Valorização do patrimônio científico e tecnológico brasileiro: objetos da área nuclear, levantamento e inventário como forma de preservação 1



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Transcrição:

Valorização do patrimônio científico e tecnológico brasileiro: objetos da área nuclear, levantamento e inventário como forma de preservação 1 Claudia Penha dos Santos (Museu de Astronomia e Ciências Afins - MAST) Zenilda Ferreira Brasil (Museu de Astronomia e Ciências Afins - MAST) Marcus Granato (MAST e Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio) Resumo: Esse trabalho apresenta uma iniciativa de pesquisa e documentação do patrimônio científico e tecnológico brasileiro, a partir de levantamentos realizados numa série de instituições relacionadas à energia nuclear no país (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares; Indústrias Nucleares do Brasil (sede) e Unidades Resende, Buena, Caldas e Caetité; Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear; Instituto de Radioproteção e Dosimetria; Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A.; Eletronuclear; Instituto de Engenharia Nuclear; Centro Brasileiro de Pesquisa Físicas; Comissão Nacional de Energia Nuclear e o Centro Tecnológico da Marinha de São Paulo). É discutido, inicialmente, o que constitui patrimônio de C&T e suas iniciativas de preservação para, em seguida, abordar a elaboração do inventário como instrumento de documentação e preservação de acervos de objetos da área nuclear. Finalmente, são apresentados casos especiais de grandes conjuntos, encontrados durante os levantamentos realizados, e que determinaram questionamentos sobre as possibilidades de sua preservação. Palavras-chave: Patrimônio. Ciência e tecnologia. Documentação. Inventário. Preservação. Energia nuclear. Abstract: This paper presents a project for the research and documentation of Brazilian science and technology (S&T) heritage, based on surveys made at several institutions involved in nuclear energy in the country (Institute of Energy and Nuclear Research; Indústrias Nucleares do Brasil (head office) and the Resende, Buena, Caldas and Caetité units; Center for the Development of Nuclear Technology; Institute of Radioprotection and Dosimetry; Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A.; Eletronuclear; Institute of Nuclear Engineering; Brazilian Physics Research Center; National Nuclear Energy Commission and São Paulo Naval Technology Center). The paper begins by discussing what is meant by S&T heritage and the initiatives being taken to preserve it. It then discusses the preparation of an inventory with the purpose of documenting and preserving collections of nuclearrelated objects. Finally, the large sets of artifacts encountered during the surveys are presented, which beg questions about the possibility of preserving them. Key-words: Heritage. Science and technology. Documentation. Inventory. Preservation. Nuclear energy. 1 Comunicação oral apresentada ao GT-02 - Organização e Representação do Conhecimento. 1

1 - Introdução A publicação de inventários referentes a acervos de ciência e tecnologia (C&T) não é uma prática muito comum no Brasil, mesmo o Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCT), que possui um acervo significativo de objetos de C&T, só publicou até o momento um único inventário. i Por outro lado, no âmbito do projeto de pesquisa "Valorização do Patrimônio Científico Brasileiro" já foram realizados levantamentos em algumas instituições de pesquisa, vinculadas ou não ao Ministério da Ciência e Tecnologia, para identificação de objetos de interesse histórico. Esses levantamentos resultaram na elaboração de dois inventários: um relacionado ao Instituto Nacional de Tecnologia (INT/MCT), ainda não publicado, e outro relacionado ao patrimônio do setor nuclear, publicado em 2007. A elaboração de instrumentos como os inventários de objetos tridimensionais parte da premissa de que esses instrumentos de registro documental são um importante meio de documentação e de divulgação, atingindo tanto o público especializado como o público leigo, contudo, não substituem em absoluto os objetos originais. Esses objetos, em sua materialidade, devem ser preservados em locais adequados para serem utilizados em atividades museológicas ou de pesquisa. Contudo, com a realização do inventário do setor nuclear, essa premissa foi colocada em cheque, pois em alguns momentos ficou evidente a impossibilidade de preservação do objeto original. No presente trabalho, além das questões relacionadas à preservação de objetos de ciência e tecnologia (C&T), que em alguns momentos aproxima-se da questão da preservação do patrimônio industrial, será também discutida a questão da substituição do objeto original por sua representação, seja ela textual ou iconográfica. As reflexões aqui apresentadas surgiram ao longo do processo de levantamento patrimonial desenvolvido pela Coordenação de Museologia do MAST, entre 2005 e 2006, para produção do inventário dos objetos de C&T do setor nuclear, no âmbito do projeto de pesquisa anteriormente mencionado, e reflete o interesse do museu na preservação do patrimônio científico e tecnológico brasileiro. O projeto como um todo tem por objetivos estudar os processos de patrimonialização dos acervos científicos brasileiros, sua valorização enquanto bens sociais, incluindo o desenvolvimento e a adaptação de processos de preservação de bens culturais de valor histórico para a C&T. O acervo do MAST teve como núcleo inicial objetos procedentes do Observatório Nacional (ON) e, nos últimos anos, cresceu em função da incorporação de objetos procedentes do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN) e do Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), institutos de pesquisa vinculados ao Ministério da Ciência e Tecnologia. A incorporação dos objetos procedentes do IEN ao acervo museológico do MAST insere o museu na área nuclear, como depositário de objetos que podem ser utilizados como fontes primárias para a construção da memória do setor nuclear no Brasil. 2 - O Patrimônio Científico e Tecnológico Brasileiro O patrimônio cultural é considerado aqui como aquele conjunto de produções materiais e imateriais do ser humano e seus contextos sociais e naturais que constituem objeto de interesse a ser preservado para as futuras gerações. Scheiner (2006), no contexto das novas formas de comunicação e do universo virtual, considera o patrimônio não mais como um conjunto de valores atribuídos ao espaço geográfico e aos produtos do fazer humano, mas como um valor plural, ao qual estão sendo atribuídas novas significações. Em relação ao que constitui patrimônio de C&T, são incluídos o conhecimento científico e tecnológico produzido pelo homem, além de todos aqueles objetos que são testemunhos dos processos científicos e do desenvolvimento tecnológico, aqui incluídas as construções arquitetônicas produzidas e com a funcionalidade de atender às necessidades desses processos e desenvolvimentos. Cabe esclarecer que áreas diversas poderão estar representadas, algumas 2

onde a contribuição para o patrimônio de C&T será maior, como a Matemática e a Física, e outras de forma mais relativa, por exemplo, a Saúde. Como já mencionado, por ser a área de patrimônio dinâmica e mutável, novos bens poderão ser considerados, por exemplo, o material genético; em nossa opinião classificado como patrimônio de C&T (GRANATO, CÂMA- RA, 2008). No que tange ao patrimônio intangível em C&T, recentemente, em evento no MAST, ii esse aspecto foi discutido; em princípio, poder-se-ia considerar a produção de conhecimento, assim como os processos de elaboração desse conhecimento, seja pelo viés da ciência, seja pelo viés do desenvolvimento tecnológico, como formas a serem preservadas. A proteção do patrimônio intangível vem em socorro daquelas formas de expressão ameaçadas de desaparecimento e, no caso do patrimônio de C&T, a produção do conhecimento já é registrada através de suas diversas formas de publicação (relatórios, artigos científicos, cadernetas de trabalho, pareceres etc.), não necessitaria, assim, de outra forma de proteção. No entanto, no caso da Tecnologia, como visto anteriormente, o conhecimento gerado poucas vezes é registrado e disseminado publicamente, permanecendo, na maioria das vezes, em relatórios de acesso restrito. Por outro lado, tanto em Ciência e como em Tecnologia, o que é publicado ou registrado em forma de documento, normalmente, é constituído somente dos resultados positivos da pesquisa, quando é bem conhecido que o erro faz parte do processo criativo, mas quase não é documentado. Haveria, portanto, uma outra face da história da ciência e da tecnologia, a história dos fracassos, cujos testemunhos intangíveis ou não, não estariam sendo considerados e, assim, se perdendo irremediavelmente. O patrimônio material científico no Brasil está, em sua grande maioria, para ser descoberto. O conhecimento atual sobre o tema é restrito e, em especial, os objetos dessa área já podem ter sido submetidos à modernizações ou descarte, na maioria das vezes em prol de uma busca pelo instrumento ou aparato mais recente, mais atual. Cabe ressaltar que as universidades são, potencialmente, grandes fontes desse patrimônio, onde poderiam se incluir também objetos e instrumentos de ensino. Instituições que têm por função preservar esses acervos são raras e têm um trabalho árduo, em função da escassez de financiamentos e de profissionais capacitados. No entanto, algumas iniciativas merecem destaque. O Museu de Astronomia e Ciências Afins - MAST - possui uma coleção de instrumentos científicos considerada das mais significativas no país. Todos esses objetos constituem parte do patrimônio científico sob a guarda do museu e têm sido alvo de um amplo plano de preservação. Além do trabalho desenvolvido com suas coleções, o MAST tem desenvolvido parcerias com diversas instituições, algumas dessas iniciativas têm sido voltadas para a preservação de acervos de C&T. Alguns resultados dessas parcerias foram a identificação e registro de conjuntos de objetos que constituem parte do patrimônio científico brasileiro, como as 236 peças do Instituto Nacional de Tecnologia (INT); as peças relacionadas à história da energia nuclear no Brasil, objeto principal de desenvolvimento nesse trabalho; os 300 objetos doados ao MAST pelo IEN e as 35 peças pelo Centro de Tecnologia Mineral (CETEM). Cabe também destacar as pesquisas do MAST em parceria com o Museu de Ciência da Universidade de Lisboa, identificando outras fontes possíveis de acervos relacionados, como o Colégio Pedro II (Rio de Janeiro) e o Colégio Culto à Ciência (Campinas), este último em iniciativa de preservação e pesquisa desenvolvida pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Outros acervos científicos estão, em grande número, nas universidades brasileiras, muitas vezes em museus, mas outras vezes sendo guardados por funcionários que prezam a memória do local onde trabalham. Alguns exemplos podem ser citados como o Museu de Ciência da Escola de Minas (Universidade Federal de Ouro Preto Minas Gerais), contando com cerca de 400 objetos das áreas de astronomia, desenho, eletro-técnica, metalurgia e topo- 3

grafia; o Museu da Escola Politécnica iii da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com um acervo de mais de 600 itens que revelam a história da mais antiga escola de engenharia do País; o Museu Técnico do Laboratório de Topografia e Geodésia LTG, iv da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), com uma seleção dos instrumentos usados no ensino dos alunos, desde 1893; o Observatório Central, v na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde se destaca um grupo de 40 objetos constituindo uma coleção típica das instituições voltadas para o estudo da Astronomia,. Os exemplos aqui apresentados podem ser considerados como a ponta de um iceberg a ser desvendado. Outras coleções de objetos que são representativos do ensino e do desenvolvimento científico brasileiro devem estar guardadas ou ameaçadas de descarte, em outros campi universitários e instituições relacionados. O interesse pela preservação do patrimônio tecnológico/industrial é relativamente recente, tendo a discussão sobre o tema se iniciado na Inglaterra em meados de 1950, época em que se utilizava a expressão arqueologia industrial. Esse tema só ganhou força e atraiu a atenção da opinião pública a partir de 1960, face à destruição de importantes testemunhos da arquitetura industrial. O movimento em prol da preservação desse tipo de patrimônio se ampliou e se consolidou em diversos países levando-os a realizar inventários sistemáticos na defesa de sua herança do processo da industrialização. A experiência inglesa na preservação de seu patrimônio tecnológico/industrial influenciou toda à Europa que se tornou líder na preservação desse tipo de patrimônio. O Centro e Arquivo da Mina de Bochum, na Alemanha, a Fundação do Museu do Vale de Ironbridge (Inglaterra), o Museu da Mina de Carvão de Argenteau-Trimbleur (Bélgica), convertido em complexo turístico, em 1980, são exemplos pioneiros desse processo de preservação. Inúmeros esforços, desde então, têm sido realizados na intenção de preservar o patrimônio tecnológico/industrial. Em 1978, é criado o The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage (TICCIH), organização mundial que atua inclusive como consultora do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), para esta categoria de patrimônio. Diversas disciplinas, por exemplo a história da ciência e da técnica, a economia e a sociologia, investigavam a questão do patrimônio tecnológico/industrial, todavia esses estudos focavam o processo de industrialização. Mas era ainda primordial definir a conceituação de patrimônio industrial, estabelecer parâmetros cronológicos e elaborar registros e estudos, com o propósito de se estabelecer o que e o porquê preservar. Com base nos anseios dos profissionais envolvidos com a questão, através de intercâmbios, de reuniões científicas, nacionais e internacionais e contando com a colaboração dos órgãos dedicados ao tema, em 2003, foi elaborada pelos delegados do TICCIH, a definição de patrimônio industrial através Carta de Nizhny Tagil: (...) O património industrial compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitectónico ou científico. Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de processamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suas estruturas e infra-estruturas, assim como os locais onde se desenvolveram actividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação.(...). O património industrial representa o testemunho de actividades que tiveram e que ainda têm profundas consequências históricas. (...) (TICCIH, 2003, p.3). No Brasil, o interesse pela preservação do patrimônio industrial surgiu na mesma época que na Inglaterra. Em 1964, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - 4

IPHAN, tombou as ruínas da Real Fábrica de Ferro São João de Ipanema, em Iperó, São Paulo. Contudo, só alguns poucos patrimônios industriais brasileiros receberam a atenção necessária dos órgãos públicos, na preservação de sua memória. O Engenho dos Erasmos, em Santos (SP), a Usina Tamoio em Araraquara (SP), o Complexo Ferroviário de São João del Rei (MG) e as minas de ouro de Mariana (MG) poderiam ser consideradas as primeiras de muitas iniciativas na preservação do patrimônio industrial nacional, no entanto, atuações mais sistemáticas tardaram a acontecer. Infelizmente, no Brasil, a maior parte das iniciativas está concentrada na cidade de São Paulo, com experiências bem sucedidas de transformação de antigas fábricas em espaços culturais e educacionais, como são os casos do Sesc Pompéia (entre os bairros da Lapa e Barra Funda), do Sesc Belenzinho (na Mooca) e das Faculdades Anhembi Morumbi instaladas em uma antiga fábrica de calçados no Brás. Nos últimos anos, tem ocorrido uma série de iniciativas e mobilizações de movimentos sociais comunitários pela preservação de antigas fábricas e espaços industriais e operários. Ações em torno da Vila Maria Zélia (vila operária próxima ao Brás e Mooca), do Cotonifício Crespi na Mooca, da Companhia Nitro Química em São Miguel Paulista e das fábricas Matarazzo Petybom e Melhoramentos na Lapa são alguns exemplos das mobilizações que buscam não apenas garantir uma melhor qualidade de vida para os moradores dessas áreas, mas também preservar a memória dos trabalhadores, migrantes e moradores pobres que construíram a riqueza e o desenvolvimento da cidade. No ano de 2003, foi elaborada uma Carta Manifesto, vi pelo então Comitê Provisório pela Preservação do Patrimônio Industrial no Brasil, fruto das discussões informais de profissionais das áreas de História, Sociologia, Arquitetura, dentre outras. Estes profissionais reuniram-se com o objetivo de discutir os rumos do patrimônio industrial brasileiro e reivindicar a criação de um Comitê pela Preservação do Patrimônio Industrial no Brasil, em face do vácuo de organizações nessa área e da rápida destruição/deterioração do parque industrial nacional. Esse grupo de acadêmicos de diferentes áreas e militantes comunitários fundaram em 2004 o Comitê Brasileiro de Preservação do Patrimônio Industrial (TICCIH-Brasil), seção nacional da organização internacional TICCIH. Entre os objetivos deste comitê, está o apoio às iniciativas de preservação industrial, proporcionando suporte às comunidades e, eventualmente, aos órgãos responsáveis do poder público. A preocupação de proteger e estudar as instalações industriais que não tenham apelo arquitetônico excepcional, acabam sendo menos prestigiadas. Patrimônios datados de períodos cronologicamente mais recentes e de cunho marcadamente funcional tem uma menor a- ceitação. Em se tratando de patrimônio industrial é importante dar atenção necessária a vestígios materiais que há bem pouco tempo desempenharam funções na modelação urbana ou na estrutura econômica da sociedade. Segundo Leonardo Mello e Silva: (...) o patrimônio industrial é um campo de investigação vivo, não se limita apenas a um conjunto de bens arquitetônicos ou sítios cheios de objetos e parte de objetos interessantes. Uma vez que esse tipo de patrimônio se detém sobre máquinas, equipamentos, instalações e imóveis onde se processou a produção industrial, o patrimônio industrial é também a recolha e o tratamento de um patrimônio técnico de uma sociedade. Ele permite estabelecer um elo entre as formas de produzir, o que envolve homens/mulheres e máquinas. (...) (2006, p.6). 3 - O Inventário O levantamento de objetos relacionados à área nuclear, em especial o setor de produção de energia, determinou uma série de estudos e avaliações, para definir as instituições que 5

seriam incluídas nesse esforço de preservação. Foram realizadas visitas às seguintes instituições para identificação do patrimônio de interesse histórico: Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/SP); Indústrias Nucleares do Brasil (INB/Sede) e Unidades Resende (RJ), Buena (RJ), Caldas (MG) e Caetité (BA); Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN/MG); Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD/RJ); Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. (NUCLEP/RJ); Eletronuclear (Centrais Nucleares de Angra/RJ); Instituto de Engenharia Nuclear (IEN/RJ); o Centro Brasileiro de Pesquisa Físicas (CBPF); Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN/RJ) e o Centro Tecnológico da Marinha de São Paulo (CTMSP). Pretendia-se a maior abrangência possível, focando desde instituições dedicadas exclusivamente à pesquisa até aquelas mais diretamente voltadas para a produção industrial e, para tanto, como eixo condutor foi utilizado o ciclo do combustível nuclear, desde a extração do urânio até a queima do combustível no reator da usina nuclear. Sobre o inventário, Ana Maria Pinho Leite Gordon afirma que: Para a elaboração deste livro, pesquisadoras e museólogos do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCT) percorreram as diversas instituições do setor nuclear do país catalogando, fotografando, recuperando a memória ainda viva do desenvolvimento desta tecnologia estratégica, que tanto pode ser usada para fins pacíficos como militares. Esta é uma contribuição para a reflexão sobre parte da história do país e soma-se às outras que vêm sendo realizadas pelos pesquisadores que se ocupam do tema (GORDON, 2006, p.9). Todas as visitas foram documentadas através de relatórios e os objetos de interesse para o projeto foram registrados e fotografados, resultando na elaboração de um inventário com um total de 485 objetos. Além do material para o inventário, foram gravadas entrevistas com pesquisadores de destaque no setor. No levantamento dos objetos de C&T, foi utilizada a mesma metodologia empregada no processamento técnico da coleção de instrumentos científicos do MAST, ou seja, as etapas de registro e catalogação são diferenciadas, sendo a primeira o levantamento dos dados de identificação básicos dos objetos, a partir da análise dos mesmos, e a segunda, a sua classificação a partir do conhecimento da sua função e funcionamento. Em função das dificuldades de acesso às informações específicas de cada objeto, a etapa de registro foi realizada de forma adequada e, só em alguns casos, foram obtidas informações mais detalhadas sobre os objetos. A equipe foi dividida em dois grupos ficando cada um deles responsável por um conjunto de instituições. A cada visita técnica, após a seleção dos objetos de interesse histórico, foi preenchida uma planilha com os seguintes campos: nome do objeto, número de objeto, nome do fabricante, números patrimoniais, origem, localização, data, descrição sucinta, dimensões, função e estado de conservação. Vale ressaltar que, para fins de identificação, foi atribuído um número de registro a cada objeto, composto de uma sigla que identifica a instituição, seguida de uma numeração seqüencial. As informações contidas nas diversas planilhas e as i- magens provenientes do campo são a base do inventário. Dos institutos do setor nuclear, o mais visitado foi o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/SP), que desenvolveu importantes pesquisas relacionadas às etapas do ciclo do combustível nuclear no Brasil, existindo até hoje um grande número de testemunhos materiais desse período, perceptíveis inclusive através de uma usina desativada de urânio, em escala piloto. O trabalho desenvolvido foi concentrado em dois locais principais: no museu, localizado na entrada do Centro do Reator de pesquisa, onde estão expostos antigos acessórios do reator de pesquisas ou equipamentos utilizados no seu monitoramento; e no Setor de Patrimônio, onde foram registrados objetos que pertenceram à usina de urânio e estavam destinados ao descarte. Em uma de nossas visitas ao IPEN, foi possível conhecer o Centro Tecno- 6

lógico da Marinha de São Paulo (CTMSP), onde foram visitados os Laboratórios de Desenvolvimento de Instrumentação e Combustível Nuclear e de Geração de Energia Nucleoelétrica (Reator Crítico IPEN/MB 01). Nesse instituto, está em exposição uma das ultracentrífugas importadas pelo Almirante Álvaro Alberto, para pesquisa no enriquecimento de urânio. Nas Indústrias Nucleares do Brasil (INB), foram visitadas as unidades localizadas em Resende (RJ), Buena (RJ), Caldas (MG) e Caetité (BA), além da sede da empresa localizada no Rio de Janeiro. A INB responde pelas etapas de mineração, realizada na mina de urânio de Caetité, e de produção do elemento combustível, nas fábricas de Componentes e Montagem do Elemento Combustível, do Pó e Pastilha e a de Reconversão, localizadas na unidade do município de Resende (RJ). Nas fábricas, não foram encontrados objetos fora de uso, esses já haviam sido descartados anteriormente, caracterizando um processo comum na área de C&T. Por outro lado, com a visita, foi possível compreender melhor e em mais detalhe o desenvolvimento de algumas das etapas do processo de produção do elemento combustível. Na Unidade Caldas (MG), foram visitadas a primeira mina de extração de urânio do Brasil, hoje desativada, e a sala de memória com objetos utilizados na prospecção e extração do minério. Na unidade Caetité, onde se realiza atualmente a extração do minério de urânio para a produção do elemento combustível, foram visitados, além da mina, o Horto Florestal e um casarão do século XIX, onde existe uma exposição de espécimes da flora e fauna local, além de objetos de C&T ligados à prospecção e extração de urânio. A unidade de Buena é a única das unidades da INB que não está ligada ao ciclo do combustível nuclear, sendo responsável pela prospecção e pesquisa, lavra, industrialização e comercialização dos minerais pesados conhecidos popularmente como "areias monazíticas. Merece destaque a planta química da unidade, que funciona em uma construção da década de 1940. Todos os objetos de pequeno porte de interesse para o inventário foram registrados e fotografados, contudo as visitas à mina de urânio desativada e à fábrica de Buena suscitaram questionamentos acerca da preservação do patrimônio industrial, tema que será abordado mais adiante. No Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN/MG) foram visitados diversos laboratórios, o Reator de Pesquisa TRIGA (Trainning Research Isotope General Atomic), segundo reator instalado no Brasil com a finalidade de pesquisa, produção de radioisótopos e treinamento para operação na Central Nuclear de Angra, a antiga fábrica de produção do elemento combustível e o Laboratório de Medidas Nucleares, onde se localiza o conjunto sub-crítico CAPITU (Conjunto à Água Pesada I Tório Urânio). Destaca-se nessa instituição a entrevista com os pesquisadores que participaram do Grupo do Tório. Na antiga fábrica de produção de combustível nuclear, existe uma pequena área utilizada para a guarda de materiais e equipamentos não mais em uso, que foram inventariados juntamente com os equipamentos encontrados no Conjunto Subcrítico CAPITU. No Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD/RJ), que atua na área da inspeção radiológica e a análise ambiental, foram visitados o Laboratório de Análises Ambientais, o Laboratório de Matrizes de Referência, o Laboratório de Radionuclídeos, o Laboratório de Dosimetria e o Laboratório de Nêutrons. Contudo, apenas no almoxarifado da instituição conseguimos localizar objetos não mais em uso e de interesse para o inventário. Continuando o mapeamento das instituições e empresas do setor nuclear, foi visitada a Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. (NUCLEP/RJ), localizada no município de Itaguaí no Rio de Janeiro, com acesso a seu parque industrial. Com a interrupção do programa nuclear brasileiro, na década de 90, a NUCLEP passou a atender a outros segmentos da indústria nacional. Atualmente, a empresa se empenha na fabricação do gerador de vapor para a usina de Angra I. Na NUCLEP, não foram localizados objetos de interesse para o projeto em questão. Na Eletronuclear (Centrais Nucleares de Angra/RJ), foi visitada a Central Nuclear de Angra II e o levantamento foi concentrado na sala do patrimônio onde estão depositados objetos antigos que estão em desuso. 7

Com relação ao Instituto de Engenharia Nuclear (IEN/RJ) foram entrevistados o Prof. Dr. Luiz Aghina, sobre a participação do instituto no processo de produção dos geradores rápidos, foram visitados as instalações da unidade de Loop à sódio e o setor de instrumentação. O acervo procedente do IEN que é apresentado nesse inventário faz parte do acervo do MAST, resultado de uma doação recebida em 2003. No Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), o antigo Laboratório de Radiação Cósmica foi o objeto de interesse, onde foram localizadas diversas placas emulsionadas utilizadas pelo Prof César Lattes em suas pesquisas em Chacautaya, que resultaram na descoberta da partícula Méson pi. Essa descoberta, que marcou a emergência da física das partículas elementares, deu um grande impulso à pesquisa científica no Brasil pós-guerra. Foram visitadas também as salas onde estão montados os aceleradores lineares, um deles projetado pelo professor e engenheiro Argus Moreira, responsável ainda pelo projeto e construção de quatro aceleradores de grande potência: da Universidade de São Carlos - USP/SP, do Instituto Militar de Engenharia - IME/RJ e do próprio Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas - CBPF/RJ (02 aceleradores lineares). Foram registrados alguns objetos que fizeram parte dos experimentos de César Lattes. A partir desse extenso material coletado, foi elaborado o inventário, que está organizado em capítulos, cada um deles dedicado a uma das instituições visitadas pela equipe do MAST, com entrada organizada em ordem alfabética. No início de cada capítulo, há um texto com o histórico de cada instituição elaborado pelas respectivas assessorias de comunicação. Em cada capítulo, são encontradas fotografias dos objetos selecionados em cada instituição, estando cada fotografia ladeada por um conjunto de campos com informações básicas, que identificam cada objeto. São os seguintes os campos: Número: composto da sigla de cada instituição seguida de uma numeração seqüencial; Nome: denominação dada ao objeto, em alguns casos não foi possível a identificação e aparecerá no campo a informação não-identificado ; Fabricante: nome da fábrica ou empresa onde o objeto foi fabricado; Origem: lugar onde o objeto foi construído e/ou produzido; Outros Números: registro de antigos números patrimoniais encontrados no objeto; Localização: localização do objeto na sua instituição de origem; Dimensões: medidas aproximadas dos objetos todas em centímetros. As medidas são: altura, comprimento, largura e diâmetro. Observações: nesse campo são colocadas as informações julgadas relevantes para o entendimento do objeto, em alguns casos esse campo foi utilizado para colocação de informações sobre a função do objeto e também sobre a existência de equipamentos semelhantes na própria instituição. No final da publicação há um índice em ordem alfabética com os nomes dos equipamentos e a sua respectiva localização em cada uma das instituições visitadas. Oportunamente, esse material será disponibilizado na Internet, através da página do MAST. Em algumas das instituições visitadas foi percebida a existência de salas dedicadas à memória institucional, com a exposição de objetos resgatados em depósitos ou almoxarifados. Em quase todos os setores dos institutos de pesquisa visitados, foram encontrados técnicos e pesquisadores preocupados com a história institucional e com o desaparecimento dos equipamentos antigos. A equipe responsável pelo levantamento encontrou nessas instituições um patrimônio extremamente rico e sob risco constante de desaparecimento: objetos que são o produto final e os testemunhos de projetos de pesquisa e de desenvolvimento científico e tecnológico, objetos que podem ser considerados esteticamente belos ou ainda comparados em termos de eficiência com equipamentos atuais. Apesar de termos constatado, em algumas instituições, o interesse pela memória institucional, em função da sua natureza, essas instituições não estão voltadas para as 8

atividades de preservação, tendo obviamente outros objetivos e finalidades. Não há, portanto, um projeto integrado, que sistematize a gestão, a pesquisa e a divulgação do patrimônio nuclear brasileiro de caráter histórico. 4 - O patrimônio tecnológico/industrial e a substituição do objeto por sua representação No processo de elaboração do inventário da área nuclear, surgiram questões que se a- proximam daquelas relacionadas à preservação do patrimônio tecnológico/industrial, pois em algumas das instituições visitadas os objetos a serem inventariados eram extremamente complexos, constituídos de inúmeras partes que formavam pequenas fábricas. Esse é o caso, por exemplo, da Usina Piloto do IPEN, do Loop à Sódio do IEN, da unidade de extração da Mina de Urânio desativada (INB-Caldas) e da fábrica para processamento de areias monazíticas (INB- Buena). O IPEN, no início da década de 1980, é incorporado a CNEN dentro do Programa Nacional de Energia Nuclear e sob esta nova orientação passa a contribuir com o programa de desenvolvimento tecnológico da Marinha Brasileira, especificamente em pesquisas para o domínio do ciclo do combustível nuclear. O Centro do Combustível Nuclear, ligado ao Departamento de Metalurgia, transformava o urânio oriundo da Mina de Caldas em hexafluoreto de urânio (UF 6 ). O processo de produção desse composto foi transferido posteriormente para o Centro Experimental de Aramar, em São Paulo e as unidades da usina de produção em escala piloto ficaram no campus do IPEN. Este foi um projeto importante para que o Brasil dominasse a tecnologia de refino de urânio, atividade hoje desenvolvida pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB). Dessa usina piloto só foi possível inserir no inventário os fragmentos que estavam no almoxarifado da instituição, pois o conjunto como um todo fugia ao conceito de objeto de C&T definido para o inventário e sua inserção acarretaria uma mudança metodológica. No caso do IEN, o Loop à sódio fez parte de um projeto experimental relacionado à produção de geradores rápidos, que utilizava o sódio para resfriamento. Apesar de apresentar dimensões menores, quando comparada às unidades fabris, a unidade ainda se constitui em um conjunto grande, composto de muitas partes, que não poderia ser desmontado para remontagem num museu, por exemplo. Precisaria ser preservado no local de instalação, o que seria improvável, pois o espaço poderá ser utilizado pela instituição para outras montagens e estudos. Como preservar esse testemunho do desenvolvimento científico e tecnológico, talvez único no Brasil? A mina de urânio desativada e a fábrica de refino/beneficiamento de areias monazíticas apresentam questões semelhantes, porém em maior escala, pois são conjuntos localizados em grandes áreas. Um outro problema para a preservação desses espaços é a necessidade de descomissionamento, vii o que implica em altos investimentos. A Figura 1 (a, b, c, d) apresenta, respectivamente, imagens da usina piloto desativada, do IPEN, da mina de urânio desativada (INB-Caldas), da fábrica para processamento de areias monazíticas (INB-Buena) e da unidade de Loop a sódio, do IEN. 9

Figura 1 (a, b, c, d) - Imagens da usina piloto desativada, do IPEN, da mina de urânio desativada (INB-Caldas), da fábrica para processamento de areias monazíticas (INB-Buena) e da unidade de Loop a sódio, do IEN. A preservação e o estudo desses conjuntos permitiriam a construção de uma história científica e tecnológica brasileira por um outro viés, o da cultura material. Além de provocar reflexões acerca da política energética do país, esses projetos testemunham diferentes momentos da história. Acreditamos que os mesmos deveriam ser preservados em sua totalidade, contudo, o interesse pela preservação do patrimônio industrial no país, como já vimos anteriormente, é recente e não inclui conjuntos funcionais. Em especial, em alguns desses casos temos um problema adicional, as áreas ainda estão ativas e não poderiam ser separadas das instituições que as detém para a necessária preservação, então como fazer? Uma questão que decorre da possibilidade ou não de preservação dos conjuntos industriais se refere à sua possível preservação através de documentação iconográfica, além de mapas, plantas, esquemas, relatórios, maquetes e etc. Nesse caso, o suporte material seria substituído por sua representação. Cabe aqui uma questão: os objetos fazem alguma diferença no estudo da História? Para John T. Schlebecker (1999), algumas vezes o uso do artefato acrescenta algo a uma pesquisa e em outros casos não e como todas as demais evidências históricas, os objetos também devem ser usados de forma crítica, devendo estar no tempo e no local correto. Na defesa da utilização dos objetos como fontes primárias, esse mesmo autor, afirma que: In fact, full-scale replicas, or even small models, are problably less objectionable than microfim or Xerox copies of documents. (...) Microfilm gives no accurate idea of the size of the documents; (...) Both microfim and 10

Xerox fail to show changes in the color of ink (1999, p.108). viii Concordamos ainda com Schlebecker quando este afirma que: Seeing is not enough, however, and if at all possible the object should be touched, handled and lifted. Clearly, a photography will not serve because no one can manipulate a picture in the same way they can manhandle a thing (1999, p.109). Michael Buckland atribui três significados para a palavra informação, informação como processo, informação como conhecimento e informação como coisa. Esse último significado nos interessa mais diretamente, pois inclui dados, textos, originais, objetos e eventos. Para o autor, a literatura da ciência da informação era concentroada em dados e documentos como recursos de informação, mas outros objetos são potencialmente informativos. O autor pergunta: Why do centers of research assemble many sorts of collections of objects if they do not expect students and researchers to learn something from them?( ) The answer is, of course, that objects that are not documents in the normal sense of being texts can nevertheless be information resources, information-as-thing. (...) One would have to question the completeness of any view of information, information science, or information systems that did not extend to objects as well as documents and data (BUCKLAND, p.6). ix Martin Hallet afirma que os objetos em museus têm duas funções: uma de evidência, que significa reconhecer o seu papel como fonte primária, e outra evocativa, que se refere à comunicação do conhecimento. Para o autor: Objects frequently preserve layers of evidence for those prepared to examine them from different viewpoints. Their design, function, materials, markings, decoration and finish, wear, failure, human associations and provenance (if know) can all contribute data for researchers analyses (HALLET, 1992, p.1). x Falando especificamente dos objetos dos museus de ciência, o autor afirma que os mesmos eram utilizados para registrar a evolução do desenvolvimento científico e tecnológico, porém mais recentemente passaram a ser utilizados para: (...) expose the influences that led to their design, manufacture, decoration, adoption, modification, or rejection, throwing light on how society and culture affect and Interact with science and technology. They pose questions about the values which shape science and technology (HALLET, 1992, p.1). xi É percebido, assim, que há uma concordância com relação à importância dos objetos como fontes primárias de informação, contudo, na reflexão sobre os exemplos de patrimônio tecnológico/industrial, não conseguimos encontrar respostas satisfatórias. Evidentemente, o ideal seria a preservação dos conjuntos, mas como fazer isso? Acreditamos que, infelizmente, nesses casos a perda da materialidade, ou de parte dela, é quase inexorável. Talvez a utilização de diversas formas de registro, além de algumas partes desses conjuntos, seja a única solução atualmente disponível. 5 - Considerações Finais 11

A preservação e pesquisa do patrimônio de C&T constituem um desafio que tem sido enfrentado por poucas instituições no país. Dentro desse panorama, é importante registrar a existência e dar a conhecer à sociedade os componentes desse patrimônio. O inventário é uma das formas de realizar esse processo e sua existência pode propiciar o desenvolvimento de outros esforços para a necessária preservação. Os estudos e levantamentos, que resultaram no inventário de objetos relacionados à energia nuclear, aqui apresentados, permitiram verificar uma série de problemas relacionados ao assunto, como: a constatação de que inúmeras peças desse patrimônio já se perderam e se perdem no decorrer do tempo, em função do processo de inovação tecnológica muito freqüente na área - essa conclusão já imaginada anteriormente, foi verificada in loco, durante as visitas realizadas para o levantamento; a existência de profissionais interessados na salvaguarda do patrimônio nessas instituições, mas que não sabem a quem recorrer ou como proceder; a existência de casos específicos de grandes conjuntos de objetos que se constituem em tema para discussão teórica e em grande dificuldade para a preservação. O instrumento de documentação utilizado, o inventário, foi enviado para todas as instituições envolvidas na pesquisa, permitindo futuras iniciativas em torno da preservação desse patrimônio. Por outro lado, assim como já foi feito com o acervo do MAST, xii a disponibilização na internet, em futuro próximo, das informações obtidas para esse conjunto de objetos, permitirá o acesso a um maior número de pessoas, em especial pesquisadores e profissionais da área, que poderão, assim, colaborar para a ampliação desse conjunto de informa, além de propor novos temas de pesquisa. A continuidade e o investimento em pesquisas que utilizem as evidências materiais como fonte, em especial os objetos, pode levar a outras formas de construção do conhecimento. Referências BUCKLAND, Michael. Information as thing. Journal of the American Society of Information Science, 42:5, June, 1991, p. 351-360. Disponível em: http://people.ischool.berkeley.edu/~buckland/thing.html. Acesso em 03 de Jun. 2008. GORDON, Ana Maria Pinho Leite. A Dinâmica do desenvolvimento da Tecnologia Nuclear no Brasil - comentários à guisa de introdução. In: SANTOS, Claudia Penha dos; BRASIL, Zenilda F. Panorama histórico da energia nuclear no Brasil: inventários dos objetos de C&T. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2007. GRANATO, Marcus; CÂMARA, Roberta Nobre da. Patrimônio, Ciência e Tecnologia: Inter-relações. In: GRANATO, Marcus; CARVALHO, Claudia Rodrigues de; BEZERRA, Rafael Zamorano; BENCHETRIT, Sarah Fassa. Um olhar contemporâneo sobre a preservação do patrimônio cultural material. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional. 2008. HALLET, Martin. The objects of science and technology Working with things. Disponível em: http://www.asap.unimelb.edu.au/confs/recovering/hallett.htm. Acesso em: 03 de Jun. 2008. SANTOS, Claudia Penha dos; BRASIL, Zenilda F. Panorama histórico da energia nuclear no Brasil: inventários dos objetos de C&T. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2007. SCHEINER, Teresa. Políticas e diretrizes da Museologia e do patrimônio na atualidade. In: BITTENCOURT, José Neves; GRANATO, Marcus; BENCHETRIT, Sarah Fassa. Museus, Ciência e Tecnologia. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2007, p. 31-48. 12

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