Discurso de abertura do Seminário 100 de Registo Civil Obrigatório

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Santana Lopes, Castro, Vieira, Teles, Silva Lopes, Calado, Cardoso & Associados R. L. Rua Castilho, n.º 67-2º andar * Lisboa Tel:

Transcrição:

Discurso de abertura do Seminário 100 de Registo Civil Obrigatório Faz hoje um século que, pelo Dec-Lei de 18 de Fevereiro de 1911 foi instituído o registo civil obrigatório, marco fundamental do registo civil Português e da 1ª República. Este projecto incluído entre os pontos de honra do programa do Partido republicano e causa da Associação do Registo Civil, militante republicana foi saudado na gazeta da relação de Lisboa como sendo uma necessidade politica e a remodelação dos serviços de registo uma necessidade de ordem jurídica e social. O governo de então por intermédio do Ministro da Justiça lembrava aos funcionários do registo civil que tivessem em consideração que os actos perante eles praticados eram dos mais graves e solenes da vida dos cidadãos, pelo que a sua atitude no exercício das funções deveria, igualmente, ser grave e solene e sempre acolher os cidadãos com a mais perfeita urbanidade, cortesia, pressurosos, valedores e afáveis. Sob o ponto de vista jurídico o código de 1911 marca um incontestável progresso ao lançar as bases definitivas do registo civil. A par da obrigatoriedade e da secularização dos serviços, que constituem as ideias básicas da nova organização registal, alargou o âmbito do registo com o objectivo de facultar o conhecimento, tão completo quanto possível, da situação que cada indivíduo ocupa na família e na sociedade.

Estendeu a obrigatoriedade de registo a todos os indivíduos independentemente da sua confissão religiosa e confiou a realização do mesmo a conservadores, bacharéis em direito, sedeados em cada um dos bairros da cidade de Lisboa e Porto e em cada uma das capitais de distrito e a funcionários civis que viriam a ocupar os postos de registo civil criados e disseminados por todo o território nacional. Para facilitar os actos de registo civil foram criados postos de registo nos hospitais de Lisboa, Porto e Coimbra com competência para lavrar os registos de nascimento, óbito e casamento in articulo mortis. Para garantir a efectivação destes princípios foi fixada a precedência obrigatória do registo civil sobre as cerimónias religiosas e cominaram-se sanções pesadas aos infractores desse regime de prioridade legal. A preocupação de garantir a plena utilidade do registo ou seja a possibilidade de, em cada momento se poder determinar exactamente a condição jurídica de uma pessoa haveria de reflectir-se nas diversas legislações que vieram sucessivamente a ser publicadas. Consubstanciou-se tal preocupação no alargamento do âmbito do registo civil que passou a abranger todos os factos relevantes, exemplo de curatela, escritura antenupcial, emancipação, interdição, inabilitação, regulação do poder paternal, entre outros, e na concentração dos assentos respeitantes ao indivíduo, sem o que o estado e capacidade civil, se apresentassem a cada passo, incompletos, desactualizados e, por isso, falsos nalguns aspectos. O processo encontrado consistiu em levar ao assento de nascimento, por intermédio de averbamento a menção dos factos posteriores relativos ao estado e capacidade civil dos registados. 2

A evolução do instituto do registo civil foi quase sempre resultado da sua adaptação às realidades dinâmicas, sociais, económicas, políticas e jurídicas. A celebração da concordata entre o Estado Português e a Santa Sé em Maio de 1940 que reconheceu o matrimónio católico como tal, muito determinou o aparecimento do código de 1958. As profundas transformações operadas no campo do Direito da Família com o novo código civil de 1967 originou o código do registo civil do mesmo ano. As alterações introduzidas no instituto da família pelo Dec-Lei 496/77 de 25 de Novembro, de tão profundas, impuseram a aprovação do código do registo civil de 1978. A preparação técnico-jurídica reconhecida aos Conservadores de Registo Civil e as novas competências que lhes foram atribuídas em matéria de divórcio e separação por mútuo consentimento e de verificação de capacidade matrimonial motivou a publicação do Código de 95. Nas diversas alterações legislativas ocorridas ao longo destes 100 anos, estiveram sempre subjacentes preocupações fundamentais de aperfeiçoamento e de simplificação, sem prejuízo da certeza jurídica reservada aos actos de registo civil. Porém, a vontade de simplificar de formalidades excessivas a actividade registal nos seus aspectos formais, atingiu o seu expoente máximo nos últimos cinco anos com a utilização alargada de meios informáticos no funcionamento das conservatórias. A expressão jurídica desta simplificação e desmaterialização dos actos e processos relacionados com a vida dos cidadãos na área do registo civil encontra-se vertida no dec-lei 324/2007 de 28 de Setembro. 3

A informatização do registo civil que levou a que todos os actos e processos sejam lavrados exclusivamente em suporte informático; a criação de bases de dados centrais de assentos, alimentadas e acedidas simultaneamente por todas as conservatórias em rede e a transposição massiva dos registos existentes em suporte de papel para o sistema informático, cerca de 7 milhões de assentos, permitiram levar a cabo uma profunda reforma na organização e funcionamento daquele registo, muito centrada no cidadão que se desenvolveu em 3 grandes vectores: Simplificação generalizada de numerosos actos e processos de registo civil; criação de balcões únicos para facilitar a realização de eventos frequentes da vida dos cidadãos tradicionalmente morosos e complexos; e a disponibilização de serviços online para pedidos de registo e de certidões. Em jeito de bosquejo, são de evidenciar, pelo seu impacto na economia e na qualidade de vida dos cidadãos as seguintes medidas: - A eliminação da competência territorial que permite aos cidadãos escolher livremente qualquer conservatória para tratar dos seus assuntos independentemente da sua naturalidade, residência ou de qualquer outro critério legal. - A dispensa de apresentação, pelos cidadãos, de certidões para a organização e instrução dos processos de registo civil e a sua substituição por consulta directa às bases de dados; - A criação de procedimentos simplificados para os actos e formalidades relacionadas com a sucessão hereditária, e os divórcios por mútuo consentimento Balcão Único das Heranças e Divórcios com Partilha. 4

O número de procedimentos realizados nestes balcões, já disponíveis em todas as conservatórias do registo civil, ascende já a 47 453. - A possibilidade de submeter por via electrónica o requerimento para o casamento, com recurso à assinatura digital, o que já sucedeu em 251 processos e a faculdade de pedir uma certidão online permanentemente actualizada de qualquer registo de nascimento. - A promoção e simplificação do registo de nascimento projecto Nascer Cidadão que permite o registo imediato da criança na maternidade perante funcionário do registo civil, de que foi percursor o Código de 1911, fazendo-se uso agora de meios tecnológicos. Desde o início do projecto foram registadas 251 197 crianças, num total de 287 928 nascimentos, o que corresponde a 87,24% do total de nascimentos ocorridos nas Unidades de Saúde - A disponibilização dos sistema informático do registo e de identificação civil (SIRIC) nos consulados, que simplificou e deu celeridade ao processo de integração nos Centrais dos registos por aqueles lavrados. O que até aqui demorava meses e até anos a integrar é agora disponibilizado, no próprio dia, nas bases de dados do registo civil. Permite, ainda, que os consulados emitam certidões directamente das bases de dados nacionais possibilitando que os cidadãos portugueses da diáspora tenham um acesso facilitado e mais rápido à informação do registo civil, colocando-os em plano de igualdade com os portugueses residentes em Portugal. São já 67 os consulados informatizados e já foram realizados mais de 550 mil actos de registo civil. 5

Seria grave lacuna não efectuar aqui e agora uma referência ao Cartão de Cidadão, que se apresenta como um verdadeiro certificado de cidadania, assumindo a forma dupla de um documento físico, que identifica visual e presencialmente o cidadão, e de um documento digital que permite ao cidadão autenticar-se e identificar-se electronicamente perante entidades públicas ou privadas. Documento prático que agrega num único cartão os números de identificação civil, contribuinte, serviço nacional de saúde e segurança social, é também um documento de viagem e um, instrumento chave para o desenvolvimento da sociedade de informação. Parafraseando José Alberto Gonzalez e passo a citar: O registo civil pela sua íntima ligação com o estatuto pessoal de cada indivíduo e, por isso, com a dignidade (pessoal, social, natural, etc) de cada ser humano, transcende de tal modo os aspectos estritamente técnicos com ele conexos, que se torna proibido considerá-lo sem ter por pano de fundo os direitos fundamentais e muito particularmente, os direitos, liberdades e garantias plasmados no artigo 26º da nossa Constituição. fim de citação. Doutro modo podemos dizer que a importância social, pessoal e para a boa governação que assume o registo civil ao registar e comprovar os episódios mais relevantes do estatuto pessoal dos cidadãos, mormente o seu nascimento, principal garante do estatuto de cidadania e dos direitos e obrigações a ele inerentes levou a que os Estados Modernos organizassem serviços públicos de registo civil, como acontece entre nós. 6

Senhoras e senhores, Volvidos 100 anos, tal como em 1911, podemos com orgulho afirmar que o actual sistema de registo civil é um exemplo de modernização dos serviços públicos em Portugal e uma referência internacionalmente reconhecida como demonstra a cooperação com outros países europeus, da América Latina e de África. Para alcançar tão elevados patamares de eficiência, mais do que a perfeição legislativa, mais do que a boa organização e reengenharia processual, mais do que as boas ferramentas incluindo as tecnológicas, o principal mérito pertence àqueles que providos de fé pública, com responsabilidade, imparcialidade, autonomia funcional e dotados de preparação jurídica específica exercem, no dia a dia, funções no domínio do registo civil. Esses são os conservadores e oficiais de registo a quem reconhecidamente louvo e exorto a que continuem a laborar ao serviço de Portugal e dos portugueses segundo os princípios e valores que norteiam a sua função. Lisboa 18 de Fevereiro de 2011 António Luís Pereira Figueiredo Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado 7