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Transcrição:

1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA PPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA PCMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HERMENÊUTICA E PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL A DIGINIDADE DA PESSOA HUMANA, O AFETO E AS RELAÇÕES PARENTAIS: A MULTIPARENTALIDADE E SEUS EFEITOS MAURICIO CAVALLAZZI PÓVOAS Itajaí (SC), 29 de fevereiro de 2012

2 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA PPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA PCMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HERMENÊUTICA E PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL A DIGINIDADE DA PESSOA HUMANA, O AFETO E AS RELAÇÕES PARENTAIS: A MULTIPARENTALIDADE E SEUS EFEITOS MAURÍCIO CAVALLAZZI PÓVOAS Dissertação submetida ao Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Ciência Jurídica. Orientador: Prof. Dr. Marcos Leite Garcia Itajaí (SC), 29 de fevereiro de 2012

3 RESUMO Esta dissertação trata, baseado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade, da possibilidade jurídica do reconhecimento da multiparentalidade, ou seja, da coexistência de mais de um pai ou mais de uma mãe (ou mesmo dois pais e duas mães) em relação a um só filho, sendo um dos vínculos decorrente de liame biológico e outro decorrente de relação afetiva. Aborda, ainda, os efeitos jurídicos da multiparentalidade, destacando a possibilidade de inclusão no registro de nascimento de todos os genitores. Analisa, por fim, uma a uma, as consequências do registro de mais de um pai e/ou mais de uma mãe em relação ao filho, esmiuçando questões como o nome, a guarda, o direito de visitas, os alimentos e os direitos sucessórios. A Dissertação está inserida na Linha de Pesquisa: HERMENÊUTICA E PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL. Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana, afeto, multiparentalidade, registro de nascimento, Efeitos jurídicos

4 ABSTRACT This dissertation treats, based on the principles and dignity of a human person and the affectiveness and legal possibility of the recognition of multi - parenthood, or to be, the coexistence of more than one father, or even to be the coexistence of more than one mother or father (or even the same two fathers and two mothers) regarding a son/daughter, being the result of either the biological parent or the actual affectionate parent. It approaches, still the legal effects of multi - parenthood, detaching the possibility of inclusion in the birth records of the parents. It finally analyses, consequently the register of more than one father or mother in relation the son/daughter, questioning; who is the guardian, visiting rights, pension rights and succession rights. The dissertation has been inserted in the line of research: HERMENEUTIC and CONSTITUTIONAL THE ACCEPTANCE.OF PRINCIPLES. Key words: Words human, dignity, affect, multiparenthood, birth register, legal effects

5 INTRODUÇÃO Qualquer tema envolvendo direito de família traz em si nuances especiais na medida que o bem jurídico albergado pelo direito é sempre envolto em forte carga emocional. Durante muitos anos o julgamento das causas nesta área levava em conta aquela antiga máxima letra fria da lei. Assim, filho que não era biológico ou adotivo não era filho ; o casal que não fosse constituído por pessoas do mesmo sexo não era casal. Com a evolução constante e significativa que o Direito de Família experimentou nos últimos anos, no entanto, principalmente após a entrada em vigor da Constituição Federal, em 05 de outubro de 1988, ganhou espaço uma interpretação das causas muito mais baseada nos princípios constitucionais do que propriamente na regra ordinária. Assim, a Dignidade da pessoa Humana e a Afetividade para citar os princípios constitucionais mais representativos e mais utilizados na solução das demandas de família deixaram de ser apenas normas vagas e distantes, tornando-se fundamento para resolver questões das mais relevantes. Pois bem, é aliando os dois princípios acima, entrelaçando-os, que a doutrina e os Tribunais têm feito verdadeiras revoluções jurídicas e sociais na área do Direito de Família. Nas ações de filiação - assim entendidas aquelas em que se busca reconhecer ou negar a paternidade ou a maternidade os princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade foram decisivos para corrigir a burocrática tese de que a

6 verdade biológica era a única que deveria prevalecer, tese essa que ganhou corpo com a popularização do exame de DNA. Se antes o vínculo biológico era tudo; se tudo se resolvia com a abertura do envelope do exame de DNA, posteriormente este passou a ser somente um dos aspectos a serem considerados. Passou-se a dar valor também ao afeto e, ainda, a dignidade e honra dos envolvidos na demanda, que por vezes passavam pela vexatória situação de deixar de ser filho daquele que sempre foi tido como seu pai, ou, em caso reverso, deixar de ser pai daquele a quem dedicou anos e anos de carinho. Surgia, então, a filiação sócio-afetiva, onde a inexistência de vínculo biológico não era o principal fundamento da ação de filiação. Ao revés, em ações com base na socioafetividade, há, no mais das vezes, explícito reconhecimento da inexistência do liame biológico. A causa de pedir baseia-se, em casos tais, na existência de afeto entre as partes e, ainda, na aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana em relação àquele que contra quem a demanda é direcionada. Chegou-se a um dilema. Ou se privilegiava a verdade biológica, ou dava-se mais valor à relação de afeto entre pais e filhos. Não havia o meio termo. Questiona-se: porque não dar o mesmo valor, em algumas situações, tanto a verdade biológica quanto à afetiva? O que impede o reconhecimento de mais de um pai, ou mais de uma mãe, em relação ao mesmo filho? Dentro desta perspectiva, o objeto 1 desta Dissertação é a pesquisa acerca da possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade, inclusive registral, analisando todas as consequências deste reconhecimento. O seu objetivo institucional é a obtenção do título de Mestre em Ciência Jurídica pelo Curso de Mestrado em Ciência Jurídica da Univali. O seu objetivo científico é 1 Conforme PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica. 12. ed. rev. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p.206.

7 mostrar ser possível o reconhecimento e registro de mais de um pai, ou uma mãe, em relação ao mesmo filho, um decorrente do vínculo biológico e outro do afetivo. O problema inicial que instigou a realização da pesquisa foi o seguinte: se nem o genitor biológico e nem o afetivo pretendem abrir mão de sua condição e aos dois é dado invocar o princípio da dignidade da pessoa humana para manter/reconhecer o vínculo com seu filho, o que impede de dar a ambos o status de pai/mãe e fazer constar isso no registro de nascimento? Para o equacionamento do problema são levantadas as seguintes hipóteses: a) Todos tem direito a invocar o princípio da dignidade da pessoa humana? Ela é inerente a todo ser humano? b) Há algum tipo de hierarquia entre a relação filial biológica e a afetiva? c) Há a possibilidade de coexistência de mais de um pai ou mais de uma mãe em relação ao mesmo filho, inclusive no registro de nascimento? d) Quais os efeitos do reconhecimento da multiparentalidade? Os resultados do trabalho de exame das hipóteses estão expostos na presente Dissertação, e são aqui sintetizados, como segue. O primeiro capítulo trata dos princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade. São apresentados aspectos históricos e evolução do pensamento acerca da dignidade da pessoa humana. Segue-se para a conceituação e para o reconhecimento deste princípio como fundamento da república. Ato contínuo adentra-se na afetividade como principio constitucional e sua importância para o direito de Família atual. O segundo capítulo discorre sobre o direito de Família e as ações de filiação. Traça-se breves considerações históricas sobre essa área do direito e incursionase em cada uma das ações de filiação, quais sejam, as ações de investigação e

8 negatória de paternidade e maternidade, inclusive abordando questões processuais. O terceiro capítulo dedica-se a demonstrar a possibilidade da coexistência de mais de um pai ou uma mãe (ou mais de um pai e também de uma mãe) em relação a um só filho e os efeitos jurídicos decorrentes da multiparentalidade, inclusive no tocante ao registro de nascimento, abordando ainda como ficaria o nome, a obrigação alimentar, a guarda de filho menor, o direito de visitas e os direitos sucessórios. O Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o tema abordado. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação, o Método 2 foi o Indutivo, na fase de Tratamento dos Dados o Cartesiano e, no presente Relatório da Pesquisa, é empregada a base indutiva 3. Foram acionadas as técnicas do referente 4, da categoria 5, dos conceitos operacionais 6, da pesquisa bibliográfica 7 e do fichamento 8. 2 Idem: Método é forma lógico-comportamental na qual se baseia o Pesquisador para investigar, tratar os dados colhidos e relatar os resultados. 3 Sobre os métodos e técnicas nas diversas fases da Pesquisa Científica, vide PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica, cit. especialmente p. 81-105. 4 Ibid., p. 54: "explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitado o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa". 5 Ibid., p. 25: palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia". 6 Ibid., p. 37: definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas. 7 Ibid., p. 207: Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. 8 Ibid., p. 201-202: Técnica que tem como principal utilidade otimizar a leitura na Pesquisa Científica, mediante a reunião de elementos selecionados pelo Pesquisador que registra e/ou resume e/ou reflete e/ou analisa de maneira sucinta, uma Obra, um Ensaio, uma Tese ou Dissertação, um Artigo ou uma aula, segundo Referente previamente estabelecido.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS Já se disse acima que as questões afetas ao Direito de Família - além dos aspectos jurídicos inerentes à matéria - trazem em si forte carga emocional, fato que torna essa área do direito muito mais subjetiva, aumentando, em consequência, a necessidade de reavaliação dos conceitos e preconceitos por parte dos aplicadores do direito. Muito mais fácil seria, nos casos em que se discute a paternidade/maternidade, que se mantivesse a antiga orientação e se desse prevalência a realidade biológica, hoje de fácil constatação através de exames de DNA. Assim, se negativo o exame, afastar-se-ia a condição de filho. Se positivo, essa seria reconhecida. Nada mais importava. Mas essa facilidade, em determinados casos, poderia ir de encontro aos princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade, o primeiro um fundamento da república e o segundo implícito na Constituição Federal de 1988. É que pode existir situações, devidamente retratadas acima, em que existe uma realidade biológica e uma afetiva, sem que uma possa sobrepujar a outra. O que fazer, nesses casos? Como resolver a questão quando tanto o genitor biológico quanto o afetivo pretendem manter essa condição e nenhum deles deu causa aos fatos que levaram à esse impasse jurídico? Ora, não há porque necessariamente ter que fazer uma escolha entre um e outro genitor. Para casos tais, a solução mais adequada e justa é o reconhecimento da multiparentalidade, ou seja, tanto o pai/mãe genético quanto o afetivo seriam registrados como genitores, com todas as consequências decorrentes da relação que entre eles se estabelece com a filiação.

10 Essa situação pode parecer estranha, de início, como também era estranho imaginar uma família monoparental, ou uma família homoafetiva, ou a adoção conjunta por pessoas de mesmo sexo, casos hoje que se avolumam em nossos tribunais e que já começam inclusive a merecer discussões nas casas legislativas pátrias. Juridicamente mostra-se que a multiparentalidade encontra albergue tanto na legislação (aplicada em determinados casos por analogia), não havendo vedação ou impedimento algum ao seu reconhecimento. As consequências jurídicas e eventuais dúvidas que resultariam do reconhecimento registral de mais de um pai e/ou mais de uma mãe, viu-se alhures, são todas, de uma forma ou de outra, resolvidas de maneira relativamente simples e amparadas na legislação em vigor. Assim, em resumo, em relação a todos os genitores se estabeleceriam as relações de parentesco já previstas no art. 1.591 a 1.595, do Código Civil. O nome do filhos poderia facilmente ser composto pelo sobrenome de todos os pais ou de apenas alguns deles. Tocante à obrigação alimentar, esta seguiria a mesma já existente no caso de biparentalidade, ou seja, tanto em relação ao pai biológico quanto ao pai afetivo, seria observada a disposição contida no artigo 1.696, do Código Civil, que estabelece que o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. A guarda e o direito de visitas seria solvido aplicando-se o princípio do melhor interesse das crianças, sempre tendo como linhas mestras as regras estampadas no Código Civil e legislações extravagantes.

11 Por derradeiro, no que concerne aos direitos sucessórios, estes seriam reconhecidos entre o filhos e seus pais, e entre seus parentes, observada a ordem de vocação hereditária estampada no art. 1.829 a 1.847, do Código Civil. Concluindo, não há como deixar de reconhecer que a multiparentalidade será, em breve, mais comum do que se imagina, na medida em que, em determinados casos, é única forma de garantir interesses dos atores envolvidos nas questões envolvendo casos de filiação, albergando-lhes os princípios constitucionalmente a eles garantidos da dignidade da pessoa humana e da afetividade.