INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA COGNITIVA, DE LILIAN FERRARI: UM GUIA PRÁTICO PARA ESTUDANTES BRASILEIROS

Documentos relacionados
FERRARI, LILIAN. INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA COGNITIVA. SÃO PAULO: CONTEXTO, Resenhado por Ane Cristina Thurow Universidade Católica de Pelotas

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA CÂMPUS DE ARARAQUARA FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA CÂMPUS DE ARARAQUARA FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS

Módulo 01: As distintas abordagens sobre a linguagem: Estruturalismo, Gerativismo, Funcionalismo, Cognitivismo

PLANO DE ENSINO DA DISCIPLINA BLOCO I IDENTIFICAÇÃO. (não preencher) Topics on Language and Cognition Terça-feira 16h-18h

PLANO DE ENSINO DA DISCIPLINA BLOCO I IDENTIFICAÇÃO. (não preencher) Linguagem e cognição Quarta 16h-18h

18 Introdução à. Semântica

Uma das principais premissas da Linguística Cognitiva (LC) é a de. 1.Introdução. Lilian Ferrari

Entrevista - Leonard Talmy (Professor Emeritus of Linguistics at the University at Buffalo) Para Helen de Andrade Abreu (UFRJ/UC Berkeley)

A interdependência dos componentes sintático, semântico e pragmático

Introdução à perspectiva cognitivista da linguagem: visão geral. Sintaxe do Português II Prof. Dr. Paulo Roberto Gonçalves Segundo FFLCH-USP DLCV FLP

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE LETRAS Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística

Construções de Estrutura Argumental no âmbito do Constructicon da FrameNet Brasil: proposta de uma modelagem linguístico-computacional

Linguística O Gerativismo de Chomsky

Percepção e cognição visual em soluções cartográficas. Claudia Robbi Sluter

RESENHA MARTELOTTA, MÁRIO EDUARDO. MUDANÇA LINGUÍSTICA: UMA ABORDAGEM BASEADA NO USO. SÃO PAULO: CORTEZ, 2011, 135 PÁGS.

Melina Célia e Souza Orientadora: Maria Jussara Abraçado de Almeida Doutoranda. Introdução: definição do objeto de análise e base teórica

1 Disponível em:

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras, Cultura e Regionalidade; Universidade de Caxias do Sul - UCS 2

Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

Metáforas conceptuais em teorias linguísticas

Metáforas primárias e metáforas congruentes: integrações cognitivoculturais

PRIMEIRO SEMESTRE DE 2017 DISCIPLINA: TIPOLOGIA LINGUÍSTICA. PROFA. DRA. MÔNICA VELOSO BORGES

COGNITIVISMO E ESTUDOS DA LINGUAGEM: NOVAS PERSPECTIVAS. Resumo

CONSTRUÇÕES GRAMATICAIS E LAÇOS DE POLISSEMIA: AS EXTENSÕES METAFÓRICAS DE COMUNICAÇÃO VERBAL

Psicologia Cognitiva I

A TRANSITIVIDADE VERBAL EM EDITORIAIS DE JORNAL: PERSPECTIVA COGNITIVO-FUNCIONAL

EQUIVALENTES DE TRADUÇÃO ENTRE PORTUGUÊS, ESPANHOL E INGLÊS NA CONSTITUIÇÃO DE DICIONÁRIO TEMÁTICO TRILÍNGUE PARA A COPA

Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

Sumário. Apresentação... 9

Metáfora. Companion to the Philosophy of Language, Oxford, Blackwell, 1998, pp

INTERPRETANDO PHRASAL VERBS A PARTIR DAS EXTENSÕES METAFÓRICAS DAS PARTÍCULAS

MOVIMENTO OU DEPENDÊNCIAS DESCONTÍNUAS: UMA REFLEXÃO INTRODUTÓRIA SOBRE ABORDAGENS DE INTERROGATIVAS-QU NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Ana Alexandra da Costa Castro Neto

O comportamento polissêmico das preposições de e para

O LIVRO DIDÁTICO ENSINA A LER? A FORMAÇÃO DO LEITOR NAS AULAS DE LÍNGUA INGLESA

Resumo. Palavras-chave: metáfora; compreensão de leitura; processamento de metáforas

Oferta de optativas área de Linguística e Língua Portuguesa

METÁFORAS: UMA ANÁLISE COGNITIVO-DISCURSIVA DE TEXTOS MIDIÁTICOS

UM BREVE PANORAMA SOBRE O LÉXICO EM LINGUÍSTICA COGNITIVA AN OVERVIEW OF LEXICAL APPROACH ON COGNITIVE LINGUISTICS

QUEM CORRE CANSA : METÁFORA E MESCLAGEM CONCEPTUAL PRESENTES EM MÚSICAS POPULARES Antonio Marcos Vieira de Oliveira (UERJ)

METÁFORAS COM VERBOS PONTUAIS DO PB E DO INGLÊS: UMA ANÁLISE DESCRITIVA E COMPARATIVA.

1. Os estudos cognitivos da metáfora a partir da concepção de mente corporificada

METÁFORA: ANALISANDO COMO A METAFORA É PRATICADA EM SALA DE AULA E COMO PODERIA SER TRABALHADA EM SALA DE AULA. COMPREENDENDO TEORIAS.

Aula 11 Desenvolvimento da linguagem: emergência da sintaxe (parte 2)

CTCH DEPARTAMENTO DE LETRAS

CONTEÚDO ESPECÍFICO DA PROVA DA ÁREA DE LETRAS GERAL PORTARIA Nº 258, DE 2 DE JUNHO DE 2014

Ontologias Linguísticas e Processamento de Linguagem Natural. Ygor Sousa CIn/UFPE

Mapeamento da aprendizagem de movimentos expressivos na dança clássica a partir da mesclagem conceitual

A ORDEM DE AQUISIÇÃO DOS PRONOMES SUJEITO E OBJETO: UM ESTUDO COMPARATIVO 10

Tema: Conceitos Fundamentais

METÁFORA E INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA/ADICIONAL: O ENSINO/APRENDIZAGEM DO VOCABULÁRIO DE ILE/A

METÁFORA E MULTIMODALIDADE: O SENTIDO RESULTANTE DA INTERAÇÃO VERBAL/IMAGÉTICO* 1

AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM FIGURADA

OLHA SÓ, OLHA AQUI: CONSTRUÇÕES DE MOVIMENTO CAUSADO PRESUMIDO

Plano de Trabalho Docente Ensino Técnico

Metáfora e metonímia: estratégias discursivas nas construções das manchetes jornalísticas

Metáfora e metonímia: Teoria da Metáfora Conceptual, Metáforas Primárias, interação entre metáfora e metonímia

Guião 1 Anexo (v1.0) 2. Do léxico à frase 2.1. Classes de palavras e critérios para a sua identificação

EMENTÁRIO DAS DISCIPLINAS DO CURSO DE LETRAS-PORTUGUÊS - IRATI (Currículo iniciado em 2015)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS ÁREA DE CONCENRTRAÇÃO: ESTUDOS LINGUÍSTICOS

A INTERAÇÃO ENTRE OS PROCESSOS METAFÓRICO E METONÍMICO NA CONSTRUÇÃO DE SENTIDO DA CHARGE ANIMADA OS LULASTONES. 1

Uma proposta de representação das relações de polissemia em wordnets

CURSO DE GRADUAÇÃO EM LETRAS PORTUGUÊS E ESPANHOL

DESCREVENDO E ANALISANDO METÁFORAS COM VERBOS INCEPTIVOS E PONTUAIS DO PB E DO INGLÊS

1 Introdução. 1 Neste estudo, será utilizando tanto o termo em inglês parsing, como o termo traduzido análise

Descrevendo o processo de ensino e aprendizagem à luz da Teoria da Metáfora Conceptual: uma proposta qualitativa

6 O PAPEL DA METONÍMIA NOS SUBSTANTIVOS X-DO

DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES ESCRITAS EM LÍNGUA INGLESA

ANÁLISE DE ESQUEMAS IMAGÉTICOS NO DISCURSO DE MEMBROS DA FRENTE PARLAMENTAR EVANGÉLICA: UMA VISÃO COGNITIVA

CURRÍCULO DO CURSO. 1º período

Considerações finais

VERBOS DE EVENTO COMERCIAL: Uma Abordagem Funcionalista-Cognitivista

ABORDAGENS COMPUTACIONAIS da teoria da gramática

sintaticamente relevante para a língua e sobre os quais o sistema computacional opera. O resultado da computação lingüística, que é interno ao

COMUNICAÇÃO EGOCENTRADA: UM ESTUDO DE MAPAS MENTAIS, SUBJETIVIDADE E SELF DE EXCLUSÃO EM CASOS DE CIBERBULLYING 1

PLANO DE ENSINO DA DISCIPLINA BLOCO I IDENTIFICAÇÃO. (não preencher) Psicolinguística do Bilinguismo Segunda 09h-12h

MATRIZ CURRICULAR LETRAS PORTUGUÊS/INGLÊS E RESPECTIVAS LITERATURAS

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CONSELHO SUPERIOR DE ENSINO E PESQUISA RESOLUÇÃO N.º 3.588, DE 04 DE SETEMBRO DE 2007

Workshops and games on linguistic variation

III SEMINÁRIO DE ESTUDOS SOBRE O PORTUGUÊS EM USO. Usos morfológicos do português

CONSTRUÇÕES DE MOVIMENTO CAUSADO PRESUMIDO OLHA AQUI, OLHA ALI, OLHA LÁ Sandra Bernardo (UERJ / PUC-Rio)

ASPECTOS MORFOSSINTÁTICOS DA LIBRAS: NOME E VERBO NO PROCESSO DE AQUISIÇÃO

Sumário LINGÜÍSTICA E LINGUAGEM Apresentação Lingüística Funções da linguagem Dupla articulação... 37

MATRIZ CURRICULAR DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM LETRAS PORTUGUÊS E ESPANHOL - LICENCIATURA

Plano de Ensino Componente Curricular: Curso: Período: Carga Horária: Docente: Ementa Objetivos

VARIAÇÃO LÉXICO-SEMÂNTICA EM DADOS DE FALA DE JACARAÚ/PB: UM ESTUDO DE CASO

Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

O SISTEMA METAFÓRICO DA MORALIDADE: UMA ABORDAGEM COGNITIVISTA

MOURA, Heronides; GABRIEL, Rosângela. Cognição na linguagem. Florianópolis: Insular, 2012, 240pp.

Morfologia dos gestos

SOBRE A IDENTIDADE DA METÁFORA LITERÁRIA Uma análise do romance d a pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta

O USO DE RECURSOS METAFÓRICOS OU NÃO- CONGRUENTES NA LINGUAGEM EMPRESARIAL. Fátima Beatriz De Benedictis DELPHINO (PUCSP)

SIMPÓSIO: MOTIVAÇÃO CONCEPTUAL NO LÉXICO E NA GRAMÁTICA: ESTUDOS EM LINGUÍSTICA COGNITIVA

Pensamento e linguagem

Os desafios da anotação de um corpus da linguagem do futebol com frames semânticos

A CATEGORIZAÇÃO RESULTANTE DO MODELO METONÍMICO Natália Elvira Sperandio

Disciplina: Tópicos em Linguística Aplicada: Metáfora, Metonímia e Blending na Língua e Cultura

MATRIZ CURRICULAR DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM LETRAS PORTUGUÊS E ESPANHOL - LICENCIATURA

Transcrição:

ISSN 1806-9509 INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA COGNITIVA, DE LILIAN FERRARI: UM GUIA PRÁTICO PARA ESTUDANTES BRASILEIROS INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA COGNITIVA, BY LILIAN FERRARI: A PRACTICAL GUIDE FOR BRAZILIAN STUDENTS Aline Nardes dos Santos 1 aline.nardes@gmail.com Diego Spader de Souza 2 dspadersouza@gmail.com O livro Introdução à Linguística Cognitiva, de Lilian Ferrari (2011) tem por objetivo facilitar a compreensão do movimento da Linguística Cognitiva no cenário nacional (FERRARI, 2011, p. 9), buscando suprir a necessidade de materiais didáticos sobre o assunto em território brasileiro. A motivação para a escrita da obra surgiu da experiência da autora com o ensino na área, ao longo de quinze anos, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dessa forma, estabelece-se como prioridade o compromisso didático do texto, no intuito de se disponibilizar um material prático e acessível aos interessados na área de Linguística Cognitiva (doravante LC), marcada pelo forte caráter interdisciplinar. Dessa forma, a obra se destina especialmente a estudantes universitários de graduação ou pós-graduação em Letras/Linguística e áreas afins, servindo também como material de apoio a docentes do ensino superior. Tendo como principal público-alvo leitores pouco familiarizados com os modelos integrantes do paradigma da LC, Ferrari opta por uma segmentação de teorias em capítulos, embora deixe claro que os temas são convergentes, estando separados apenas para possibilitar o recorte didático. Na introdução, indica-se a interdependência entre os capítulos, fazendo com que a leitura de algumas seções tenha como pré-requisito a abordagem de conceitos tratados em capítulos anteriores. Ainda no sentido de proporcionar a aprendizagem dos temas estudados de forma prática, cada capítulo traz uma seção de exercícios de análise, conforme os principais conceitos abordados. À parte da seção introdutória, das conclusões e da bibliografia concernente aos temas, o livro subdivide-se em oito capítulos, partindo-se de uma introdução ao paradigma 1 Graduanda em Letras Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Bolsista de Iniciação Científica pelo Grupo SemanTec. 2 Licenciado em Letras Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da mesma instituição. 311

(incluindo seu contexto de surgimento), para então se abordarem os modelos teóricos que constituem o campo da LC. O capítulo 1, O que é Linguística Cognitiva?, traz o contexto de surgimento da LC, marcado pela insatisfação de alguns teóricos em relação ao tratamento dado à Semântica e à Pragmática pelo Gerativismo (FERRARI, 2011, p. 13). A autora é cuidadosa em ressaltar a importância dos estudos de Chomsky no que tange à abordagem da cognição, embora a LC se afaste do modelo gerativista ao defender, dentre outros aspectos, uma perspectiva não modular da linguagem. Ao longo do capítulo, Ferrari explica como a LC atribui à cognição um papel de mediadora entre palavra e mundo, indicando que o significado é enciclopédico, ou seja, é uma construção que envolve fatores não linguísticos, tais quais as experiências do falante e seu contexto sociocultural. Também se destaca a perspectiva empirista do modelo teórico, mostrando como a natureza do corpo humano determina a percepção de mundo de um indivíduo e, consequentemente, o modo como este interage através da linguagem. No capítulo Categorização, Ferrari agrupa teorias da LC que demonstram como o ser humano cria, ativa e diferencia categorias a partir de sua experiência de mundo. Explicam-se a metodologia e os resultados da pesquisa de Berlim e Key (1969), que mostraram como as chamadas cores focais e suas denominações eram compartilhadas entre línguas, indicando uma motivação subjacente à categorização das cores, assentada na existência de tons básicos. A Teoria dos Protótipos, de Rosch (1973) também é abordada, evidenciando-se que a cognição humana ativa certas categorias prototípicas diante de determinados conceitos; contudo, conforme comprovou o estudo de Labov (1973) quanto a fronteiras de categorias, os limites entre um conceito e outro são imprecisos, variando conforme as experiências dos falantes. Por fim, Ferrari aborda o papel do contexto e dos modelos culturais na construção do significado, os quais influenciam diretamente a forma como indivíduos estruturam o significado através de categorias. O capítulo 3, intitulado Frames e modelos cognitivos idealizados, inclui duas teorias que [...] explicitam a interação de estrutura linguística e sistemas de conhecimento não linguísticos, ancorados na experiência física e sociocultural (FERRARI, 2011, p. 10). Para explicar Semântica de Frames (FILLMORE, 1975, 1977, 1982, 1985) a autora apresenta um esquema do clássico exemplo da transação comercial, através do qual se mostra como os verbos comprar, vender, custar, pagar, dentre outros, estão ligados a um só evento, que possui como participantes as entidades vendedor, comprador, mercadoria e valor. Ferrari também explica o papel das valências verbais na teoria de Fillmore, exemplificando o 312

conceito com esses mesmos verbos. Quanto à teoria dos Modelos Cognitivos Idealizados MCIs (LAKOFF, 1987), evidencia-se no texto como o conceito se atrela ao de Fillmore, já que caracteriza [...] um conjunto complexo de frames distintos (FERRARI, 2011, p. 53). A partir de então, a autora mostra de que maneira os três princípios estruturantes de Lakoff estrutura proposicional, esquemas imagéticos e projeção metafórica ou metonímica fundamentam a conceptualização dos MCIs. Em Gramática Cognitiva, são abordadas as teorias convergentes de Langacker (1987, 1991) e Talmy (1985), tencionando-se explicitar [...] a contribuição de cada uma delas para o detalhamento do processo cognitivo de perspectivização 3. (FERRARI, 2011, p. 10, grifo da autora). Os conceitos langackerianos explanados são os de domínio, domínio matriz e imagética convencional, mostrando-se como a descrição das estruturas semânticas incorporam a descrição do seu domínio, cujo conteúdo se organiza a partir de determinadas dimensões imagéticas. A segunda parte do capítulo é dedicada ao sistema imagético de Talmy, quando Ferrari explica cada uma das noções semânticas que são sistematicamente especificadas em todas as línguas conforme essa teoria, quais sejam dimensão, plexidade, delimitação e divisão. Por fim, a autora aprofunda um pouco mais a noção de esquema imagético, mencionada no capítulo anterior. Metáfora e metonímia são o tema do capítulo 5, que detalha ambos os conceitos sob a ótica da LC. Ferrari parte da obra Metaphors we live by, que marcou o nascimento da Teoria da Metáfora Conceptual (LAKOFF; JOHNSON, 1980), para explicar como o fenômeno metafórico está relacionado a noções de perspectiva, tempo, espaço e movimento. Além do conceito de metáfora do conduto (REDDY, 1979) e sistemas metafóricos (LAKOFF, 1993), a autora ainda traz o conceito de personificação, que Lakoff e Turner (1989) estudaram a partir de textos literários, e também a relação que esquemas imagéticos e polissemia mantêm com a metáfora. Na seção dedicada à metonímia, Ferrari mostra que os cognitivistas veem o fenômeno como uma projeção entre dois domínios, diferentemente da metáfora, que envolve apenas um. A autora ainda explora a relação entre metáfora e metonímia através do processo de metaftonímia, resultante da interação entre ambos os conceitos. No capítulo A teoria dos espaços mentais, explora-se a proposta de Fauconnier (1994, 1997), mostrando-se como os espaços mentais são criados à medida que o discurso se desenvolve. (FERRARI, 2011, p. 109). O conceito de projeção entre domínios é explicado 3 Na Linguística Cognitiva, esse conceito de perspectivização refere-se ao fato de que o significado não é somente uma reflexão direta do mundo, mas sim uma forma de se ver e construir a realidade de acordo com uma perspectiva em particular. Para maior aprofundamento, recomendamos a consulta ao texto de Geeraerts (2006). 313

em seguida, usando-se exemplos concretos para se ilustrar como dois espaços mentais distintos o de Realidade e o de Representação podem se relacionar em determinada sentença. Ademais, são abordadas as noções de referências anafóricas e ambiguidades referenciais, além dos fatores tempo e modo como organizadores dos espaços mentais. Finalmente, traz-se o conceito de mesclagem conceptual enquanto origem da nossa aptidão para inventar novos sentidos. (FERRARI, 2011, p. 120). A autora ainda aborda a maneira como as mesclagens são aplicadas a construções sintáticas através das construções XYZ (TURNER, 1991) e como se relacionam com o conceito de metáfora. Intitulado Gramática de construções, o capítulo 7 mostra de que maneira continuum léxico-sintaxe é abordado nessa vertente. Ferrari começa por explicar o conceito de construção gramatical, o qual abarca tanto expressões linguísticas simples quanto complexas (FERRARI, 2011, p. 130). Também aborda-se a pesquisa de Fillmore, Kay e O Connor (1988) sobre tipologias de expressões idiomáticas, explicando-se cada uma das categorias. Em um segundo momento, apresentam-se as redes construcionais, advindas do estudo de Goldberg (1995). Os laços de herança entre construções sintáticas, em especial os laços polissêmicos, são exemplificados em língua inglesa (com tradução para o português) e também esquematizados em quadros. Por fim, a autora ilustra, também com exemplos, as relações pragmáticas concernentes a essas construções sintáticas. O capítulo 8 trata de Modelos baseados no uso e aquisição de linguagem, iniciando-se com a retomada da teoria chomskyana relativa ao desenvolvimento da habilidade da linguagem. Em seguida, Ferrari explica como diversas áreas do conhecimento, dentre elas a de Linguística Cognitiva, contribuíram para que, a partir dos anos 1980, o foco não fosse mais a aquisição da Gramática Universal, mas sim a aquisição de unidades linguísticas (FERRARI, 2011, p. 149). A autora passa então a tratar das principais premissas referentes aos Modelos Baseados no Uso, através dos quais a habilidade da linguagem se exprime por símbolos linguísticos que comportam construções nucleares e periféricas. Dentro desse paradigma, as habilidades cognitivas de identificação de padrões e leitura de intenções (TOMASELLO, 2003) são abordadas como propriedades relacionadas a outros domínios cognitivos para além da linguagem, justificando a rejeição ao inatismo proposto por Chomsky, que desconsiderava propriedades não linguísticas relacionadas ao processo de aquisição. Na conclusão da obra, Ferrari volta a enfatizar o caráter didático do trabalho, fator que motivou a divisão de teorias convergentes em capítulos menores, de forma a possibilitar uma simplificação do conteúdo, sem perder de vista o cunho científico do texto. A ordem dos 314

capítulos é bem planejada, dado que alguns conceitos são antecipados e aprofundados em capítulos seguintes, como os esquemas imagéticos, que aparecem nos capítulos 4 e 5. Contudo, as partes inter-relacionadas da obra têm como fator negativo a dificuldade em se explorarem os capítulos de forma mais independente, conforme os interesses do leitor. Os prérequisitos para cada parte são informados na introdução, mas poderiam ser também recuperados nos respectivos capítulos, caso o leitor não seguisse a ordem estabelecida. Destaca-se a seção de exercícios ao final de cada parte, reforçando o objetivo didático da obra. Assim, Ferrari permite que os leitores aproveitem a leitura para realizar atividades práticas de análise, cujo conteúdo é coerente com os conceitos apresentados ao longo do capítulo. Alguns exercícios incitam a busca de exemplos em outros materiais, como revistas, tornando o recurso um interessante recurso para professores da área. Considera-se que o oferecimento de um estudo independente complementa positivamente o livro, contribuindo para que o conteúdo seja acessível. Nesse sentido, reforça-se a pertinência do trabalho devido à escassez de materiais didáticos sobre o assunto em território brasileiro, além do fato de que muitas obras representativas no âmbito da Linguística Cognitiva ainda não foram traduzidas para o português, dificultando-se o acesso a textos basilares. Abordar a LC com um objetivo didático não é tarefa fácil, mas Ferrari obtém êxito em balancear a informação com exemplos, esquemas e exercícios. Sabendo que o contato inicial de um leitor não familiarizado com o tema não dispensa o devido aprofundamento nos modelos teóricos referidos, a linguista traz toda a bibliografia para consulta ao final do livro. A referência constante ao aporte teórico e o fornecimento de notas quando necessário mostram a preocupação da autora, enquanto pesquisadora, em disponibilizar uma obra sólida no que tange ao conteúdo científico. E como docente da área, Ferrari também demonstra sua experiência no ensino do tema, enriquecendo cada capítulo com exemplos do cotidiano e adaptando as ilustrações dos autores conforme seus propósitos. Como o título da obra já indica, trata-se de uma introdução à Linguística Cognitiva, que certamente pode tornar os leitores mais familiarizados com as teorias abordadas, encaminhando-os a estudos mais aprofundados. 315

Referências BERLIN, B.; KEY, P. Basic color terms: their universality and evolution. Berkeley: University of California Press, 1969. FAUCONNIER, G. Mental spaces. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.. Mappings in thought and language. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. FERRARI, L. Introdução à Linguística Cognitiva. São Paulo: Contexto, 2011. FILLMORE, C. J. An alternative to checklist theories of meaning. In: Cogen, C. et al. (Eds.). Proceedings of the First Annual Meeting of the Berkeley Linguistics Society. Berkeley: Berkeley Linguistics Society, 1975. p. 123-31.. Scenes-and-frames semantics. In: ZAMPOLLI, A. (Ed.): Linguistic structures processing: fundamental studies in computer science, n. 59, North Holland Publishing, 1977. p.55-88.. Frame Semantics. In: Linguistics in the Morning Calm. Seoul, Hansinh Publishing Co., 1982. p.111-137.. Frames and the semantics of understanding. In: Quaderni di Semantica, vol. 6, n. 2, 1985. p.222-254..; KAY, P.; O Connor, C. Regularity and idiomacity in grammatical constructions: the case of let alone. In: Language. v. 64, p. 501-538, [S.l.], 1988. GEERAERTS, D. Introduction: A rough guide to Cognitive Linguistics. In: GEERAERTS, D. (Ed.). Cognitive Linguistics: Basic Readings. Berlin: Mouton de Gruyter, 2006. GOLDBERG, A. Constructions. Chicago: University of Chicago Press, 1995. LABOV, W. The boundaries of words and their meanings. In: BAILEY, C.; SHUY, R. (Eds.) New ways of analyzing variation in English. Washington DC: Georgetown University Press, 1973. p. 340-373. LAKOFF, G. Women, fire, and dangerous things: what categories reveal about the mind. Chicago: The University of Chicago, 1987..; JOHNSON, M. Metaphors we live by. Chicago: The University of Chicago Press. 1980..; TURNER, M. More than Cool Reason: a field guide to Poetic Metaphor. Chicago: University of Chicago Press, 1989. LANGACKER, R. Foundations of cognitive grammar: Theoretical prerequisites. Standford: Standford University Press, 1987. 316

. Foundations of cognitive grammar: Descriptive aplications. Standford: Standford University Press, 1991. REDDY, M. The conduit metaphor: a case of frame conflict in our language about language. In: ORTONY, A. Metaphor and thought. Cambridge: Cambridge University Press, 1979. p. 164-201. ROSCH, E. Natural categories. In: Cognitive Psychology, [S.l.], v. 4, n. 3, p. 328-350, 1973. TALMY, L. Lexicalization patterns. Semantic structure in lexical form. In: SHOPEN, T. (Ed.) Language typology and syntactic description. Cambridge: CUP, 1985. p. 36-149. TOMASELLO, M. First verbs: a case study of early grammatical development. New York: Cambridge University Press, 1992. TURNER, M. Reading minds: the study of English in the age of cognitive science. Princeton: Princeton University Press, 1991. 317