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Transcrição:

sacha sperling Ilusões pesadas Romance Tradução Reinaldo Moraes

Copyright 2009 by Librairie Arthème Fayard Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009. Título original Mes illusions donnent sur la cour Capa Luciana Facchini Foto de capa Simon Beckett/ Wildcard/ LatinStock Preparação Otávio Marques da Costa Revisão Luciane Helena Gomide Camila Saraiva Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Sperling, Sacha Ilusões pesadas / Sacha Sperling ; tradução Reinaldo Moraes São Paulo : Com panhia das Letras, 2011. Título original: Mes illusions donnet sur la cour : roman isbn 978-85-359-1819-9 1. Ficção francesa i. Título. 11-01141 cdd-843 Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura francesa 843 [2011] Todos os direitos desta edição reservados à editora schwarcz ltda. Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32 04532-002 São Paulo sp Telefone (11) 3707-3500 Fax (11) 3707-3501 www.companhiadasletras.com.br

Eu não tinha nenhuma ideia da melancolia que um céu de fim de verão podia me inspirar, por mais azul que fosse. O silêncio é pesado demais quando a gente espera por alguém sabendo que não virá, não mesmo. O interfone toca. Digo qual é o andar, me perguntando se é possível que ele tenha esquecido. Escuto o elevador. Abro pra ele, observo a figura, me lembro de tudo, e me arrependo. Ele pede desculpas pelo atraso. Ele não me olha. Ele me pede uma coca, eu digo que tenho light. Ele vai até a cozinha e me responde que ele sabe. Ele morde e larga uma maçã. Não dizemos mais nada. Quando ele propõe que a gente suba para o meu quarto, a maçã já está oxidada. Na minha cama, ele finge ver televisão. Ele me fala das férias dele, me faz perguntas sobre as minhas, sem escutar as respostas. Ele me beija, eu recuo. Eu digo: Só espero que.... É difícil achar as palavras quando a gente não tem mais o que dizer. Tento de novo: Não sou uma boneca inflável, sabia?. 7

Ele não responde. Eu pergunto: Você me ama?. Ele olha para o teto e, com voz calma, diz: O que você acha?. Preciso relaxar. Me tornar hermético. Vou descendo pela barriga dele. Abaixo sua cueca. Virar autômato. Fecho os olhos. Ele vê tudo, não diz nada. Eu me recomponho. Acho que ele gozou em algum lugar. Peço um cigarro, ele me passa, saiu barato pra ele. Ele se levanta. Ele tem que se mandar. Ele me pergunta se eu quero uma bituca pra mais tarde. Ele não poderia me humilhar mais. Ele não sente remorso. Ele me diz adeus do mesmo jeito que disse bom -dia, sem olhar pra mim. Meu quarto cheira a tabaco frio. Permaneço de pé um tempão. Tem horas que eu gostaria de poder chorar. Só um pouquinho. Não. O coração apagou. No entanto, eu o cutuco. Apagado. A única coisa insuportável é que nada é insuportável. As aulas vão começar daqui a dois dias. 8

Se você me visse agora, falando com você, não veria nada. Nada de interessante. Estou deitado na grama, entre uma macieira e um arbusto. Há uma casa toda de ardósia ao meu lado. Um gato cinzento corre perseguindo um rato invisível. Não há nada de atraente na paisagem, além do silêncio. Esse silêncio do campo, triste, medíocre, que torna todas as coisas um tanto graves e sinistras. Não tem mais nada que lhe interesse nesse quadro, você vai se concentrar em mim. Por ora, não há mais nada pra ver. Eu ainda estou de calção de banho, eu ainda não tenho pelos, ainda puro, ainda virgem. Você não me daria a idade que eu tenho. A minha idade, de todo jeito, eu me empenho em perdê -la. Devo admitir que observar um garoto deitado na grama, sem fazer nada, é um pouco chato. Então, afaste -se um pouco, ou chegue mais perto. Aproxime -se de mim. Close na minha cara. Close fechado nos meus olhos. Dá pra ver essa tensão no meu olhar, essa impaciência? É como se eu tivesse no cérebro, no corpo, até mesmo no coração, talvez, uma bomba -relógio. Você começa a ouvir os ti- 9

ques e os taques, e isso o oprime. Em poucos segundos, ou em poucos dias, eu vou explodir, e você verá o que sobrou de mim, os destroços se espalhando pelo asfalto, pela areia, ou pelo seu assoalho. Somos milhões com uma bomba -relógio dentro de nós. Você sem dúvida esqueceu, mas, como eu, você um dia teve consciência do seu tédio, e, nesse instante, ele se tornou insuportável. Como eu, você olhou um dia para o céu, na aurora do crepúsculo, perguntando -se por que as estrelas não apareciam. Como eu, você compreendeu que sua vida iria começar à sua revelia. Porque, como eu, você já teve catorze anos. 10