O SABER ESCOLAR NA PERSPECTIVA DA TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO

Documentos relacionados
A ÁLGEBRA DO PROFESSOR E DO ALUNO: UM OLHAR SOB A ÓTICA DA TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO

PANORAMA DE UM ESTUDO SOBRE A FATORAÇÃO

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROPOSTA DE ENSINO DA TRIGONOMETRIA NO TRIÂNGULO RETÂNGULO

RELAÇÕES PESSOAIS DE ESTUDANTES DE SÃO PAULO DOS ENSINOS FUNDAMENTAL, MÉDIO E SUPERIOR SOBRE AS REPRESENTAÇÕES DOS NÚMEROS RACIONAIS

A Teoria Antropológica do Didático: uma Releitura Sobre a Teoria

Resumo. Introdução. Actas del VII CIBEM ISSN

A OPERAÇÃO POTENCIAÇÃO: UMA ANÁLISE DA ABORDAGEM EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

AS MARCAS DAS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS SOBRE AS RELAÇÕES PESSOAIS DOS ESTUDANTES SOBRE NÚMEROS RACIONAIS NA REPRESENTAÇÃO DECIMAL.

CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS ACERCA DE TEORIAS DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO 1 THEORETICAL CONSIDERATIONS ABOUT THEORIES OF EDUCATION SCIENCES

Grandezas e Medidas: um Estudo da Transição entre os Anos Iniciais e os Anos Finais do Ensino Fundamental

Palavras-chave: Didática da Matemática. Teoria Antropológica do Didático. Formação Inicial de professores.

Aspectos Didáticos do Ensino da Resolução de Problemas Usando Proporção em Livros Didáticos Atuais

Um Estudo das Organizações Didática e Matemática de Professores em Início de Docência durante as Aulas de Função. Introdução

Transposição Didática e o Ensino de Ciências e Biologia

Diferentes praxeologias no ensino das equações de segundo grau

RELAÇÕES INSTITUCIONAIS EXISTENTES PARA O ENSINO DA NOÇÃO INTUITIVA DE CONJUNTOS NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO NO BRASIL

UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O ESTUDO DE RELAÇÕES EM SALA DE AULA ATRAVÉS DO EXCEL

CONCEITO DE VOLUME E O REAL Uma oficina

Maryanni Cardoso Silva Universidade do Estado do Pará Acylena Coelho Costa Universidade do Estado do Pará

RELAÇÕES METODOLÓGICAS NA TRANSIÇÃO 5º E 6º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL BRASILEIRO PARA O CASO DAS FIGURAS PLANAS E FIGURAS ESPACIAIS

Oficina 2B Percurso de Estudo e Pesquisa e a Formação de Professores

A Teoria Antropológica do Didático como Metodologia de Análise de Livros Didáticos

AS MÚLTIPLAS REPRESENTAÇÕES DOS NÚMEROS RACIONAIS E A TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA

EXPLORANDO O USO DAS NOVAS TECNOLOGIAS PARA O ESTUDO DAS TRANSFORMAÇÕES NO PLANO

ANÁLISE COMPARATIVA DE LIVROS DIDÁTICOS FRANCESES E BRASILEIROS À LUZ DA TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO: O CASO DAS EQUAÇÕES DO 1º GRAU

DISPOSITIVO DIDÁTICO PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA: PEP

CONTRIBUIÇÕES DE UMA SEQUENCIA DIDÁTICA PARA O ENSINO DE PROBABILIDADE INTEGRANDO AS VISÕES: CLÁSSICA E FREQUENTISTA.

O ENSINO DE QUADRILÁTEROS PROPOSTO EM UMA COLEÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ANÁLISE NA PERSPECTIVA DA TAD

A ABORDAGEM DO CONCEITO DE ÂNGULO EM UM LIVRO DIDÁTICO DE MATEMÁTICA DO 8º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

ÁREA EM LIVROS DIDÁTICOS BRASILEIROS DO 6º ANO: UMA ANÁLISE DE PRAXEOLOGIAS MATEMÁTICAS.

ANÁLISE DA ABORDAGEM DO TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO EM LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA

AS ORGANIZAÇÕES MATEMÁTICAS PONTUAIS PARA O ENSINO DAS EQUAÇÕES DO SEGUNDO GRAU

Discutindo o trabalho docente aliado às novas tendências educacionais De 25 à 29 de Maio de 2009 Vitória da Conquista - Bahia

O LIVRO DIDÁTICO DO 6º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: uma análise sobre a praxeologia matemática dos quadriláteros.

UMA ANÁLISE PRAXEOLÓGICA DO ENSINO DE VOLUME DOS SÓLIDOS GEOMÉTRICOS EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO MÉDIO

Contrato didático e (in)disciplina. Professora: Dra. Eduarda Maria Schneider

UM OLHAR SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA DE UMA PROFESSORA INDÍGENA NO ENSINO DE GEOMETRIA

ENTREVISTA PROF. DR ELIO CARLOS RICARDO 1

ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA UTILIZADOS NO ENSINO FUNDAMENTAL II NO MUNICÍPIO DE ITABUNA-BAHIA

DO SABER SÁBIO AO SABER ENSINADO : QUE ESTRATÉGIAS PODEM SER ADOTADAS PARA QUE AS PESQUISAS POSSAM CONTRIBUIR PARA A PRÁTICA DO PROFESSOR?

VII CONGRESSO INTERNACIONAL DE ENSINO DA MATEMÁTICA

Uma Análise da Abordagem da Grandeza Área nos Guias de Estudo do Projovem Urbano sob a Ótica da Teoria Antropológica do Didático

A ORGANIZAÇÃO DIDÁTICA DA INTRODUÇÃO DA ÁLGEBRA EM UM MANUAL DO 7º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

ÁLGEBRA BÁSICA: UM ESTUDO SOBRE A RELAÇÃO INSTITUCIONAL PARA SEU ENSINO NO BRASIL E NA ESPANHA

CÁLCULO MENTAL NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

ANÁLISE DE UM QUESTIONÁRIO SOBRE OS QUADRILÁTEROS À LUZ DA TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO

ANÁLISE DAS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS ATRAVÉS DE UM LIVRO DIDÁTICO AO TRABALHAR COM AS NOÇÕES DE JUROS A SEREM DESENVOLVIDAS NO ENSINO MÉDIO

Uma Investigação sobre a Mobilização de Conhecimentos Matemáticos no Ensino de Física

COMPRIMENTO ENQUANTO GRANDEZA: UMA ANÁLISE DE PRAXEOLOGIAS MATEMÁTICAS EM LIVROS DIDATICOS DE 6 ANO

FIGURA 79: Demonstração da lei dos cossenos

ALGUNS TIPOS DE TAREFA QUE PREPARAM PARA O CÁLCULO MENTAL

DIAGNÓSTICO DE ALGUNS ASPECTOS QUE DIFICULTAM A PASSAGEM DA ARITMÉTICA PARA A ÁLGEBRA NA EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL

As didáticas específicas: campo de pesquisa e ferramentas teóricas

Investigando o processo de transposição didática interna referente à operação de divisão de números naturais

FATORAÇÃO POLINOMIAL: UM ESTUDO SOBRE SUA POTENCIALIDADE EM APLICAÇÕES INTRA E EXTRAMATEMÁTICAS

OS CONHECIMENTOS SUPOSTOS DISPONÍVEIS NA TRANSIÇÃO ENTRE O ENSINO MÉDIO E SUPERIOR: A NOÇÃO DE SISTEMAS DE EQUAÇÕES LINEARES

A SIMETRIA AXIAL: UM ESTUDO TEÓRICO. Eliedete PinheiroLino,PUCSP, Maria José Ferreira da Silva, PUCSP,

A operação potenciação e os números inteiros negativos

OS TOPOS ESPERADOS PARA OS PROFESSORES EM DOCUMENTOS OFICIAIS DA REGIÃO NORDESTE: UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DA TEORIA ANTOPOLÓGICA DO DIDÁTICO

PERCURSO DE ESTUDO E PESQUISA: UM DISPOSITIVO DIDÁTICO PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA

VII CONGRESSO INTERNACIONAL DE ENSINO DA MATEMÁTICA

Equação do Primeiro Grau: um estudo das organizações matemática e didática

ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA DAS CRIANÇAS NOS ANOS INICIAIS NO ENSINO FUNDAMENTAL: A IMPORTÂNCIA DA ARGUMENTAÇÃO

Contexto e contextualização nos processos de ensino e aprendizagem da Matemática

ORGANIZAÇÃO PRAXEOLÓGICA SOBRE ÁREA DE FIGURAS PLANAS: UMA BREVE ABORDAGEM DO LIVRO DIDÁTICO

O CÁLCULO MENTAL EM LIVROS DIDÁTICOS DOS ANOS INICIAIS APROVADOS NO PNLD

A CONSTRUÇÃO DA NOÇÃO DE LIMITE E OS ALUNOS DA LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

PLANO DE ENSINO ESTRATÉGIAS PARA MELHORAR OS RESULTADOS EM ENSINO E APRENDIZAGEM

TRATAMENTO E CONVERSÃO ENTRE REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA DOS CONCEITOS DE LIMITE 1. Eliane Miotto Kamphorst 2, Cátia Maria Nehring 3.

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA DA EDUCAÇÃO BÁSICA: ASPECTOS PSICOLÓGICOS E DIDÁTICOS ENVOLVIDOS NA GESTÃO DA SALA DE AULA

O ENSINO DA GEOGRAFIA DA PARAÍBA E A ABORDAGEM DO LUGAR E DA ANÁLISE REGIONAL NO ESTUDO DA GEOGRAFIA DO ESTADO NO ENSINO BÁSICO.

APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL: PROJETO AS PEGADAS DO DINOSSAURO

EQUAÇÃO POLINOMIAL DO PRIMEIRO GRAU: COMPARATIVO DAS PRAXEOLOGIAS EM DOCUMENTOS OFICIAIS E LIVRO DIDÁTICO 1

AS LACUNAS DO ENSINO DE ÁLGEBRA NO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ANÁLISE A PARTIR DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA

Organizações Matemáticas nos Livros Didáticos nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: o caso da noção de raciocínio combinatório

A DIDÁTICA DO ENSINO DO CONCEITO DE ÁREA COMO GRANDEZA NUMA ABORDAGEM VERGNAUDIANA

Uma Análise da Abordagem da Área de Figuras Planas no Guia de Estudo do Projovem Urbano sob a Ótica da Teoria Antropológica do Didático

Potencialidades de atividades baseadas em Categorias do Cotidiano em uma sala de aula da Educação Básica

ECOLOGIA DO ENSINO DO CONCEITO DE POLINÔMIOS ENTRE AS DÉCADAS DE 1960 A 2010 NO BRASIL

OS JOGOS DE QUADROS PARA O ENSINO MÉDIO SITUAÇÕES DE APRENDIZAGEM NA CONSTRUÇÃO DE GRÁFICOS

REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA DOCENTE NO ENSINO FUNDAMENTAL II E MÉDIO EM ITAPETINGA-BA: FORMAÇÃO INICIAL EM FÍSICA

Comprimento, Área e Perímetro: análise da abordagem das grandezas geométricas à luz da teoria dos campos conceituais.

TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA: DESENLACE DAS DIFICULDADES NA MATEMÁTICA

ÂNGULOS NOTÁVEIS NOS LIVROS DIDÁTICOS: UMA ANÁLISE PRAXEOLÓGICA.

Eixo Temático: Currículo, Metodologia e Práticas de Ensino Educação e Diversidade.

A SIMETRIA DE REFLEXÃO: ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA

A NOÇÃO DE RELAÇÃO AO SABER: A ABORDAGEM ANTROPOLÓGICA DESENVOLVIDA POR YVES CHEVALLARD 1

APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA EM UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR

A seleção de conteúdos por professores de História no. Ensino Médio. A reflexão sobre a experiência em sala de aula coloca os professores frente a

Uma Investigação sobre Função Quadrática com Alunos do 1º Ano do Ensino Médio

DIDÁTICA DA MATEMÁTICA. Marianna Bosch e Yves Chevallard

OS DIRECIONAMENTOS DAS PESQUISAS EM ENSINO DE CIÊNCIAS. Anna Maria Pessoa de Carvalho Faculdade de Educação Universidade de São Paulo

TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO: REFLEXÕES SOBRE SUAS BASES EPISTEMOLÓGICAS E ANTROPOLÓGICAS.

A TRANSIÇÃO ENSINO MÉDIO E SUPERIOR: A NOÇÃO DE RETAS E PLANOS EM IR 2 E IR 3

ENSINO DE GEOMETRIA NOS ANOS INICIAIS: O QUE PRIVILEGIAM OS PROFESSORES

Palavras chave: Análise de práticas de ensino. Teoria Antropológica do Didático. Vazio Didático.

NORMAS E ORIENTAÇÕES PARA A PRÁTICA DA PESQUISA NA GRADUAÇÃO

NARRATIVA DA PRÁTICA SOB A COMPREENSÃO DA TAD E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO DIDÁTICO DO PROFESSOR

CURSOS SUPERIORES DE TECNOLOGIA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Transcrição:

O SABER ESCOLAR NA PERSPECTIVA DA TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO Marcus Bessa de Menezes Marcelo Câmara dos Santos Programa de Pós-graduação em Educação/UFPE marcusbessa@gmail.com; marcelocamaraufpe@yahoo.com.br RESUMO Este trabalho parte de uma tese de doutorado que tem o objetivo de investigar como se comporta o saber escolar presente no ecossistema da sala de aula, por meio da análise das intencionalidades do professor e dos alunos, existentes naquela ecologia, a partir do referencial da Teoria Antropológica do Didático, proposta por Yves Chevallard. Na referida tese iremos analisar como se comportam os sujeitos (professores e alunos) de uma Instituição (escola), em relação aos os objetos desta instituição (objetos de ensino), ou seja, dentro da particularidade da sala de aula. No presente artigo faremos uma breve discussão do referencial teórico adotado, bem como apresentaremos o delineamento metodológico proposto para a análise dos dados. Palavras-chave: Teoria Antropológica do Didático, Praxeologia, Saber Escolar. 1- INTRODUÇÃO Temos, hoje, diversas pesquisas que nos apontam evidências de certa diferenciação entre o que é previsto para ser ensinado e o que realmente é ensinado em sala de aula. Essa diferença pode ser identificada através do gerenciamento do tempo do saber em jogo no cenário didático, das expectativas do professor em relação ao saber e das criações didáticas, levando em consideração a distância entre o que é ensinado em sala de aula e o que é efetivamente aprendido pelos alunos. Em alguns trabalhos realizados por diversos pesquisadores (JOSSE, 1992; RAVEL, 2003; BESSA DE MENEZES, 2004) foi feito um estudo comparativo do discurso dos

professores de matemática, perante uma mesma lição, identificando que havia diferenças entre o saber que estava previsto pelos professores em seus planos de aula, e o saber desenvolvido efetivamente por cada um, para chegarem ao objetivo desejado, que seria o aprendizado do aluno. A partir da análise desses estudos, nosso trabalho de pesquisa tem como objetivo investigar como se comporta este saber escolar dentro de uma sala de aula, considerando a intencionalidade relativa a este saber pelas partes humanas que compõe o sistema didático estabelecido, ou seja, o professor e os alunos. Para isso, tomaremos como referencial a teoria antropológica do didático de Yves Chevallard, que nos ajudará a identificar esses comportamentos. 2- A TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDATICO (TAD) Segundo Chevallard, a sua teorização proposta na Teoria Antropológica do Didático (TAD) deve (...) ser encarada como um desenvolvimento e uma articulação das noções cuja elaboração visa permitir pensar de maneira unificada um grande número de fenômenos didáticos, que surgem no final de múltiplas análises. (1999, p.25) Assim, podemos ver a TAD funcionando como uma forma de explicar a Transposição Didática (TD) no ecossistema 1 da sala de aula, ou, melhor dizendo, um prolongamento da Teoria da Transposição Didática, no momento em que amplia esses ecossistemas para relações, entre objetos de ensino, que irão além da sala de aula. Nessa direção, tal autor propõe que: Na prática, as primeiras análises propostas em la transposition didactique 2 limitavam-se a distinguir objetos «matemáticos», «paramatemáticos» e «protomatemáticos». O alargamento do quadro, levado a cabo por necessidades de análise, conduziu-me a propor uma teorização em que qualquer «objeto» pudesse aparecer : a função logarítmica é, evidentemente, um objeto («matemático»), mas existe igualmente o objeto «escola», o objeto «professor», o objeto «aprender», o objeto «saber», o objeto «dor de dente», o objeto «fazer xixi», etc. (CHEVALLARD, 1999, p. 27) O autor afirma que, para começar sua teorização, são necessários três temas primitivos: os objetos O, as pessoas X e as instituições I; além de outros virão a ser acrescentados subsequentemente. O objeto O tomará uma posição privilegiada em relação aos outros temas, em virtude do mesmo ser o material base da construção teórica. Na sua concepção, tudo será objeto. Chevallard faz uma analogia com o universo matemático contemporâneo, o qual é fundado na teoria dos conjuntos - tudo é um conjunto - e assim também será na sua teoria: todas as 1 Entendemos ecossistema como sendo o local onde se desenvolve um determinado sistema que possui uma ecologia própria, no caso em estudo, o sistema didático. 2 Ver Chevallard 1991.

coisas serão objetos. As pessoas X e as instituições I também são objetos, assim como, as outras entidades que serão introduzidas. O objeto irá existir no momento em que for reconhecido como existente por uma pessoa X ou instituição I. Com isso, aparecerá a relação pessoal de X com O, que será denotada por R(X, O), e a relação institucional de I com O, R(I, O). Ou seja, o objeto irá existir caso seja reconhecido por, pelo menos, uma pessoa X ou instituição I. Chegamos a um ponto em que necessitamos evidenciar o que são as instituições, visto que, a instituição, segundo Chevallard (1999), (...) pode ser quase o que quer que seja. Devido à natureza da palavra, poderíamos dar uma conotação própria a esse personagem, ou seja: associação ou organização de caráter social, educativo, religioso, de ensino, etc. (Kury, 2002), porém, não devemos nos surpreender ao vermos, em certos momentos, objetos tomarem o status de instituição. Uma escola é certamente uma instituição, que possui outras instituições a ela agregada; uma sala de aula, por exemplo, que por sua vez tem, igualmente subordinada, a instituição trabalhos dirigidos, etc. O conceito de Instituição pode ser explicitado como sendo um dispositivo social, total ou parcial, que impõe aos seus sujeitos formas de fazer e de pensar, que são próprias a cada tipo ou forma de instituição. Para avançarmos ainda mais sobre o conceito de instituição I, devemos percebê-la não como uma estrutura homogênea, mas sim heterogênea, em que existem várias relações de pessoas X com objetos O que pertencem a I. Mas de que forma se relacionam os objetos O e instituição I? A cada uma instituição I está associado um conjunto de objetos O que são conhecidos por I, ou seja, existe uma relação institucional R(I, O). O objeto O se relaciona com a instituição I através de suas características próprias, por exemplo, a noção de porcentagem para uma instituição financeira (um banco) pode representar taxas e lucros, enquanto para a engenharia civil pode representar proporcionalidade entre partes de uma mistura (um traço de concreto). Assim sendo, o objeto O pode estabelecer diferentes formas de relações de acordo com a instituição R 1 (O), R 2 (O), R 3 (O), etc. Assim como seu desenvolvimento dentro destas instituições pode vir a ser modificado com o passar do tempo, ou seja, evoluir, envelhecer ou até mesmo desaparecer. Essas relações são permeadas por outro fenômeno didático que surge nas relações dos sujeitos X com os objetos O da instituição I, fenômeno este que se estabelece devido às expectativas que existem dentro das relações, o contrato didático. Mais adiante, iremos avançar quanto à conformidade da relação entre a pessoa X e o objeto O (R(X, O)) sob o constrangimento da relação institucional R 1 (O) gerando R 1 (X, O), observando e analisando quais as possíveis interferências na relação R(X, O) Apesar de já termos diversas vezes citado o próximo conceito fundamental da TAD,

a pessoa, até aqui ainda não o definimos claramente. Para podermos defini-lo de forma mais concisa, acreditamos ser necessário diferenciarmos alguns estágios deste conceito, a saber: o indivíduo, o sujeito e a pessoa. Podemos dizer que o estágio mais primitivo seria o de Indivíduo, visto que este não se sujeita, nem muda com as relações cotidianas com objetos e instituições. A esse respeito Chevallard afirma que: Bem entendido, no curso do tempo, o sistema das relações pessoais de X evolui; objetos que não existem para ele passam a existir; outros deixam de existir; para outros enfim a relação pessoal de X muda. Nesta evolução, o invariante é o indivíduo; o que muda é a pessoa (CHEVALLARD, 1992, p. 12). Do ponto de vista do sujeito, a teoria em questão propõe que o indivíduo se torna um sujeito quando se relaciona com uma Instituição I qualquer, ou melhor dizendo, quando se sujeita a uma Instituição I, sob suas demandas, hábitos, formas, enfim, se sujeitando a esta relação. Segundo Chevallard (2003, p.73) Desde o nascimento, todo indivíduo se sujeita a quer dizer, é ao mesmo tempo submisso e sustentado por múltiplas instituições, tais com família, de onde se torna sujeito. Apresentaremos a partir deste momento a pessoa X. É através das várias relações que o indivíduo tem com instituições diferentes que se constitui a pessoa, os seja, o conjunto de sujeitos do indivíduo é que forma a pessoa X, a qual irá mudando conforme estabelece suas relações com as instituições, das quais tomam conhecimento com o passar do tempo. Uma pessoa X entra para uma instituição I, onde existe um objeto O para I, que é chamado de objeto institucional. Assim, X ao entrar em I começa a viver uma relação com O sob o constrangimento da relação institucional, ou seja, a relação R(X, O) irá se alterar ou construir mediante a relação R(I, O), e, de forma mais ampliada, sob o constrangimento do contrato institucional C!. Devemos deixar claro que O poderia ou não existir para X antes de sua entrada para I (que analogamente podemos sugerir como conjunto vazio, sem existência), porém, independente desse fato, a relação R(X, O) irá alterar-se, daí então, Chevallard dirá que há aprendizagem de X em relação a O. Ou seja, havendo alteração em R(X, O) então haverá aprendizagem da pessoa X sobre o objeto O. De forma análoga, caso R(X, O) não se altere, podemos afirmar que nada aprendeu. Devemos observar que não há nada de didático até agora, pois, a instituição I não se manifestou com intencionalidade de fazer com que R(X, O) se altere ou modifique. Para que a instituição I manifeste uma intencionalidade de fazer uma modificação ou uma alteração na relação R(X, O), é necessário que se introduza uma nova noção primitiva, a do sujeito adequado, com isso, uma pessoa X se tornará um sujeito à instituição I,

relativamente ao objeto O, quando as relações R(X, O) e R(I, O) estão em conformidade. Caso isso não esteja ocorrendo, é considerado que o sujeito está desadequado em relação ao contrato institucional C!. Assim, entra em cena o papel da instituição como um sistema avaliador de tal conformidade, isto é, como afirma Chevallard (1999, pág. 31), (...) relativo aos mecanismos segundo os quais I é levada a pronunciar, através de alguns dos seus agentes, um veredicto de conformidade (ou de não conformidade) R(X, O) com R(I, O). Quero deixar claro que em nosso trabalho desejamos observar a Instituição Sistema Didático 3, pois será lá o local em que poderemos verificar o saber escolar enquanto pertencente a esta instituição. Visto que em outra instituição, com outros contratos estabelecidos, em virtude dos ecossistemas serem distintos, identificaríamos variantes, as quais não daríamos conta. Assim sendo, se fizermos uma ponte do que foi dito com o Sistema Didático, podemos pensar que a instituição sala de aula a qual chamaremos, a partir deste momento, de I 1 tem em seus sujeitos X 1 os alunos, objetos O 1 saberes em jogo e seus agentes que irão regular a conformidade ou a não conformidade com a instituição I 1, de acordo com a intencionalidade estabelecida são: os professores, o contrato didático e institucional estabelecidos, as avaliações, dentre outros que aparecerão de acordo com o momento necessário. Podemos perceber, em alguns momentos, que os sujeitos X 1 realizam certas escolhas, ou seja, quais são os objetos O 1 que desejam construir ou alterar a relação existente R(X 1, O 1 ). Essas escolhas se dão através dos seus interesses sobre aquele determinado objeto em I 1, o maior interesse passa a ser ficar adequado nessa relação sob o constrangimento de I 1. Colocando em outras palavras, um dos agentes reguladores dessa conformidade será a avaliação, o que poderá fazer com que X 1 abra mão de todos os outros pertences, interessando a ele (X 1 ), quase que somente, as estruturas, mecanismos, seqüências que necessitará para realizar, em um determinado momento, seu papel de aluno. Então é nesse sentido que esse saber será construído ou memorizado (dependendo da perspectiva do processo de ensino-aprendizagem). A avaliação, como um dos elementos controladores da conformidade, ou não conformidade, na Instituição I 1, pode nesse sentido vir (ao contrário do que se espera) a podar todo esse interesse pelo objeto O 1, fazendo com que o sujeito X 1 se preocupe 3 ( ) o sistema didático são formações que aparecem a cada ano no mês de setembro, ao redor de um saber (designado através de um programa ou pelos livros didáticos) e se estabelece um contrato didático que utiliza esse saber como motor de um projeto de ensino-aprendizagem, unindo num mesmo local professor e alunos. (CHEVALLARD, 1991, p. 26-27)

somente com a conformidade, ou seja, quais os são os conjuntos de seqüência que devem saber com intuito de terem a adequação esperada. Não podemos esquecer que essa avaliação é estabelecida por meio de um contrato pedagógico e didático, que, de certa forma, irá atribuir-lhe uma importância dentro de I 1. Assim sendo, isso poderá comprometer a formação dos conceitos desse objeto O 1 em jogo no cenário didático. Essas alterações nas relações entre o sujeito X 1 e o objeto O 1, vão muito além de uma questão epistemológica do objeto O 1 (saber) ou uma questão metodológica; elas partem, também, de uma intencionalidade vinculada ao contrato que é estabelecido. Não queremos deixar de fora esses outros fatores, de forma alguma, porém, é extremamente necessárioquando olhamos para o saber escolar, entender que a relação dos contratos (pedagógico e didático) estabelecidos têm, se assim podemos dizer, um peso maior nas escolhas realizadas pelos sujeitos X 1 (alunos). 2.1 - A Organização Praxeológica ou Praxeologia Podemos entender uma organização praxeológica ou praxeologia, como a realização de certo tipo de tarefas 4 (T) através de um modo de fazer, que Chevallard (1999) chama de técnica (t). Essa associação tarefa-técnica (T-t) irá definir um saber-fazer 5 próprio para esse tipo de tarefa, porém, ela (T-t), não se mantém em estado isolado, ou seja, não se sustentará por si só. A T-t necessita de um amparo tecnológico-teórico (ou saber 6 ), que é formado por uma tecnologia (θ), que irá dar uma racionalidade e uma sustentação inteligível à técnica (t) aplicada, e uma teoria (Θ) que irá justificar e esclarecer a tecnologia (θ). Assim sendo, a organização praxeológica ou praxeologia (que a partir desse momento iremos tratar somente como praxeologia) será composta por quatro elementos, a saber: tarefa (T), técnica (t), tecnologia (θ) e teoria (Θ); articulados através de uma parte prático-técnica (gerando o saber-fazer) e uma parte tecnológica-teórica (amparadas no saber). 3 METODOLOGIA Tendo como norte dessa pesquisa a TAD de Chevallard (1999), nossa metodologia consistirá de uma análise das atividades propostas pelo professor em sala de aula, onde analisaremos a sua prática sob o olhar da praxeologia, e iremos comparar com as atividades realizadas pelos alunos, também sob a ótica da praxeologia, buscando identificar, 4 Type de tâches. 5 Savoir-faire. Mais precisamente no dicionário Le Petit Robert (1996), a definição de savoir-faire é dada como: habilidade em fazer, (...) resolver problemas práticos; competência, experiência no exercício de uma atividade artística ou intelectual. (ROBERT, 1996) 6 Savoir.

entretanto, os diferentes elementos praxeológicos (técnicas, tecnologias e teorias) que porventura venham a aparecer. Para identificarmos a praxeologia do professor e do aluno teremos que realizar algumas ações. Observando primeiramente o professor, a primeira ação a ser realizada será de identificar os tipos de tarefas que serão propostas. A partir daí, partiremos para a segunda ação que será fazer uma análise da Organização Matemática, em que identificaremos, além das técnicas, os elementos tecnológicos e teóricos que se apresentam para a realização da tarefa. Após a identificação dos elementos componentes da Organização Matemática, realizaremos a terceira ação que consiste em identificar quais são as técnicas, tecnologias e teorias que são mobilizadas pelo professor, em sala de aula, para a realização do tipo de tarefa proposta, ou seja, a Organização Didática. Diferentemente da Organização Matemática, a Organização Didática se estabelecerá através de um certo caminho, certo tipos de situações, os quais serão chamados de momentos de estudo ou momentos didáticos, que facilitarão no entendimento da prática docente. Assim, acreditamos que daremos conta da praxeologia do professor. Para a praxeologia do aluno, iremos observar, a partir dos tipos tarefa propostos, as técnicas, tecnologias e teorias que serão mobilizadas por eles na realização destes tipos de tarefa. E com as praxeologias montadas, faremos a comparação de ambas, buscando identificar o que irá variar de uma para a outra. 4 REFERÊNCIAS BESSA DE MENEZES, Marcus. Investigando o processo de transposição didática interna: o caso dos quadriláteros. 184 f. Dissertação (Mestrado em Educação) UFPE-PE, Recife, 2004. CHEVALLARD, Yves, La transposición didáctica: Del saber sabio al saber enseñado, 1991.. Le passage de l arithmétique à l algébrique. Perspective curriculaire : la notion de modélisation. Petit X, n 19, pp. 45-75, IREM de Grenoble,1992.. L analyse des pratiques enseignantes en Théorie Anthropologie Didactique. Recherches en Didactiques des Mathématiques, 19 (2), 221-266, 1999. Approche anthropologique du rapport au savoir et didactique des mathématiques. Paru dans S. Maury S. & M. Caillot (éds), Rapport au savoir et didactiques, Éditions Fabert, Paris, 81-104, 2003. JOSSE, E. Analyse du discours des enseignanats. Paris: Presses Universite-Paris VII, 1992. KURY, Gama, Mini dicionário Gama Kury da Língua Portuguesa. FTD, São Paulo, 2002. RAVEL, L. Des programmes a la classse: etude de la transposition didactique interne. Tese de Doutorado não-publicada. Université Joseph Fourier Grenoble I, 2003.