Shakespeare. o gênio original

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Transcrição:

Shakespeare o gênio original

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Pedro Süssekind Shakespeare o gênio original Rio de Janeiro

Copyright 2008, Pedro Süssekind Copyright desta edição 2008: Jorge Zahar Editor Ltda. rua México 31 sobreloja 20031-144 Rio de Janeiro, RJ tel.: (21) 2108-0808 / fax: (21) 2108-0800 e-mail: jze@zahar.com.br site: www.zahar.com.br Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98) Capa: Miriam Lerner Imagem de capa:??? CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. S963s Süssekind, Pedro, 1973- Shakespeare: o gênio original / Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. (Coleção Estéticas) Inclui bibliografia ISBN 978-85-378-0034-8 1. Shakespeare, William, 1564-1616 Estética. 2. Literatura História e crítica Teoria, etc. 3. Estética moderna Século XVI. 4. Estética moderna Século XVII. 5. Criação (Literária, artística, etc.) História Século XVI. 6. Pensamento criativo. I. Título. II. Série. CDD: 822 07-4707 CDU: 821.111-2

Sumário Introdução A defesa da originalidade 7 A recepção alemã de Shakespeare 11 O efeito e as regras em Hamlet 16 1. Shakespeare contra o Classicismo 25 As regras da arte 25 Crítica e criação 30 Lessing e o teatro alemão 35 A luta contra os cânones clássicos 39 2. Shakespeare no Pré-romantismo 45 O gênio original 45 O modelo shakespeariano 48 As notas de Lenz sobre o teatro 53 Herder e o pensamento histórico 60 3. O gênio moderno 71 Consideração sobre o Romantismo 71 Schiller crítico de Shakespeare 77 O gênio e a arte em Kant 83 4. Goethe e Shakespeare 89 Mudança de foco 89 Para o dia de Shakespeare 93 Wilhelm Meister 97 Shakespeare e o sem fim 107 Notas 121 Referências bibliográficas 127

Introdução A defesa da originalidade Foi sua valorização a partir da segunda metade do século XVIII, na Alemanha da época de Goethe, que fez de Shakespeare o modelo por excelência do talento artístico original. O dramaturgo, que era questionado e censurado segundo os critérios das teorias poéticas consagradas no Classicismo francês, tornou-se a referência mais importante de uma poesia que foge às regras da arte definidas pela tradição e abandona a imitação dos antigos. Essa referência foi essencial para o movimento romântico, que desde seus primeiros teóricos rompeu com os parâmetros de uma poética normativa, baseada na autoridade dos escritores da Antigüidade para classificar os gêneros artísticos e, assim, definir o que era adequado a cada tipo de composição literária. Na recepção de Shakespeare pelos escritores alemães, identifica-se uma mudança de concepção a respeito do talento envolvido na criação artística, e com isso se evidencia uma oposição entre duas maneiras diferentes de pensar o gênio. Por um lado, no Classicismo francês e no Renascimento italiano, teorias normativas acerca da arte associavam o talento a uma técnica apurada, a uma perícia de execução, à realização de 7

8 Shakespeare: o gênio original uma obra sem erros, equilibrada e arduamente alcançada. Nesse caso, mesmo que o talento tenha sido considerado sempre um dom natural, necessário para a criação artística, era visto como uma capacidade mecânica, um rigor criativo que leva à perfeição pela obediência a normas de modo que o termo gênio corresponderia ao termo engenho, derivado do mesmo étimo. Em contrapartida, o movimento pré-romântico alemão, ou Sturm und Drang, na segunda metade do século XVIII, foi marcado pela defesa não só da liberdade e da espontaneidade na criação, mas também da possibilidade de transgressão das regras em nome da intensidade do efeito causado pelas obras de arte. Assim, a concepção romântica do gênio, elaborada inicialmente no Sturm und Drang, opõe a liberdade do poeta ao aprisionamento imposto pelas normas tradicionais, valorizando sobretudo a originalidade da criação artística. Surge, desse modo, a noção de gênio original, que caracterizou os desdobramentos posteriores do Romantismo. Essa mudança de concepção a respeito do gênio artístico constituiu um debate fundamental para a filosofia e a teoria da arte dos séculos XVIII e XIX. Contrapondo-se à tradição das poéticas normativas e ao classicismo de seus antecessores, teóricos do teatro como Diderot e Lessing procuraram justificar um novo modelo teórico, com base no privilégio do talento sobre a técnica, ou do efeito sobre as regras da arte. Na estética filosófica, Kant foi a principal referência na elaboração da questão do gênio e de seu caráter paradoxal entre a imitação de uma tradição constituída e a criação original a partir da observação da natureza. Essa questão seria retomada e redefinida posteriormente, no contexto da filosofia da arte, por autores como Schiller, Hegel, Schelling e Schopenhauer.

Introdução 9 Trata-se também de um tema central na teoria literária, em que o debate sobre o talento e o gênio normalmente considera duas perspectivas antagônicas, em propostas que ora tendem a valorizar a criação inspirada e espontânea, ora defendem o trabalho árduo de composição poética. Um exemplo dessa oposição, no século XX, encontra-se na formulação de João Cabral de Melo Neto, em seu ensaio Poesia e composição : a criação poética para uns é o momento inexplicável de um achado e, para outros, as horas enormes de uma procura. 1 O autor compara sua própria época ao século XVII, no qual o teatro clássico francês propunha com clareza padrões universais de julgamento e regras de composição preestabelecidas. Com essa comparação, ele procura não só mostrar a dificuldade de definir o trabalho dos poetas contemporâneos, mas também questionar o privilégio da inspiração, a fim de defender uma poética do esforço.