Cabri 3D: Uma Visão Instrumental envolvendo uma atividade com transformações geométricas no espaço Jesus Victoria Flores Salazar - floresjv@gmail.com 1 Talita Carvalho Silva de Almeida - talita_almeida@yahoo.com.br 2 Maria José Ferreira da Silva zeze@pucsp.br Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática PUC/SP-Brasil 22-Entornos informáticos en el aprendizaje matemático Resumo Essa comunicação apresenta a análise de uma tarefa, contida em uma seqüência de atividades de uma pesquisa em andamento, realizada com onze alunos de Ensino Médio de uma escola particular do Estado de São Paulo. O objetivo é investigar o potencial de aplicabilidade do ambiente computacional Cabri 3D, e observar as ações e representações tomadas pelos alunos envolvendo noções de Geometria Espacial. Baseamo-nos na abordagem Instrumental de Rabardel (1995) e nas diferentes apreensões de uma figura de Duval (1995) para delinear as relações entre o sujeito e o objeto mediadas pelo instrumento, observar os tratamentos efetuados pelos alunos e como eles apreendem a figura. Acreditamos que o uso das ferramentas e recursos do Cabri 3D facilita a função de tratamento no registro figural, visto que possibilitam a manipulação da representação do objeto matemático sobre diferentes pontos de vista. Palavras-Chave: Cabri 3D, Abordagem Instrumental, Apreensões, Geometria Espacial. Introdução O ambiente computacional Cabri 3D apresenta uma alternativa para o ensino e aprendizagem de Geometria Espacial, pois permite construir, manipular, explorar e visualizar figuras espaciais, além de conjecturar e verificar suas propriedades, visto que facilita a visualização e 1 Doutoranda em Educação Matemática e bolsista CAPES do Programa de Cooperação Internacional PEC-PG. 2 Mestranda em Educação Matemática e Bolsista CAPES.
manipulação dessas figuras a partir de diferentes pontos de vista, desenvolvendo a visão tridimensional. O presente trabalho é um recorte de uma pesquisa em andamento realizada com onze alunos de Ensino Médio de uma escola particular do Estado de São Paulo. Apresentamos uma reflexão sobre as ações e estratégias de dois alunos que ao mobilizarem conhecimentos de geometria, dentre outros, realizaram uma atividade de Geometria Espacial usando Cabri 3D. Assim, tais ações serão discutidas por meio da abordagem instrumental de Rabardel (1995), para observar como eles interagem com esse ambiente computacional, destacando alguns instrumentos que dão suporte as suas ações, e por meio das diferentes apreensões de uma figura segundo Duval (1995). A abordagem instrumental de Rabardel (1995) define o instrumento como uma entidade mista composta pelo artefato (material ou simbólico) e esquemas de utilização. Nesta abordagem a transformação do artefato em instrumento articula o sujeito, com suas habilidades e competências cognitivas, o instrumento e o objeto para o qual a ação é dirigida. Esse processo de transformação é chamado por Rabardel de Gênese Instrumental (G.I.). Segundo Verillon (1995), a G.I. tem duas dimensões: a instrumentação, orientada ao sujeito, na qual o artefato é integrado na sua estrutura cognitiva (esquemas de utilização) e que em geral exige adaptação; a instrumentalização, orientada ao objeto, determinada pelas possibilidades que o sujeito atribui ao instrumento ao agir sobre o objeto, construindo propriedades funcionais que permitem essa ação. Para analisar este processo, Rabardel (1995) e Verillon (1996), propõem o modelo SAI Situações de Atividades Instrumentais (Figura 1). Figura 1. Modelo de Situações de Atividades Instrumentais SAI (fonte: Rabardel, 1995 b, p. 65) Esse modelo delineia as relações entre sujeito e o objeto sobre o qual ele age e, evidencia as múltiplas interações que intervêm nas atividades instrumentais. Dessa forma, considera além
das interações sujeito-objeto [S-O], sujeito-instrumento [S-i] e o instrumento-objeto [i-o], a interação sujeito-objeto mediado pelo instrumento [S(i)-O]. De acordo com Duval (2003), é de fundamental importância no funcionamento cognitivo a distinção entre um objeto e sua representação, e a compreensão da matemática como uma atividade que mobiliza uma variedade de registros de representação semiótica. Segundo o autor, os registros de representação são as representações semióticas utilizadas no funcionamento matemático. Dessa forma, as classifica em quatro tipos: linguagem natural, sistemas de escrita, registro gráfico e registro figural. O registro figural é de extrema importância para o estudo da Geometria, uma vez que pode apresentar de maneira mais direta e simples a idéia da solução do que em outros registros. Duval (2003) destaca quatro formas diferentes de apreender uma figura: apreensão perceptiva - identificação imediata das formas da figura geométrica em uma determinada situação - apreensão discursiva - interpretação e explicitação das outras propriedades matemáticas da figura além das indicadas por uma legenda ou pelas hipóteses apreensão seqüencial - seqüência de passos solicitada na construção de uma figura geométrica com o auxílio de um instrumento apreensão operatória transformação da figura em outras figuras ou subfiguras. Ainda que todas as apreensões sejam necessárias para a composição do pensamento geométrico é a apreensão operatória, por meio de manipulações físicas ou mentais sobre a representação de um objeto matemático ou parte dela, que permite dar um sentido dinâmico às características da figura. Assim, Duval (1995) distingue três tipos de modificações: mereológica (separação da figura em partes da figura dada), ótica (transformação da figura em outra considerada sua imagem) e posicional (deslocamento da figura em relação a um referencial). A tarefa As atividades com o Cabri 3D foram desenvolvidas em uma oficina com seis sessões de uma hora e meia de duração em um laboratório de informática de uma escola particular do Estado de São Paulo, na qual participaram onze estudantes brasileiros do segundo ano do Ensino Médio (16 anos). Apresentamos nesse trabalho a atividade trave de futebol. Tal atividade consiste na construção de uma trave de futebol (figura 2) considerando o plano de base como o chão da trave.
Figura 2: trave de Futebol Construção de Pedro O aluno criou um segmento qualquer no plano de base e com a ferramenta perpendicular, construiu duas retas perpendiculares ao plano de base que passam pelos extremos do segmento. Feito isso, marcou um ponto em uma das duas perpendiculares e com a ferramenta paralela construiu um plano paralelo ao plano de base passando por esse ponto. Continuou sua construção marcando o ponto de interseção da outra perpendicular com o plano paralelo. Assim, com a ferramenta segmento sua construção foi finalizada, como mostra a Figura 3. Figura 3: construção de Pedro Construção de Andréa Primeira tentativa: a aluna criou dois pontos na parte visível (de cor cinza) do plano de base e outros dois fora dele. Feito isso, criou segmentos a partir desses pontos e sua trave foi construída. Em um primeiro momento, ficou satisfeita com sua construção que visualmente parecia estar correta. Entretanto, ao usar o recurso mudar de vista, mudou a posição do plano de base e observou que os pontos criados fora da parte visível ainda pertenciam a ele, o que significou que a trave não havia sido construída corretamente (figura 4). Figura 4: Construção de Andréa primeira tentativa
Segunda tentativa: Andréa associou a trave como uma das faces de um cubo. Dessa forma, criou o cubo e em seguida tentou apagar os elementos que aparentemente não interessavam à construção da trave, ou seja, deletar cinco das suas seis faces, de maneira que apenas uma sobrasse, essa face seria a trave solicitada na atividade. Ao tentar validar essa ação, ficou surpresa ao notar que o cubo desaparecia quando uma de suas faces era destruída. A aluna não desistiu de sua estratégia, construir a trave a partir do cubo. Embora soubesse que não poderia destruir partes do cubo, repetiu a mesma ação (cria novamente um cubo). Após isso criou segmentos nas arestas de uma face do cubo e com o recurso do Cabri 3D esconder/mostrar escondeu o cubo. Sua construção foi realizada e confirmada ao utilizar o recurso mudar de vista, como mostra a Figura 5. Figura 5: Construção de Andréa - segunda tentativa Reflexões e considerações Na tarefa realizada os alunos demonstraram familiaridade com as ferramentas e recursos do Cabri 3D, visto que estabeleceram relações entre estes e seus conhecimentos matemáticos. Nesse sentido, temos indícios da ocorrência do processo de instrumentação, uma vez que suas ações evidenciaram esquemas de utilização pré-estabelecidos e/ou desenvolvimento de novos esquemas, tanto na familiarização quanto no desenvolvimento da atividade. Os esquemas que os alunos utilizaram na construção foram distintos, isso se torna evidente quando observamos o tratamento dado por cada um ao registro figural. A construção de Pedro se baseia a partir de noções de paralelismo e perpendicularismo, criando segmentos a partir de intersecções entre retas. Observamos que o aluno criou uma seqüência correta de construção, o que nos faz inferir que apreendeu seqüencialmente a figura. Articulou, também, com sucesso a apreensão perceptiva e operatória, essa articulação é chamada por Duval (1995) de visualização.
Na primeira tentativa de Andréa observamos que a apreensão perceptiva em um primeiro momento a faz acreditar que sua construção possa estar certa. A aluna somente percebe que a trave não está de acordo quando movimenta o plano, isto é, quando utiliza o recurso mudar de vista. Na segunda tentativa, a maneira como Andréa interpreta a situação geométrica quando associa a trave de futebol à face de um cubo, nos faz pressupor que ela relacionou essas duas formas. Esse processo cognitivo de identificação espontânea é o que Duval (1995) define como apreensão perceptiva. A partir de tal apreensão, ela gera ações para destruir o cubo, isto é, dividi-lo em sub-figuras (modificação operatória mereológica). O conceito de poliedro parece não estar claro, visto que ela associa um cubo a uma casca, e não a um sólido. Entretanto, sua construção foi realizada utilizando ações e esquemas diferentes dos utilizados por Pedro. Diante da experiência destacada acima, os alunos mostraram-se motivados e criativos, pois utilizaram estratégias de solução diferenciadas. É importante ressaltar que a escolha dos instrumentos e a seqüência das ações de uma determinada situação, dependem exclusivamente da tomada de decisão do sujeito. Referências Bibliográficas CABRI 3D, Manual do usuário. Disponível em: http://download.cabri.com/data/pdfs/manuals/c3dv2/user_manual_pt_br.pdf Acessado 01.03.2008. DUVAL, R.. Semiosis et pensée humaine. Bern, Peter Lang, 1995. RABARDEL, Pierre. Les hommes et les technologies: approche cognitive des instruments contemporains. Paris: Armand Colin, 1995. 239 p. VERILLON, Pierre. Artifacts and cognitive development: how do psychogenetic theories of intelligence help in understanding the influence of technical environments on the development of thought? 1995. Disponível em: http://www.iteaconnect.org/conference/patt/patt15/verillon.pdf. Acessado em: 05.04.08.