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1 ANEMIAS Dra. Cecília V. Krebs Objetivos cardíaco, para que seja ofertado aos tecidos maior quantidade de O2. Por tanto, quanto mais crônica for uma anemia, menos sintomática será, ou quando houverem, estes serão sutis. Já na anemia aguda não há tempo para que o organismo se adapte a este regime de hipóxia, portanto os pacientes terão mais sintomas e estes poderão ser exuberantes. Identificar os sinais e sintomas gerais de anemia. Identificar o Identificar os sinais e sintomas específicos das anemias mais prevalentes. Interpretar o hemograma e outros dados laboratoriais que auxiliem no diagnóstico das anemias. Enfocar a anemia ferropriva (mais comum). CENÁRIO CLÍNICO Um paciente de 45 anos vem à consulta para um check- up. Não possui nada de relevante na história clínica, exceto por uma discreta queixa de dispnéia quando sobe um lance de escadas rápido que vem ocorrendo nas últimas 3 semanas. Acredita que isto se deva à vida sedentária que leva há 2 anos. O exame Aísico do paciente é totalmente normal. COMO SEI QUE ESTE PACIENTE TEM ANEMIA? A anemia muitas vezes é assintomática e é descoberta por acaso ao se realizarem exames de rotina. Este paciente no entanto tem uma queixa sutil, que pode apontar para o raciocínio clínico de anemia que é a dispnéia discreta ao subir um lance de escadas rápido. Se o paciente é sedentário há muito tempo, mas só agora vem se queixando de dispnéia, então isto provavelmente é signiaicativo e a queixa deve ser melhor explorada. COMO UM PACIENTE COM ANEMIA PODE ESTAR SEM SINTOMAS? De acordo com o tempo de evolução da anemia o organismo cria mecanismos de adaptação para que os tecidos não sintam falta do oxigênio que a hemácia (ou eritrócito) carreia. Um deles é aumentar o débito ENTÃO PODEMOS SUSPEITAR DE ANEMIA DE ACORDO COM OS SINTOMAS DO PACIENTE E SEU TEMPO DE EVOLUÇÃO? Sim. Sintomas agudos são relacionados à perda abrupta da volemia, como palidez, tontura, síncope, taquicardia. Os sintomas crônicos realetem a hipóxia tecidual, como fadiga, cefaléia, dispnéia. Em resumo, as anemias, de uma maneira geral, não importando a sua causa, podem manifestar- se com sintomas gerais como astenia, letargia, dispnéia, palpitações, síncopes, ou exacerbações sintomáticas de doenças crônicas como piora de uma dispnéia em um paciente DPOC, surgimento de angina em um paciente coronariano. Ainda pode haver depressão, insônia, diminuição da libido, entre outros. Sintomas da Síndrome Anêmica Dispnéia aos esforços Taquicardia, palpitações Diminuição da tolerância a esforços Astenia, fadiga Tontura postural Cefaléia Descompensação de doenças cerebrovasculares Descompensação de doenças respiratórias ESTE PACIENTE PODERIA APRESENTAR ALGUM SINAL NO EXAME FÍSICO QUE PUDESSE FORTALECER A HIPÓTESE DE ANEMIA? Sim. A anemia apresenta alguns sinais clássicos. Para sabê- los é só lembrarmos que estamos em regime de falta de oxigênio. Sinais: Palidez, alopécia, glossite atróaica, queilose angular, coiloníquia, unhas quebradiças, insuaiciência cardíaca congestiva cor anêmico e sopro sistólico.

Um outro paciente com anemia, diminuição da sensibilidade vibratória, teste de Romberg positivo e vitiligo provavelmente terá deficiência de vitamina B12. Sinais da Síndrome Anêmica Palidez pele e mucosas Alopécia Glossite atróaica, queilose angular Coiloníquia, unhas quebradiças Sopro sistólico, Cor anemico As anemias carenciais podem ocasionar rachaduras no canto da boca, conhecidas como queilite angular ou despapilamento da língua, também chamado de glossite. HÁ ALGUM SINTOMA OU SINAL ESPECÍFICO QUE NOS ORIENTE QUANTO À ORIGEM DA ANEMIA? Alguns padrões clínicos podem nos orientar para o diagnóstico do tipo de anemia. Assim por exemplo: Um paciente com anemia, icterícia e esplenomegalia levantam a possibilidade diagnóstica de anemia hemolítica. Por outro lado, um paciente com anemia, vontade de comer terra ou chupar gelo (malásia) e coiloníquia aponta para o diagnóstico de anemia ferropriva. Lembre- se ainda do paciente com anemia e múltiplas petéquias que pode indicar anemia aplástica.

Neste caso clínico, como ainda não sabemos como está o hemograma do paciente em questão, e, devido à pobreza de sintomas e sinais clínicos, ainda não temos certeza se o paciente tem ou não anemia. Outras doenças podem manifestar- se também com dispnéia a esforços como insuaiciência cardíaca, insuaiciência coronariana e doenças pulmonares variadas, mas devido à ausência de outros achados clínicos que corroborem com estas hipóteses, estes ficam menos prováveis. QUAL O PRÓXIMO PASSO ENTÃO NA SUSPEITA DE ANEMIA? Deve- se solicitar um hemograma. A análise da série vermelha é que definirá se o paciente está ou não com anemia. CENÁRIO CLÍNICO É então solicitado um hemograma para o paciente o qual evidencia o seguinte: eritrócitos: 3.800.000/ ; Hb: 11,3g/dL; VG: 36%; VCM: 70; HCM:21; RDW:18. A série branca e as plaquetas estão normais. A série vermelha do hemograma é constituída pela hemoglobina (Hb), pelo volume globular(vg), também chamado de hematócrito (HT) e pelo número de eritrócitos (ou hemácias). Nos casos de anemia observa- se diminuição destes valores, sendo a Hb o parâmetro mais estável e portanto o mais utilizado para definí- la. De maneira prática diz- se que há anemia quando a Hb é < 13g/dL nos homens e < 12g/dL nas mulheres. Agora sim! É conairmada a hipótese diagnóstica de anemia, pois os parâmetros da série vermelha estão baixos. Os valores normais para a série vermelha são os seguintes: Tabela 1: Valores normais da série vermelha Série vermelha Valores normais Índices hematimétricos Tabela 1: Valores normais da série vermelha VCM (fl) 80-96 HCM (pg) 27,6-33,2 CHCM (g/dl) 33,3-35,5 Outros componentes RDW (%) 11,7-14,5 Reticulócitos (%) 0,5 2 E AGORA? SABEMOS QUE O PACIENTE TEM ANEMIA, MAS QUAL É SUA CAUSA? Uma vez detectada anemia temos o obrigação de observar os outros parâmetros do Hemograma, que me informarão a respeito do tipo da hemácia do paciente. O VCM (volume corpuscular médio) orienta sobre o tamanho da hemácia. Se aumentado: macrocítica. Se normal: normocítica. Se diminuído: microcítica. O HCM (hemoglobina corpuscular média) e a CHCM (concentração da hemoglobina corpuscular média) orientam sobre a coloração das hemácias. Se aumentado: hipercrômica. Se normal: normocrômica. Se diminuído: hipocrômica. O RDW (red cell volume distribution width) orienta sobre a variabilidade do tamanho das hemácias, dividindo as anemias naquelas sem variabilidade do tamanho daquelas com muita variabilidade no seu tamanho. Ainda temos o reticulócito que é uma hemácia jovem, precursora do eritrócito no sangue. Quando ele se encontrar em número aumentado no sangue periférico podemos deduzir que há um estado de hemorragia ou hemólise, em geral. Ele representa a resposta da medula óssea à anemia, como forma de compensação. ENTÃO O PERFIL DA HEMÁCIA DO PACIENTE PODE ME SUGERIR A CAUSA DA ANEMIA? Sim. COMO SABER A CAUSA DA ANEMIA? Devemos classificá- las, pois facilitam o raciocínio clínico da sua etiologia. 1. Anemias Hipocrômicas Microcíticas 2. Anemias Normocrômicas Normocíticas 3. Anemias Macrocíticas Tabela 2: ClassiAicação das anemias Anemias Anemias Hipocrômicas Normocrômicas Microcíticas Normocíticas Anemias Macrocíticas Ferropriva Mieloma Múltiplo Megaloblástica Talassemia Doença Crônica Hipotireoidismo Sideroblástica Hemolítica Alcoolismo Doença crônica Hemorragia aguda Mielodisplasias

Tabela 2: ClassiAicação das anemias Intoxicação por Aplásica metais pesados Fase inicial de anemia ferropriva Aplásica Voltemos aos parâmetros hematimétricos do paciente (VCM, HCM e CHCM) e observemos que o paciente tem uma anemia do tipo hipocrômica e microcítica. QUAIS SÃO AS ETIOLOGIAS DESTE TIPO DE ANEMIA? Anemia ferropriva, talassemia, sideroblástica, intoxicação por metais pesados e a assim chamada anemia de doença crônica. CENÁRIO CLÍNICO É então solicitado um perail do ferro para o paciente o qual evidencia Ferritina = 4 ng/ml (40-200), Ferro sérico = 16 mcg/dl (50-150), índice de saturação do ferro = 12% (20-50). Capacidade de ligação total do ferro = 450 (300-360) Ferritina representa o estoque do ferro no organismo; Ferro sérico é a quantidade de Ferro livre no sangue; Capacidade de ligação total do ferro = transferrina; Índice de saturação do ferro = ferro/cltfe x 100. Devido a sua alta prevalência vamos nos ater apenas à anemia ferropriva. Como o próprio nome diz, anemia ferro priva quer dizer privação de ferro, deaiciência de ferro. E de que maneiras o ser humano chega a este regime de deaiciência de ferro? Das seguintes formas: 1. Ingesta inadequada (carencial) 2. Absorção inadequada 3. Perdas: sangramentos, parasitoses CENÁRIO CLÍNICO Realizou- se uma endoscopia digestiva alta (EDA) que evidenciou uma pequena úlcera duodenal ativa, mas sem sinais de sangramento recente. Aqui há algo interessante para comentar: Quando se suspeita de um sangramento digestivo oculto, deve- se priorizar a investigação do intestino grosso primeiro, assim, uma colonoscopia antes da EDA poderia ser mais interessante. Isto porque às vezes o achado de qualquer patologia no trato digestivo alto, poderá ser uma falsa pista, com risco de negligenciar uma patologia mais séria no trato digestivo baixo, como por exemplo um adenocarcinoma de cólon. Felizmente, também realizou- se uma colonoscopia neste paciente a qual foi normal. RESOLUÇÃO DO CASO Este paciente de 45 anos, apesar de assintomático, exceto pela discreta queixa de dispnéia aos esforços, revelou- se portador de uma anemia relativamente importante do tipo microcítica e hipocrômica que desencadeou o raciocínio da procura da principal causa de anemia deste tipo, ou seja, a ferropriva. O perail do ferro conairmou a hipótese e em decorrência do paciente não ter nada que levasse a pensar em carência alimentar ou má absorção, obrigou à investigação de perda sanguínea, principalmente do trato gastrintestinal (em homens), que acabou se conairmando com a presença de úlcera duodenal ativa, que embora não sangrante no momento, provavelmente tenha ocorrido de forma intermitente. Os estados nutricionais carenciais são raros na idade adulta, mas devem ser lembrados na sua anamnese. Já a perda crônica de sangue é a principal causa de anemia ferropriva no mundo e, na prática se manifesta principalmente em 2 situações: Em mulheres com hipermenorréia e em homens ou mulheres com sangramento de qualquer parte do trato gastrointestinal, sendo este último geralmente leve e crônico, passando despercebido. Sendo assim, lembre- se: a anemia ferropriva nunca é o diagnóstico Ainal! Uma vez detectada, vá atrás de sua origem. E AGORA? QUAL O PRÓXIMO PASSO?

LEITURA COMPLEMENTAR RDW (RED BLOOD DISTRIBUTION WIDTH) O RDW é a medida na variabilidade do tamanho das células vermelhas circulantes (N: 11,5-14,5). O RDW ajuda a distinguir, por exemplo, dentro das anemias microcíticas, uma anemia ferropriva (com grande variabilidade de tamanhos, ou seja RDW elevado) de talassemia minor ou mesmo anemia de doença crônica (com pouca variabilidade de tamanho, ou seja, RDW normal). Outras doenças além da anemia ferropriva que também RDW: anemia megaloblástica, hemólise, sideroblástica, pós- transfusão, abuso de álcool e hemoglobinopatias. RETICULÓCITOS Os reticulócitos são eritrócitos imaturos que contém mrna citoplasmático. Como podemos ter um falso aumento da percentagem de reticulócitos nas anemias, preconiza- se o cálculo do índice reticulocitário (IR) para melhor avaliação, que leva em conta a correção da contagem de reticulócitos dependendo do grau de anemia. Isto é particularmente mais útil ao avaliarmos anemias normocíticas/ normocrômicas... Relativo: IR < 2: MO com resposta inadequada à anemia. IR 2-3: borderline. IR > 3: MO com resposta adequada à anemia. Absoluto: IR < 40.000/mm³ = MO com resposta inadequada à anemia. IR = 40.000 100.000/mm³ = borderline. IR > 100.000/mm³ = MO com resposta adequada à anemia Índices reticulocitários aumentados, ou seja, com boa resposta medular, são encontrados na hemólise, na perda de sangue, na recuperação de uma anemia ferropriva ou B12 ou ácido fólico. Já os índices reticulocitários diminuídos, ou seja, com má resposta da medula óssea óssea, são encontrados na anemia por deaiciência de ferro, na aplasia de medula óssea, na anemia megaloblástica, na sideroblástica e na supressão da medula óssea. HEMATOSCOPIA (ANÁLISE DO SANGUE PERIFÉRICO) A análise da hemácia ao microscópio (análise do sangue periférico ou hematoscopia) pode ser de grande valia no auxílio diagnóstico. As vezes a pista diagnóstica surge na hematoscopia, assim por exemplo se observam- se hemácias em alvo, o diagnóstico de talassemia é praticamente certo. Veja a seguir uma lista de alterações na hematoscopia que podem orientar o diagnóstico:

Em alvo (Codócitos): talassemias. Acantócitos (Crenadas) e Burr cell: doenças renais. Em foice (Drepanócitos): falciforme. Esferócitos: esferocitose ou anemias hemolíticas auto- imunes. Eliptócitos ou Ovalócitos: eliptocitose, anemias ferropriva e megaloblástica, síndromes mieloproliferativos. Fragmentos (Esquizócitos): anemia hemolítica microangiopática. Em gota (Dacriócitos): mieloaibrose e outros síndromes mieloproliferativos crônicos. Rouleux: mieloma múltiplo. Macrócitos: anemias macrocíticas. Micrócitos: anemias microcíticas. Normal: anemias normocíticas. Howell- Jolly: esplenectomizados Ponteado basóailo: saturnismo (chumbo), talassemia, anemia megaloblástica, anemia sideroblástica Grânulos sideróticos: anemia sideroblástica Parasita dentro: malária Reticulócitos: anemia hemolítica Corpúsculos de Heinz: hemólise ANEMIA FERROPRIVA x ANEMIA DE DOENÇA CRÔNICA Nas doenças crônicas o ferro também se encontra diminuído e poderá levar ao falso diagnóstico de anemia ferropriva. Isto ocorre por redução da produção de células vermelhas pela medula óssea e também em decorrência da menor sobrevivência do eritrócito no sangue periférico. Três fatores contribuem para este estado hipoproliferativo: 1. Atrapamento do ferro pelo macrófago 2. DeAiciência de eritropoietina 3. Aceleramento da apoptose celular dos precursores da série vermelha Devemos solicitar todo o perail do ferro para poder interpretar melhor a situação (ferro, ferritina, capacidade de ligação, índice de saturação e ferritina). Observe na tabela 3 abaixo as principais diferenças entre uma anemia e outra:

Tabela 3: Anemia ferropriva x Doença crônica Laboratório Ferropriva D. Crônica Ferro CLTFe is Ferro Ferritina Ferro MO Ferro MO: Ferro na medula óssea Devemos lembrar que a capacidade de ligação total de ferro é uma proteína, e, como em quase toda doença crônica há um estado de hipoproteinemia relativa ao longo do tempo, o mesmo se encontra baixo na anemia de doença crônica, diferentemente da anemia ferropriva, onde se encontrará elevada. Por outro lado, a ferritina, além de traduzir a reserva de ferro no organismo, também é uma proteína de fase inalamatória (assim como a mucoproteína, proteína C reativa e alfa- 1 glicoproteína ácida), e portanto se encontrará elevada, diferentemente da anemia ferropriva, aonde se encontrará baixa. A ferritina pode ser normal tanto em uma fase inicial de anemia ferropriva (quando ainda a reserva de ferro não está depletada), quanto na anemia de doença crônica (quando não haja um estado inalamatório contínuo). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. D. L. Simel and D. Rennie. The Rational Clinical Examination: Evidence based clinical diagnosis. Mc Graw- Hill, 2009 PONTOS CHAVE 1. As anemias podem ser assintomáticas 2. Não basta diagnosticar anemia, devemos saber o tipo e a sua causa 3. Anemia ferropriva em homens é sinônimo de investigar o trato gastrintestinal 4. Classicamente na anemia de doença crônica a CLTFe está diminuída e a ferritina aumentada.

ANEMIAS MAIS COMUNS E SEUS ACHADOS CLÍNICOS E LABORATORIAIS Anemia Tipo Causa Clínica Laboratório Micro/ hipo Ferropriva Fe (perda, absorção, ingesta) Pica ou maláscia, pagofagia, geofagia, Fe, saturação do Fe, ferritina, perda de sangue ou doação, vegetariano CLTFe, estoques de Fe na MO restrito, uso crônico de AINES. Síndrome de má-absorão. Gastrectomia prévia. Coiloníquia, queilite Talassêmica Alteração na síntese da Hb: cadeia α ou β Descendência do mediterrâneo, hemólise (icterícia e esplenomegalia) Células em alvo (codócitos). Traço: Hb A2. Major: Hb A2, HbF, ou ausência de HbA1. hemólise. Metais pesados Intoxicação mercúrio, cromo, chumbo (saturnismo) História de intoxicação. Neuropatia periférica, hipertensão, dor abdominal, náuseas e vômitos, hipertermia, letargia, coma. Ponteado basófilo, Chumbo ou outro metal pesado, Protoporfirinas. Ácido úrico. Sideroblástica Fe utilizado de forma Alcoolismo. Uso de medicamentos inapropriada a nível intracelular por mutação ou por alcoolismo ou drogas ocasionando acúmulo. Fe, sideroblastos em anel na MO. Normo/ normo Hemólise Destruição de hemácias: Esplenomegalia, icterícia, Extravascular (autoimune, reação hemoglobinúria. Exposição a certas transfusional tardia, medicações. hemoglobinopatias, hiperesplenismo, esferocitose) Intravascular (reação transfusional aguda, trauma, válvula mecânica, hemoglobinúria paroxística noturna, sepse por clostridium) Esquizócitos. Corpúsculos de Heinz. Haptoglobina, Reticulócitos, bilirrubina indireta, LDH Hemoglobina e hemossiderina na urina. Coombs direto e indireto positivos. Aplásica Falciforme Destriução da célula tronco da MO Alteração na síntese da cadeia β da Hb: substituição valina por ácido glutâmico no 6º aminoácido da cadeia. Infecções graves, sangramentos (petéquias, equimoses), úlceras orais. Exposição a toxinas ou infecções. Raça negra Crise vaso-oclusiva: dor intensa óssea, torácica, abdominal Crise hemolítica: icterícia Crise de seqüestro: choque e esplenomegalia com pancitopenia. Crise aplásica: com infecção severa (sepse, meningite, pneumonia, osteomielite). Úlceras na perna, priapismo, necrose asséptica da cabeça do fêmur. Pancitopenia grave (anemia, leucopenia, plaquetopenia) Células em foice. Teste da falcização positivo. Eletroforese de Hb alterada (Hb S): sem Hb A e com quantidades variáveia de Hb F. No traço: há Hb A e S. hemólise Macro/ normo Doença Crônica Megaloblástica Alteração no metabolismo do ferro. Deficiência de B12 ou ácido fólico Deficiência de B12 + atrofia gástrica (Anemia Perniciosa) Depende da doença. Acantócitos (crenadas). Fe, saturação do Fe, ferritina, CLTFe, estoques de Fe na MO. Parestesias (neuropatia periférica), Policromatofilia, Polilobócitos, glossite, déficits cognitivos, depressão, Ovalócitos. mudanças de personalidade, alucinações, B12, folato, hemocisteína, ácido demência, alteração da propiocepção, metilmalônico, discreta alteração na sensibilidade vibratória. hiperbilirrubinemia indireta, LDH. Atrofia gástrica, história de gastroplastia, Teste de Schilling positivo. gastrectomia ou uso crônico de bloqueadores de bomba, doença ileal ou ressecção ileal. Má-absorção. Hepatopatia As causas de cirrose (hepatites, História de alcoolismo ou hepatite álcool, medicamentos, doença de crônica, ascite, esplenomegalia, edema, Wilson, homocromatose, cirrose circulação portal, aranhas vasculares, biliar primária) flapping, desnutrição, etc. Hipotireoidismo Autoimune geralmente Rouquidão, apatia, astenia, depressão, obstipação, bradicardia, pele seca, obesidade, edema mixedematoso, etc. Mielodisplasia Displasia da célula tronco pluripotente Sinais e sintomas de anemia refratária. Uso prévio de QT, exposição a toxinas. TGO e TGP, GGT, triglicerídeos, ácido úrico, pancitopenia leve, albumina, TAP. TSH, T4 livre, anti-peroxidase, antitireoglobulina Seideroblastos em anel na MO, alterações displásicas na MO, blastos no hemograma ou MO.