28 de junho a 1º de julho de 2004 Curitiba-PR 1 CARACTERIZAÇÃO DE CERÂMICAS DE ALUMINA PRODUZIDAS COM EXTRATO LÍQUIDO DE CASCA DE BETERRABA J.L. Minatti 2, J.G.A. Santana 2, E.M. Marins 1,2, F.P. Santos 1, E. de Campos 1,2. 1 Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAR) - Guaratinguetá - SP 2 Laboratório de Materiais Cerâmicos Departamento de Materiais e Tecnologia UNESP campus de Guaratinguetá Av. Ariberto Pereira da Cunha, 333 CEP 12.516-410 - Guaratinguetá SP e-mail: minatti@feg.unesp.br RESUMO O uso de técnicas de consolidação direta, especialmente o método de conformação com amido comercial, tem proporcionado o desenvolvimento de cerâmicas com as mais variadas formas geométricas. O amido, presente em sementes e raízes, é o componente de gelificação que tem dupla função na preparação das cerâmicas: age como ligante e como elemento formador de poros. Durante a execução deste trabalho, verificou-se as características de cerâmicas produzidas pelo método de consolidação usando o amido extraído da casca de beterraba, na forma líquida. O objetivo foi mostrar que se pode produzir peças cerâmicas de boa qualidade, a um baixo custo, além de ser um processo eficiente na reciclagem de resíduos orgânicos. Para verificar as propriedades mecânicas destes materiais foram feitos testes de acordo com as normas ASTM. Os resultados mostraram que este método é viável, obtendo peças com características semelhantes às conformadas pelo mesmo método, porém com amido industrializado. Palavras-chaves: amidos comerciais, consolidação, beterraba, reciclagem.
28 de junho a 1º de julho de 2004 Curitiba-PR 2 INTRODUÇÃO Diversas pesquisas vêm sendo feitas para desenvolver métodos de obtenção de peças cerâmicas em função das suas variadas propriedades de interesse em aplicações tecnológicas. Dentre estes, o uso de técnicas de consolidação direta, especialmente o método de conformação por consolidação com amido, vem sendo bastante estudado devido às vantagens que apresenta como o baixo custo de produção, melhor controle da contração e das dimensões finais do produto e a possibilidade de obtenção de peças com formas complexas. A conformação por consolidação com amido (Starch Consolidation) está baseada na propriedade fundamental do amido de formar gel em água, permitindo usá-lo como conformador e como ligante. Sua insolubilidade em água permite que seja processado à temperatura ambiente, sendo adicionado ao pó cerâmico em uma dispersão coloidal que é vertida em moldes impermeáveis. Através do aquecimento (55-80 C) ocorre a gelificação por meio da absorção da água da barbotina e inchamento dos grãos de amido, causando a aglomeração das partículas cerâmicas. Desta forma, o pó cerâmico é consolidado em um corpo rígido (1,2,3,4,5). Após a secagem o corpo cerâmico é retirado do molde e então enviado para a etapa de pré-sinterização, com o objetivo de uma queima lenta e gradual do amido, o que evita, consideravelmente a ocorrência de trincas e laminações na cerâmica. Esta pré-sinterização é normalmente feita em fornos de temperaturas mais baixas. No caso do Al 2 O 3, por exemplo, que costuma ser sinterizado em torno de 1600 ºC, a pré-sinterização é feita em fornos de até 1200 ºC. O estudo da conformação por consolidação com amido teve seu início em 1998 com as publicações dos trabalhos envolvendo amidos modificados (1,2) e se expandiu, posteriormente com as pesquisas envolvendo os amidos comerciais, mais baratos e acessíveis (3,4,5,6,7,8). Hoje uma nova linha de pesquisa começa a ganhar espaço onde, em substituição aos amidos ou em associação com estes, iniciou-se o uso de algumas proteínas, embora tenham sido encontradas dificuldades devido à formação de espuma (9,10). A base da produção de peças cerâmicas a partir da conformação por consolidação com amido é o processo de gelificação. Nesse processo ocorre a formação de géis sólidos viscoelásticos, obtidos através de alguns hidrocolóides (ou gomas) que são polímeros de cadeia longa, de alto peso molecular, extraídos de
28 de junho a 1º de julho de 2004 Curitiba-PR 3 plantas marinhas, sementes, exsudados de árvores e de colágeno animal. Alguns são produzidos por síntese microbiana e outros por modificação de polissacarídeos naturais (11,12,13). O amido é o hidrocolóide mais utilizado nas pesquisas para a conformação cerâmica, devido a sua disponibilidade e seu baixo custo. O termo gelatinização se refere mais especificamente ao processo de formação de gelatina. O interesse por hidrocolóides baseia-se na sua habilidade de formar gel e seus efeitos estabilizantes. Estas propriedades são obtidas depois da dispersão adequada de suas moléculas em meio aquoso, quando se reorganizam de duas formas diferentes: pela retenção de moléculas de água - efeito de espessamento, ou pela construção de redes envolvendo zonas de ligação - efeito de gelificação (13). Neste trabalho, foi utilizado, pela primeira vez, o extrato da casca de beterraba, na forma líquida, com a finalidade de avaliar a possibilidade de utilização de matériaprima reciclável na obtenção de peças cerâmicas. Sabe-se que em muitas regiões do Brasil existe uma sobra considerável de material orgânico, que não apresenta mais condições para a alimentação humana. Estas sobras surgem durante o transporte da lavoura até os pontos de vendas, dos produtos não comercializados, e que acabam deteriorados e, ainda dos que chegam aos aterros sanitários, provenientes das residências. A proposta deste trabalho é demonstrar que parte destes resíduos orgânicos podem ser reaproveitados. Para demonstrar que esta idéia é viável, decidiu-se usar o extrato da casca da beterraba. Além do amido, a beterraba contém uma quantidade considerável de pectina como indica a Tabela I. Tabela I: Teor de pectina de alguns tecidos vegetais: Origem % Pectina Batata 2,5 Tomate 3,0 Maçã 5,0 7,0 Beterraba 15,0 20,0 Frutas cítricas 30,0 35,0 As pectinas se localizam principalmente em tecidos pouco rijos de vegetais como na casca das frutas cítricas e na polpa da beterraba e, mesmo em baixas concentrações, produz soluções altamente viscosas. Na presença de sacarose e ácido em proporções adequadas, a pectina forma géis muito estáveis (11).
28 de junho a 1º de julho de 2004 Curitiba-PR 4 Para demonstrar o quanto as cerâmicas obtidas a partir do extrato da beterraba são viáveis para a industrialização e comercialização, confeccionou-se também peças cerâmicas utilizando amido de milho comercial para servirem como referência no trabalho final. MATERIAIS E MÉTODOS Conformação por consolidação com amido Para as cerâmicas conformadas com amido utilizou-se alumina A-1000 da ALCOA ALUMÍNIO S/A e amido de milho, fabricado pela Refinações de Milho Brasil S/A. A tabela II apresenta os valores de densidade dos pós determinados através da picnometria de hélio, e o tamanho das partículas, obtidas por microscopia óptica e fornecidas pelo fabricante, respectivamente para o amido e a alumina. Tabela II - massa específica e comprimento dos pós. densidade (g/cm3) diâmetro médio (µm) Milho 1,52 13,60 Al 2 O 3 3,98 0,45 Como defloculante optou-se por um polieletrólito sintético, o Disperlam LA, que associa as repulsões eletrostática e estérica e é eficiente nos processos onde se tem alumina e grande quantidade de sólidos (14). As composições foram feitas com 50% de sólidos e 10% de amido. Estas foram pré-misturadas em um agitador mecânico e depois misturadas em moinho de bolas visando otimizar a homogeneização entre os componentes. Posteriormente, a barbotina foi exposta à baixa pressão (em torno de 50 mbar) por, aproximadamente, 1,5 min para eliminação de bolhas de ar. As barbotinas obtidas foram colocadas em moldes de plástico e depois aquecidas a uma temperatura de gelificação de 65 ºC, por 2 h. A secagem ocorreu a 115 ºC, por 2 h, a pré-sinterização a 1000 ºC e a sinterização a 1650 ºC. Estas etapas foram realizadas com patamar de 1h. Conformação por consolidação com extrato de beterraba Utilizou-se alumina A-1000, produzida pela ALCOA ALUMÍNIO S/A, com defloculante Disperlam LA e extrato da casca da beterraba.
28 de junho a 1º de julho de 2004 Curitiba-PR 5 A dispersão coloidal foi obtida a partir de uma composição de 50% de sólidos (neste caso apenas alumina) e o extrato da casca da beterraba, na forma líquida, em substituição à água, sendo misturada em um agitador mecânico e homogeneizada em um moinho de bolas. Posteriormente, a barbotina produzida foi colocada em molde impermeável e levada a gelificar em uma estufa a aproximadamente 70ºC por 1 hora. A secagem ocorreu a 120ºC e, na etapa seguinte, as amostras foram sinterizadas em forno elétrico, com uma taxa de aquecimento de 5ºC/min e patamar a 1650 C durante 1 hora. Neste processo não existe a necessidade da présinterização. Caracterização das amostras A densidade aparente das amostras foi determinada de acordo com a norma da ASTM C20/87, aplicável a materiais não atacados por água, onde a porosidade aparente, a absorção de água e volume de poros abertos podem ser determinadas pela aplicação do princípio de Arquimedes. Os defeitos de superfície são importantes na determinação da resistência mecânica de um material frágil; desta forma, a especificação do acabamento superficial através da sua rugosidade tem grande importância quando da aplicação estrutural de um material cerâmico (3). Portanto, utilizou-se um rugosímetro (MITUTOYO-SURFTEST 301), com ponta de diamante, cujo os parâmetros escolhidos para a medição foram Ra (rugosidade média), o Rt (profundidade média) e o R 3 z (rugosidade média do terceiro pico e vale). Neste trabalho usou-se o ensaio de flexão de 3 pontos, segundo a norma ASTM C1161/94. Os corpos de prova foram confeccionados com, aproximadamente, 40 mm de comprimento, 5,0 mm de largura e 5,0 mm de espessura. Os resultados obtidos após o ensaio de flexão foram analisados através do método estatístico de Weibull. RESULTADOS E DISCUSSÕES Na Tabela III são apresentados os resultados das medidas de densidade e porosidade aparentes e de rugosidade superficial, para as cerâmicas obtidas pela conformação com amido e com extrato de beterraba.
28 de junho a 1º de julho de 2004 Curitiba-PR 6 Tabela III: Resultados dos ensaios realizados nas amostras de alumina consolidadas com extrato de beterraba e com amido de milho comercial. Descrição Extrato de beterraba Amido de milho (5) 10% Densidade aparente (g/cm 3 ) 3,56 3,12 Porosidade aparente (%) 11,11 18,35 Rugosidade superficial: Ra (µm) 1,37 2,40 Rt (µm) 12,60 18,12 R 3 z (µm) 2,33 3,20 De acordo com os resultados obtidos na Tabela III, observa-se que as cerâmicas produzidas com amido e com extrato de beterraba tem características ligeiramente diferentes. O valor da porosidade das cerâmicas obtidas com extrato de beterraba está abaixo do encontrado com 10% de amido de milho. Este fato, pode ser explicado pela presença de proteínas e açúcares na etapa de gelificação, que criam ramificações distintas daquelas com ligação por amido. Estas ramificações produziriam porosidade em menor quantidade e, possivelmente, com diversas interligações. A proteína produz um melhor acabamento superficial. Na Figura 1 é apresentado o diagrama para a probabilidade de fratura acumulada obtido após o ensaio de flexão por 3 pontos, das amostras de alumina conformadas com extrato de beterraba, em que se observa também o valor da resistência média (σ 50 ), que pode ser obtido através da curva de linearização. Uma comparação entre as amostras conformadas com extrato de beterraba e com amido comercial é apresentada no diagrama de Weibull da Figura 2. Ficou evidente na comparação, que cerâmicas obtidas com amido, tem um valor de resistência mecânica ligeiramente maior. Isto pode ser observado quando se analisa a Tabela IV, corroborando a hipótese da redução da resistência devido às ramificações produzidas pelas proteínas e açúcares no caso das amostras conformadas com extrato de beterraba. É importante, no entanto, lembrar que se trata de uma cerâmica obtida a partir de sobra de material orgânico e, portanto, tal valor da resistência mecânica pode ser considerado como um resultado promissor.
28 de junho a 1º de julho de 2004 Curitiba-PR 7 100 80 Probabilidade (%) 60 40 20 0 120 140 160 180 200 220 Tensão de ruptura σ 0 (MPa) Figura 1: Diagrama de probabilidade, das amostras obtidas com extrato de beterraba. 2 1 0 lnln(1/1-p) -1-2 -3 Beterraba Milho (10%) -4 4,8 4,9 5,0 5,1 5,2 5,3 5,4 5,5 ln σ Figura 2: Diagrama de Weibull, das amostras obtidas com extrato de beterraba e com amido de milho. Na Tabela IV, além dos valores de σ 0 e σ 50, apresenta-se também o valor do módulo de Weibull (m), normalmente utilizado na avaliação da homogeneidade. Neste caso, o valor obtido com as cerâmicas, em que foi utilizado o extrato da casca de beterraba é realmente menor.
28 de junho a 1º de julho de 2004 Curitiba-PR 8 Tabela IV: Resultados dos ensaios de resistência mecânica em que: σ 0 - resistência característica do material, σ 50 - resistência média e m módulo de Weibull Descrição Extrato de beterraba Amido de milho (5) 10% σ o (MPa) 184 193 σ 50 (MPa) 170 185 m 6 12 Este resultado mostra a necessidade de melhoria na forma de processar estas cerâmicas, de forma a se encontrar um valor maior para o módulo de Weibull. A dificuldade no processamento da barbotina com proteínas, observada de modo mais crítico no trabalho de O. Lyckfeldt (9), como o maior espessamento da solução e formação de espuma, constitui um fator limitante para sua utilização. CONCLUSÃO A obtenção de cerâmicas através da conformação com extrato da casca da beterraba se mostrou viável. Trata-se de um processo alternativo para o aproveitamento de uma série de resíduos orgânicos e que pode ser aplicado a vários extratos orgânicos, desde que estes apresentem propriedades de ligação entre partículas. Os resultados de porosidade aparente e rugosidade evidenciaram o quanto estas cerâmicas se assemelham às obtidas com amido de milho. A única observação desfavorável neste trabalho foi a constatação do valor do módulo de Weibull ser relativamente baixo o que indica a necessidade de novos estudos na busca de um processo de fabricação ainda mais eficiente. Os resultados da análise do ensaio de flexão mostram que tais cerâmicas apresentam uma boa resistência mecânica, o que motiva a busca na melhoria do processo. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao técnico Domingos Hasmann Neto, do DMT/FEG/UNESP, pela colaboração na confecção dos corpos de prova, e ao apoio financeiro da FAPESP (projeto Cerâmicas Porosas 2003/06769-2).
28 de junho a 1º de julho de 2004 Curitiba-PR 9 REFERÊNCIAS 1. O. Lyckfeldt, J.M.F. Ferreira. Journal of European Ceramic Society, v.18, p.131-140, 1998. 2. H. M. Alves, G. Tari, A. T. Fonseca, J. M. F. Ferreira. Research Bulletin. v. 33, issue: 10, p. 1439-1448, 1998. 3. G. Oliveira et al. Anais do 44º Congresso Brasileiro de Cerâmica, 2000 4. E. Campos et al. Anais do 45º Congresso Brasileiro De Cerâmica, 2001. 5. E. Campos. Obtenção e análise de cerâmicas porosas com amidos comerciais. (Análise de cerâmicas densas). Tese (Doutorado em Engenharia Mecânica), Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá UNESP, 2001. 6. A. F. Lemos, J. M. F. Ferreira. Materials Science and Engineering: C., v. 11, issue: 1, p. 35-40, 2000. 7. F. Almeida. Anais do 46º Congresso Brasileiro de Cerâmica, 2003 8. F.P. Santos; E. Campos; L. R. O. Hein; R.P. Mota; F.C.L. Melo - Anais do 46º Congresso Brasileiro de Cerâmica, 2003. 9. O. Lyckfeldt, J. Brandt, S. Lesca. Journal of the European Ceramic Society 20 (2000) 2551-2559. 10. Svenska Keraminstitutet. Alternative Forming Metods - SWEDISH CERAMIC INSTITUTE (SCI), June 2001. 11. F. O. Bobbio, P. A. Bobbio. Introdução à química de alimentos. 5. ed. São Paulo: Livraria Varela, 1989. 12. D. Albernaz, R. Pontes, Gelificação. UFSC. Disponível em: http://www.inf.ufsc.br/~taciano/temp/geleificacao.doc. 13. A. L. B. PENNA, Hidrocolóides - Usos em Alimentos. Caderno de Tecnologia de Alimentos & Bebidas Depto. de Engenharia e Tecnologia de Alimentos da Unesp de São José do Rio Preto/SP. Disponível em: <www.revistafi.com.br/main/revistas/ed_17/pdf/p&da.pdf>. 14. Oliveira, I. R., et al. Dispersão e Empacotamento de Partículas. Princípios e Aplicações em Processamento Cerâmico. Editora Fazendo Arte. 2000.
28 de junho a 1º de julho de 2004 Curitiba-PR 10 CHARACTERIZATION OF ALUMINA CERAMIC PRODUCED WITH LIQUID EXTRACT OF BEET PEEL ABSTRACT The use of direct consolidation techniques, especially the commercial starch consolidation method, has proportionate the development of a series of ceramic with the most varied geometric forms. The starch is present in seeds and roots and is the gelling component. It has double function in the preparation of the ceramic: it acts as binder and as pore former element. During the execution of this work, it was verified the ceramic features produced by the consolidation method with extracted starch of the beet peel, in the liquid form. The goal was to show that it can produce ceramic pieces of good quality, at low cost, besides being an efficient process in the recycling of organic residues. In order to verify the mechanical properties of these materials tests were made in agreement with the ASTM norms. The results showed this method is viable, obtaining pieces with similar features those produced by commercial starch consolidation. Key-words: commercial starches, consolidation, beet, recycling.