EXECUÇÃO DE SENTENÇA À LUZ DA LEI 11.232/2005 Wesley Paula Andrade INTRODUÇÃO O nosso sistema processual civil, representado, sobretudo, pelo Código de Processo Civil (Lei n 5.869, de 11 de janeiro de 1973), era constantemente achincalhado, acusado de moroso, paternalista, custoso e, principalmente, de preocupado com as tutelas patrimoniais em detrimento das tutelas protetivas dos direitos de personalidade. Visando a dar maior credibilidade ao processo, em busca de uma efetividade na prestação jurisdicional, as reformas veementes do Código de Processo Civil tiveram início em 1993, com acentuadas modificações em 1994 e 1995; após, uma segunda etapa desenvolveu-se em 2001 e 2002; em 2005, tem início um terceiro ciclo de alterações, sobretudo com a edição da Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005. No entanto, o que mudou na execução de sentença com a entrada em vigor da Lei n 11.232/05? Sentença passa a ser manifestação conclusiva sobre uma etapa do processo, e não mais do processo em si. Tal conceituação implementa, sem mais delongas, a nova racionalização concebida à forma de cumprimento da sentença. A dicotomia conhecimento/execução não mais existe, passando a vigorar como regra geral a continuação do processo, visto agora como processo uno. Neste sentido, alterado também foi o art. 463 do Código de Processo Civil, uma vez que a publicação da sentença não mais esgota o ofício jurisdicional, mas apenas, como dito, conclui uma fase processual, mantendo-se a atividade hígida e latente. Contudo, é válido ressaltar que o impulso oficial para seguimento do processo vai até a sentença. A liquidação do julgado, bem como seu cumprimento, ainda dependem de iniciativa da parte. As alterações não tiveram o condão de atingir o
princípio dispositivo, sendo ainda do litigante a integral responsabilidade (disponibilidade) em manifestar sua intenção no prosseguimento do feito após a resolução. O objetivo deste trabalho é apontar as mudanças ocorridas na execução de sentença, identificando as dificuldades que os intérpretes terão com a entrada em vigor da nova lei, e verificar quais foram às alterações com advento da Lei n. 11.232/05. 1 A EXTINÇÃO DOS PROCESSOS DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA E DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA A execução é o momento da tutela jurisdicional na qual a parte credora pede ao Estado-juiz que concretize o cumprimento de uma prestação inadimplida pelo devedor, reconhecida em sentença judicial ou em outro documento a que a lei atribua essa prerrogativa, por meio de atos coercitivos que importem em expropriação do patrimônio ou na imposição específica da obrigação inadimplida. O processo civil sempre foi marcado pela clássica divisão de tutelas. Uma das principais alterações trazidas pela Lei 11.232/2005 foi a adoção do modelo sincretista de tutelas (ALMEIDA JÚNIOR, 2006, p.91), ou seja, a liquidação de sentença deixou de ser um processo autônomo e passou a figurar apenas como uma fase de processo de conhecimento que deu origem ao título executivo judicial. No processo de conhecimento, a atividade desenvolvida era meramente cognitiva, visando à certeza jurídica quanto ao direito que deve solucionar o conflito, mediante a formulação da norma jurídica concreta (MOREIRA, 1998, p.3). O juiz conhece dos fatos afirmados e provados pelas partes e do direito abstrato, para decidir a controvérsia. A sentença, declarando o direito concretamente, deve reger a situação vivenciada pelas partes. Com a definitividade da decisão, formando-se coisa julgada, o processo de conhecimento atingia seu fim. Assim, tinha-se dois processos, com dois tipos de tutelas específicas, para se alcançar o mesmo fim: a busca da efetividade da prestação jurisdicional (ALMEIDA JÚNIOR, 2006, p.92). O sincretismo das tutelas tem sido louvado pela doutrina (FIGUEIRA JÚNIOR, 2002, p. 03). Certamente faz a prestação jurisdicional mais ágil, célere,
tornando ainda mais eficaz. E essa tendência sincrética é a força motriz da Lei nº 11.232/2005, que parece ser a peça principal da terceira onda reformista do Código de Processo Civil. Para se ter uma idéia superficial, a execução de título extrajudicial é suprimida. Em seu lugar sobrevém o denominado instituto do cumprimento da sentença. Contudo, esse agora está localizado dentro do processo de conhecimento, como ato contínuo e, ocorrente sem necessidade de instauração da sucessiva execução judicial, não há mais citação da parte, mas apenas intimação na pessoa de seu advogado (art. 475-A, 1º), nem a decisão que julga é sentença, sendo conhecida expressamente sua natureza de decisão interlocutória. A Lei n. 11.232/2005, para Rohr (2006), veio consagrar a execução como sendo uma fase processual da ação cujo objeto seja uma prestação pecuniária. 2 DO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA Ao tratar do expediente do cumprimento da sentença, a Lei 11.232/2005 já assenta que é definitiva a execução da sentença transitada em julgado, e provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo (art.475-l do CPC). Uma das principais inovações trazidas pela Lei 11.232/2005 pontua sobre a competência do cumprimento de sentença, que está fixado no art. 475-P, pois, quando a sentença for proferida pelo Juízo Cível de Primeiro Grau, a este competirá cumpri-la, e, da mesma forma, quando houver sentença penal condenatória passível de cumprimento executivo; por outro lado, serão competentes os Tribunais quando o julgamento for de sua alçada. O credor, em caso de descumprimento parcial ou total do valor devido, poderá dar início à penhora e avaliação dos bens do devedor, requerendo ao juiz que assim o faça, instruindo seu pedido com a planilha atualizada e discriminada de seu débito, fazendo incluir a multa de 10% pela inadimplência. No entanto, é-lhe assinalado um prazo de 06 (seis) meses para principiar o cumprimento da sentença, sob pena de arquivamento dos autos, ressalvada, contudo, a possibilidade de seu posterior desarquivamento (art. 475-J, 3º).
O exeqüente poderá, em seu requerimento de constrição e avaliação, indicar desde logo os bens a serem penhorados (art. 475-J, 2º). Frise-se: doravante, assim como nos executivos fiscais, a avaliação ficará a cargo do Oficial de Justiça, que se não a fizer por depender de conhecimentos especializados, deverá o juiz, de imediato, nomear avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo. Evidentemente que as partes deverão manifestar-se sobre o auto, e mesmo sobre o laudo, podendo promover provas em seu favor e atacar a decisão que lhes seja desfavorável, mediante recurso de agravo. Realizado o auto de penhora e avaliação ou só de penhora, conforme as circunstâncias - haverá a intimação do executado. O interessante aqui é que a intimação será feita na pessoa do advogado constituído nos autos. Na falta desse, poderá dar-se a intimação pessoal ou por representante legal, inclusive por correio, sempre sendo assinalada a oportunidade de oferecer impugnação num prazo de 15 (quinze) dias. (art. 475-J do CPC) Desse modo, estão abolidos os embargos executivos de títulos judiciais, fazendo-lhe às vezes a denominada impugnação, que deve ficar circunscrita à análise comparativa entre o requerimento de cumprimento da sentença, fundada na planilha de cálculo, e a decisão que motivou o referido requerimento, além das matérias previstas no art. 475-L do CPC, sob pena de desnaturar a finalidade do procedimento liquidatório e violar a coisa julgada. Outrossim, o prazo de defesa também mudou. Os antes 10 (dez) dias previstos para os embargos são agora substituídos por 15 (quinze) dias prenunciados para a impugnação. Contudo, a discussão sobre o excesso de execução tornou-se mais evidente. Antes os embargantes lançavam mão desse argumento, sem, contudo, darem provas ou meramente indícios do ocorrido. No entanto, com a Lei 11.232/2005: quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação. (art. 475-L, 2º) A Lei 11.232/2005 manteve a redação contida no art. 741, parágrafo único, do CPC, considerando-se inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação
ou interpretação da lei ou ato normativo tidos pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal (art. 475-M do CPC). Ademais, a impugnação, ao contrário dos embargos executivos, não suspende, em regra, o curso da execução. Essa suspensividade fica condicionada ao critério do juiz, podendo atribuí-la desde que relevantes seus fundamentos, e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação (art. 475-M do CPC). No entanto, se for atribuído efeito suspensivo, o autor poderá prestar caução idônea e prosseguir a execução em todos os seus termos, inclusive com atos expropriatórios (art. 475-M, 1º do CPC). Significativa também é a mudança recursal. Agora, da sentença que decide sobre a impugnação cabe recurso de agravo, diferentemente da apelação que desafiava a decisão dos embargos executivos judiciais (art. 475-M, 3º do CPC). Assim, as alterações atingem apenas a execução de título judicial, agora denominada cumprimento de sentença. As medidas atinentes à execução de títulos extrajudiciais mantêm-se intactas. E, cabe ressaltar, aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial (art. 475-R do CPC). Por fim, da análise efetuada, a Lei 11.232/05 merece mais aplausos do que vaias. Verifica-se que a sua grande contribuição não foi apenas a eliminação da autonomia do processo de execução de sentenças, uma vez que o direito processual se preocupava mais em assegurar aos litigantes um rito excessivamente burocrático, em prol de uma dúbia segurança jurídica das decisões judiciais, do que servir de meio eficiente à prestação jurisdicional, conduzindo à celeridade/efetividade processual, mas sim, a liquidação de sentença, que terá início mediante simples intimação do réu; a eventual decisão será impugnada mediante agravo, podendo ainda ocorrer liquidação provisória. Nesse ínterim, o réu que não cumprir espontaneamente sua obrigação, terá sua dívida acrescida de 10%, e será intimado pessoalmente ou por meio de seu advogado para apresentar impugnação, que não terá efeito suspensivo, além da possibilidade de indicação de bens a critério do credor no momento do requerimento inicial de execução. Assim, abstraímo-nos de apontar eventuais problemas, sejam doutrinários
ou práticos, visto que para o momento é necessária a compreensão da legislação que entrou em vigor, uma vez que desejamos que, com essas alterações, possa a população obter mais efetividade e eficácia material nas suas postulações, na busca do bem da vida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA JÚNIOR. J. E. de. A Terceira Onda de Reforma do Código de Processo Civil Leis n o s 11.232/2005, 11.277/2006 e 11.276/2006. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, a. 7, n. 40, p. 88-116, mar/abr. 2006. Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1990, 168p. (Série Legislação Brasileira) FIGUEIRA JÚNIOR, J. D. Comentários à novíssima reforma do CPC Lei 10.444, de 07 de maio de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2002, 03p. MARCATO, A. C. (Coord). Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2005. 8283p. MOREIRA, J. C. B. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1998, 3p. ROHR, J. P. A nova lei de execução: uma vitória da efetividade processual? Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8210>. Acesso em: 02/08/2006.