Segurança Social: A sustentabilidade em questão

Documentos relacionados
OE 2017 Segurança Social

A REFORMA DA SEGURANÇA SOCIAL

Orçamento da Segurança Social 2017

COMENTÁRIOS UGT. Relatório sobre a Sustentabilidade da Segurança Social - Síntese

PORTUGAL 1 CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DO SISTEMA DE PENSÕES

JUSTIFICAÇÃO DESTES SLIDES

Conferência A redução da Taxa Social Única e a reforma da segurança social

PROJECTO DE LEI N.º 121/IX REGIME ESPECIAL DE REFORMAS ANTECIPADAS PARA OS BAILARINOS PROFISSIONAIS DE BAILADO CLÁSSICO OU CONTEMPORÂNEO

Diário da República, 1.ª série N.º de janeiro de

Estudo sobre o Regime de Flexibilização da Idade de Reforma ESTUDO SOBRE O REGIME DE FLEXIBILIZAÇÃO DA IDADE DE REFORMA

Medidas de Reforma da Segurança Social

O Seguro de Vida na vida real

Diário da República, 1.ª série N.º de dezembro de Decreto-Lei n.º 119/2018

Que Reformas Para a Segurança Social?

Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro

5d16063ad958446ea26514f1d6eafbfd

PROJECTO DE LEI N.º 447/X

PROJETO DE LEI N.º 1138/XIII/4

Decreto-Lei n.º 126-B/2017, de 6 de outubro

ORÇAMENTO DE ESTADO Instituto da Segurança Social, I.P. Centro Distrital de Santarém Unidade de Prestações e Contribuições

Segurança Social em Portugal: O que tem de acontecer para ser sustentável?

Ciclo de Seminários Sextas da Reforma

Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro. Artigo 1.º Objeto. Artigo 2.º Inscrição. Artigo 3.º Condições de aposentação ordinária

Orçamento de Estado 2018: Segurança social

ESTABELECE MECANISMOS DE CONVERGÊNCIA

Pensões Novas regras, com valorização das muito longas carreiras contributivas, entram em vigor a 1 de outubro

Medidas de Reforma da Segurança Social

ADAPTA O REGIME DA CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES AO REGIME GERAL DA SEGURANÇA SOCIAL EM MATÉRIA DE APOSENTAÇÃO E CÁLCULO DE PENSÕES

c35a951249ab4e109681d1903f05d9b2

Análise do DL 187/2007 e suas consequências para os trabalhadores que se reformarem no futuro Pág. 1

Diário da República, 1.ª série N.º de dezembro de

DECRETO N.º 187/X. A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

Decreto-Lei n.º 361/98, de 18 de Novembro *

Orçamento da Segurança Social 2017

Lei n.º 11/2008 de 20 de Fevereiro

Conta da Segurança Social de 2005 Execução Orçamental Mapas - Lei de Bases do Sistema de Segurança Social Subsistema de Solidariedade

Documento de Estratégia Orçamental Errata

PROJETO DE LEI N.º 1136/XIII/4.ª

PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS Grupo Parlamentar

PROJETO DE LEI N.º 822/XIII/3.ª

FICHA TÉCNICA TÍTULO EXECUÇÃO ORÇAMENTAL DE OUTUBRO DE 2015

FICHA TÉCNICA TÍTULO EXECUÇÃO ORÇAMENTAL DE NOVEMBRO DE 2015

FICHA TÉCNICA TÍTULO EXECUÇÃO ORÇAMENTAL DE DEZEMBRO DE 2015

Caracterização da população estudada:

Diário da República, 1.ª série N.º 47 7 de março de Portaria n.º 98/2017

EXECUÇÃO ORÇAMENTAL JULHO /18

Ministério d DL 472/

(Texto relevante para efeitos do EEE)

Conta-Execução Orçamental Conta-Execução Orçamental Orçamento. Orçamento. Desvio Orçamental. Desvio Orçamental Montante.

EXECUÇÃO ORÇAMENTAL JULHO /8

FICHA TÉCNICA TÍTULO EXECUÇÃO ORÇAMENTAL DE DEZEMBRO DE 2017

O Financiamento da Segurança Social

PROJETO DE LEI N.º 911/XIII/3.ª ELIMINA O FATOR DE SUSTENTABILIDADE E PROCEDE À REPOSIÇÃO DA IDADE LEGAL DE REFORMA AOS 65 ANOS. Exposição de motivos

A REFORMA ANTECIPADA NA SEGURANÇA SOCIAL E A APOSENTAÇÃO ANTECIPADA NA CGA: o que dispõe a lei em vigor em 2016

Implicações do Código dos Regimes Contributivos REGIMES APLICÁVEIS A TRABALHADORES INTEGRADOS EM CATEGORIAS OU SITUAÇÕES ESPECÍFICAS

Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial

FICHA TÉCNICA TÍTULO EXECUÇÃO ORÇAMENTAL DE MAIO DE 2015

Que futuro para o sistema de pensões? Falta um plano. Falta uma visão.

Conferência Dia Nacional do Mutualismo

O presente decreto-lei foi objecto de consulta aos parceiros sociais com assento na Comissão Permanente de Concertação Social.

!"# $% A pressão para o Estado mínimo e direitos mínimos estão a marcar, na Europa e em Portugal, os caminhos sobre o futuro do modelo social.

Contra os roubos nas pensões!

Direito do Trabalho e Segurança Social

Sustentabilidade Financeira dos Sistemas Públicos de Segurança Social em Portugal: Situação Actual e Análise Prospectiva

Quadro 1a. Perspectivas Macroeconómicas nível (10 6 euros) taxa de variação. taxa de variação

252 Diário da República, 1.ª série N.º de janeiro de 2019

OS FUNDOS DE PENSÕES EM ANGOLA

FICHA TÉCNICA TÍTULO EXECUÇÃO ORÇAMENTAL DE JANEIRO DE 2017

Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS

Certificado de Responsabilidade para a Reforma Modelo de Pensões C (contributivo, incentivo e ciclo de vida)

Envelhecimento: um desafio ao futuro.

FICHA TÉCNICA TÍTULO EXECUÇÃO ORÇAMENTAL DE NOVEMBRO DE 2017

SíNTESE. Introdução. 1. Adequação das pensões

FICHA TÉCNICA TÍTULO EXECUÇÃO ORÇAMENTAL DE JANEIRO DE 2016

FICHA TÉCNICA TÍTULO EXECUÇÃO ORÇAMENTAL DE ABRIL DE 2015

ORÇAMENTO DE ESTADO PARA 2011

Portaria n.º 1458/2009. de 31 de Dezembro

FICHA TÉCNICA TÍTULO EXECUÇÃO ORÇAMENTAL DE MARÇO DE 2017

Lei n.º 3/2009, de 13 de Janeiro. A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

Análise da proposta de 1.ª Alteração ao Orçamento do Estado para 2013

FICHA TÉCNICA TÍTULO EXECUÇÃO ORÇAMENTAL DE FEVEREIRO DE 2018

Lei n.º 4/2009 de 29 de Janeiro. Define a protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas

FICHA TÉCNICA TÍTULO EXECUÇÃO ORÇAMENTAL DE JANEIRO DE 2018

Proposta de Lei de alteração da Lei n. 2 4/2007, de 16 de janeiro. 1. Análise critica. O Governo apresenta uma proposta de alteração à Lei de Bases

EXECUÇÃO ORÇAMENTAL NOVEMBRO DE 2018

Quadro 1a. Perspectivas Macroeconómicas nível (10 6 euros) taxa de variação

FICHA TÉCNICA TÍTULO PROPRIEDADE AUTOR MORADA DATA DE PUBLICAÇÃO

PROJECTO DE LEI N.º 4/IX ACTUALIZAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DAS PENSÕES MÍNIMAS DE INVALIDEZ E VELHICE

FICHA TÉCNICA TÍTULO EXECUÇÃO ORÇAMENTAL DE MAIO DE 2017

FICHA TÉCNICA TÍTULO EXECUÇÃO ORÇAMENTAL DE JULHO DE 2017

DIPLOMA/ACTO: Portaria nº 1514/2002

O beco sem saída em que Sócrates, o PSD e o CDS nos estão a meter Eugénio Rosa, Economista

FORMAÇÃO da C T O C Fernando Silva 1

Estatuto e Financiamento da ADSE

Aumento da Cobertura da Protecção Social Obrigatória em Angola: âmbito de aplicação pessoal e material Dr. Jesus Maiato MAPTSS

A Reforma, os PPR e o Sistema de Segurança Social

PROJECTO DE LEI Nº 465/XI IMPÕE LIMITES À COBRANÇA DE DESPESAS DE MANUTENÇÃO DE CONTAS BANCÁRIAS. Nota Justificativa

PROJECTO DE LEI N.º 99/XI ESTABELECE O REGIME SOCIAL E DE SEGURANÇA SOCIAL DOS PROFISSIONAIS DAS ARTES DO ESPECTÁCULO

FICHA TÉCNICA TÍTULO EXECUÇÃO ORÇAMENTAL DE ABRIL DE 2017

Transcrição:

Segurança Social: A sustentabilidade em questão Fernando Ribeiro Mendes Em Portugal, o debate sobre a sustentabilidade das pensões tem sido muito vivo nestes últimos anos por razões conhecidas. O número de pensionistas cresceu muito no decénio passado, ultrapassando-se largamente os dois milhões de beneficiários na viragem do século. Até 2020 serão cerca de três milhões, numa população que continuará a rondar os dez milhões de pessoas - quadro. Quadro - Pensionistas por modalidade de pensões e idades (0-2020) Pensionistas 0 % 2000 % 2005 % 200 % 2020 % Velhice 2, 60, 5, 60, 58, 5 6, 66, 62, 0 2, 6, Dos quais: < 60 6,2 0,5,4 0,8 60-64 4, 8,6 52,2,5 65-6 8,0 2, 0-4 0, 2, 5-262,0, 422,8 28, 26, 0, 20, 5 80-84 60, 2,, 85+ anos 8,68 6,,2,2 Invalidez 4,5 2, 8 0,0 4, 6,, 25, 2, 22,5 0, Sobrevivênci a,, 58, 24, 65 25, 66,6 25, 8 26, 0 Total 2202, 00 2480, 00 256, 6 00 268, 8 00 022, 2 00 Fonte: LBSS, IIESS, P. G. Rodrigues, Social Security in Portugal: An Update of Long-Term Projections, DGEP-WP, nº 2, 2002.

A população de pensionistas (com exclusão da Função Pública) reparte-se actualmente em 6% de velhice, 5% de invalidez e 24% de sobrevivência. Os efeitos da crescente longevidade são iniludíveis, implicando o significativo crescimento relativo dos mais idosos dos idosos entre os pensionistas de velhice, que já se observa e se acentuará no futuro. A aceleração do crescimento do efectivo de pensionistas de sobrevivência que se observa e se projecta para o futuro coloca também um problema de fundo ao sistema. Os encargos com os diferentes tipos de pensões cresceram entretanto, atingindo os 6% do PIB na viragem de século. Até 2020, deverão atingir os % - quadro 2. Quadro 2 - Despesas de pensões por modalidades (0-2020) (em percentagem do PIB) Pensões 0 2000 2005 200 2020 Velhice, 4,2 4,6 4, 4, Invalidez,,2,2,, Sobrevivência 0,6 0,,0,0, Total 5,2 6,2 6,8,, Nota: os encargos projectados levam já em conta a nova fórmula de cálculo das pensões aprovada em 2002. Fonte: ver quadro Os encargos com as pensões do regime geral contributivo representam actualmente perto de 80% dos encargos totais de pensões. As pensões de vários regimes de reduzida ou nula contributividade têm sido financiadas principalmente pelas contribuições sociais. Acresce que várias medidas legislativas têm imposto finalidades distributivas à aplicação dos recursos dos regimes contributivos, disfarçadas pela opacidade da "taxa social única" e implicando continuado financiamento directo pelas contribuições do regime geral de medidas de apoio ao emprego e concedendo reduções ou isenções contributivas a muitas empresas. O mesmo se diga dos acordos de préreforma que determinam redução das taxas ou isenções contributivas[]. Pensões sustentáveis? As perspectivas demográficas do sistema de pensões da Segurança Social portuguesa (sem considerar a Caixa geral de Aposentações, recorde-se) vão traduzir-se num desequilíbrio financeiro crescente a manterem-se as actuais regras de atribuição das pensões, como se observa no quadro : o saldo

"aparente", isto é, que ignora a transferência de IVA e as variações do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), tornar-se-á negativo até 2020. Quadro - Saldo "aparente" do Regime Geral em % do PIB (2005-2050) Variáveis financeiras 2005 200 2020 200 2040 2050 (em % do PIB) Reg. geral - Encargos de pensões 5,6 6,2,,6,6 Contribuições sociais,,6,6,5,4,4 Saldo aparente 0,8 0, -0,6 - -,5 -,5 Fonte: P. G. Rodrigues, Social Security in Portugal: An Update of Long-Term Projections, DGEP-WP, nº 2, 2002 E isto apesar de um novo modo de cálculo da pensão contributiva, que foi instituído pelo Decreto-Lei n.º 5/2002, de de Fevereiro. Na verdade, o novo esquema só será realmente efectivo para novos pensionistas a partir de de Janeiro de 20, isto é, quando a inversão de sinal dos saldos do regime contributivo estiver já concretizada. Até lá haverá uma "tripla garantia" para os que se reformem neste período e ainda uma "dupla garantia" para outras situações de transição, só se lhes aplicando as regras novas se forem mais generosas do que as actuais, e sem qualquer limite superior de rendimentos salariais. Assim, a não aplicação do novo esquema até 20 torna-o, evidentemente, irrelevante quanto ao problema actual da sustentabilidade financeira das pensões. Tenho usado a expressão "conspiração grisalha" a propósito destes desenvolvimentos. Neste sentido, terá havido uma bem sucedida manobra a favor de um determinado grupo etário "grisalho": a manipulação estratégica das declarações de rendimentos tem prosseguido por mais quinze anos (entre 2002 e 20), até que os "conspiradores" passem eles próprios à reforma[2]. Sem novas políticas, a partir de 200, só por esvaziamento do FEFSS e por transferências do OE se poderá colmatar o défice crescente dos regimes contributivos. Modernização sem dor? A modernização da nossa estrutura empresarial vem impondo uma rotação geracional da força de trabalho, dispensando o segmento menos qualificado e com menor capacidade de reciclagem de trabalhadores mais idosos. Os correspondentes custos sociais têm sido atenuados pela antecipação da idade da reforma, operando uma modernização "sem dor" cujo nível de utilização pode ser avaliado pelos dados que constam do quadro. Quadro - Pensionistas de reforma antecipada (2002)

Pensionistas de reforma antecipada por causa de Número % Desemprego (D-L nº /) 28 4,8 Pré-reforma (D-L nº 26/) 4, Reforma flexível (D-L nº /) 2526 4,2 Outras situações (profissões de desgaste rápido, etc.) 855, Total 6245 00 Fonte: F.Ribeiro Mendes, op.cit. Como aí se observa, há dois grandes mecanismos que geram a maior parte (85%) das antecipações. Um deles é a articulação entre a protecção no desemprego e a reforma antecipada aos 60 anos (58 anos a partir de 200, entretanto já revogado, e bem, pelo actual governo) de desempregados mais idosos. Financeiramente é um encargo pesado, tanto a curto prazo (perda de contribuições) como a longo prazo (a pensão sem penalização por antecipação)[]. A modernização "sem dor" assenta neste mecanismo. É necessário avaliar os reais benefícios e os custos sociais dele decorrentes para ajuizar da sua razoabilidade intergeracional e financeira. Há que rever a extensão da protecção concedida nestas situações, praticamente sem penalização dos montantes de pensão, nos casos de antecipação da reforma para obviar aos efeitos mais gravoso de crise empresarial. [] Sempre que estes acordos se enquadrem em medidas de recuperação de empresas declaradas em situação económica difícil ou em projectos de restruturação ou de recuperação de empresas ao abrigo de legislação específica e se verifique o desequilíbrio económico-financeiro da entidade empregadora, esta pode requerer a equivalência à entrada de contribuições para os trabalhadores pré-reformados. Além disso, estes trabalhadores, desde que tenham completado 60 anos de idade, podem requerer a reforma antecipada, o que faz proliferar as situações de atribuição da pensão de velhice antecipada. [2] F.Ribeiro Mendes, Conspiração Grisalha: Segurança Social, Competitividade e Gerações, Celta Editores, 2005. [] O outro mecanismo é a flexibilização da reforma aos 55 anos, com efeitos numéricos semelhantes. Dá lugar a redução de receitas de contribuições no curto prazo (mesmo assim menor do que no desemprego, se houver contribuições adicionais para melhoria da pensão, o que a lei possibilita). No longo prazo, no entanto, a penalização de cada ano antecipado relativamente aos 65 anos garante a neutralidade financeira da medida. De forma incompreensível, esta medida acaba de ser suspensa pelo XVII Governo Constitucional.