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Prática Pedagógica Astronomia a olho nu Não é preciso telescópio para medir latitudes, pontos cardeais ou calcular o tamanho da Terra. Bastam um cabo de vassoura, um pouco de geometria e muita curiosidade Ricardo Prado No centro de um anfiteatro ao ar livre, em Santo André, na Grande São Paulo, o grupo de astronomia do Colégio Unidade Jardim Pueri Domus, formado por alunos de 5a a 8a séries, cerca os professores Marcos Calil, de Matemática, e Michele Rascalha, de Ciências. Atentos ao chão, eles querem construir uma rosa-dos-ventos usando um suporte de antena de 1 metro de altura. Mesmo que só tivessem um cabo de vassoura apoiado numa base, estariam reproduzindo um gnômon, o instrumento que os antigos usaram para medir a circunferência da Terra no ano de 270 a.c. Parece impossível? A turma que anotava a sombra no anfiteatro também pensava assim... A experiência que você vai conhecer a seguir é um bom exemplo de como utilizar a sabedoria antiga para ensinar conteúdos de Ciências Naturais sem laboratório nem aparelhos ópticos sofisticados. Afinal, os primeiros cientistas da civilização descobriram muito sobre os astros apenas observando o céu a olho nu e transferindo o que já sabiam sobre números e geometria para um gnômon nada mais que um pedaço de madeira perpendicular ao solo para projetar a sombra da luz solar. Transformando o chão num bloco de rascunho, fizeram deduções fantásticas. Você pode repetir algumas delas com os alunos, mostrando como se deram os primeiros passos da mais antiga ciência manejada pelo homem (leia abaixo). Ciências Naturais Tema: Astronomia Objetivo: Aprender como os cientistas de antigamente adquiriram conhecimentos sobre latitude e estações do ano; desenvolver a capacidade de questionar aplicando os mesmos procedimentos Como chegar lá: Medindo o tamanho da sombra produzida pelo Sol com um gnômon, instrumento de fácil aplicação, é possível calcular a circunferência da Terra, a latitude local, os pontos cardeais e a evolução das estações do ano

Dica: Trabalhe com os colegas de Matemática e Geografia. O primeiro aproveitará a ocasião para reforçar noções de ângulos e medida de circunferência. O segundo pode usar a rosa-dos-ventos para mostrar a diferença entre o pólo magnético e o geográfico, além de comprovar que a discussão sobre o formato da Terra é muito antiga A Terra numa vassoura Eratóstenes era um bibliotecário de Alexandria, no Egito. De tão curioso, se tornou astrônomo. Isso porque leu num papiro que em Siena (atual cidade de Assuã) havia um poço no qual era possível ver a imagem do Sol projetada por inteiro no dia do solstício de verão, época que marca o início dessa estação no hemisfério norte. Deduziu que, se um gnômon fosse colocado junto ao poço, não projetaria sombra. Ele também sabia que em Alexandria, no mesmo dia, o Sol projetava uma sombra cujo ângulo era de 7,2 e que a distância entre a cidade onde vivia e Siena era de 800 quilômetros (5 mil estádios, na medida da época). A geometria nos ensina que, se duas retas paralelas interceptam uma transversal, os ângulos correspondentes serão iguais (como no esquema ao lado). Se imaginarmos dois raios partindo do centro da Terra até as duas cidades, eles também formariam um ângulo de 7,2. Por meio de uma regra de três, Eratóstenes deduziu que 7,2 está para 800 quilômetros assim como 360 correspondem à circunferência terrestre. O resultado, de 40 mil quilômetros, ficou bastante próximo do diâmetro verdadeiro da Terra, calculado muitos séculos mais tarde por satélites em 40075 quilômetros uma margem de erro de 0,19%! Para repetir a experiência, basta medir num mapa a distância em linha reta de sua cidade até a linha do Equador, pois lá o Sol do meio-dia não projeta sombra em qualquer época. Boa hora para rever (ou ensinar) como trabalhar com escalas. Substituindo o ângulo obtido por Eratóstenes pela latitude local e a distância entre Alexandria e Siena pela de sua cidade até o Equador, seus alunos também encontrarão o tamanho da Terra. Você pode fazer até melhor do que isso: aguardar o próximo equinócio (o da primavera é dia 23 de setembro) e medir o ângulo formado ao meio-dia real, ou seja, a menor sombra. Fixando um barbante na ponta do gnômon e ligando-o à ponta da sombra, o ângulo formado entre o gnômon e o barbante será igual à latitude de sua cidade indicada nos mapas. A turma estará usando o mesmo raciocínio de Eratóstenes. Faça uma rosa-dos-ventos usando o gnômon, giz e barbante

Por volta das 10 horas da manhã, os alunos do Pueri Domus marcaram a altura da sombra (A). Um deles segurou um fio de barbante junto ao pé do gnômon e outro traçou com giz, partindo do ponto assinalado pela manhã, uma circunferência. Por volta das 14 horas, eles marcaram o instante exato em que a sombra atingiu a linha traçada com giz (B). A marca da tarde vai indicar a posição do Sol equivalente à que foi assinalada pela manhã. Traçando uma linha exatamente na metade dos dois pontos (bissetriz), temos a direção norte-sul e o meio-dia (C). Com ela definida, é possível marcar a linha leste-oeste, que forma um ângulo de 90 com a nortesul, e as intermediárias (nordeste-sudoeste e sudeste-noroeste). Vale a pena observar que, se usarmos uma bússola, o norte apresentará um pequeno desvio, pois o pólo magnético não corresponde exatamente ao pólo celeste. O porquê das estações Além de ensinar conteúdos de astronomia e geometria, esse método ajuda a elaborar questões. Tal tarefa, geralmente, fica só com os professores, o que é uma grande perda. "O aluno precisa saber perguntar. Assim, desenvolve sua capacidade de olhar para uma coisa cotidiana e perceber algo a ser descoberto" afirma Nelio Bizzo, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e coordenador do Projeto Sky, que envolve 30 escolas desde 1995, no Brasil, na Suécia, na Inglaterra, nos Estados Unidos e no Japão. Trabalhar com as sombras projetadas pelo gnômon atiçará a curiosidade dos alunos sobre outros temas, como as estações do ano. Anotando o tamanho

da sombra ao longo de vários meses, sempre ao meio-dia, é possível descobrir que a marca mais longa indica o início do inverno, enquanto o primeiro dia do verão tem a sombra mais curta. A metade é sinônimo de primavera e outono. Durante as medições, todos vão perceber que a posição do Sol no horizonte varia de acordo com a época do ano. A experiência serve também para desfazer um erro comum, até entre professores, de associar as estações à distância em relação ao Sol. Está errado dizer que "quando a Terra está mais distante do Sol é inverno; e mais próxima, verão". É a inclinação do planeta sobre o próprio eixo, responsável pelo movimento aparente do astro no horizonte, que determina as estações do ano. O verão no Sul significa uma maior exposição aos raios solares, por causa da inclinação do eixo terrestre. No inverno, a situação se inverte. Entre uma inclinação máxima e outra (os solstícios de verão e de inverno) estão os equinócios (de primavera e de outono), momentos em que o Sol está cruzando a linha do Equador. Portanto, em 23 de setembro, esteja a postos para provar, mais uma vez, que o principal instrumento científico da humanidade é formado pela união do olho com o cérebro. A mais antiga das ciências Entender o funcionamento das estações do ano era vital para os primeiros humanos que se tornaram agricultores: eles precisavam saber qual o período mais adequado para o plantio e para a colheita. Nossos antepassados também perceberam que do céu era possível extrair elementos confiáveis para se localizar espacialmente. Assim, podiam sair para caçar e achar o caminho de volta. Buscando aprimorar seus calendários, muitos povos fizeram observatórios, mesmo sem dominar a escrita. É o caso de Stonehenge, na Inglaterra, construído há 5 mil anos, com suas enormes pedras dispostas de tal maneira que era possível prever o início de cada estação do ano. O mais antigo documento de caráter claramente astronômico foi encontrado na Babilônia e data de cerca de 1800 a.c., época da dinastia de Hamurábi. Mostra uma série de estrelas fixas. Dependentes das enchentes do Rio Nilo para a agricultura, os egípcios foram os primeiros a descobrir que o ano tinha 365 dias. Criaram, assim, o calendário solar, dividido em três quadrimestres, com os meses da

inundação, da germinação e da colheita. Também conseguiram medir a circunferência da Terra com surpreendente exatidão. A discussão sobre a esfericidade foi herdada pelos gregos, que fixaram os solstícios e equinócios com mais precisão. Muitos séculos antes de 1522, quando Fernão de Magalhães fez sua viagem de circunavegação, egípcios e gregos tinham certeza que isso era possível. E mais: sabiam até que a Terra tinha 40000 quilômetros de circunferência. Quer saber mais? Escola Unidade Jardim Pueri Domus, R. Silveiras, 70, CEP 09071-100, Santo André, SP, tel. (0 11) 4993-5200 BIBLIOGRAFIA Uma História da Astronomia, Jean-Pierre Verdet, 309 págs., Ed. Jorge Zahar, tel. (0 21) 2240-0226, 38 reais INTERNET Veja como construir e utilizar o gnômon neste site: www.darwin.futuro.usp.br/sky Endereço da página: https://novaescola.org.br/conteudo/3059/astronomia-a-olho-nu Links da página http://www.darwin.futuro.usp.br/sky Publicado em NOVA ESCOLA Edição 153, 01 de Junho de 2002