Flávio Augusto de Aguiar MORAES 1 Danúbia V. Rodrigues de Lima MORAES 2 Mauro Alexandre Fontes FARIAS 3 REVISTA TARAIRIÚ ISSN

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Transcrição:

A CERÂMICA DA TRADIÇÃO ARQUEOLÓGICA ARATU EM ALAGOAS: UM ESTUDO DO MATERIAL CERÂMICO COLETADO DURANTE A PESQUISA NO SÍTIO BAIXA DAS FLORES, LIMOEIRO DE ANADIA. Flávio Augusto de Aguiar MORAES 1 Danúbia V. Rodrigues de Lima MORAES 2 Mauro Alexandre Fontes FARIAS 3 1 (flavioaguiarac@gmail.com) Professor do Curso de História da Universidade Federal de Alagoas/Campus Sertão; Coordenador do Núcleo de Pesquisa e Estudos Arqueológicos e Históricos NUPEAH/UFAL-Campus Sertão, Brasil; Investigador do CIAS Centro de Investigação em Antropologia e Saúde Universidade de Coimbra; 2 (danubia.rodrugues2@gmail.com) Arqueóloga; pesquisadora do Núcleo de Pesquisa e Estudos Arqueológicos e Históricos NUPEAH/UFAL Campus Sertão, Brasil; Investigadora do CIAS Centro de Investigação em Antropologia e Saúde Universidade de Coimbra; 3 (maffontes@gmail.com) Professor do Colegiado de Arqueologia e Preservação Patrimonial da Universidade Federal do Vale do São Francisco; Pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Estudos Arqueológicos e Históricos NUPEAH/UFAL Campus Sertão. 281

A CERÂMICA DA TRADIÇÃO ARQUEOLÓGICA ARATU EM ALAGOAS: UM ESTUDO DO MATERIAL CERÂMICO COLETADO DURANTE A PESQUISA NO SÍTIO BAIXA DAS FLORES, LIMOEIRO DE ANADIA. RESUMO Este artigo tem por objetivo apresentar os resultados preliminares da análise realizada nos fragmentos de material cerâmico proveniente do sítio arqueológico Baixa das Flores. Este sítio localiza-se na zona rural do município de Limoeiro de Anadia, Agreste do estado de Alagoas, e a pesquisa foi solicitada e financiada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em virtude de ter sido encontrado um vasilhame cerâmico (urna funerária) quando do início da construção de uma residência. Os trabalhos foram desenvolvidos em meados de 2013 pela equipe no Núcleo de Estudo e Pesquisa Arqueológico- NEPA/ICS/UFAL da Universidade Federal de Alagoas. Além do material cerâmico também foi identificado outros elementos culturais que permitiram enquadrar as evidências do Sítio Baixa das Flores à Tradição Arqueológica Aratu. Foi realizada também datação absoluta em uma amostra e se obteve uma cronologia de 1.530 ± 30 (BETA 366251). PALAVRAS-CHAVES: Tradição Aratu, Urnas Funerárias, Sítio Baixa das Flores, Limoeiro de Anadia ABSTRACT This article aims to present the preliminary results of the analysis in the ceramic material from the archaeological site Baixa das Flores. This site is located in rural zone Limoeiro of Anadia county, Agreste of Alagoas state, and the research was requested by Historical and Artistic Heritage Institute because was found a ceramic container (funerary urn) when the start of construction of a residence. The work was developed in mid-2013 by the staff at Study Center and Archaeological Research-NEPA / ICS / UFAL the Federal University of Alagoas. In addition to the ceramic material was also identified other cultural elements that have allowed the evidence to frame the Lower Where the Flowers Tradition Archaeological Aratu. It was also held absolute dating of a sample and had a chronology of 1.530 ± 30 (BETA 366251). KEY-WORDS:Tradition Aratu, Urns Funeral Home, Site Baixa das Flores, Limoeiro de Anadia 282

1. INTRODUÇÃO Os estudos realizados no sítio arqueológico Baixa das Flores se deram em virtude da identificação de um recipiente cerâmico contendo restos ósseos (humanos) por parte de trabalhadores que escavavam a área para dar início à edificação de uma residência. O sítio localiza-se no município de Limoeiro de Anadia, Agreste do estado de Alagoas, e dista cerca de 120 km da capital Maceió (figura 1). Este estudo foi uma iniciativa da Superintendência Estadual do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em Alagoas, que após comunicado da existência do sítio arqueológico procedeu com a captação de recursos, possibilitando a realização das pesquisas. Vale salientar ainda, a sensibilidade da proprietária do terreno que ao perceber a presença do vasilhame cerâmico paralisou a obra de construção de sua casa, impedindo que o mesmo fosse destruído completamente. Figura 1. Mapa de localização da área de pesquisa. 283

O sítio está assentado sobre uma pequena planície, próximo ao curso do rio Coruripe. Esta região possui solo fértil e em tempos pretéritos, a vegetação, peixes e animais eram abundantes. A população ali instalada poderia valer-se dos diversos recursos, tanto da floresta, quanto do cerrado. Esta descrição assemelha-se a de Calderón (1971:156), que, ao referir-se aos sítios da Tradição Aratu, afirmou que estes apresentam-se em pequenas planícies, sobre elevações, sempre próximo a fontes de água. A pesquisa no sítio Baixa das Flores foi realizada pela equipe do Núcleo de Estudo e Pesquisa Arqueológico NEPA/ICS/UFAL, e teve por objetivo proceder com o salvamento do patrimônio arqueológico, permitindo uma caracterização detalhada dos aspectos tecnológicos e espaciais, e assim contribuir para a ampliação do conhecimento acerca dos povos vinculados a Tradição Arqueológica Aratu no estado de Alagoas. A partir das escavações realizadas no sítio e de prospecções em seu entorno, foi possível localizar áreas específicas de atividade, áreas de captação de matéria-prima para a confecção de artefatos líticos, além das estruturas de habitação (EH) 4 e o pátio central da aldeia indígena, onde foram identificadas urnas funerárias, que ainda continham, bem preservados, material ósseo em seu interior. As informações coletadas permitiram vincular a cultura material identificada no sítio Baixa das Flores a Tradição Arqueológica Aratu, e tais evidências serão apresentadas e discutidas mais adiante, com base nos estudos realizados por Calderón (1968, 1969, 1971), Prous (1992), Martin (2008) e Fernandes (2002, 2011). Contudo, iremos nos deter à apresentação dos resultados preliminares obtidos a partir da análise do material cerâmico. 2. ÁREA DE PESQUISA: LIMOEIRO DE ANADIA A cidade de Limoeiro de Anadia está situada na região central do Estado de Alagoas, limita-se a norte com os municípios de Taquarana e Coité do Nóia, a 4 As estruturas de habitação são áreas específicas dentro do sítio arqueológico, caracterizadas por sedimento orgânico, de cor escura e concentração de artefatos, tanto em superfície quanto em subsuperfície. Segundo Fernandes (2011: 13), estas manchas com tonalidade diferenciada, foram deixadas pelas malocas e pode-se observar três formas de disposição destas: grandes casas agrupadas na forma de um aldeamento anel contornando uma praça central; manchas linhadas; ou apenas uma mancha formando o assentamento. 284

sul com Junqueiro, a leste com Campo Alegre e Anadia e a oeste com Arapiraca. Sua área municipal ocupa 334,41 km 2 (1,20% de AL). O sítio Baixa das Flores está localizado na zona rural do município de Limoeiro de Anadia, este que teve sua emancipação apenas na segunda metade do século XX, por volta de 1952. Os primeiros colonizadores, possivelmente, foram atraídos pelas vastas planícies e boa produtividade do solo, pois, conforme Tenório (2006) afirma: (...) os colonizadores, seguindo o curso daquele rio São Miguel -, encontraram adiante nativos e ficaram na opinião de Torquato Cabral, seduzidos pelos encantos de suas planícies, a fecundidade do seu solo e a exuberância de seus vegetais (TENÓRIO, 2006:304). Outro importante fator para o processo de ocupação da região pelos portugueses no Brasil foi a religiosidade. Em todas as povoações recém-criadas, a fé católica era fundamental. A capela era símbolo indispensável para a propagação da fé e demarcação dos novos territórios conquistados. Em Limoeiro de Anadia, a capela teve sua construção iniciada em 1798, com recursos e mão de obra de responsabilidade do Capitão Antônio Rodrigues, que a construiu ao lado da sua residência. A historiografia recente coloca o Capitão Antônio Rodrigues como fundador do município. Sua trajetória na localidade inicia-se no século XVIII onde compra duas propriedades (ambas pertencentes hoje aos municípios de Taquarana e Coité do Nóia). Passa a viver com sua família e escravos, provenientes também de Taperaguá, povoação de Santa Maria Madalena de Alagoas do Sul (atual cidade de Marechal Deodoro): Em 1798, havendo o proprietário Antônio Rodrigues da Silva edificado para uso de sua família e moradores de sua fazenda uma capela coma a dupla invocação de Santa Cruz e Nossa Senhora da Conceição do Limoeiro, obteve licença do Prelado Diocesano para que o pároco de São Miguel dos Campos, a cuja freguesia era então sujeita esta localidade (...) 5 5 Apontamentos Históricos da Freguesia de Limoeiro, comunicação lida em sessão do IAGA, em 1881 (inédito do Arquivo do Instituto). 285

No século XIX a região teve sua época de apogeu econômico com a plantação do açúcar, repleto de grandes sobrados e casas-grandes de famílias abastadas. A documentação oficial aponta para dois tipos de engenho muito comuns: os trapiches movidos por bois ou cavalos; e os engenhos reais movidos pela força d água (ESPÍNDOLA, 1994: 59). A historiografia relacionada a este município é rara, sobretudo quando se refere às populações indígenas que habitaram a região. Destarte, é possível encontrar informações nas fontes primárias relacionadas à Anadia, município do qual Limoeiro fez parte até ser elevada à categoria de cidade. 3. A PRESENÇA INDÍGENA EM ALAGOAS E A TRADIÇÃO ARATU No que se refere as culturas indígenas que habitaram a região onde hoje se encontra o município de Limoeiro de Anadia, pouco se conhece. Os documentos referentes às comunidades nativas locais são escassos e os trabalhos arqueológicos, embora tenham sido iniciados em 1873 pelo Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano 6 (IAGA), pouco nos informa sobre as características dos grupos que habitaram o território na época pré e pós-cabral; no entanto, os relatórios apresentados consistem numa importante fonte, que nos revela informações úteis para compreender o potencial arqueológico da região. A presença indígena na área que futuramente seria chamada de Alagoas remete a tempos pré-históricos, como pode ser observado nos documentos e relatos dos cronistas que por essa região passaram no início da colonização europeia, bem como na cultura material resultante de pesquisas arqueológicas, que apontam para cronologias mais recuadas que a presença europeia em território alagoano (PINTO, 1938; BARLÉU, 1950; CARDIN, 1978; GÂNDAVO, 1995). Nos relatórios produzidos durante os anos de 1873 e 1874, João Francisco Dias Cabral, secretário perpétuo do IAGA, esclarece sobre as jazidas indígenas situadas no sítio Taquara, região próxima à Limoeiro. Ele relata que a mais de 100 anos foi aberta uma grande parte de mata virgem para a instalação do sítio. Mediante a exploração agrícola do solo, foi descoberta a presença de ossadas 6 Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IGHAL). 286

indígenas, junto com pequenos objetos de ornato de pescoço. Devido certa proximidade dos achados arqueológicos junto ao rio Coruripe, os desbravadores deduziram que os artefatos pertenciam aos Caetés, que viviam na região da atual cidade de Coruripe, litoral sul alagoano. Por motivos de conflitos com outras tribos ou com colonizadores, esses índios teriam saído do litoral em direção ao interior do estado. Vale ressaltar, que essas deduções são meramente especulativas, somente estudos aprofundados na região podem futuramente possibilitar inferências a esse respeito. Outras descobertas se sucederam em 1874, na Chã da Cajazeira, ainda dentro dos imites territoriais de limoeiro de Anadia, proprietários que desmatavam a floresta para plantar algodão, descobriram diversas fôrmas de tamanhos variados. Sobre este fato ele escreve: O achado moveu a curiosidade e no fundo das fôrmas encontraram os pesquisadores ossos humanos com fragmentos, raros esqueletos de cócoras que perdiam a posição ao menor abalo, sendo ainda encontrados de mistura com esses restos diversos objetos de uso ordinário entre os indígenas (CABRAL, 1874). O jornal Liberal de Alagoas divulgou o ocorrido em julho do mesmo ano com a grande repercussão, o Instituto arqueológico e geográfico alagoano coletou o material, o secretário perpétuo do instituto fez a descrição dos objetos: A fôrma grande e cônica se parece com jarras antigas de nossas olarias, oferecendo da base ao ápice e de diâmetro 3 palmos e meio, é a igaçaba ou urna funerária; a pequena parecendo ter de altura dois palmos, constituindo a tampa da fôrma grande e ambas se adaptam pelas bocas, indo as beiras da tampa repousar na grande circunferência da urna, meio palmo além da abertura. Ambos os vasos são de argila e sem lavores (CABRAL, 1874). Os povos indígenas relacionados à Tradição Arqueológica Aratu, a julgar pela cultura material encontrada em diversas áreas, foram responsáveis por cobrir grande parte da extensão geográfica do Nordeste, incluindo Alagoas, especialmente os municípios de Palmeira dos Índios, União dos Palmares, Anadia, Limoeiro de Anadia, dentre outras (CALDERÓN, 1969, 1971; ALLEN, 2000; MARTIN, 2008; OLIVEIRA, 2000; PROUS, 1992). 287

Na região entre o litoral e a Zona da Mata do estado de Alagoas os sepultamentos relacionados aos índios de Tradição Aratu geralmente são encontrados com duas urnas associadas (MARTIN, 2005:209). Para esses sítios Alfredo Brandão (1937), em Escripta Prehistorica do Brasil, descreve um cemitério indígena encontrado no município de Palmeira dos Índios, onde aponta para cerâmicas de paredes grossas sem decoração, acinzentada, formando parte de grandes vasos e chã de cacos, que cobriam amplas extensões. A Tradição Aratu é definida, ao menos em linhas gerais, pela sua tecnologia relacionada a recipientes cerâmicos, particularmente urnas funerárias (figura 2), bem como a padronização de suas aldeias e contexto funerário bem demarcado (CALDERÓN, 1969, 1971; FERNANDES, 2011). Figura 2. Desenho esquemático feito de uma das urnas coletadas no sítio baixa das Flores (urna 5). De acordo Fernandes (2011: 4), tais grupos indígenas produtores dessa cultura material não foram contatados pelo elemento colonizador, tendo se extinguido ou se transformado muito antes e até o momento, não há informações contundentes e bem detalhadas que indique contemporaneidade entre ambos. Segundo Schmitz et al. (1982), a cerâmica dos povos da Tradição Aratu era simples, produzida na maioria das vezes com antiplástico mineral e formas tanto esféricas quanto ovóides grandes, com raros casos de decorações 288

plásticas ou pintadas (SCHMITZ et al 1982). Para Calderón (1969), a cerâmica era simples, sem pintura e com engobo grafite, apresentava formas globulares e hemisféricas, bordas com inclinação interna ou externa e lábios arredondados, biselados ou apontados (CALDERÓN, 1969). 4. APORTES TEÓRICO METODOLÓGICOS Os estudos arqueológicos que deram maior enfoque aos artefatos cerâmicos no nordeste brasileiro foram iniciados por volta da década de 70, do século XX, através do PRONAPA 7. Estes estudos tinham por objetivo obter um panorama geral da pré-história através de elementos presentes nos contextos arqueológicos. Mas, foi através da cultura material, sobretudo dos artefatos cerâmicos, que eles encontraram fortes elementos que possibilitaram compreender as características culturais de determinados grupos. De acordo com Nascimento et al (1990) as pesquisas realizadas por este programa demonstraram que, Na maioria dos casos, os vestígios cerâmicos tornaram-se o elemento essencial para caracterizar culturas pré-históricas de grupos coletores com agricultura incipiente de grupos horticultores. (NASCIMENTO; ALVES; LUNA, 1990:105). Os artefatos cerâmicos, naquele período, foram classificados em fases 8 arqueológicas de acordo com os critérios estabelecidos pelo programa (PROUS, 1992), e, além disso, como afirmado na citação anterior, se tornaram um poderoso instrumento caracterizador de aspectos culturais de grupos na préhistória. O objetivo do PRONAPA era conhecer a potencialidade arqueológica de uma região para desenvolver futuras abordagens. As áreas definidas para as pesquisas arqueológicas eram escolhidas, sobretudo em função das bacias hidrográficas. Coletar artefatos culturais através da abordagem em termos de prospecções de superfície e subsuperfície. O procedimento de escavação e coleta 7 Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas. 8 As Fases foram definidas a partir das sequencias seriadas, que representariam fases ou culturas. Elas seriam caracterizadas por tipos específicos de artefatos, padrões de habitação, com complexo cerâmico, relacionado no tempo e no espaço, num ou mais sítios. Essas fases no PRONAPA foram estabelecidas primeiramente por coleções de superfícies e características da cerâmica. As tradições eram estabelecidas pelas características das fases e designavam uma unidade cultural mais ampla que uma fase, cobrindo uma área e/ou um tempo maior de duração. 289

era realizado por níveis artificiais de 10 em 10 cm; analisadas em laboratório e os dados resultantes submetidos a interpretações propostas método Ford. Atualmente, um dos objetivos principais das pesquisas arqueológicas realizadas no Nordeste brasileiro é a identificação dos grupos étnicos que habitaram a região. Para se alcançar tal objetivo, os arqueólogos trabalham com uma linha de pesquisa que visa descobrir através da tecnologia empregada na confecção dos vários artefatos arqueológicos encontrados nos sítios quais são as culturas préhistóricas que a realizaram. Assim, cada vestígio arqueológico apresentará um perfil técnico. A elaboração e reunião de um conjunto de perfis técnicos de vários artefatos arqueológicos dos sítios de uma mesma região caracterizará um perfil tecnológico. A finalidade de se ter um dispositivo como caracterizador, o qual é denominado de perfil técnico, é a possibilidade, de forma sistematizada, de realizar comparações entre os sítios arqueológicos e contribuir para a caracterização dos diferentes grupos étnicos que habitaram o Nordeste do Brasil (ALVES, 1990). Nos últimos anos, a preocupação dos arqueólogos e pesquisadores dos grupos pré-históricos que ocuparam o Nordeste do Brasil é acrescentar e/ou relacionar, com a variável tecnológica, um maior número de outros componentes ao estudo dos vestígios arqueológicos para se determinar quais os grupos culturais e/ou étnicos. O fim último de análise dos produtos técnicos, e por isso mesmo culturais, de uma dada sociedade pré-histórica é a sua caracterização étnica. Essa perspectiva analítica não incorre no erro de analisar os elementos da cultura material isoladamente, mas dentro de uma estrutura em que: os componentes estão dinamicamente interligados formando um conjunto coeso, sendo que qualquer modificação em um desses componentes provoca um efeito nessa estrutura (NASCIMENTO; LUNA, 1994). Além dos trabalhos citados acima, empregados nesta análise, também utilizamos como referência os trabalhos de Alves (1990), Nascimento e Luna (1994), Fontes (2003) e de Nogueira (2011), e levamos em consideração os seguintes elementos técnotipológicos: pasta, tratamento de superfície (interno e externo), técnica de manufatura, tipo de queima, morfologia da borda, morfologia do bojo, morfologia da base, morfologia do apêndice. 290

O registro arqueológico possui um sentido mais amplo quando analisado a partir de seu contexto espacial. Artefatos, obras de arte, estruturas arquitetônicas, restos ósseos (humanos ou não), amostras de flora, registros rupestres, fragmentos cerâmicos, enfim, todos os vestígios da cultura material produzida pelas sociedades do passado, bem como de elementos do ambiente, têm seu caráter informativo diminuído, quando dissociado de seus contextos espaciais. Lewis R. Binford (1983), 9 ao estudar os vestígios arqueológicos procura quais são os fatores que afetam o modo como as pessoas estabelecem, organizam, usam e fazem a manutenção de um determinado local. Para alcançar tal objetivo busca informações dos processos de formação dos sítios, pois os estratos arqueológicos podem representar variadas atividades realizadas. Esses processos de formação dos sítios, segundo o referido autor, se encontram organizados por componentes ou por módulos, que por sua vez, estão relacionados com os conceitos de atividade, caixa de ferramenta e de área de atividade 10. As áreas de atividades são lugares, instalações ou superfícies em que ocorrem as atividades tecnológicas, sociais ou rituais (BINFORD, 1983: 184). A partir da distribuição espacial dos vestígios arqueológicos encontrados no sítio Baixa das Flores, delimitamos os espaços de ocupação. Estes espaços foram denominados de espaço cotidiano, cerimonial, oficina, habitacional, funerário, doméstico, individual e coletivo. Portanto, fragmentaremos os sítios em várias partes que no final formarão um espaço único de ocupação mais abrangente denominado de o sítio. Este por sua vez, terá o papel de definidor de um grupo cultural, pois a forma como o espaço foi ocupado ao longo do tempo pelos vários grupos humanos do passado é um indicador étnico e/ou cultural. Para a definição dos vários espaços de ocupação dentro de um mesmo sítio utilizamos como caracterizadores: o vestígio em si mesmo e sua 10 Uma caixa de ferramentas é o conjunto de utensílios usados na execução de uma determinada tarefa. Uma atividade é um conjunto integrado de tarefas desempenhadas, de um modo geral, segundo uma sequência temporal, e sem interrupção. Tarefas idênticas podem fazer parte de atividades diferentes: por exemplo, a tarefa de cortar a carne tanto pode fazer parte da atividade de esquartejamento como da de preparação da carne para ser cozinhada ou comida. In: BINFORD, Lewis R.. Em Busca do Passado: A Descodificação do Registro Arqueológico. Lisboa. Publicações Europa-América. Coleção Fórum da História n 13. 1983. pág. 184. 291

distribuição, e a tecnologia que foi empregada para a confecção dos artefatos arqueológicos. A localização espacial dos vários vestígios arqueológicos dentro do sítio foi um indicador das práticas culturais. A relação entre a distribuição espacial dos vestígios e a técnica empregada para a confecção dos vários objetos tornou o espaço informativo, pois este não será mais espaço geométrico, mas espaço de produção de consumo; espaço de produção de instrumentos; espaço para dormir; espaço de comunicação entre as habitações; espaço das sepulturas; espaços vazios; espaços habitacionais; espaço de rituais; espaços de conservar ou guardar alimentos e/ou água, resumindo: espaços de acontecimentos e de atividades. No que se refere a espacialidade horizontal dos elementos arqueológicos no sítio Baixa das Flores, foi realizado um mapeamento com a utilização de uma estação total com o objetivo de perceber a dispersão desses elementos na área do sítio. 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO Para esta pesquisa dispomos de uma amostra de 4.615 fragmentos cerâmicos, sendo 1.346 provenientes das áreas delimitadas como estruturas de habitação, e 3.269 coletados fora dos limites das estruturas de habitação. Na análise de composição da pasta do universo amostral da cerâmica do Sítio Baixa das Flores, foram observados três tipos de texturas: grosso, médio/grosso e fino/média. Percebemos uma diferença significativa no tipo de pasta entre os fragmentos coletados dentro dos limites da estrutura de habitação 11 e os coletados fora desse limite, independentemente de sua localização vertical (gráfico 1). 11 As estruturas de habitação foram definidas tomando por base a variação cromática do sedimento (terra preta Munsell 10 yr 2/2), associada a presença artefatos em maior densidade, em uma determinada área. 292

FREQUÊNCIA DOS TIPOS DE PASTAS Grossa Média / Grossa Fina / Média Fora do Piso 5% 38% 57% Piso de ocupação 1% 40% 59% Gráfico 1. Frequência dos tipos de pastas. Na estrutura de habitação há uma maior frequência de fragmentos que apresentaram uma textura fina/média. Isto pode estar correlacionado as funções exercidas dentro da estrutura de habitação, atividades cotidianas de alimentação por exemplo, que requer a utilização de vasilhames cerâmicos específicos para essa função. Já as áreas localizadas fora das estruturas de habitação estavam provavelmente destinadas a outras práticas, tais como a funerária e festividades, logo as cerâmicas oriundas desses locais deveriam possuir uma pasta mais resistente (pasta média/grossa), já que os vasilhames eram maiores (figura 3). 10cm Figura 3. Fragmento de material cerâmico com pasta apresentando aditivos fino/médio. 293

No que diz respeito ao tratamento de superfície, foram identificadas as seguintes técnicas: alisado (figura 4) e alisado com grafite 12. Figura 4. Fragmento de bojo, cerâmica com superfície alisada. Os fragmentos que apresentaram grafite, em sua maioria, foram oriundos das estruturas de habitação (gráfico 2). FREQUÊNCIA DE FRAGMENTOS DE CERÂMICA GRAFITADA Piso de Ocupação Fora do Piso de Ocupação 9% 91% Gráfico 2. Frequência de fragmentos de cerâmica grafitada. 12 Brunido: ação que busca dar um acabamento finíssimo à superfície da parede com uso de instrumental, ou a aplicação de algum ingrediente aplicado à superfície, enquanto ainda quente a peça. LA SALVIA, F., BROCHADO, J.P. Cerâmica Guarani. Porto Alegre: Posenato Arte e Cultura, 1989. Pág.18. Grafitado: tipo de tratamento impermeabilizante que consiste na aplicação de grafite à superfície do vasilhame. Igor Chmyz, "Terminologia arqueológica brasileira para a cerâmica", Cadernos de Arqueologia, v. 1, n. 1 (1976). 294

A amostra apresentou dois tipos de lábios: lábio plano e lábio arredondado. Contudo, o lábio arredondado apresentou uma maior frequência, independentemente da localização do/no sítio (gráfico 3 e figura 5). De acordo com Calderón (1969) o lábio das urnas recebe, invariavelmente, um acabamento arredondado: Bordas direta, inclinadas internas e externamente, com lábio arredondado, biselados ou apontados são norma nos diversos tipos de vasos. [...] Algumas tigelas apresentam bordas onduladas, às vezes formando bicões espaciados, equidistantes ou não, reforçados internamente em forma muito características. (CALDÉRON, 1969:16). A citação faz menção aos sítios encontrados por Calderón na Bahia, mas confirma que algumas características tipológicas, relacionadas a tradição Aratu, encontra-se presente em diversos contextos arqueológicos no Nordeste do Brasil. FREQUÊNCIA DOS TIPOS DE LÁBIO Lábio Plano Lábio Arredondado Fora da Estrutura de Habitação 3% 97% Estrutura de Habitação 2% 98% Gráfico 3. Frequência dos tipos de lábio. 295

Figura 5. Fragmento de borda com lábio arredondado. A morfologia das bordas apresentou uma alta frequência de bordas diretas, tanto na estrutura de habitação como fora dela. Apenas um fragmento relacionado a uma borda extrovertida foi identificado, este, provavelmente, pertencente a uma pequena tijela, a julgar pela experssura do fragmento. Ainda em relação aos fragmentos de borda, percebemos que a espessura apresentou certa uniformidade fora das estruturas de habitação, geralmente entre 5 a 10mm. Dentro da área delimitada como estruturas de habitação, no entanto, a espessura variou entre - <3 mm, de 3 a 5mm, de 5 a 10mm, que demonstra que nestes locais eram realizadas atividades variadas com os objetos cerâmicos. A técnica de manufatura predominante no sítio em estudo foi a roletada. A grande frequência de fraturas nos roletes tornou possível observar as marcas em positivo e negativo nas paredes dos fragmentos. Esta técnica de confecção de vasilhames cerâmicos é realizada através da superposição dos roletes de argila, a partir de uma base, em forma de anéis ou espirais. No entanto, para que isto pudesse ser realizado, os povos pertencentes à tradição da cultura material Aratu faziam a captação de argila no curso d água próximos, sendo possível ter sido utilizado como fonte de matéria-prima as margens do Rio Coruripe, já que este encontra-se próximo do sítio arqueológico (cerca de 600 metros), e até pouco tempo servia como fonte para os artesãos de cerâmica na região. Após a captação, a argila era submetida a um processo que denominamos aqui como retirada de impurezas, onde havia a separação dos detritos como, vegetais 296

minerais e seixos. A sobreposição dos roletes fazia parte do processo para que o artesão pudesse alcançar a forma do vasilhame desejado. Assim, classificamos o processo operacional dos vasilhames da seguinte forma: Processo Operacional dos vasilhames cerâmicos no Sítio Baixa das Flores 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo da cultura material indígena, de acordo com B. Ribeiro (1986 apud Vidal e Silva, 1995:376) deve procurar apresentar a diversidade de informações contidas nos artefatos, sendo mais importante quando este se encontra inserido no seu contexto ecológico e cultural, pois é capaz de apontar subsídios importantes sobre a sociedade indígena. Os artefatos arqueológicos são produtos das atividades cotidianas e cerimoniais das sociedades pretéritas. Cada vestígio arqueológico é um produto técnico e é através desses objetos que se pode obter dados ou informações para conhecer e/ou compreender a pré-história das sociedades. Nas sociedades pretéritas - que conheciam a técnica de manufatura cerâmica - independentemente do seu grau de complexidade cultural alcançada, as peças cerâmicas faziam parte de quase todos os momentos da vida cotidiana e cerimonial. Sua utilização não era restrita as atividades cotidianas (armazenar, 297

conservar, preparar, transportar ou servir comida). Elas eram usadas também, como objeto cerimonial, funerário, lúdico, e adorno. A distinção na técnica de confecção dos objetos cerâmicos (pasta e tratamento de superfície) entre as cerâmicas coletadas na área interna e externa da habitação do sítio Baixa das Flores permitiu interpretar que as cerâmicas de uso cerimoniais colocavam em comunicação eventos ou pessoas distantes no tempo e espaço (os mitos; o ritual; visível e o invisível); estes objetos possuem uma carga simbólica ou uma conotação distinta que os diferencia culturalmente (ideologias) dos demais objetos. Assim, o grupo ceramista do sítio Baixa das Flores desenvolveu um modo diferente, peculiar, singular de construir seus objetos cerâmicos, tanto os utilizados no cotidiano como os utilizados nas atividades cerimoniais. Cerâmicas cotidianas e cerâmicas cerimoniais são categorias culturais dos objetos cerâmicos do sítio Baixa das Flores. Deste modo, entendemos que os artefatos cerâmicos aqui apresentados são detentores de diversos significados (técnicos, estéticos, simbólicos). A análise dos artefatos cerâmicos associados às estruturas de habitação nos permite conjecturar que estes vasilhames exerciam funções diversificadas, além das funções domésticas. Porém, comparativamente com os artefatos que se encontravam fora dos limites das estruturas de habitação, se percebe uma diferença na composição da argila, notadamente na pasta (antiplástico) e no tratamento de superfície, que indicam a distinção de funcionalidade e utilização desses vasilhames. No sítio Baixa das Flores algumas atividades foram realizadas separadas espacialmente: lugares cerimoniais (urna funerária fora da área de habitação) e cotidianos (cerâmicas na área interna da habitação). Essa diferenciação das atividades por áreas cerimoniais e cotidianas deu origem a uma distribuição diferencial dos tipos de utensílios pela área ocupada, como consequência dos diferentes usos que foram feitos no decurso das atividades realizadas no sítio Baixa das Flores. Isso não quer dizer que se dê uma separação espacial constante de todas as atividades em áreas mutuamente exclusivas, mas apenas que algumas das atividades ocorram em espaços distintos pelo menos algumas vezes. Os grupos humanos que ocuparam o sítio Baixa das Flores tinham sua própria maneira (culturalmente determinada) de pensar e ordenar o espaço, 298

tanto na escala micro (sítio arqueológico) quanto na escala macroespacial (implantação do sítio no ambiente e/ou paisagem). Essa maneira própria seria um marcador cultural, ou seja, uma característica, dentre outras, que os distinguiria enquanto sistema sociocultural. AGRADECIMENTOS Ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional pelo financiamento das pesquisas realizadas no sítio Arqueológico Baixa das Flores, e a todo o apoio e disponibilidade da proprietária do terreno, sra. Sidirlene Vieira, onde está localizado o sítio arqueológico aqui estudado. REFERÊNCIA ALLEN, S. J. 2000. Identidades em Jogo: Negros, Índios e a arqueologia na Serra da Barriga. In: L. de Almeida; M. Galindo e J. Elias (Eds.). Índios do Nordeste: Temas e Problemas 2. ANTUNES, C. 1984. Índios de Alagoas Documentário. Maceió: Edufal. ALVES, C. 1990. A Cerâmica Pré-histórica no Brasil: Avaliação e Proposta. Dissertação de Mestrado em História. Universidade Federal de Pernambuco. Recife BARBOSA, G. F.; 2011. Fragmentos de uma História Índios, brancos e negros no processo de construção da identidade sócio-econômica e política de Limoeiro de Anadia. BARLÉU, G. 1940. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil, sob o governo de João Maurício, Conde de Nassau. Rio de Janeiro: Ministério da Educação. BINFORD, L. R. 1983. Em Busca do Passado: A Descodificação do Registro Arqueológico. Lisboa. Publicações Europa-América. Coleção Fórum da História n 13. CABRAL, J. F. D. Revista do IAGA n 6, 1874. CALDERÓN, V. 1968. A Fase Aratu no recôncavo litoral norte do estado da Bahia. Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas - PRONAPA. Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi. CALDERÓN, V. 1969. Nota Prévia Sobre Arqueologia das Regiões Central e Sudoeste do Estado da Bahia. Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas - PRONAPA. Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi. CALDERÓN, V. 1971. Breve Notícia da Arqueologia de Duas Regiões no Estado da Bahia. Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas - PRONAPA. Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi. CARDIM, F. 1978. Tratado da terra e gente do Brasil. 3. ed. São Paulo: Nacional. FERNANDES, H. L. A. 2002.Tafonomia comparada em urnas Aratu (Piragiba e São Félix do Coribe, Bahia). In: Revista Canidé, nº 02. Aracaju. FERNANDES, H. L. A. 2011. As Laminas de Machado Lascas Aratu de Piragiba BA. Tese de Doutorado ao programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFBA. FONTES, M. A. F. 2003. A Cerâmica Pré-Histórica da Área Arqueológica do Seridó/RN. Dissertação de Mestrado. Recife: Programa de Pós-Graduação em História, Centro de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Pernambuco/UFPE. FONTES, M. A. F. 2006. O perfil cerâmico cotidiano e cerimonial dos sítios arqueológicos da Pedra do Alexander, Casa de Pedra e Pedra do Chinelo RN. Revista CLIO Série Arqueológica. n.21. v. 1. Recife: EDUFPE, 2006. 299

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