Uma abordagem didática em relação à aprendizagem das equações de reta no estudo de Geometria Analítica no Ensino Médio Resumo Rogério Rodrigues de Faria 1 Cintia Ap. Bento dos Santos 2 Neste artigo apresentamos resultados parciais de nossa pesquisa de mestrado, em andamento, sobre a aprendizagem de alunos do 3º ano do Ensino Médio confrontados com situações envolvendo equações de reta e para tanto utilizamos como referencial teórico a teoria dos Registros de representação Semiótica e a abordagem teórica dos Níveis de Funcionamento do Conhecimento esperados pelos educandos. Nossa metodologia de pesquisa utiliza o método qualitativo, técnica de análise documental e pesquisa de campo. Nosso objetivo é entender quais as dificuldades apresentadas por alunos em relação ao estudo de equações de reta em se tratando da resolução de tarefas que exigem o trabalho com diferentes representações de um mesmo objeto matemático, considerando ainda o nível de dificuldade em que se apresentam. Ao final apresentamos algumas conclusões parciais em relação à constituição de nosso referencial teórico, uma vez que, a pesquisa encontra-se em fase de análise da pesquisa de campo. Palavras-chave: Equações de reta, Geometria Analítica, registros de representação semiótica, níveis de funcionamento do conhecimento. Introdução e justificativa da pesquisa Este artigo é parte de nossa pesquisa que está sendo desenvolvida no âmbito do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática, em que nos propusemos a pesquisar sobre os processos de aprendizagem das equações de reta no campo da Geometria Analítica. No momento esta pesquisa encontra-se em análise dos instrumentos realizados na pesquisa de campo. Os estudos em relação à Geometria Analítica iniciaram no século XVII, e devem-se ao filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650), inventor das coordenadas cartesianas (assim chamadas em sua homenagem), que permitiram a representação numérica de propriedades geométricas. Tais estudos foram publicados como apêndice de seu livro Discurso sobre o método, escrito em 1637, no qual aparece a célebre frase em latim Cogito ergo sum, ou seja : Penso logo existo. Assim como na geometria de 1 Universidade Cruzeiro do Sul/ profrogeriomat@bol.com.br / Mestrando do Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da 2 Universidade Cruzeiro do Sul/ cintia.santos@cruzeirodosul.edu.br / Professora Orientadora
Pitágoras e de Platão, a Geometria Analítica de Descartes remete à capacidade intelectual de raciocínio lógico. Apesar disso, desde seu inicio, os estudos de Geometria Analítica são associados às aplicações práticas da geometria mecânica. Dentro deste contexto, o aluno poderá se deparar, com tarefas, em que as dificuldades de interpretação, pela linguagem própria da matemática, os conduzem a reflexões sobre caminhos a percorrer. Cabe salientar que o estudo das equações de reta fazem parte das noções de Geometria Analítica, parte integrante do conteúdo curricular de Matemática do Ensino Médio, mais especificamente em sua série final. Por nossa própria prática docente, podemos perceber as dificuldades correntes apresentadas pelos alunos em se tratando do estudo das equações de reta. A estas dificuldades associamos o fato deste conteúdo matemático ser um domínio cujos estudos dependem de conhecimentos tanto geométricos como algébricos. Ou seja, existe a necessidade de alunos ao resolverem tarefas de equação de reta mobilizarem conteúdos matemáticos aprendidos em séries anteriores. Quando nos referimos à mobilização de conteúdos e a necessidade de articulação de conhecimentos algébricos e geométricos, podemos vislumbrar a necessidade de alunos terem a necessidade de transitarem por tarefas de diferentes níveis de dificuldade quanto a sua resolução e também de trabalhar as diferentes representações de um mesmo objeto matemático. Levando em conta as representações próprias da Matemática que possibilitam a comunicação de uma idéia formulada. Para buscar respostas em relação a estas considerações nos apoiamos no referencial teórico da Didática da Matemática, em especial a Didática Francesa, com ênfase nos estudos de Duval (1993, 2009) sobre os registros de representação semiótica e na abordagem teórica de Robert (1998) sobre os níveis de funcionamento do conhecimento. O foco desta pesquisa se baseia em tentar compreender as razões pelas quais, os alunos possuem dificuldades na aprendizagem deste conteúdo e como as teorias da Didática da Matemática podem contribuir na identificação das dificuldades e auxiliar no desenvolvimento de metodologias de ensino, que possam contribuir para a aprendizagem. Problema de pesquisa Com o estudo teórico realizado e estruturada as diretrizes da pesquisa, o problema de pesquisa será delimitado pelas seguintes questões que vamos procurar responder: Como os
alunos mobilizam conhecimentos matemáticos no estudo de equações de reta? Qual a importância da diversidade de Registros de Representação Semiótica no estudo de equações de reta? O tramite entre os diversos registros de representação semiótica e os níveis de conhecimento podem contribuir para a aprendizagem neste contexto? Com base nos dados coletados quais são os possíveis indicativos para um ensino de equações de reta que possam promover a aprendizagem levando em consideração os registros de representação semiótica e os níveis de conhecimento como forma de fazer evoluir a aprendizagem dos alunos? Metodologia Para resolver nosso problema de pesquisa adotamos como metodologia o método qualitativo com técnica de análise documental e com revisão bibliográfica. Optamos pelo método de pesquisa qualitativa porque esta atende nosso objetivo de pesquisa. Ludke e André (1996) consideram que a pesquisa qualitativa envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes. De acordo com as autoras, a pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, via de regra, por meio do trabalho intensivo de campo. A pesquisa de campo se deu com uma turma de 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública da rede estadual de ensino da cidade de São Paulo, em que o efetivo de pesquisa foi de 35 alunos. Cabe destacar que o professor pesquisador é regente da sala e anteriormente ao desenvolvimento dos conteúdos já havia realizado a introdução do estudo das equações de reta. Nossa pesquisa de campo foi desenvolvida em três aulas em que os alunos realizaram dois instrumentos de pesquisa, que elaborados à luz de nosso referencial teórico. O instrumento 1 (Anexo I) foi elaborado com seis tarefas sobre Equações de Reta, levando em consideração a transformabilidade entre os Registros de Representação Semiótica e os Níveis de Funcionamento do Conhecimento. O objetivo deste instrumento é o de verificar como os alunos se comportam diante de tarefas que apresentam o mesmo objeto matemático, porém em representações semióticas distintas. Levando em consideração também como os alunos resolvem as tarefas de diferentes níveis de mobilização do conhecimento.
O instrumento 2 (Anexo II) foi elaborado em forma de um questionário com referência ao instrumento 1 e tinha por objetivo verificar as justificativas e classificação dos alunos em relação as suas dificuldades em se tratando da resolução do instrumento anterior. Nossa idéia com este instrumento era a de verificar as questões que não haviam ficado explicitas na resolução do instrumento anterior, mas que poderiam se revelar face ao instrumento 2. Com base nos dados coletados na pesquisa de campo realizaremos o cruzamento destes dados com nosso referencial teórico a fim de verificar as repostas para nossas questões de pesquisa, visando solucionar nosso problema de pesquisa diante deste conteúdo matemático. Fundamentação teórica Conforme mencionamos anteriormente nosso referencial teórico se apóia nos registros de representação semiótica e nos níveis de funcionamento do conhecimento, os quais passamos a apresentar de forma sintética a fim de esclarecer quanto a importância destes dois estudos para embasamento de nossa pesquisa. Posemos perceber que há uma variedade de registros de representação semiótica presentes nas situações que envolvem o estudo das equações de reta. Percebemos que as dificuldades dos mesmos são inquestionáveis quanto à aprendizagem deste conteúdo, uma vez que este se constitui em um domínio, em que é necessário que articulem conhecimentos de álgebra e geometria simultaneamente. Para Duval (1993), os registros de representação semiótica são representações referentes a um sistema de significação, ou seja, são uma forma de tornar algo acessível a alguém, comunicando uma ideia que parte de uma formulação mental. O primeiro argumento da teoria de Duval (2009) é que: Não pode haver compreensão matemática, sem se distinguir um objeto de sua representação, pois jamais deve-se confundir, objetos matemáticos (números, funções, retas) com suas representações (escritas decimais ou fracionárias, símbolos, gráficos, desenhos das figuras) que parecem apenas ser o meio, de que o indivíduo dispõe, para exteriorizar suas representações mentais, ou seja, para se tornarem visíveis ou acessíveis a outros,pois em matemática, as representações semióticas não são somente indispensáveis para fins de comunicação, elas são necessárias ao desenvolvimento da atividade matemática (DUVAL, 2009, p.15). Com base nestas considerações podemos entender que a aprendizagem de uma noção matemática está ligada ao reconhecimento por parte dos alunos da diversidade de registros de representação semiótica que envolvem, no nosso caso, o estudo de equações de
reta. Pois, o objeto matemático neste contexto ora pode ser representado, por exemplo, na representação algébrica, ou na representação gráfica ou ainda na língua natural. Sobre a importância sobre a mobilização de conhecimentos para que um aluno conheça as diferentes representações de um mesmo objeto matemático Duval (2003) salienta que um mesmo objeto matemático pode dar-se por representações distintas e que não se deve confundir um objeto com sua representação, a confusão entre estes dois elementos gera a perda de compreensão e o autor considera ainda que não há conhecimento que possa ser mobilizado sem que se recorra a uma atividade de representação. Um aspecto importante da teoria de Duval (1993, 2009) é a transformabilidade de uma representação semiótica as quais o autor classifica em tratamento e conversão. Em relação à transformação de tratamento, Duval (1993) define que este significa uma atividade cognitiva que visa à transformação de uma representação semiótica em outra, porém permanecendo o mesmo registro de representação, como, por exemplo, a resolução de uma equação ou sistemas de equações. A transformação de representação, chamada de conversão, consiste na mudança entre o registro de partida e de chegada, porém conservando o mesmo objeto matemático, como exemplo, podemos mencionar a passagem da escrita algébrica de uma equação à sua representação gráfica, ou mesmo, a representação gráfica para a escrita algébrica. O autor ressalta que a conversão das representações semióticas constitui a atividade cognitiva menos espontânea e mais difícil de adquirir para a grande maioria dos alunos (DUVAL, 2009, p. 63). A partir desta citação, podemos entender por que alunos apresentam tantas dificuldades diante de determinadas tarefas de equações de reta que, muitas vezes, à vista de professores, deveriam apresentar uma resolução imediata e espontânea, uma vez que o conteúdo foi ministrado na íntegra. Porém, devido a diversidade de registros de representação semiótica que envolvem uma situação ocorre o fato de alunos não reconhecerem o mesmo objeto matemático por meio de representações distintas. Com base nestes aspectos da teoria de Duval (1993, 2009), que tratamos com maior profundidade em nossa pesquisa, podemos compreender melhor as dificuldades dos alunos diante de determinadas tarefas que envolvem o estudo das equações de reta. Outra abordagem do referencial teórico de nossa pesquisa diz respeito a como os alunos mobilizam conhecimentos matemáticos frente a uma situação proposta. Para este esclarecimento buscamos na abordagem teórica de Robert (1998) elementos para o
desenvolvimento de nosso trabalho, uma vez que, a pesquisadora esclarece que a mobilização de conhecimentos por parte dos educandos está associada a três níveis de funcionamento do conhecimento e são eles: técnico, mobilizável e disponível. Para Robert (1998) o nível técnico é aquele que corresponde a resolução de uma tarefa em que sua solução ocorre de forma imediata em relação à utilização de uma ferramenta, como por exemplo, a aplicação de uma fórmula ou um teorema. No caso particular de nossa pesquisa, um exemplo seria a aplicação de uma fórmula para se determinar uma equação de reta, dado um par ordenado e o seu coeficiente angular. Tratase de uma contextualização simples, restrita, sem etapas, sem trabalho preliminar de reconhecimento. Dessa forma, a noção durante a aprendizagem, está explicita e não são necessárias adaptações ou mobilização de conteúdos. Segundo Robert (1998), no nível mobilizável, fazem parte, tarefas que correspondem a funcionamentos mais abrangentes do que o do nível técnico, ainda indicados, mas que passam da simples aplicação de uma propriedade ou de um teorema. Neste nível é necessário realizar pequenas adaptações para solucionar a tarefa proposta, considerando que a noção em jogo ainda é explicita. No caso de nossa pesquisa, um exemplo, seria uma tarefa em que deve-se determinar uma equação geral de reta, que seja paralela, ou perpendicular a outra, necessariamente passando por um par ordenado. Para solução seria necessário que o aluno saiba que o coeficiente angular de retas paralelas são equivalentes e que o de retas perpendiculares são inversos e opostos. Para o nível disponível, Robert (1998) considera que nesta etapa as tarefas correspondem à capacidade do aluno de saber solucionar o que está proposto sem indicações explicitas, de procurar em seus próprios conhecimentos o que pode intervir na solução. Neste nível o aluno deve resolver a tarefa proposta, sem nenhuma indicação ou intervenção do professor. No caso de nossa pesquisa um exemplo seria uma tarefa onde são apresentadas três equações de retas diferentes, que interceptam-se em pares ordenados diferentes, formando um triângulo retângulo e exige-se do aluno que ele determine em qual dos vértices está o ângulo reto, qual a área e qual o perímetro do da figura formada. Este exemplo requer que o aluno possua além dos conhecimentos sobre coeficientes angulares, distância entre dois pontos no plano cartesiano, objetos que fazem parte da Geometria Analítica. E que ainda ele recorde de conceitos de área e perímetro, conteúdos matemáticos da geometria plana e das grandezas e medidas. Para Robert (1998) este nível representa
tarefas que indicam um desafio para o aluno, pois, o mesmo deve organizar seus conhecimentos anteriores de forma a elaborar a solução. Cabe salientar que Robert (1998) considera que o funcionamento cognitivo entre os níveis de funcionamento do conhecimento encontram-se ligados as diferentes representações semióticas de um objeto matemático. Com base em nosso referencial teórico fica evidente que a aprendizagem de equações de reta encontra-se ligada a diversidade de registros de representação semiótica e que os níveis de funcionamento do conhecimento podem se constituir em uma ferramenta útil de análise para que professores possam verificar a etapa de aprendizagem que se encontram seus alunos. Nosso referencial teórico nos leva também a entender porque alunos resolvem determinadas tarefas com facilidade e não apresentam êxito em outras pertinentes ao mesmo conteúdo matemático. Também nos faz vislumbrar a possibilidade de construção de seqüências didáticas levando em consideração o conteúdo de equações de reta que façam evoluir as concepções dos alunos em um determinado nível de ensino. Resultados esperados Conforme mencionado anteriormente, esta pesquisa encontra-se em fase de análise dos dados coletados na pesquisa de campo. Porém, esperamos que esta pesquisa possa contribuir tanto na identificação das dificuldades apresentadas na apreensão de conceitos por parte dos alunos do Ensino Médio, em relação ao estudo de equações de reta, que se constitui em um domínio, em que é necessário que articulem conhecimentos de álgebra e geometria simultaneamente. Embora estejamos em fase de análise dos instrumentos utilizados na pesquisa de campo, o estudo em relação a nosso referencial teórico já nos permite entender como funcionam as dificuldades dos alunos em face da aprendizagem de determinadas noções matemáticas. Muitas vezes professores imaginam que o fato de alunos não resolverem determinadas tarefas é conseqüência de não terem aprendido nada de um determinado conteúdo matemático. Porém, o problema pode não ser esse, as vezes alunos compreendem os conteúdos matemáticos, apenas não apresentam clareza no reconhecimento do mesmo objeto matemático apresentado de formas distintas, considerando ainda o grau de dificuldade com que este é apresentado, o que para nós se relaciona aos níveis de funcionamento do conhecimento.
Na verdade um trabalho centrado no nível técnico, que leve em conta um campo restrito de diversidade de representações semióticas não pode permitir ao aluno as ampliações necessárias e muito menos sua autonomia ao resolver tarefas em que a noção em jogo não é explicita. Assim, a partir destas considerações imaginamos que nosso referencial teórico possa colaborar no auxílio de metodologias que levem em consideração a variedade de registros de representação semiótica e de tarefas que passam pelos níveis técnico, mobilizável e disponível a fim de desenvolver a autonomia dos educandos em se tratando da resolução de tarefas. Referências DUVAL, R. Registres de représentation sémiotique et fonctionnement cognitif de la pensée. In: Annales de Didactique et de Sciences Cognitives. IREM de Strasbourg, vol V. 37-65. 1993. DUVAL, R. Registros de representações semióticas e funcionamento cognitivo da compreensão em Matemática. In: MACHADO, S. D. A. (Org.). Aprendizagem em Matemática: registros de representação semiótica. Campinas, SP: Papirus, 2003. p.11-33. DUVAL, R. Semiósis e pensamento humano: registros semióticos e aprendizagens intelectuais. Trad. de Lênio Fernandes Levy e Marisa Rosâni Abreu da Silveira. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2009. LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo : EPU,1996. ROBERT, A. Outils d analyse des contenus mathématiques à enseigner au lycée à l université. Recherches em didactique des Mathématiques, France, v. 18, n. 2, p. 139-190, 1998.
Anexo I Tarefas do Instrumento 1 - Tarefas de equações de reta no Plano Cartesiano
Anexo II Instrumento 2 - Questionário