Simpósio Temático Forças Armadas e Política: continuidades e mudanças PROJETO: A FORMAÇÃO DO ESTADO NACIONAL E AS FORÇAS ARMADAS 1 SUBPROJETO: A PARTICIPAÇÃO DO NEGRO NA GUERRA DO PARAGUAI: EX-ESCRAVOS NA MARINHA DE GUERRA DO BRASIL (1866 1870) Gisele de Fátima Sperandio Programa de Iniciação Científica/UEL. Orientador: José Miguel Arias Neto Este sub-projeto tem o objetivo de verificar e detectar em documentos, livros e imagens na medida do possível a importância e participação do negro ex-escravo na Guerra da Tríplice Aliança, especificamente atuando na Marinha de Guerra do Brasil. Ressalta-se que pelo mesmo estar em andamento, serão apresentados aqui resultados parciais. Para começar a discussão torna-se necessário explicar o contexto social em que o país vivia no período, principalmente, a situação do escravo. O Brasil constituía-se um país com um Estado Monárquico escravocrata, de com estrutura agrária baseada na grande propriedade e na monocultura de agroexportação. PANORAMA GERAL DA GUERRA A guerra da Tríplice Aliança foi o maior conflito externo que o Brasil participou, seja em duração, seja em perdas humanas. Na versão de Francisco Doratioto, este conflito marcou o apogeu e, paradoxalmente, está entre os fatores que levaram ao fim do Estado monárquico brasileiro. Com ele, o império demonstrou sua capacidade de travar uma guerra com dimensões que o obrigaram a mobilizar e materiais em larga escala. O conflito cisplatino, marcou também o início do processo de decadência do Estado Imperial. Nos anos de guerra o governo brasileiro teve que se dedicar a vencê-la, desviando sua atenção das reformas internas. E mais ainda, foi forçado a fazer enormes gastos com a luta 1 Financiado pelo CNPq.
614 mil contos de réis, onze vezes o orçamento governamental para o ano de 1864 criando um déficit público que persistiu até 1889. Terminado o conflito, em 1870, o Estado Monárquico não teve condições de promover a tempo as reformas que conciliassem, em sua estrutura de poder, os interesses de setores sociais emergentes camadas médias urbanas e fazendeiros de café do oeste paulista com a decadente oligarquia escravocrata. A penúria dos recursos públicos dificultou a promoção dessas reformas e contribuiu para que o império não atendesse, quando da abolição da escravatura em 1888, os reclames de indenização dos senhores de escravos, perdendo assim seu principal sustentáculo. Foi o Exército e Marinha que o estado imperial estruturara durante a Guerra do Paraguai em padrões modernos de organização e armamento, o instrumento que pôs fim à monarquia com o golpe que 15 de novembro de 1889. Paradoxalmente, se a Guerra do Paraguai representa o apogeu do Império de D. Pedro II, o momento de maior maturidade, significa também, mesmo que visto de forma retrospectiva, o início da queda. O apogeu, pois em seu primeiro ano a contenda trouxe muitos benefícios à figura do monarca, que, como rei guerreiro, tornava-se ainda mais popular no imaginário local. Mas este é também o anúncio do declínio futuro. A guerra não seria tão curta como imaginava D. Pedro, ministros, generais e até seus aliados: a Argentina e o Uruguai. Por outro lado, os anos de guerra o governo brasileiro dedicou-se de tal maneira a ela que pouco tempo sobrou para as reformas internas. (SCHWARCZ, 1998: 295). Um ponto importante desta discussão consiste na construção ideológica do volutariado, ou seja, os Voluntários da Pátria no recrutamento para as frentes de batalha e marinheiros nos navios. O próprio D. Pedro II colocou-se como Voluntário Número Um com a intenção de elevar a confiança da população no Estado Monárquico e tentar convencer o máximo de pessoas possíveis a se alistarem no Exército e Marinha para a batalha que se iniciaria. É disto que trataremos no próximo tópico. O RECRUTAMENTO Ao organizar o exército que iria enfrentar o Paraguai, o governo brasileiro baseou-se nos Corpos da Guarda Nacional, das polícias das províncias e no chamamento dos Voluntários
da Pátria. A monarquia brasileira desenvolveu um esforço de recrutamento de dimensões nacionais. Além do aspecto geográfico, cabe ressaltar sua dimensão social. Recrutar, vestir, armar, treinar, organizar, transportar, promover as necessidades mínimas e motivar cem mil homens foi algo que atingiu o conjunto da sociedade. Por outro lado, tratava-se de obter legitimidade, apoio, cooperação e unidade de ação de todos os setores da sociedade escravista da época. Uma característica essencial do Estado Escravista era a clara distinção hierárquica entre diferenciados de grupos da população: cidadãos livres e escravos. No interior dos primeiros, processava-se uma segunda distinção entre os que eram proprietários de escravos e aqueles que dispunham apenas de suas pessoas. No caso brasileiro, grande parte do contingente populacional livre incluía-se numa categoria mais especial: aqueles que, livres, eram, por suas origens, por sua raça e pelas características das relações de produção escravistas, incapazes de se situar nos dois grandes campos da sociedade: o dos senhores e o dos escravos. O esforço de mobilização nacional resultante da guerra, devido a suas dimensões, trouxe luz a regiões antes sombrias da sociedade escravista, como o papel e a situação dos setores livres populares. Como esforço nacional, a organização do exército e marinha implicou ressaltar os laços e contradições que uniam e opunham senhores, cidadãos, despossuídos e escravos na civilização do Império. A incidência do recrutamento fora recheado com ideologias heróicas, de defesa da Pátria e até de bonos e compensações, como veremos a seguir. OS EX - ESCRAVOS NA GUERRA Determinar o número de escravos que combateram na Guerra do Paraguai, seja nas frentes de batalha, seja nos navios de guerra, é algo bastante difícil, pela precariedade das estatísticas da época e devido ao desejo de ocultar o quanto uma sociedade escravocrata dependeu de escravos para responder ao chamado da Defesa da Pátria. Uma coisa, no entanto, é certa, escravos combateram na guerra. Nesta pesquisa, detectam-se divergências de idéias, como se demonstra a seguir. Robert Conrad 2 estima em vinte e mil o número de escravos, incluindo as mulheres dos soldados e 2 CONRAD, Robert. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2 ed. 1978, p. 96.
marinheiros, que conseguiram liberdade com a guerra. Segundo a visão de Richard Graham 3, afirma-se que não há estimativas sobre o número de escravos que combateram na Guerra. Ele considera certo, no entanto, que o governo imperial adotou uma posição em... que os escravos que lutassem se tornariam livres, mesmo que tivessem fugido para unir-se às fileiras e regimentos. No relatório do ministério da Guerra do ano de 1868 encontramos os seguintes dados sobre o número de libertos alistados até abril de 1868. ( Mapa dos Libertos que tem assentado praça desde o começo da Guerra ). QUADRO I Da nação 287 Casa Imperial 67 Gratuitos 753 Conventos 95 Conta do Governo 1806 Substitutos 889 Total 3897 Fonte: Cf. Beiguelman. O Encaminhamento Político da Questão da Escravidão no Império. In: História Geral da Civilização Brasileira, op. cit., tomo II, vol. 3, p. 206. O quadro é de 23 de abril de 1868 e contém uma nota informando que muitas províncias ainda não haviam fornecido informações regulares. Estava, portanto, incompleto. Mesmo assim é valido comparar esses números com dados do próprio Ministério sobre o total das forças enviadas até 15 de maio de 1868. Estes somariam 70.943 soldados. Portanto, os ex-escravos representariam 5,49%. O quadro acima permite uma análise em que ele se mostra mais revelador pelas categorias de libertos que especifica a sua relação mútua, do que pela precisão estatística. Os escravos da Nação eram africanos que, entrados ilegalmente no país, após a proibição efetiva do tráfico em 1850, haviam sido apreendidos e encontravam-se sob os cuidados do governo imperial. Representavam 7,36% do conjunto. 3 A Escravatura Brasileira Reexaminada. In: Escravidão, Reforma e Imperialismo. São Paulo: Perspectiva, 1979, p. 37.
Escravos da Casa Imperial (1,71%) e dos Conventos (2,44%) eram doações particulares destas entidades e, no caso dos primeiros, da família do imperador ao Estado para colaborar no esforço da guerra. Verificamos que a grande maioria de libertos encontra-se na categoria de Conta do Governo, 46,34%. Sob este título, estavam os escravos que custaram alguma quantia ao governo, seja sob a forma de prêmios a seu dono, seja qualquer outro tipo de compra, indenização ou dispêndio efetuados pelas autoridades. Ressalta Salles, que em lei de 1866, o governo imperial concedia liberdade aos escravos na nação para que servissem o Exército e Marinha, bem como estipulava a doação de prêmios honoríficos a particulares que libertassem seus escravos para combater. Há autores, entre eles Richard Graham e Emília Viotti da Costa 4, que consideram a possibilidade de escravos terem fugido e se apresentado para lutar na guerra. Para boa parte da população escrava, nos anos que se seguiram ao término da guerra foram marcados pelas fugas e rebeliões, mas também pela tentativa de adquirir direitos de cidadania. Este fato ganhou peso quando, nos anos de recrudescimento do abolicionismo. Sua ala mais radical buscou relacionar o fim da escravidão com a obtenção ou ampliação de direitos dos antigos escravos. A participação de escravos e negros nas fileiras do exército e marinha na luta contra o Paraguai foi um dos elementos concretos que deflagaram esta crise, e, como tal, teve presença constante na temática e no ideário do abolicionismo. 5 BIBLIOGRAFIA DORATIOTO, Francisco. O Conflito com o Paraguai: A Grande Guerra do Brasil. São Paulo: Ática, 1996. SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador. São Paulo:Companhia das Letras, 1998.p. 295. NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império. Rio de Janeiro: TopBooks, 1998. p. 698-703. 4 COSTA, Emilia Viotti. A Abolição. São Paulo: Global, 1982, p. 43. 5 NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo, Petrópolis: Vozes, 2000.
SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: Escravidão e Cidadania na Formação do Exército. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Petrópolis: Vozes, 2000. GUIMARÃES, Acyr Vaz. A Guerra do Paraguai: Suas Causas 1823-1864. Campo Grande: IHGMG, 2000. p. 90-100. COSTA, Emilia Viotti. Da Monarquia à República: Momentos Decisivos. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 228-247.