A Endodontia de Vanguarda ao Alcance do Clínico Emprego das Limas PROFILE Ò.04 e.06 Dr. Jorge Edson Lima Moreira Prof. de Endodontia da UNIGRANRIO Mestre em Endodontia - UERJ O sucesso do tratamento do sistema de canais radiculares depende essencialmente do respeito aos princípios biológicos e mecânicos que norteiam a prática da terapia endodôntica. Assim, durante a realização do tratamento endodôntico, estamos constantemente empregando procedimentos mecânicos instrumentos e técnicas com a finalidade de obter ou controlar uma resposta biológica: a cura do processo patológico instalado. Tradicionalmente, o preparo do sistema de canais radiculares tem sido feito com instrumentos endodônticos manuais fabricados a partir de uma liga de aço inoxidável, empregando-se técnicas de instrumentação convencionais. Todavia, a dificuldade de se manter a trajetória original de canais curvos com esses instrumentos e outros aspectos desfavoráveis decorrentes do emprego desse tipo de abordagem, serviram de estímulo para o desenvolvimento de outras ligas metálicas para a fabricação de instrumentos endodônticos e a criação de novas técnicas de instrumentação. As técnicas modernas de instrumentação vêm acompanhando a tendência e o consenso universal de empregar uma abordagem coroa-ápice. Ainda assim, atualmente os instrumentos mais utilizados para o preparo químico-mecânico do canal radicular são as limas tipo K de aço inoxidável. Após anos sem propostas de modificação quanto à natureza da liga metálica para a fabricação de instrumentos endodônticos, WALIA (1988) introduziu os instrumentos endodônticos de níquel-titânio, embora tenham sido CIVJAN et al. (1975) os primeiros pesquisadores a propor o uso da liga de níquel-titânio (NiTi) em endodontia. A partir de então, os avanços tecnológicos e científicos que possibilitaram o desenvolvimento de outras ligas metálicas também trouxeram a necessidade de se fabricar instrumentos com uma nova configuração para poder maximizar o benefício oriundo da liga de níquel-titânio. Assim, os novos conceitos na fabricação de instrumentos incorporaram componentes específicos que tornaram possível o desenvolvimento de sistemas motorizados de acionamento das limas endodônticas. Atualmente, são vários os sistemas disponíveis de instrumentos de níquel-titânio acionados a motor. Dentre estes, os instrumentos PROFILE Ò.04 e.06 vêm ganhando crescente aceitação e popularidade entre os especialistas e clínicos que realizam tratamento endodôntico. liga equiatômica de níquel-titânio devido as suas propriedades mecânicas. WALIA et al. (1988) utilizaram pela primeira vez a liga de níquel-titânio em endodontia. Eles relataram que as limas de número 15 produzidas experimentalmente a partir de fios ortodônticos de níquel-titânio, demonstraram uma elasticidade duas a três vezes maior quando dobradas e torcidas, em comparação com as limas de número 15 de aço inoxidável. Além disso, exibiram grande resistência à fratura por torção. De acordo com SERENE et al. (1995), a liga de níqueltitânio empregada na endodontia apresenta pequeno módulo de elasticidade, cerca de um quarto a um quinto em relação ao aço inoxidável, e em conseqüência disso, possui grande elasticidade e alta resistência à deformação plástica e à fratura.. Estas propriedades fazem com que o instrumento acompanhe com facilidade a curvatura do canal radicular, impedindo o deslocamento apical e a alteração de sua forma original. FIG 1 1 GUTMANN et al. (1999) consideraram que a introdução da liga de níquel-titânio na endodontia significou a resolução do problema em relação a muitas das características negativas que foram associadas aos instrumentos de aço inoxidável. Todavia, devido às características cristalinas desta liga, o instrumento pode se tornar enfraquecido sem demonstrar indicação visível e fraturar, especialmente se utilizado de modo impróprio. Limas PROFILE Dentsply Maillefer LOPES et al. (1999) relatam que esses instrumentos são fabricados por usinagem de uma haste cônica de níquel-titânio com seção reta redonda. A seção reta transversal da lima apresenta uma forma triangular modificada, com três dentes cortantes. A Liga de Níquel-Titânio A liga de níquel-titânio foi lançada por BUEHLER et al. (1963) no Naval Ordinance Laboratory, NOL, em Silver Springs, Maryland. Em razão do local em que foi descoberta, eles passaram a chamar a família dessas ligas de NiTiNOL. CIVJAN et al. (1975) foram os primeiros pesquisadores a sugerir as aplicações médicas e odontológicas da 22
O sentido da hélice é à esquerda e os dentes de corte são igualmente espaçados ao redor da haste metálica (120º). Os dentes de corte possuem uma superfície plana cilíndrica (guia ou plano radial), que mantém o instrumento, durante o corte, centralizado em relação ao eixo do canal radicular. faixa colorida na haste de fixação. Por sua vez, os instrumentos de conicidade 0,06 mm/mm são fabricados com os números 15, 20, 25, 30, 35, 40 e nos comprimentos de 21 e 25 mm. Duas faixas coloridas na haste de fixação identificam o diâmetro dos instrumentos em D 0. Ambos os tipos de instrumentos apresentam lâmina ativa de 16 mm. Ainda conforme LOPES et al. (1999), o núcleo dessas limas é cilíndrico, ao passo que nas de conicidade 0,02 mm/mm é cônico. Conseqüentemente, a profundidade do sulco (estrias) das limas de conicidade 0,04 e 0,06 mm/mm aumenta de D 0 para D 16, o que permite a estes instrumentos apresentarem grande flexibilidade, em que pesem as suas maiores conicidades. Assim, durante a instrumentação, elas acompanham a curvatura do canal com maior facilidade, mantendo a sua forma original e a posição espacial da abertura foraminal. Sugestão de Técnica A moderna endodontia está baseada nos aspectos anatômicos. Diante desta afirmativa devemos reconhecer o quão difícil é o estabelecimento de uma técnica de instrumentação que possa ser aplicada com segurança e eficácia em todos os casos de canais curvos, que é a principal dificuldade encontrada pelo profissional. O plano radial apresenta uma aresta lateral de corte (fio cortante), que é formada pela interseção do plano e da superfície de ataque. A porção posterior do plano é rebaixada (superfície livre ou de saída), para diminuir a área de contato entre o instrumento e as paredes do canal radicular. Isto reduz o atrito (resistência à fricção), diminuindo a possibilidade do instrumento, durante a rotação, travar-se no interior do canal. A ponta da lima é cônica e não apresenta ângulo de transição. Estas limas, segundo os mesmos autores, apresentam o diâmetro D 0 em concordância com as normas ISO e conicidades de 0,04 mm/mm e 0,06 mm/mm, ou seja, o dobro e o triplo da conicidade estabelecida pela ISO. Os instrumentos de conicidade 0,04 mm/mm são fabricados com os números 15, 20, 25, 30, 35, 40, 45, 60 e 90 nos comprimentos de 21, 25 e 31 mm. Os números dos instrumentos são identificados por uma Isto implica, então, na necessidade de se estabelecer uma técnica específica para cada caso, onde o clínico estaria seguindo os princípios mecânicos da limpeza e modelagem para norteá-lo nesta prescrição da técnica. A análise criteriosa da radiografia pode revelar as informações necessárias para o planejamento da técnica específica. A trajetória do canal, o raio de curvatura, a presença de material mineralizado na polpa, o grau de atresia do espaço pulpar, e outros mais, são dados fundamentais para a escolha adequada da técnica e dos instrumentos a serem empregados. Como já mencionado, as características do desenho dos instrumentos permitem a obtenção de uma forma final do canal radicular apropriada para a obturação tridimensional, e, além disso, as múltiplas conicidades propiciam o emprego facilitado da abordagem coroa-ápice, o atual consenso universal quanto ao sentido da instrumentação. Com relação ao motor, a recomendação mais importante é fazer com que a velocidade de rotação se mantenha baixa e constante. 23
Vários trabalhos indicam que a velocidade que proporciona maior segurança para a instrumentação está no intervalo entre 150 rpm e 350 rpm. A sugestão é o emprego da velocidade de 150 rpm devido à nossa experiência clínica e também por coincidir com as conclusões de alguns estudos que avaliaram deformações e fraturas dos instrumentos (Haïkel et al. 1999; Gabel et al. 1999; Dietz et al. 2000; Lopes e Elias 2001). Assim, após a realização da cavidade de acesso e a limpeza da câmara pulpar, os orifícios dos canais devem ser localizados com a sonda endodôntica a fim de se planejar corretamente a seqüência dos instrumentos que constituíram a técnica a ser empregada. Nesta fase, a do preparo cervical, a profundidade de penetração dos instrumentos vai ser controlada pela própria anatomia do canal, o operador exercendo pressão apical suave vai permitir o avanço do instrumento até que encontre resistência à penetração. Terminado o preparo cervical, recomendamos que se determine o comprimento de trabalho do canal. A partir de então, todos os instrumentos serão marcados com este comprimento. A seqüência dos instrumentos se inicia com os da série.06 de diâmetros maiores, em geral, três ou quatro instrumentos são suficientes para atingir o terço cervical. O objetivo é remover as irregularidades presentes nesta área que impedem o livre acesso às porções média e apical do canal. Os instrumentos Orifice Shapers, fabricados especialmente para esta finalidade, também podem ser utilizados. Dependendo da forma da raiz, o preparo cervical pode ser realizado com as brocas de Gates-Glidden. Neste caso, deve-se tomar cuidado para evitar as rasgaduras radiculares, comuns em raízes que apresentam paredes finas. A escolha do instrumento depende diretamente da configuração geométrica do canal. Essa decisão exige não só uma cuidadosa análise clínica e radiográfica do dente, mas um conhecimento profundo das características dos instrumentos e o modo como ocorre sua interação com as paredes do canal. Por exemplo, como sabemos que os instrumentos só cortam a dentina pela ação de alargamento, a escolha de limas finas inicialmente pode não atender ao objetivo de preparar apenas a parte cervical do canal. Ainda que o desenho e o método de fabricação do instrumento possibilitem ao mesmo, girando a direita, remover os resíduos presentes ou produzidos no canal, os princípios de irrigação e aspiração, e de manutenção da patência do canal devem ser rigidamente respeitados. 24
Agora o objetivo é avançar em direção apical. São utilizados os instrumentos da série.04, também iniciando pelos de maiores diâmetros, avançando apicalmente até que se atinja o comprimento de trabalho determinado. Na fase do preparo apical, o objetivo é promover a dilatação do canal com vistas à limpeza e à modelagem que vão possibilitar a obturação tridimensional da zona crítica apical. Os instrumentos empregados são os da série.04, e é como se repetisse a seqüência utilizada no avanço apical. Em algumas situações pode ser necessário iniciar a seqüência com um instrumento de maior diâmetro que o inicial do avanço apical. Assim, os instrumentos que vão atingindo o ápice apresentam progressivamente diâmetros maiores. Novamente, a escolha do último instrumento apical vai depender diretamente da forma anatômica, do conteúdo do canal, entre outras. Feito o preparo apical, teoricamente, o canal já estaria totalmente instrumentado. Todavia, com o intuito de remover quaisquer irregularidades que porventura tenham permanecido, e também de unir as porções preparadas do canal, nós recomendamos uma fase de refinamento, que consiste no emprego de instrumentos da série.06 com diâmetros compatíveis com o do instrumento apical final. O canal preparado segundo estas sugestões, em geral, apresenta paredes lisas, livres de irregularidades e de bloqueios causados por resíduos produzidos durante a instrumentação, facilitando bastante a fase de obturação tridimensional do sistema de canais radiculares. O instrumento que alcança o comprimento de trabalho pode ser considerado o que representa o diâmetro anatômico do canal e é utilizado como referência para o início do preparo apical, a fase seguinte da instrumentação. 25 Casos Clínicos Casos clínicos resolvidos com a metodologia acima sugerida
Agradecimentos Ao Professor Hélio Pereira Lopes pela cessão das imagens de MEV das limas Referências Bibliográficas BUEHLER, W.J.; WANG, E. Effect of low temperature phase on the mechanical properties of alloy near composition NiTi. J Appl Physics, v. 34, p. 1475, 1963. CIVJAN, S.; HUGET, E.F.; DeSIMON, L.B. Potential applications of certain nickel-titanium (Nitinol) Alloys. J Den Res, v. 54, n. 1, p. 89-96, Jan./Feb. 1975. DIETZ, D.B.; DI FIORE, P.M.; BAHCALL, J.K.; LAUTENSCHLAGER, E. P. Effect of rotational speed on the breakage of nickel-titanium rotary files. J Endod, v. 26, n. 2, p. 68-71, Feb. 2000. GABEL, W.P.; HOEN, M.; STEIMAN, R.; PINK, F.E.; DIETZ, R. effect of rotational speed on nickel-titanium file distortion. J Endod, v. 25, n. 11, p. 752-754, Nov. 1999. GUTMANN, J.L.; DUMSHA, T.C.; LOVDAHL, P.E.; HOVLAND, E.J. Solução de problemas em endodontia Prevenção, identificação e tratamento. 3 ed. Tradução Edson Jorge Lima Moreira. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 1999, 365 p. Título original: Problem solving in endodontics prevention, identification and management. HAÏKEL, Y.; SERFATY, R.; BATERMAN, G.; SENGER B.; ALLEMANN C. Dynamic and cyclic fatigue of engine-driven rotary nickel-titanium endodontic instruments. J Endod, v. 25, n. 6, p. 434-440, June 1999. LOPES, H.P.; ELIAS, C.N. Fratura dos instrumentos endodônticos de NiTi acionados a motor. Fundamentos teóricos e práticos. Rev Bras Odontol, v. 58, n. 3, p. 207-209 maio/jun. 2001. LOPES, H.P.; ELIAS, C.N.; SIQUEIRA Jr, J.F. In: LOPES, H.P.; SIQUEIRA Jr, J.F. (Ed.). Endodontia Biologia e técnica. Rio de Janeiro: MEDSI, 1999. cap 16, p. 273-318. SERENE, T.P; ADAMS, J.D.; SAXENA, A. Nickel- Titanium instruments Applications in endodontics. St. Louis: Ishiyaku EuroAmerica, 1995, 113 p. WALIA, H.; BRANTLEY, W.A.; GERSTEIN, H. An initial investigation of the bending and torsional properties of nitinol root canal files. J Endod, v. 14, n. 7, p. 346-351, July 1988. 26