poderes Legislativo e Executivo, com o objetivo de dar visibilidade aos crimes cometidos contra as mulheres, incentivar as mulheres a denunciarem seus agressores e facilitar a apuração dos crimes. Segundo IZUMINO (1998:35), as DDMs foram idealizadas como espaço institucional de combate e prevenção da violência contra a mulher, com quadros formados apenas por policiais mulheres (delegadas, escrivãs, investigadoras) apoiadas por uma equipe de assistentes sociais e de psicólogas (...) um espaço em que as mulheres pudessem fazer suas denúncias sem constrangimento, em que fossem ouvidas, sua denúncia encaminhada e todos os procedimentos legais necessários adotados: instauração de inquérito policial, investigação, identificação e indiciamento do réu, conclusão do inquérito e encaminhamento ao Fórum para o início da ação penal. A criação da primeira DDM se deu no Estado de São Paulo, através do Decreto Estadual n. 23.769, de 6 de agosto de 1985, com a atribuição de investigar e apurar os delitos contra a pessoa do sexo feminino, previstos na parte especial, título I, capítulos II e VI, seção I, e título VI do Código

Penal Brasileiro, delitos esses de autoria conhecida, incerta ou não sabida (MASSUNO, 2002:31). Até setembro de 2007, as DDMs perfaziam um total de 392 em todo o Brasil, 126 das quais localizadas no Estado de São Paulo 2. Ao serem criadas, a expectativa era que favorecessem de um lado o surgimento de um lugar para ouvir as denúncias, produzindo um efeito educativo e transformador em benefício das mulheres e, de outro, a melhoria da capacidade de escuta e instauração de inquéritos policiais que viabilizassem os subseqüentes processos judiciais. As atribuições das DDMs, de acordo com MASSUNO (2002:32), estão dispostas no Artigo 1 do Decreto Estadual 42.082, de 12.8.1997: I a investigação e apuração dos delitos contra a pessoa do sexo feminino, a criança e o adolescente, previstos no Título I, Capítulos I, II, III e V em seções I e II do Capítulo VI, nos artigos 163 e 173 do Título II, nos títulos VI e VII e no artigo 305 do Título X, todos da parte Especial do Código Penal e os crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente; II o atendimento de pessoas do sexo feminino, crianças e adolescentes que procurem auxílio e orientação e seu encaminhamento aos órgãos competentes; III o cumprimento dos mandados de prisão civil por dívida do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia. 1º - No tocante aos artigos 121 e 163 do Código Penal, a competência se restringe às ocorrências havidas no âmbito doméstico e de autoria conhecida. 2º - As atribuições previstas nos incisos I e III deste artigo serão exercidas concorrentemente com as demais unidades policiais. A pesquisa sobre As Condições de Funcionamento das Delegacias de Defesa da Mulher no Atendimento às Mulheres 3, realizada pela SEDIM 4 entre setembro de 2000 e março de 2001, revela que as DDMs entendem como suas atribuições: a) o atendimento a mulheres vítimas de violência (93,6%); b) o registro, a apuração e investigação de queixas (92,1%); c) aconselhamento (93,6%) e d) atendimento sem registro de B. O. (71,2%). Apenas 53,5% das DDMs estão articuladas com outros mecanismos institucionais de combate à violência contra a mulher e 55,4% fazem orientação extrapolicial. A pesquisa em andamento na Região do Grande ABC Paulista, mostra que o papel das DDMs, para delegados e escrivães entrevistados: é justamente um papel mais social, se for perguntar a minha opinião mesmo, eu acho que em briga de marido e mulher seria mais necessário uma assistente social, um amparo psicológico, um acompanhamento, do que a polícia mesmo ; é importante ter a participação de uma assistente social, de um psicólogo, eu acho importante ter alguém capacitado para dar uma atenção maior ao caso ; toda e qualquer delegacia tem condições de atender esse tipo de violência (contra mulheres) ; a gente faz uma parte de assistente social, de psicóloga, a gente 3

4 aconselha bastante ; ou ainda são importantes, mas eu não gosto de coisa muito especializada (delegacia especializada). Em pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, da UNICAMP, se constata que parte dos estudos realizados sobre as DDMs reitera a decepção com o desempenho da instituição policial, principalmente se for observada a desproporção entre a grande quantidade de atendimentos efetuados nas DDMs e o pequeno número desses casos que resultam em Boletins de Ocorrência ou em Inquéritos Policiais (DEBERT, 2006: 6). A falta de capacitação na área das relações de gênero pode ser um agravante. SAFFIOTI (2004: 89-90) informa que apenas em 1998 houve um curso sobre violência de gênero, com duração de 40 horas, ministrados às DDMs do Estado de São Paulo, que na época somavam 126 delegacias. Novos cursos de capacitação dirigidos a policiais das DDMs foram realizados por várias instituições nas cinco regiões do País, sendo 20 Estados em 2002 5 e os demais em 2004, com exceção do Estado de São Paulo (BANDEIRA, 2006). Lei Maria da Penha Até 2006 os crimes de violência praticados contra as mulheres foram julgados pela Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, quando a violência contra a mulher passou a ser entendida como crime. Uma vez que a referida Lei requeria obrigatoriedade de representação para que o processo fosse desencadeado, a vítima precisava apresentar testemunhas. No caso da violência contra as mulheres, tal exigência se tornava uma dificuldade pelo fato de a maioria dos casos ocorrer dentro do lar, onde as pessoas não presenciam o crime, ou, quando alguém consegue presenciar o fato, não se dispõe a testemunhar em juízo, por medo. A Lei não levou em conta a desigualdade de poder nas relações entre agressor e agredida. A Lei não oferecia a solução esperada pelas mulheres. Para CAMPOS (2001:316), a Lei 9.099/95 foi criada para beneficiar o réu, evitando-lhe todos os males de um processo penal. Esse favorecimento está presente em todos os institutos da lei, como a conciliação, a transação penal (aplicação imediata da pena), sem implicar em culpabilidade ou antecedentes criminais. Quanto à vítima, ela não existe. Há apenas um momento processual em que a vítima é ouvida: no momento da composição civil, onde ela pode aceitar a composição civil por danos. No entanto, esta também depende da aceitação do autor do fato (agressor): se ele não concordar, não há composição (...) a conciliação induzida pelos magistrados reprivatiza o conflito, devolvendo-o à vítima, e redistribui o poder da relação em favor do réu. Em 2002, a Lei 10.455 possibilitou ao juiz decretar o afastamento do agressor do domicílio ao criar uma medida cautelar, de natureza penal, na hipótese de violência doméstica. Em 2004, a Lei

5 10.886 aumentou a pena mínima de três para seis meses de detenção ao acrescentar um subtipo à lesão corporal. Essas iniciativas legislativas não alteraram as estatísticas de violência contra as mulheres. Dessa forma o tema permaneceu na pauta do Movimento Feminista que continuou reivindicando uma lei específica. Em 2002 foi formado um Consórcio de ONG para elaborar uma proposta de lei de enfrentamento à violência contra as mulheres. No ano seguinte, esse Consórcio apresentou à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e à Bancada Feminista no Congresso Nacional a primeira versão dessa proposta. Em 2004 o Executivo encaminhou para o Congresso Nacional o projeto de lei que provocou amplo processo de debate com especialistas e sociedade civil. Em 24 de agosto de 2005 o projeto de lei foi aprovado na Comissão de Seguridade social e Família da Câmara dos Deputados, onde a proposta foi transformada em substitutivo pela relatora, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). A votação foi unânime. (SPM Mulheres em Pauta. Ano IV, n. 10, 09/09/2005). No ano seguinte, em 7 de agosto de 2006 foi sancionada pelo Presidente da República e entrou em vigor em 22 de setembro do mesmo ano a Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que tem por objetivo coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Essa lei veio responder às exigências feitas pelos tratados e convenções internacionais assinadas pelo governo brasileiro. A Lei Maria da Penha traz uma série de inovações em relação à ordem anterior no que se refere às Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor e Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida, entretanto, delegados e escrivães pesquisados têm diferentes opiniões a respeito da Lei. Alguns concordam em que a Lei vem proteger mais a mulher, que é perfeitamente aplicável, outros afirmam que o sucesso da Lei depende integralmente da vítima, ou que tirou a autoridade da vítima de querer ou não representar contra o agressor, ou não é aplicável por falta de condições estruturais dos distritos policiais ou DDMs, ou ainda, a Lei é boa, mas as mulheres são as primeiras a arrecadar dinheiro com a família para pagar a fiança. E uma delegada entende ser uma Lei eleitoreira. Nenhum dos agentes pesquisados referiu-se à Lei 11.340/2006 como uma conquista do movimento feminista. Considerações provisórias No momento inicial das Delegacias de Defesa da Mulher, dava-se ênfase à luta contra a impunidade. As feministas supunham que apoio psicológico e social às vítimas seria uma das atribuições das DDMs, além de atividades de preservação e disseminação do combate à violência contra a mulher. Passados mais de 20 anos, metade das DDMs restringe-se a fazer a tradicional tarefa policial, que é sua atribuição. O movimento feminista buscava, no início, a instauração encadeada dos

6 objetivos da criminalização: prevenção e coibição da continuidade da violência e esperava que fosse dado apoio às vítimas para que pudessem se reestruturar emocionalmente e romper com os vínculos que as prendiam em relações violentas (MACHADO, 2001). Hoje, a erradicação da violência e a consolidação dos direitos das mulheres à não-violência tornaram-se a questão central. A Lei Maria da Penha, implantada no país há quase dois anos, que traz avanços na garantia dos direitos das mulheres, é aplaudida por uns e exorcizada por outros. Onde está o descompasso? Talvez na compreensão da violência contra mulheres e do papel das DDMs. As mulheres querem resolver o seu problema que é fazer com que os agressores mudem seu comportamento. O movimento feminista entende que a DDM é a porta de entrada para que as mulheres tenham os seus direitos humanos garantidos. Os agentes policiais, sejam mulheres ou homens, colocam a violência contra as mulheres como problema social e não criminal. Então, à pergunta o que aconteceu com as Delegacias de Defesa da Mulher? Talvez não tenha acontecido nada e a questão seja exatamente essa. Se algo aconteceu foi com o movimento feminista, com as mulheres, com a sociedade, que avançou na compreensão dos direitos. Conforme o desabafo de uma das delegadas, as DDMs não são olhadas por seus superiores, dentro da estrutura policial têm menor importância que os distritos policiais e, como as mulheres usuárias desse serviço, as DDMs sofrem, estruturalmente, a desigualdade de gênero e encontram-se ainda, com raras exceções, como no momento de sua implantação. Referências bibliográficas BANDEIRA, Lourdes, ET alli. (orgs). Políticas públicas e violência contra as mulheres: metodologia de capacitação de agentes públicos. Brasília: AGENDE, 2006, 256 p. BARSTED, Leila L. Em busca do tempo perdido: mulher e políticas públicas no Brasil, 1983-1993. In: Revista de Estudos Feministas, Rio de Janeiro: CIEC/UFRJ, n. especial, 2º sem. 1994, p.38-54. BLAY, Eva A. (org.). Igualdade de oportunidade para as mulheres: um caminho em construção. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2002. Brasil. Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. Lei Maria da Penha Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006: coíbe a violencia doméstica e familiar contra a mulher. Brasília. SPM, 2006. Brasil. Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. Boletim Informativo Mulheres em Pauta. Ano IV, n.10, 09/09/2005. CAMPOS, Carmen Hein de. Violência doméstica no espaço da lei. In: BRUSCHINI, Cristina e PINTO, Célia Regina (org.). Tempos e lugares de gênero. São Paulo: FCC/DPE, Editora 34, 2001, p. 301-22. DEBERT, Guita Grin ET alii. (org). Gênero e distribuição da Justiça: as delegacias de defesa da mulher e a construção das diferenças. Campinas SP: Núcleo de Estudos de Gênero PAGU/UNICAMP, 2006. Declaração sobre a IV Conferência Mundial sobre a Mulher. Beijing, 1995. GREGORI, Maria Filomena. Cenas e queixas: um estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

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