AULA 5 MATERIAL E GEOMETRIA DA PEÇA
31 5. VARIÁVEIS INDEPENDENTES DE ENTRADA: MATERIAL E GEOMETRIA DA PEÇA 5.1. Material da Peça A indústria de usinagem produz uma variedade extremamente ampla de peças usinadas em materiais muito diferentes. Cada material possui suas características exclusivas que são influenciadas pelos elementos de liga, tratamento térmico, dureza, etc. A combinação desses influencia significativamente a escolha da geometria da ferramenta de corte, a classe e os dados de corte. As propriedades físicas, químicas e mecânicas do material da peça bruta (dureza, resistência à tração, composição química, inclusões, afinidade química com o meio lubrirrefrigerante ou com a ferramenta, microestrutura, encruamento etc.) podem ser especificadas ou previamente conhecidas. Normalmente, materiais com baixos valores de dureza permitem-se usinar com maiores parâmetros cinemáticos (velocidade de corte e avanço) e de profundidade, bem como obter longos tempos de vida da ferramenta e, consequentemente, altas taxas de remoção de cavacos a menores custos operacionais. Também se esperam baixas forças e potências de usinagem. Exceções são os materiais de baixa dureza e alta ductilidade, que tendem a formar cavacos longos, produzir rebarbas excessivas na peça usinada e gerar arestas postiças de corte nas ferramentas. Tais rebarbas exigem operações posteriores, aumentando assim os custos e o tempo de entrega. Materiais com baixa ductilidade e baixa dureza são, geralmente, de fácil usinagem, como é o caso do ferro fundido: os cavacos tendem a ser altamente segmentados e a energia necessária para a sua remoção é baixa. Alta condutividade térmica significa que o calor produzido na região de formação de cavacos é rapidamente conduzido para as imediações, longe da região de corte. Altos valores desse parâmetro são, em geral, desejados. Infelizmente, a condutividade do material usinado nem sempre é uma escolha do engenheiro de fabricação, embora se possam projetar algumas ligas para melhorar o desempenho dos processos de usinagem. De maneira bem geral e simplificada, podem-se classificar as ligas metálicas para usinagem na seguinte ordem: a) ligas de alumínio, de cobre e de magnésio; b) aços não ligados; c) ferros fundidos; d) aços ligados; e) aços inoxidáveis; f) ligas de alta resistência térmica e mecânica. A Figura 5.1 mostra alguns exemplos destes materiais. Embora nem todos os materiais usinados estejam na lista anterior, os que lá constam servem de comparação para estabelecer uma usinabilidade relativa. Analogamente, durante a usinagem dessas ligas, a vida da ferramenta piora na mesma proporção. Outra abordagem refere-se à classificação ISO, em que os materiais da peça foram divididos em seis grupos principais, de acordo com as suas propriedades exclusivas referentes à usinabilidade (Fig. 5.2): ISO P aços; ISO M aços inoxidáveis; ISO K ferros fundidos; ISO N materiais não ferrosos; ISO S superligas resistentes ao calor e titânio; ISO H aços endurecidos. Maiores detalhes na Aula 6. À medida que são deformados plasticamente, alguns materiais metálicos apresentam a característica de aumentar a sua resistência mecânica, o que pode ser denominado endurecimento por deformação ou encruamento. O nível de encruamento depende da taxa de deformação e da capacidade de endurecimento do material. Uma alta taxa de encruamento significa um rápido aumento de resistência em relação à taxa de deformação. Quando se formam cavacos, a taxa de deformação é localmente muito alta. Materiais com alta taxa de encruamento são os aços inoxidáveis austeníticos, com ligas de alta resistência térmica e mecânica. Aços-carbono, no entanto, são materiais com baixa taxa de encruamento.
32 (a) Liga de Alumínio 6061-T6 (b) Aço-carbono 1045 (c) Ferro Fundido Vermicular (d) Aço liga 4140 (Cr-Mo) (e) Aço Inox Austenítico (f) Liga Ti-6Al-4V Figura 5.1 Exemplos de ligas metálicas para usinagem (microscopia óptica com ampliação 500x). Figura 5.2 Classificação dos materiais conforme a norma ISO. Altas taxas de encruamento significam que mais energia é necessária para a remoção de material, levando a maiores forças e potencia de corte. Em geral, baixos valores de parâmetros cinemáticos e de profundidade devem ser usados para valores aceitáveis em termos de vida da ferramenta. Para materiais com altas taxas de encruamento, arestas de corte com geometrias afiadas são preferíveis para que se diminua a taxa de deformação, evitando-se, assim, o endurecimento. A microestrutura do material que está sendo usinado também desempenha um papel significativo no desempenho da operação de usinagem. Macroinclusões possuem tamanhos maiores que 0,15 mm. Elas são, em geral, duras e de caráter abrasivo, causando desgaste, ou mesmo avarias, à aresta de corte. Estas são mais frequentes em aços de baixa qualidade e devem ser evitadas para a maioria das aplicações. Previamente à operação de corte, o material pode ter sido laminado a quente, laminado a frio, normalizado, recozido ou temperado.
33 Por conta da longa exposição a altas temperaturas, acima da recristalização, a estrutura de um material laminado a quente é, em geral, heterogênea e grosseira. Já a laminação a frio, ou o trabalho a frio, é realizado em peças ou barras para uniformizar a microestrutura, ou mesmo provocar endurecimento quando o material e propenso ao endurecimento por deformação. O trabalho a frio, em geral, provoca aumento de dureza e redução na vida das ferramentas. Porém, pode levar à redução de rebarbas na peça e de aresta postiça de corte na ferramenta. A estrutura normalizada é aquela que passou por aquecimento na temperatura de austenização por tempo suficiente para uma completa normalização e foi resfriada até a temperatura ambiente. Isso resulta em uma estrutura mais fina e homogênea, que permite a usinagem com parâmetros de corte mais altos. A condição de material recozido é usada, na maioria das vezes, para a redução da dureza em um processo no qual as lamelas de cementita da estrutura perlítica são esferoidizadas. Isso provoca significativa redução de dureza e torna a estrutura menos abrasiva, aumentado assim a vida da ferramenta. A Figura 5.3a apresenta a microestrutura ferrítica/perlítica de um aço ABNT 1045 laminado a quente. Após o processo de recozimento de esferoidização, a microestrutura passa a ser constituída de carbonetos globulares dispersos em uma matriz ferrítica, como mostra a Figura 5.3b. (a) (b) Figura 5.3 Microscopia óptica do aço ABNT 1045: (a) microestrutura ferrítica/perlítica; (b) microestrutura obtida após recozimento de esferoidização. O propósito do recozimento e da normalização é o de alívio de tensões, e também de melhorar a usinabilidade de materiais. As tensões internas de uma peça são causadas pelos processos de fabricação da matéria-prima (como fundição e forjamento), bem como pela usinagem. Normalmente, estas tensões estão em um estado de equilíbrio, e quando certa quantidade de material é removida, a peça sai do estado de equilíbrio e deforma. Para evitar esta deformação, estas tensões internas devem ser aliviadas. Materiais com elevada dureza e/ou tenacidade são difíceis de usinar. Para melhorar a usinabilidade, efetuam-se certos tratamentos térmicos como o recozimento e a normalização em materiais ferrosos. A têmpera consiste do aquecimento da peça um pouco acima da temperatura crítica, e o resfriamento é feito em qualquer velocidade (p.ex. mergulho da peça em água ou óleo). O processo é largamente utilizado para melhorar as propriedades mecânicas (p.ex. dureza) de um material, principalmente ferrosos. Para materiais não ferrosos, como as ligas de alumínio, a têmpera também é utilizada para melhorar a usinabilidade e aliviar tensões internas. A têmpera é comumente incluída entre o semi-acabamento e o acabamento de peças de materiais ferrosos, pois a peça após a têmpera torna-se difícil de ser usinada. Pode ser usinada (acabamento) somente por operações com ferramentas abrasivas. Algumas vezes após a têmpera é feito o revenimento, isto entre o desbaste e o semi-acabamento. Isto porque o material não possuirá uma elevada dureza depois do tratamento térmico, e neste caso poderá
34 ser usinado no estágio de semi-acabamento. Para materiais não ferrosos, a têmpera é normalmente incluída entre o desbaste e o semi-acabamento, ou mesmo antes do desbaste. Já o endurecimento superficial é aplicado a peças tratadas termicamente, que requerem uma elevada dureza superficial. Dentre estes métodos, tem-se a cementação, a nitretação e a cianetação. A integridade superficial da peça previamente à operação de usinagem também pode ser significativa para o desempenho do processo. Superfícies forjadas ou fundidas muitas vezes são inevitáveis. Porém, as superfícies forjadas podem estar endurecidas, aumentando assim o desgaste das ferramentas da mesma forma que a presença de resíduos de areia de fundição acelera o desgaste abrasivo. Em muitos casos, a limpeza de superfícies antes da usinagem pode melhorar o corte. Os elementos de liga em um material a ser usinado são os principais responsáveis pela melhoria das propriedades físicas e mecânicas das ligas. Os principais elementos de liga adicionados ao aço para melhorar sua usinabilidade são: enxofre (S), selênio (Se), telúrio (Te), chumbo (Pb), bismuto (Bi), estanho (Sn), fósforo (P) e nitrogênio. Tais elementos, isoladamente ou formando compostos, interrompem a matriz ferrítica, austenítica ou martensítica do aço, facilitando a quebra do cavaco, a lubrificação da ferramenta e, consequentemente, diminuindo os esforços de corte. No entanto, essas mesmas qualidades que fazem os elementos de ligas adequados a componentes mecânicos de alta responsabilidade e desempenho em serviço, tornam os mesmos difíceis de usinar, uma vez que a formação de cavacos os leva a falha por ruptura ao cisalhamento. 5.2. Geometria da Peça A seleção dos processos de usinagem é feita com base na análise da capacidade do processo de executar o formato geométrico da peça com exatidão e acabamento requeridos. Processos de usinagem diferentes podem ser usados na usinagem de uma mesma superfície. Os fatores principais a serem considerados na seleção de um processo de usinagem são a forma, o tamanho, a precisão e o acabamento superficial da superfície, além da estrutura global da peça, seu peso e material, volume de produção, condições do chão-de-fábrica, etc. Inicialmente selecionam-se os grupos de processos compatíveis com o tamanho e a forma geométrica da peça a ser usinada (axissimétrica ou prismática 1 ) e com as possíveis características adicionais (furos, roscas, cavidades etc.). A Tabela 5.1 mostra os grupos conforme o formato superficial. Uma vez selecionado o grupo de processos de usinagem, a seleção final será feita com base no acabamento superficial e também nas tolerâncias dimensionais e geométricas requeridas. A geometria de uma peça (tamanho e forma) pode ser gerada através de processos anteriores, ou pode ser selecionada a partir da matéria-prima padrão para usinagem. Geralmente estas variáveis influenciam diretamente no processo de usinagem ou nos parâmetros que são selecionados, como por exemplo, a profundidade de corte. Não se pode esquecer jamais que as dimensões da área de trabalho da máquina-ferramenta devem ser maiores do que as maiores dimensões da peça. 1 Uma seção transversal que, ao girar em torno de um eixo, origina um sólido de revolução que corresponde a uma peça axissimétrica. Uma superfície prismática é aquela gerada por uma reta que se desloca paralelamente a si mesma acompanhando uma linha poligonal aberta ou fechada; prisma é o sólido limitado por uma superfície prismática fechada e por dois planos paralelos.
35 Tabela 5.1 Grupos de processos de usinagem de acordo com o formato desejado da peça AXISSIMÉTRICA Torneamento Retificação Brunimento Polimento Lapidação PRISMÁTICA Fresamento Retificação Brunimento Polimento Lapidação CARACTERÍSTICAS ADICIONAIS Furação Alargamento Mandrilamento Fresamento Retificação Brochamento Roscamento Peças similares (forma, dimensão, função etc.) podem ser agrupadas em famílias visando organizar o Sistema de Produção. A este conceito dá-se o nome de Tecnologia de Grupo (TG). 5.2.1. Peças similares a sólidos de revolução Peças axissimétricas similares a sólidos de revolução (eixos, engrenagens, polias, tampas) são as que, por exemplo, podem ser submetidas às operações de desbaste e acabamento em torneamento. Os fatores que devem ser considerados na escolha entre uma peça forjada ou de barra na confecção desses elementos de máquinas (sólidos de revolução) são: o cálculo dimensional; o sobrematerial a ser removido; a disponibilidade da máquina-ferramenta. Exemplos de peças axissimétricas com relação L/D (comprimento/diâmetro) grande: eixos, pinos e varões. Exemplos com L/D pequeno: engrenagens, polias, volantes e buchas. A Figura 5.4 mostra diferentes geometrias e superfícies de peças e componentes que podem ser obtidas através de operações de torneamento. Figura 5.4 Possíveis geometrias de peças fabricadas por torneamento. 5.2.2. Peças não similares a sólidos de revolução Peças não similares a sólidos de revolução são aquelas que, após a usinagem, apresentam superfícies prismáticas, ou seja, peças formadas por superfícies planas e/ou não axissimétricas. Exemplos de peças não similares a sólidos de revolução: carcaças, tampas e garfos. A Figura 5.5 mostra diferentes geometrias e superfícies de peças e componentes que podem ser obtidas através de operações de fresamento.
36 5.2.3. Peças especiais Figura 5.5 Possíveis geometrias de peças fabricadas por fresamento. As usinagens de materiais nas escalas micro e nanométrica estão sendo consideradas por muitos a chave para as futuras tecnologias. Além dos já conhecidos processos de litografia usados na fabricação de dispositivos eletrônicos, as tecnologias de micro e nanousinagem desempenham um papel importante na miniaturização das máquinas, com usos destacados em aplicações biológicas e médicas, sensores eletromecânicos, atuadores e microreatores químicos, entre outros (Fig. 5.6a). Por outro lado, a usinagem de peças muito grandes exige máquinas-ferramentas de grande porte e toda a rotina de trabalho diferenciada. Como parte desta rotina, podem-se citar as dificuldades de movimentação das peças em função da localização das faces e diâmetros a serem usinados com auxílio de operações com ponte rolante. Outro fator a ser considerado é que as peças são geralmente estruturas mecano-soldadas, necessitando de montagem posterior. A Figura 5.6b mostra um rotor de hidrelétrica fabricado a partir de um disco fundido maciço de aço inox martensítico; após a usinagem do perfil hidráulico, as meias-conchas que complementam a peça são fixadas por solda ao disco principal. (a) (b) Figura 5.6 Tamanhos e geometrias especiais obtidas em usinagem: (a) nanousinagem; (b) rotor de hidrelétrica.
37 5.2.4. Tecnologia de Grupo Na fabricação por usinagem, milhares de itens são produzidos anualmente. Quando se observa as peças que constituem um produto, o número é excepcionalmente elevado. Cada peça possui forma, tamanho e função diferentes. Entretanto, podem-se identificar similaridades entre estas peças. Por exemplo, engrenagens de dentes retos de tamanhos diferentes sofrem os mesmos processos de fabricação. Portanto, percebe-se que peças podem ser classificadas em famílias e isso propicia uma base de dados conveniente para ser gerenciada. Pode-se dizer que a Tecnologia de Grupo (TG) é a percepção de que muitos problemas são similares, e que agrupando problemas similares, uma solução única pode ser encontrada para um conjunto de problemas, poupando-se assim tempo e esforço. TG pode ser aplicada em áreas diferentes, tais como: projeto, planejamento da produção, planejamento do processo, escalonamento, inspeção, armazenamento, etc. No projeto de peças, inúmeras peças podem possuir uma forma similar (Fig. 5.7), e estas peças podem ser agrupadas numa família de projeto. Usando este conceito, pode-se identificar peças compostas, que englobam todas as features de projeto de uma família de projeto. Exemplo de peças compostas é dado na Figura 5.8. Figura 5.7 Família de projeto. Figura 5.8 Peças compostas.
38 Com relação à fabricação, peças que não são similares na forma podem, entretanto, ser fabricadas por processos de fabricação semelhantes. Um exemplo é dado na figura 5.9. Esta família é chamada de família de produção, e dela o planejamento do processo pode ser facilitado. Como processos de fabricação similares são necessários para todos os membros da família, uma célula pode ser agrupada para fabricar uma família de peças. Isto torna o planejamento e controle da produção bem mais simples, pois somente peças similares são fabricadas em cada célula. Este layout é chamado de layout celular. Figura 5.9 Família de produção. Cada célula consiste de alguns equipamentos, como máquinas-ferramentas com comando numérico, máquinas de medição por coordenadas, robôs, esteiras. Estas máquinas são agrupadas fisicamente para formar uma célula, e escalonadas como uma entidade. Uma célula pode ser considerada como uma fábrica, na qual entra a matéria-prima, e sai a peça (ou produto) acabado. Maiores detalhes na disciplina (ENG03387) SISTEMAS DE FABRICAÇÃO.