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Cristóbal nasceu num aquário. O mundo dele resumia-se a um pouco de água entre as quatro paredes de vidro. Isso, alguma areia, algas, pedras de diversos tamanhos e a miniatura em madeira de uma caravela naufragada. Ah! E trinta e sete outros peixinhos, quase todos irmãos do Cristóbal, ou primos, tios, parentes próximos. Havia ainda uma velha tartaruga, chamada Mercedes, que já vivia no aquário quando os avós dos avós de Cristóbal nasceram. Os peixes acreditavam que Mercedes vivia no aquário desde a criação do Universo e ela deixava que eles acreditassem naquilo.

Às vezes, os peixes mais velhos contavam histórias que tinham escutado dos seus avós. Diziam que, para além das paredes do aquário, longe dali, havia água, tanta água que um peixe podia passar a vida inteira a nadar, sempre em linha reta, sem nunca bater de encontro com um vidro. Essa água livre, imensa, onde tinham nascido os primeiros peixes, chamava-se Mar. Os peixes falavam do Mar como quem fala de um sonho. Cristóbal tantas vezes escutou aquela história que um dia resolveu perguntar a Mercedes. A tartaruga era velhíssima, devia saber. Os velhos sabem tudo.

Encontrou-a a tomar banho de sol em cima de uma pedra. (...) Mercedes torceu a boca numa careta de troça: - Disparate, o Mar não existe. Não existe nada para além daquelas quatro paredes de vidro. O universo inteiro somos nós. Cristóbal foi-se embora, pensativo. Sempre que ouvia falar no Mar, o aquário parecia-lhe menor. (...)

Uma manhã, muito cedo, ainda todos os peixes dormiam. Cristóbal encheu-se de coragem, tomou balanço e saltou. Percebeu imediatamente que o mundo não terminava no aquário.

Percebeu também, assustadíssimo, que o resto do mundo era um lugar tão seco quanto a pedra onde Mercedes costumava descansar. Percebeu isso tarde de mais. Estava estendido no chão de madeira e não conseguia respirar. Foi então que viu um gato. Ele não sabia o que era um gato. Nunca tinha visto nenhum. O gato, no entanto, sabia o que era um peixe. Os peixes, na sua opinião, eram comida. Cristóbal viu o gato e gritou: -Ajuda-me, vou morrer!...

- Pois vais disse o gato, que, aliás, não era um gato, era uma gata, e por sinal lindíssima. Eu vou-te comer. Cristóbal conseguia ver o aquário e do lado de lá do vidro os outros peixes. Mas eles não o podiam ver. - Não me comas pediu - eu quero ver o Mar. A gata olhou para ele admirada: - O Mar? Pois tu nunca viste o Mar? Cristóbal, com dificuldade, porque fora de água não conseguia respirar, contou-lhe a sua história.

Verónica era assim que se chamava a gata ficou com pena dele. Agarrou-o na boca, cuidadosamente, para não o magoar, e colocou-o na sua tigela com água. - Vou-te ajudar disse-lhe -, porque nunca conheci ninguém tão corajoso como tu. Nessa tarde, a gatinha saiu pelos telhados à procura do Nicolau, o albatroz, um pássaro enorme, de bico largo e fundo, capaz de transportar lá dentro uma enorme quantidade de peixes. Nicolau, velho amigo recebeu-a com alegria. Verónica contou-lhe a história de Cristóbal e pediu-lhe para levar o peixinho até ao Mar.

O albatroz achou a ideia um pouco estranha: afinal, ele tirava peixes do mar para os comer. Mas quando Verónica o apresentou a Cristóbal depressa o convenceu. Colocou então o peixinho dentro do bico com uma larga porção de água, para que ele não sentisse dificuldades em respirar e levantou voo. Voavam há quase uma hora quando o Nicolau abriu o bico e disse a Cristóbal para espreitar. Cristóbal ergueu a cabeça e o que viu deixou-o mudo de espanto: o Mar brilhava imenso à sua frente. Era muita água. Havia muitíssimo mais água ali do que dentro do seu aquário, muito, muito mais, muito mais do que ele alguma vez se tinha atrevido a imaginar.

Nicolau abriu as asas e começou a descer em direção ao imenso azul, lá em baixo, o salgado rumor das ondas. Gritou: - Adeus, amigo. Boa sorte! Sacudiu o bico e fez saltar o Cristóbal. O peixinho olhou para cima, antes de mergulhar nas águas livres do Mar, e ainda viu o albatroz agitando as asas. - Adeus, adeus! E desapareceu entre as nuvens altas (...)

Texto adaptado do livro Estranhões e Bizarrocos Estórias para adormecer anjos, de José Eduardo Agualusa.