Re-cordis
Re-cordis Maria Bethânia de Siqueira Leite Fochi dos Santos
Apresentação Este livro digital foi criado como sugestão da Professora Alessandra Rodrigues. Não escondo que escrever um livro - ainda que digital - seja um desafio... daqueles que dão frio na barriga e até um "suadô". Grandes mestres da literatura já trataram com brilho e maestria a estranha - e difícil - relação dos homens com as palavras. Tudo é difícil... Sem falar que qscrever um livro é evidenciar-se por demais... é escancarar as janelas da alma e permitir que nos vasculhem, que vejam de que nos alimentamos. Mas como tarefa dada é tarefa cumprida, deixo em cada página um pedacinho de mim mesma! Bethânia
Quem é você, mesmo??? Sou professora de Português há dezesseis anos. É até esquisito, mas quando conto para meus alunos que meus pais são professores de Português e meu marido também, eles só dizem "Credo!!!". Pois é. Uma família de professores de Português. Ainda bem que meus irmão resolveram variar, senão iria ficar até chato. As pessoas com com certeza pensariam "que falta de criatividade desse, povo! todo mundo fez a mesma coisa!". Bem, mas o que eu quero mesmo comentar é que nesse "conluio" de professores, às vezes rola um estranhamento. Com o meu pai, principalmente. Fui aluna de meu pai por uns seis anos. Professor sério, de costumes cristalizados, extremamente admirado por seus alunos... Hoje, a sua voz é a que diz "Não permita celular, minha filha... Ponha os alunos para trabalhar! Faça-os trabalhar!!!". Minha alma pesa. O que eu faço é colocá-los para conversar!
Que trem é esse? Confesso que nunca fui dependente de qualquer tipo de tecnologia. Penso que a minha geração, que ainda fez trabalhos de faculdade datilografados, ou pagando alguém para digitar, que fez pesquisa em fichários de gaveta gigantescos, tem uma relação bem diferente com a tecnologia. Aprendi a fazer pesquisa procurando palavras-chave nos arquivos da Biblioteca Mario de Andrade. Eu pegava pilhas de livros e ia olhando, um a um... e anotando trechos que fossem importantes. O meu modo de aprender era "analógico". Quando comecei a lecionar, a tecnologia ainda não havia invadido a sala de aula. Eu preparava provas e salvava em disquetes. E eram muitos disquetes.
Acredito que por volta de 2006 ou 2007 eu tenha percebido as potencialidades da internet. Nessa época, as escolas em que eu trabalhava possuíam laboratórios de informática. Comecei a planejar atividades para os alunos, mas não dava muito certo... eles tinham o péssimo hábito de mexer em várias páginas ao mesmo tempo. Eu decretei o meu fracasso.
Quem me salva do esquecimento? A primeira vez que decidi comprar um celular merece ser contada. Eu decidi que precisava de um celular com uma câmera fotográfica. Não foi à toa. Um dia, passando pelo antigo bairro da Pedreira, em Guaratinguetá, meu marido me mostrou uma casa antiga, que estava sendo demolida. Só a fachada da casa estava em pé e não era uma casa qualquer. Era a casa em que seu bisavô havia morado, quando veio da Itália. Eu me senti tomada por uma espécie de pânico... não porque estavam derrubando uma casa antiga, mas por
ninguém ter fotografado aquela construção. Depois que aquela última parede fosse ao chão, só restaria a sua lembrança, enquanto as pessoas se lembrassem. A casa estava destinada à morte. Meus filhos não iriam conhecê-la nunca... nem por uma foto. Eu poderia esquecer os detalhes em volta das janelas e da porta da frente... Aquela foi uma triste constatação. Na volta, tirei a foto com o celular novo.
Uma volta e meia... Depois de desenterrar muita coisa, de dar voltas e mais voltas, acho que posso dizer que cheguei a algum lugar. De fato, só adquiri um celular e comecei a usá-lo porque senti que era necessário. Tratava-se de uma questão de vida ou morte... Em sala de aula, não é diferente. São muitos os modismos, são infinitas as atividades desenvolvidas usando aparatos tecnológicos complexos... mas desprovidas de sentido. Eu sou resistente. Uso a tecnologia quando ela convém, assim como o caderno, a lousa, o flip-chart, a televisão... Cada ocasião pede um recurso e é uma pretensão muito desgastante querer estar na "vanguarda". Uso o computador, o celular para desenvolver uma série de atividades na web, desde que isso seja realmente necessário. Sei que é obrigação minha - e de meus colegas - mostrar aos alunos para que eles podem usar o celular... Mas não o banalizo.
E para terminar... Acho que vou pedir para meus alunos publicarem um livro digital. Ontem, eles me mostraram os textos que produziram a partir de uma proposta de elaboração de memórias literárias. Se vale a pena para mim, acho que vale para os outros também! Obrigada, Alessandra Rodrigues. Aproveito para encerrar com uma foto que tirei de meus alunos, em um dia que fizemos uma atividade no rio que fica ao lado da escola, o rio Paraitinga. "Recordar: do latim re-cordis: voltar a passar pelo coração". (Eduardo Galeano)