A As palavras. António Ramos Rosa

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Transcrição:

A 345829 As palavras António Ramos Rosa

índice A palavra poderá ser alguma vez sobre uma concha de lábios 13 As palavras aspiram ao inicial ao puro percurso 14 A palavra procura e não procura já ela não é o dia 15 Esta palavra de várias chamas entre vários ventos 16 Nós não podemos dominar a móvel rede do sentido IJ O poema aspira a ser uma pausa branca 18 O poema pode ser um travesti ig O poema deveria ser um arquétipo natural 20 A palavra só pode surgir se houver um fundo de repouso 21 Nunca chegaremos ao dia em que diremos tudo passou 22 O poeta sabe que um dia uma sombra cairá sobre a página 23 Que a palavra seja um volume ardente e preciosamente nu 24 Volúvel e constante obstinado insaciável 25 Cada verso deveria ser o movimento do repouso 26 De tantos gestos é composto o mundo 2j Em doce deslizar o dardo aceso 28 Há uma lúcida paixão que anula o mundo 2c A palavra é o desejo do espaço e o espaço do desejo 30 Só no vislumbre do ócio ou quando o vagar desliza 31 Não queiras mais que a gratuita lucidez 32 Porque queremos sempre ir além sabendo que 33 Nunca sabemos se atingimos um limite 34 A nudez requer um delta ou um oásis J5 Se fosse possível escrever sem nenhuma tensão 36 Perante a página não sabemos o que em nós desperta 3J A palavra não é uma consequência necessária 38 A lucidez do amante que adormece 39

foque se deseja escrever talvez nunca se escreva 40 Tudo é necessário e nada é necessário 41 Se a palavra fosse a proa branca do dia 42 Espero sem nada esperar pois sei demais 43 Quando o leito do desejo é um amoroso vagar 44 Não é possível imaginar o que é real 45 Se a palavra desistiu de ser um apelo 46 Nunca uma sílaba poderá ser um tenso e minúsculo mamilo 47 O desejo do corpo é entrar em si mesmo 48 Que fosse fácil voluptuosamente fácil 49 Se nós soubéssemos dar um passo que náo fosse para a morte 50 As vezes a realidade abre um rasgão 5; Chamamos liberdade ao movimento da palavra 52 Eu quero esperar eu quero saber esperar 5J Como uma vaga mas lúcida corola 54 Múltiplos parecem os caminhos do poema 55 Para me oferecer ao dia desfiz as trevas espessas do ventre 56 Quando os minúsculos ganham a dilatada placidez de luar 57 O desejo de ser mais além das palavras 58 Não se pode escrever um gesto que hesita entre o desejo e $g já não ressoam os clamores do dia já o barco da sombra 60 A liberdade é saber que ninguém ouve ou vê 61 Uma plácida visão suspensa e aberta 62 Não querer mais do que o possível o perfumado ardor 63 Escrever é talvez criar um movimento 64 O desejo por vezes é um puro sossego - 65 Nunca a visão mais vagarosa e mais atenta 66 Nem as palavras nem as coisas nem o espaço nem o corpo 67 O que procuramos será reap Ou será o impossível 68 A realidade nunca se oferece de joelhos abertos 6g

Para que a palavra tivesse a consistência Talvez a palavra nunca possa ombrear Adivinho quando adormeço sobre a duna do teu seio O que são as palavras As coisas só na aparência têm limites Talvez tenhas de colocar uma pedra junto a uma árvore Se a palavra fosse o astro vagaroso A palavra lança-se como um barco vazio Ninguém atrás de mim espreita o que escrevo A palavra náo respira ao mesmo tempo que o corpo Se escrever fosse o movimento de um repouso O que o corpo requer não é decerto a escrita Se na palavra pode cintilar o silêncio das estrelas Se esta linha só estremece porque a sua fragilidade é branca A rosa simultânea não existe Quando a palavra é um claro gesto que levanta Escreve-se quantas vezes para criar uma pausa Conheço a minúscula maravilha Às vezes a pupila vê sob um tecto de lá O que escrevemos náo é o corpo Nunca a palavra segue a linha recta Às vezes uma mão arcaica conduz o poema De onde vem a plácida energia g3 Quem náo aspira ao redondo repouso g4 Que a palavra avance com uma proa vegetal g$ Quando os versos desenham as arestas ligeiras g6 Escrever como se as pálpebras escrevessem 97 Talvez toda a esperança seja vá g8 O leque do corpo só se abre inteiramente gg O que o poema pressente é a sua própria voz 100

A página não é o lugar em que as palavras aparecem ÍOI Escreve-se sem sequer pressen tir a mar a vi lha 102 Escreve-se para começar não se sabe o quê 103 O que é a serenidade? Uma vaga estrela? 104 A palavra não tem olhos mas pálpebras de neblina 105 Entre o sono e o mar um navio de lentas pétalas 106 É onde a voz repousa e adormece 107 O que falta sempre dizer paralisa ou move 108 Como se fosse um grande perigo dizer uma palavra 109 O desejo da palavra é a volúvel densidade 110 As coisas não precisam de espelhos porque nós as vemos 111 Quem poderá libertar uma coisa de si mesma? 112 Talvez apenas baste um passo 113 As palavras surgem não como ramos de fogo 114 Escreve-se sempre ao lado das palavras í/5 São umas palavras e através delas um mar 116 Se a palavra fosse uma pluma que suavemente tocasse 117 Toda a palavra aspira a ser a rosa do possível 118 Como poderemos beijar essa boca que apenas se anuncia 119 Quando a palavra perde a sua sede perde a sua vida 120 As palavras surgem não para mover o mundo 121 Sinto o odor de uma palavra como uma porta de pedra 122 O que é a procura? De antemão se sabe 123 Descendo para dentro da roda da folhagem 124 Sob a vivaz palidez de uma rosácea 125 Talvez ninguém procure o fundo de si mesmo 126 Imóvel escuto Ninguém está a escutar-me Se uma palavra' 127 Como despertar a confiança ou um ingénuo sopro 128 Escreve-se para que algo aconteça 129 De onde vem a palavra? Ela é um mercúrio imediato 130

Se a palavra dissesse exactamente o que diz 131 Se o mundo tem segredos o vento anónimo os desfaz 132 Se o mundo é um excesso ás vezes parece-nos uma 133 Escrever deveria ser a perfeição do ócio 135 A palavra talvez não seja mais 136 O mundo é monótono e é talvez por isso que é o mundo 137 Se alguém recebesse estas palavras e dissesse 138 Como se o silêncio escrevesse o ouro do seu sossego 13c Para quê as palavras? Acaso serão elas necessárias 141 Amamos as palavras porque amamos o corpo 142 Escrever com a pluma do ócio respirando o branco 145 Nenhuma rua do mundo vai dar fora do mundo 146 Para ser aéreo é preciso sentir os gráos de terra em cada passo 147 Escrevo para entrever o que seria o mundo 148 Quem escreve tenta ouvir o que a palavra diz 149 Quem esteve á beira de conhecer o esplendor 151 Como a vida tem um fim e ninguém morre como um fruto 152 Tudo o que acontece é irrevogável eéo mundo 153 Destino este poema ao último leitor 154 O que é a origem? Poderão as mãos tocá-la? 156 Escrever para dormir enfim na sua própria sede 157 Ainda que gratuitas e volúveis 158 É tão alheio o mundo que o olhar não sustenta 159 Esse gesto que ainda não fizeste e que talvez náo faças 160 Escrevo para unir mas em cada sílaba separo 161 Épara os outros que as palavras têm rosto 162 Vou ao encontro das palavras 163 Quando a palavra desliza na sua facilidade da sombra 165 Se escrevo náo é para procurar a minha voz 166 Poderá um verso ter alguma vez um peso redondo 167

Um simulacro sim um simulacro 168 Escrevemos para abrir as volúveis passagens i6g Todas as coisas têm um espaço mais quais os laços 170 Talvez as palavras sejam a única terra 171 Nenhum gesto nenhuma palavra podem modificar o mundo 172 O que em nós deseja uma morada 173 O que será o limite de uma coisa o que será o seu centro 174 A urgente vocação do poema é o espaço 175 O que náo pode vir é um apelo e um limite 176 Quando se escreve é para que as coisas 177 A água só existe na sua leve insistência 178 A brancura da página é incomensurável 17c Quando a palavra é mais do que um corpo de sílabas 181