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o organizador Anderson Braga Horta, nascido em Carangola, MG, em 17.11.1934, é poeta, contista e crítico literário. Publicou O Horizonte e as Setas (contos, em colaboração, pela Horizonte, em 1967) e os seguintes livros de poesia: Altiplano e Outros Poemas (Ebrasa, Brasília, 1971), Marvário (Clube de Poesia de Brasília, 1976), Incomunicação (Comunicação, Belo Horizonte, 1977), Exercícios de Homem (Comitê de Imprensa do Senado, 1978), Cronoscópio (Civilização Brasileira, Rio, 1983), O Cordeiro e a Nuvem (Thesaurus, 1984), O Pássaro no Aquário (André Quicé, Brasília, 1990), Dos Sonetos na Corda de Sol (Guararapes, 1999), Pulso (Barcarola, S. Paulo, 2000), Quarteto Arcaico (Guararapes, Jaboatão, 2000), Fragmentos da Paixão (Massao Ohno, S. Paulo, 2000), Antologia Pessoal (Thesaurus, 2001), 50 Poemas Escolhidos pelo Autor (Galo Branco, Rio, 2003). Publicou ainda, por esta Editora, A Aventura Espiritual de Álvares de Azevedo: Estudo e Antologia (2002), Sob o Signo da Poesia: Literatura em Brasília (2003), Traduzir Poesia (2004), Testemunho & Participação: Ensaio e Crítica (2005). Thesaurus Editora 2005 Arte, impressão e acabamento: Thesaurus Editora de Brasília Os direitos autorais da presente obra estão liberados para sua difusão desde que sem fins comerciais e se citada a fonte. THESAURUS EDITORA DE BRASÍLIA LTDA. SIG, Quadra 8, Lote 2356 CEP 70610-400 Brasília, DF Fone: (61) 3344-3738 Fax: (61) 3344-2353 End. Eletrônico: editor@thesaurus.com.br Página na Internet: www.thesaurus.com.br Composto e impresso no Brasil Printed in Brazil 2

NOTA BIOBIBLIOGRÁFICA OLAVO Brás Martins dos Guimarães BILAC (Rio de Janeiro, 16.12.1865-28.12.1918) foi um dos grandes poetas de nosso Parnasianismo e de nossas letras. Jornalista, conferencista, ficcionista. Por suas opiniões políticas, foi preso mais de uma vez. A par de sua obra principal, consubstanciada nas Poesias e na Tarde, escreveu Poesias Infantis e, em colaboração com Coelho Neto, Contos Pátrios e A Pátria Brasileira. Autor, também, de poemas satíricos. Estudou Medicina e Direito, sem completar os cursos; viajou várias vezes ao exterior; foi protagonista do primeiro acidente automobilístico do País, dirigindo automóvel de José do Patrocínio; meteu-se em duelo; realizou campanhas pela educação e pelo serviço militar obrigatório; foi, enfim, homem dinâmico, de multifacetada expressão. Glorioso em vida, veio a ser a maior vítima da fase iconoclasta da revolução modernista. Ganha força o processo de sua inevitável reabilitação e reposição em lugar de honra de nosso panteon literário. Em 1996 a Nova Aguilar editou sua Obra Reunida, organizada por Alexei Bueno. 3

Olavo Bilac VIA LÁCTEA XIII Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto... E conversamos toda a noite, enquanto A via láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto. Direis agora: Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo? E eu vos direi: Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas. NEL MEZZO DEL CAMIN... Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada E triste, e triste e fatigado eu vinha. Tinhas a alma de sonhos povoada, E a alma de sonhos povoada eu tinha... 4

Poesia E paramos de súbito na estrada Da vida: longos anos, presa à minha A tua mão, a vista deslumbrada Tive da luz que teu olhar continha. Hoje, segues de novo... Na partida Nem o pranto os teus olhos umedece, Nem te comove a dor da despedida. E eu, solitário, volto a face, e tremo, Vendo o teu vulto que desaparece Na extrema curva do caminho extremo. INANIA VERBA Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava, O que a boca não diz, o que a mão não escreve? Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve, Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava... O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava; A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve... E a Palavra pesada abafa a Idéia leve, Que, perfume e clarão, refulgia e voava. Quem o molde achará para a expressão de tudo? Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas 5

Olavo Bilac Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta? E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo? E as palavras de fé que nunca foram ditas? E as confissões de amor que morrem na garganta?! IN EXTREMIS Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia Assim! de um sol assim! Tu, desgrenhada e fria, Fria! postos nos meus os teus lábios molhados, E apertando nos teus os meus dedos gelados... E um dia assim! de um sol assim! E assim a esfera Toda azul, no esplendor do fim da primavera! Asas, tontas de luz, cortando o firmamento! Ninhos cantando! Em flor a terra toda! O vento Despencando os rosais, sacudindo o arvoredo... E, aqui dentro, o silêncio... E este espanto! e este medo! Nós dois... e, entre nós dois, implacável e forte, A arredar-me de ti, cada vez mais, a morte... Eu, com o frio a crescer no coração, tão cheio De ti, até no horror do derradeiro anseio! Tu, vendo retorcer-se amarguradamente A boca que beijava a tua boca ardente, A boca que foi tua! 6

Poesia E eu morrendo! e eu morrendo Vendo-te, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo Tão bela palpitar nos teus olhos, querida, A delícia da vida! a delícia da vida! DENTRO DA NOITE Ficas a um canto da sala, Olhas-me e finges que lês... Ainda uma vez te ouço a fala, Olho-te ainda uma vez; Saio... Silêncio por tudo: Nem uma folha se agita; E o firmamento, amplo e mudo, Cheio de estrelas palpita. E eu vou sozinho, pensando Em teu amor, a sonhar, No ouvido e no olhar levando Tua voz e teu olhar. Mas não sei que luz me banha Todo de um vivo clarão; Não sei que música estranha Me sobe do coração. Como que, em cantos suaves, Pelo caminho que sigo, Eu levo todas as aves, Todos os astros comigo. 7

Olavo Bilac E é tanta essa luz, é tanta Essa música sem par, Que nem sei se é a luz que canta, Se é o som que vejo brilhar. Caminho, em êxtase, cheio Da luz de todos os sóis, Levando dentro do seio Um ninho de rouxinóis. E tanto brilho derramo, E tanta música espalho, Que acordo os ninhos e inflamo As gotas frias do orvalho. E vou sozinho, pensando Em teu amor, a sonhar, No ouvido e no olhar levando Tua voz e teu olhar. Caminho. A terra deserta Anima-se. Aqui e ali, Por toda parte desperta Um coração que sorri. Em tudo palpita um beijo, Longo, ansioso, apaixonado, E um delirante desejo De amar e de ser amado. E tudo, o céu que se arqueia Cheio de estrelas, o mar, Os troncos negros, a areia, 8

Poesia Pergunta, ao ver-me passar: O Amor, que a teu lado levas, A que lugar te conduz, Que entras coberto de trevas, E sais coberto de luz? De onde vens? que firmamento Correste durante o dia, Que voltas lançando ao vento Esta inaudita harmonia? Que país de maravilhas, Que Eldorado singular Tu visitaste, que brilhas Mais do que a estrela polar? E eu continuo a viagem, Fantasma deslumbrador, Seguido por tua imagem, Seguido por teu amor. Sigo... Dissipo a tristeza De tudo, por todo o espaço, E ardo, e canto, e a Natureza Arde e canta quando eu passo Só porque passo pensando Em teu amor, a sonhar, No ouvido e no olhar levando 9

Olavo Bilac Tua voz e teu olhar... O CAÇADOR DE ESMERALDAS (Fragmentos) Fernão Dias Paes Leme agoniza. Um lamento Chora longo, a rolar na longa voz do vento. Mugem soturnamente as águas. O céu arde. Trasmonta fulvo o sol. E a natureza assiste, Na mesma solidão e na mesma hora triste, À agonia do herói e à agonia da tarde....... Adoça-se-lhe o olhar, num fulgor indeciso; Leve, na boca aflante, esvoaça-lhe um sorriso... E adelgaça-se o véu das sombras. O luar Abre no horror da noite uma verde clareira. Como para abraçar a natureza inteira, Fernão Dias Pais Leme estira os braços no ar... Verdes, os astros no alto abrem-se em verdes chamas; Verdes, na verde mata, embalançam-se as ramas; E flores verdes no ar brandamente se movem; Chispam verdes fuzis riscando o céu sombrio; Em esmeraldas flui a água verde do rio, E do céu, todo verde, as esmeraldas chovem... 10

Poesia E é uma ressurreição! O corpo se levanta: Nos olhos, já sem luz, a vida exsurge e canta! E esse destroço humano, esse pouco de pó Contra a destruição se aferra à vida, e luta, E treme, e cresce, e brilha, e afia o ouvido, e escuta A voz, que na soidão só ele escuta, só: Morre! morrem-te às mãos as pedras desejadas, Desfeitas como um sonho, e em lodo desmanchadas... Que importa? dorme em paz, que o teu labor é findo! Nos campos, no pendor das montanhas fragosas, Como um grande colar de esmeraldas gloriosas, As tuas povoações se estenderão fulgindo! Quando do acampamento o bando peregrino Saía, antemanhã, ao sabor do destino, Em busca, ao norte e ao sul, de jazida melhor, No cômoro de terra, em que teu pé poisara, Os colmados de palha aprumavam-se, e clara A luz de uma clareira espancava o arredor. Nesse louco vagar, nessa marcha perdida, Tu foste, como o sol, uma fonte de vida: Cada passada tua era um caminho aberto! Cada pouso mudado, uma nova conquista! E enquanto ias, sonhando o teu sonho egoísta, Teu pé, como o de um deus, fecundava o deserto! 11

Olavo Bilac Morre! tu viverás nas estradas que abriste! Teu nome rolará no largo choro triste Da água do Guaicuí... Morre, Conquistador! Viverás quando, feito em seiva o sangue, aos ares Subires, e, nutrindo uma árvore, cantares Numa ramada verde entre um ninho e uma flor! Morre! germinarão as sagradas sementes Das gotas de suor, das lágrimas ardentes! Hão de frutificar as fomes e as vigílias! E um dia, povoada a terra em que te deitas, Quando, aos beijos do sol, sobrarem as colheitas, Quando, aos beijos do amor, crescerem as famílias, Tu cantarás na voz dos sinos, nas charruas, No esto da multidão, no tumultuar das ruas, No clamor do trabalho e nos hinos da paz! E, subjugando o olvido, através das idades, Violador de sertões, plantador de cidades, Dentro do coração da Pátria viverás!... Cala-se a estranha voz. Dorme de novo tudo. Agora, a deslizar pelo arvoredo mudo, Como um choro de prata algente o luar escorre. 12

Poesia E sereno, feliz, no maternal regaço Da terra, sob a paz estrelada do espaço, Fernão Dias Paes Leme os olhos cerra. E morre. PÁTRIA Pátria, latejo em ti, no teu lenho, por onde Circulo! e sou perfume, e sombra, e sol, e orvalho! E, em seiva, ao teu clamor a minha voz responde, E subo do teu cerne ao céu de galho em galho! Dos teus liquens, dos teus cipós, da tua fronde, Do ninho que gorjeia em teu doce agasalho, Do fruto a amadurar que em teu seio se esconde, De ti, rebento em luz e em cânticos me espalho! Vivo, choro em teu pranto; e, em teus dias felizes, No alto, como uma flor, em ti, pompeio e exulto! E eu, morto, sendo tu cheia de cicatrizes, Tu golpeada e insultada, eu tremerei sepulto: E os meus ossos no chão, como as tuas raízes, Se estorcerão de dor, sofrendo o golpe e o insulto! LÍNGUA PORTUGUESA Última flor do Lácio, inculta e bela, 13

Olavo Bilac És, a um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela... Amo-te assim, desconhecida e obscura, Tuba de alto clangor, lira singela, Que tens o trom e o silvo da procela, E o arrolo da saudade e da ternura! Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma, Em que da voz materna ouvi: meu filho!, E em que Camões chorou, no exílio amargo, O gênio sem ventura e o amor sem brilho! MÚSICA BRASILEIRA Tens, às vezes, o fogo soberano Do amor: encerras na cadência, acesa Em requebros e encantos de impureza, Todo o feitiço do pecado humano. Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza Dos desertos, das matas e do oceano: Bárbara poracé, banzo africano, E soluços de trova portuguesa. 14

Poesia És samba e jongo, chiba e fado, cujos Acordes são desejos e orfandades De selvagens, cativos e marujos: E em nostalgias e paixões consistes, Lasciva dor, beijo de três saudades, Flor amorosa de três raças tristes. O COMETA Um cometa passava... Em luz, na penedia, Na erva, no inseto, em tudo uma alma rebrilhava; Entregava-se ao sol a terra, como escrava; Ferviam sangue e seiva. E o cometa fugia... Assolavam a terra o terremoto, a lava, A água, o ciclone, a guerra, a fome, a epidemia; Mas renascia o amor, o orgulho revivia, Passavam religiões... E o cometa passava, E fugia, riçando a ígnea cauda flava... Fenecia uma raça; a solidão bravia Povoava-se outra vez. E o cometa voltava... Escoava-se o tropel das eras, dia a dia: E tudo, desde a pedra ao homem, proclamava A sua eternidade! E o cometa sorria... 15